John Bellamy Foster
The Washington Post
O rendimento nacional pode comparar-se a uma torta. Se de um ano para o seguinte a torta cresce, todos podem obter uma fatia maior. Ao contrário, se o tamanho da torta continua o mesmo, uma fatia maior para alguns só pode significar uma fatia menor para os outros.
Isto ajuda-nos a compreender o péssimo estado da economia dos EUA e o ímpeto ganho pela campanha eleitoral de Bernie Sanders, que se refere aos trabalhadores e às suas famílias. Durante décadas o crescimento da economia dos EUA estagnou e, década após década, verificava-se um menor ratio de crescimento. Nestas circunstâncias, o rápido incremento das receitas dos de cima – aqueles a quem Sanders gosta de chamar a "classe milionária" – dá-se à custa das receitas (a parte da torta) dos de baixo.
Os 400 multimilionários do país acumulam mais riqueza que metade dos rendimentos salariais dos de baixo; isto é, cerca de 1.350 milhão de pessoas. A parte dos salários no rendimento nacional foi caindo ao mesmo tempo que os rendimentos dos detentores de bens de produção iam subindo. Os trabalhos são mais precários. Muitas pessoas foram expulsas do mercado de trabalho. Ainda que o desemprego oficial tenha decrescido nos últimos cinco anos, torna-se difícil conseguir bons trabalhos com salários dignos. Cada vez há mais pessoas a cair na pobreza. A maioria dos estudantes no setor público está classificada como pobre ou quase pobre.
O establishment político, baseado no bipartidarismo dos partidos Democrata e Republicano menosprezou largamente a deterioração das condições de vida da maioria das pessoas. Visto que os pobres, incluindo os trabalhadores pobres são menos propensos a votar e têm pouca influência, pelo que são facilmente descartáveis. O dinheiro domina a todos os níveis a política nos EUA. A resolução do Supremo Tribunal de Justiça, Citizens United, que em 2010 abriu as portas às doações ilimitadas manchou irremediavelmente a imagem da democracia americana. Agora é normal ouvir-se, para citar a memorável frase dos economistas Paul Baran e Paul Sweezy de 1966, que os EUA são "democrata nas formas e plutocrata no conteúdo".
Nas penosas condições da situação política dos EUA como se explica o extraordinário fenômeno da campanha de Bernie Sanders para as eleições presidenciais? Sanders apresenta-se a si-mesmo como um socialista democrático na esteira da fase mais radical da administração de Franklin D. Roosevelt, que propôs uma Carta dos Direitos Econômicos para garantir o pleno emprego e a segurança econômica a todos os americanos.
Ao advogar um socialismo democrático, Sanders promoveu uma política pragmática de esquerda. As suas propostas incluem um forte incremento dos impostos para os milionários, gratuitidade para as mensalidades universitárias e um seguro de saúde de pagamento único, garantindo assistência médica a toda a população independentemente de ter ou não trabalho e dos seus recebimentos. Promove um programa de emprego em linha com o New Deal. Todas as suas propostas são realidades já conseguidas noutros países, particularmente na Escandinávia social-democrata, onde as pessoas têm melhores condições nos indicadores sociais. Apresentando as suas propostas como possíveis nos EUA, Sanders levou a ideia de socialismo – ainda que seja numa versão moderada – da marginalidade ao centro da cultura política dos EUA.
O mais notável do fenômeno Sanders é que apesar da implacável hostilidade dos guardiões do templo midiático (por exemplo, Adam Johnson em fair.org informava que o Washington Post publicou, em 8 de março, 16 histórias negativas sobre Bernie Sanders no espaço de 16 horas) continua a bater recordes de massas na sua campanha. Também obteve mais votos entre as pessoas com menos de 30 anos que Hillary Clinton e Trump juntos, o que aponta para uma menor influência dos grandes meios de comunicação na sociedade americana e um aumento da influência das redes sociais, pelo menos entre as pessoas mais jovens. Como informava David Auerbach: "As redes sociais permitiram aos partidários de Sanders reforçar a ideia de que a exclusão geral de Sanders por parte da grande mídia – inclusive em grande medida da mídia de esquerda – e permitiram, também, que Sanders sobrevivesse mesmo onde em 2008 se tinha afundado".
De tudo isto pode retirar-se uma importante lição, e essa é a da resiliência (capacidade de se sobrepor a acidentes, derrotas...) e capacidade de atração do socialismo com os seus valores de igualdade. O socialismo sempre fez parte da cultura americana. Sem dúvida que, hoje em dia, seria perturbador para o Partido Republicano inteirar-se que um dos escritores políticos favoritos de Lincoln foi Karl Marx, o correspondente europeu do jornal Horace Greeley, o New York Tribune.
Na visão de Sanders do socialismo democrático, uma sociedade que tem carência de igualdade básica e justiça para todas as pessoas não pode considerar-se como uma sociedade democrática em nenhum sentido. Uma democracia viva, real conduz ao socialismo. Para milhões de americanos de hoje, o que Sanders expressa com esta ideia de socialismo democrático é, nada mais nada menos que o sonho americano.
Sobre o autor
John Bellamy Foster is editor of Monthly Review, an independent socialist magazine, and co-author with Robert W. McChesney of “The Endless Crisis: How Monopoly-Finance Capital Produces Stagnation and Upheaval from the USA to China.”
Isto ajuda-nos a compreender o péssimo estado da economia dos EUA e o ímpeto ganho pela campanha eleitoral de Bernie Sanders, que se refere aos trabalhadores e às suas famílias. Durante décadas o crescimento da economia dos EUA estagnou e, década após década, verificava-se um menor ratio de crescimento. Nestas circunstâncias, o rápido incremento das receitas dos de cima – aqueles a quem Sanders gosta de chamar a "classe milionária" – dá-se à custa das receitas (a parte da torta) dos de baixo.
Os 400 multimilionários do país acumulam mais riqueza que metade dos rendimentos salariais dos de baixo; isto é, cerca de 1.350 milhão de pessoas. A parte dos salários no rendimento nacional foi caindo ao mesmo tempo que os rendimentos dos detentores de bens de produção iam subindo. Os trabalhos são mais precários. Muitas pessoas foram expulsas do mercado de trabalho. Ainda que o desemprego oficial tenha decrescido nos últimos cinco anos, torna-se difícil conseguir bons trabalhos com salários dignos. Cada vez há mais pessoas a cair na pobreza. A maioria dos estudantes no setor público está classificada como pobre ou quase pobre.
O establishment político, baseado no bipartidarismo dos partidos Democrata e Republicano menosprezou largamente a deterioração das condições de vida da maioria das pessoas. Visto que os pobres, incluindo os trabalhadores pobres são menos propensos a votar e têm pouca influência, pelo que são facilmente descartáveis. O dinheiro domina a todos os níveis a política nos EUA. A resolução do Supremo Tribunal de Justiça, Citizens United, que em 2010 abriu as portas às doações ilimitadas manchou irremediavelmente a imagem da democracia americana. Agora é normal ouvir-se, para citar a memorável frase dos economistas Paul Baran e Paul Sweezy de 1966, que os EUA são "democrata nas formas e plutocrata no conteúdo".
Nas penosas condições da situação política dos EUA como se explica o extraordinário fenômeno da campanha de Bernie Sanders para as eleições presidenciais? Sanders apresenta-se a si-mesmo como um socialista democrático na esteira da fase mais radical da administração de Franklin D. Roosevelt, que propôs uma Carta dos Direitos Econômicos para garantir o pleno emprego e a segurança econômica a todos os americanos.
Ao advogar um socialismo democrático, Sanders promoveu uma política pragmática de esquerda. As suas propostas incluem um forte incremento dos impostos para os milionários, gratuitidade para as mensalidades universitárias e um seguro de saúde de pagamento único, garantindo assistência médica a toda a população independentemente de ter ou não trabalho e dos seus recebimentos. Promove um programa de emprego em linha com o New Deal. Todas as suas propostas são realidades já conseguidas noutros países, particularmente na Escandinávia social-democrata, onde as pessoas têm melhores condições nos indicadores sociais. Apresentando as suas propostas como possíveis nos EUA, Sanders levou a ideia de socialismo – ainda que seja numa versão moderada – da marginalidade ao centro da cultura política dos EUA.
O mais notável do fenômeno Sanders é que apesar da implacável hostilidade dos guardiões do templo midiático (por exemplo, Adam Johnson em fair.org informava que o Washington Post publicou, em 8 de março, 16 histórias negativas sobre Bernie Sanders no espaço de 16 horas) continua a bater recordes de massas na sua campanha. Também obteve mais votos entre as pessoas com menos de 30 anos que Hillary Clinton e Trump juntos, o que aponta para uma menor influência dos grandes meios de comunicação na sociedade americana e um aumento da influência das redes sociais, pelo menos entre as pessoas mais jovens. Como informava David Auerbach: "As redes sociais permitiram aos partidários de Sanders reforçar a ideia de que a exclusão geral de Sanders por parte da grande mídia – inclusive em grande medida da mídia de esquerda – e permitiram, também, que Sanders sobrevivesse mesmo onde em 2008 se tinha afundado".
De tudo isto pode retirar-se uma importante lição, e essa é a da resiliência (capacidade de se sobrepor a acidentes, derrotas...) e capacidade de atração do socialismo com os seus valores de igualdade. O socialismo sempre fez parte da cultura americana. Sem dúvida que, hoje em dia, seria perturbador para o Partido Republicano inteirar-se que um dos escritores políticos favoritos de Lincoln foi Karl Marx, o correspondente europeu do jornal Horace Greeley, o New York Tribune.
Na visão de Sanders do socialismo democrático, uma sociedade que tem carência de igualdade básica e justiça para todas as pessoas não pode considerar-se como uma sociedade democrática em nenhum sentido. Uma democracia viva, real conduz ao socialismo. Para milhões de americanos de hoje, o que Sanders expressa com esta ideia de socialismo democrático é, nada mais nada menos que o sonho americano.
Sobre o autor
John Bellamy Foster is editor of Monthly Review, an independent socialist magazine, and co-author with Robert W. McChesney of “The Endless Crisis: How Monopoly-Finance Capital Produces Stagnation and Upheaval from the USA to China.”
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