30 de março de 2016

A pauperização por trás da recuperação

O colapso de Dilma Rousseff, a Richard Nixon do Brasil

Nicholas Lemann

Dilma Rousseff, a Presidente do Brasil, e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Um escândalo envolvendo a presidência de Dilma Rousseff colocou em risco o futuro do pacto social do Brasil. Fotografia de Igo Estrela / Getty

Richard Nixon foi reeleito de maneira esmagadora em novembro de 1972 e renunciou em agosto de 1974. Dilma Rousseff, presidente do Brasil, parece estar seguindo o mesmo caminho: reeleita (não de maneira esmagadora) em outubro de 2014, ela corre tanto perigo um ano e meio depois que não parece que vai conseguir finalizar seu mandato. Esta semana, o maior partido em sua coalizão de governo, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, ou PMDB, votou para deixar o governo, que é o mais grave no que deve parecer uma série interminável de golpes.

A causa óbvia da queda de Nixon foi Watergate, e a causa óbvia de Rousseff é o escândalo Lava Jato. Em ambos os casos, o nome pode ser misterioso para os forasteiros. Lava jato significa lavagem de carros e refere-se a uma operação de lavagem de dinheiro de beira de estrada em Brasília que, quando exposta, forneceu a primeira olhada no que acabou por ser um sistema de corrupção quase abrangente. O promotor-chefe do governo, um jovem juiz chamado Sérgio Moro, de uma cidade provinciana no sul do Brasil, está agora investigando gigantes econômicos como a Petrobras, a companhia petrolífera estatal, e a indústria da construção, que tem estado especialmente ocupada no período que antecedeu aos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, no Rio de Janeiro. Todos os dias parecem trazer notícias de outro alto funcionário sob investigação, outro arranjo corrupto descoberto, outra concessão de imunidade em troca de informações.

Escândalos de corrupção são uma característica constante da política no Brasil. O governo tem um papel bem maior na economia do que costuma ter no mundo desenvolvido: há muito negócios controlados pelo Estado, outros subsidiados e outros protegidos legalmente de qualquer competição. Há um sistema parlamentar especialmente complexo e caótico – atualmente, mais de duas dezenas de partidos ocupam cadeiras no Congresso, o que significa que a única forma de conseguir um governo de coalizão é sob uma troca de favores, que muitas vezes é feita na distribuição de ministérios em troca de apoio. A razão pela qual Rousseff, uma burocrata de carreira que nunca havia concorredo a um cargo antes, foi eleita presidente em 2010 é que as pessoas que estavam na fila para o cargo antes dela foram derrubadas durante um escândalo anterior. Um de seus poucos pontos de discussão restantes em sua campanha para evitar o impeachment é que quase nenhum político brasileiro pode se sentir totalmente seguro se a investigação de Moro puder continuar indefinidamente.


Mesmo para os padrões brasileiros, porém, as coisas parecem ter saído do controle nos últimos anos. Por exemplo, os promotores recentemente acusaram João Santana, um dos consultores políticos de Dilma Rousseff e, portanto, apenas uma figura política de segunda ordem, de receber US$ 7,5 milhões em fundos desviados de propinas que grandes empresas pagaram ao governo em troca de contratos. Há agora quase duas dúzias de investigações separadas em andamento sob a ampla rubrica do escândalo da Lava Jato.

Parece improvável que a força motriz da megacorrupção tenha sido a ganância pessoal da austera presidente. Em vez disso, provavelmente foi uma combinação da atmosfera festiva produzida pelo boom econômico da década – em particular, os altos preços do petróleo e a perspectiva das Olimpíadas – e a inaptidão política de Dilma Rousseff. Sem o charme e a astúcia de seu predecessor e mentor, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma parece ter confiado mais em meios nada sutis para se manter no poder. Em particular, como uma esquerdista muito mais intelectualmente consistente do que Lula, Rousseff carece de seu estranho instinto para encontrar uma mistura de políticas que ao mesmo tempo tranquilizem as elites econômicas e proporcionem uma base política esmagadoramente pobre. A tentativa de Rousseff de trazer Lula de volta à política como seu chefe de gabinete parece ter tido dois propósitos: imunizá-lo da acusação e alistá-lo como lobista-chefe anti-impeachment, um papel para o qual ele é naturalmente adequado. A partir de agora, uma liminar impede a nomeação de Lula de avançar, e isso só aumenta a probabilidade de colapso do governo de Dilma Rousseff.

A revolta contra Rousseff é da classe média, em um país onde a classe média ainda não é maioria, como é nos Estados Unidos. Como tudo que acontece na política, trata-se de poder e política, além de corrupção. A mudança abrupta do Brasil da prosperidade para a recessão, causada em parte pela dramática queda nos preços do petróleo, impossibilitou que investidores e políticos continuassem a obter retornos econômicos espetaculares simultâneos. Agora eles são concorrentes, e o improvável consenso presidido por Lula, no qual ex-revolucionários e banqueiros pareciam coexistir felizes dentro de um governo governado por uma organização chamada Partido dos Trabalhadores, acabou.

Os verdadeiros perdedores na reformulação política que deve acontecer no Brasil não serão os políticos corruptos. As dezenas de milhões de beneficiários dos programas sociais criados nos governos de Lula e Dilma, como o Bolsa Família (doações em dinheiro para as famílias) e Minha Casa Minha Vida (habitação social), estão sob risco também. Estes programas são o coração do pacto social no Brasil, da mesma forma que a Segurança Social e Medicare são aqui. Será uma tragédia se, na corrida louca para formar uma nova coalizão política, ela (coalizão) se torne mais favorável aos negócios e deixe para trás o eleitorado.

Nicholas Lemann é redator da The New Yorker e professor da Escola de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é "Transaction Man: The Rise of the Deal and the Decline of the American Dream".

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