Tariq Ali
London Review of Books
London Review of Books
Tradução / O Reino Unido enquanto Estado – a sua economia, a sua cultura, as suas identidades fraturadas e sistema partidário-está numa crise muito mais profunda do que muitos querem aceitar. Os seus governantes, pelo menos em público, permanecem em seminegação. Os políticos ingleses supõem que a ameaça à unidade do Estado tinha sido afastada depois de terem obtido os resultados que queriam no referendo da independência da Escócia. Os resultados das eleições gerais do ano passado sugerem o contrário. O SNP agora exerce um monopólio virtual da representação escocesa na Câmara dos Comuns e a maioria das sondagens de opinião indicam uma pequena maioria a favor da independência escocesa. O impacto disto na crise do Trabalhismo, do antigo e do novo, não deve ser subestimado. É a mudança mais importante e dramática no sistema partidário no Reino Unido desde a fundação do próprio Partido Trabalhista.
Acrescente-se a isto os seguintes factos: 11,3 milhões de votos deram 331 lugares para os conservadores; 9,3 milhões dos Trabalhistas deram-lhes 232 lugares no parlamento e os democratas liberais com 2,4 milhões desceram para oito lugares enquanto os verdes e UKIP ganharam um único lugar no Parlamento cada um, com mais de um milhão e de 3,8 milhões de votos, respetivamente. Um mecanismo eleitoral flagrantemente truncado não é motivo de celebração; seja qual seja, isto não é claramente uma democracia representativa. Ed Miliband demitiu-se imediatamente como líder após a sua derrota e o líder que o substituiu interinamente, Harriet Harman, decidiu não se opor aos Tories sobre os princípios básicos das suas políticas de austeridade: ela sabia que um governo trabalhista pós 2015 teria feito exatamente o mesmo. O Partido Trabalhista que perdeu a eleição era conformista e sem nenhuma visão política: tinha esquecido o que significava ser verdadeiramente oposição.
O novo sistema de eleições para a liderança no partido Trabalhista que Miliband introduziu em 2014 foi concebido como um gesto de conciliação. Ele tinha sido acusado de ganhar a liderança apenas com o apoio dos odiados sindicatos, por ter instituído o sistema de um membro, um voto, com um voto para qualquer eleitor trabalhista ou apoiante que – embora não seja um membro do partido- estava preparado para participar com uma contribuição de $3 (o partido socialista francês tinha usado um método semelhante para eleger Hollande). Foi um passo em frente para a democratização, mas as novas regras também tiveram o apoio avassalador do Partido Trabalhista parlamentar. A maioria dos parlamentares trabalhistas assumiu que, se os eleitores não membros do Partido teriam um qualquer efeito, esse efeito seria o de ajudar a selar o status quo. E assim poderia ter sido se o New Labour tivesse conseguido entretanto aparecer com um candidato credível. A fim de preservar a ficção de que o Partido Trabalhista Parlamentar permanecia uma ampla igreja que favorecia a diversidade e privilegiava os bons debates, alguns blairistas deram o seu voto a apoiar um candidato da minúscula esquerda parlamentar. Esta estratégia já tinha funcionado antes: foi, na última vez, quando David Miliband tinha nomeado Diane Abbott como candidata. Em 2015 eles esperavam que um candidato à esquerda acabasse por tirar o apoio de Andy Burnham, que se tinha feito passar por esquerdista, deixando-se assim a porta aberta para Liz Kendall ou Yvette Cooper.
Entra aqui Jeremy Corbyn à esquerda. Ele pode não ser uma figura carismática, mas ele nunca poderia ser confundido com um produto de relações públicas. Eu compartilhei numerosas plataformas com ele ao longo dos últimos 40 anos e nas questões-chave ele permaneceu sempre firme. Durante os debates pela liderança no Labour ele surgiu como desinteressado nos ratings que lhe eram atribuídos e alheio à imprensa hostil. O Guardian apoiava Yvette Cooper, o Mirror apoiava Andy Burnham. Absolutamente ninguém, incluindo o próprio Corbyn, pensaria que ele poderia ganhar. A sua campanha foi concebida apenas para mostrar que havia uma alternativa à liderança neoliberal que havia governado o país durante as últimas três décadas. Este tipo de campanha apelava aos jovens e aos muitos que tinham deixado o partido enojados pelos anos do par Blair/Brown -o que levou as pessoas a transformaram a sua campanha num verdadeiro movimento social- e isto foi precisamente o que perturbou as cliques dos políticos e dos media.
A campanha de Corbyn gerou um movimento em massa que renovou a base do Partido Trabalhista – quase 200.000 novos membros ou até mesmo mais – e o levou ao triunfo. Ele teve quase tantos votos como todos os seus adversários juntos. Os errados apelos de Blair (“odeiem-me tanto quanto quiserem mas não votem em Corbyn”’) e os ataques disparatados de Brown acusando Corbyn de ser amigo de ditadores (Brown estava-se a referir à Venezuela, ao invés de Arábia Saudita ou do Cazaquistão, os Estados favorecidos pela elite do New Labour) só vieram reforçar o apoio a Corbyn. A coorte dos blairistas que domina as páginas de opinião do Guardian – Jonathan Freedland, Polly Toynbee e outros – teve um impacto nulo sobre o resultado, e isto quando andavam completamente desesperados a querer destruir Corbyn. Eles estavam de tal modo desesperados que deram mesmo por duas vezes espaço a Blair na esperança de o reabilitarem. Naturalmente, o jornal perdeu muitos leitores, incluindo eu.
A vitória de Corbyn não foi baseada na ultraesquerda. As suas opiniões refletiam o que muitos no país sentiam, e este resultado é o que os que no Labour trabalharam contra Corbyn têm muita dificuldade em compreender. Corbyn disse-o ele próprio num dos debates da televisão:
Acrescente-se a isto os seguintes factos: 11,3 milhões de votos deram 331 lugares para os conservadores; 9,3 milhões dos Trabalhistas deram-lhes 232 lugares no parlamento e os democratas liberais com 2,4 milhões desceram para oito lugares enquanto os verdes e UKIP ganharam um único lugar no Parlamento cada um, com mais de um milhão e de 3,8 milhões de votos, respetivamente. Um mecanismo eleitoral flagrantemente truncado não é motivo de celebração; seja qual seja, isto não é claramente uma democracia representativa. Ed Miliband demitiu-se imediatamente como líder após a sua derrota e o líder que o substituiu interinamente, Harriet Harman, decidiu não se opor aos Tories sobre os princípios básicos das suas políticas de austeridade: ela sabia que um governo trabalhista pós 2015 teria feito exatamente o mesmo. O Partido Trabalhista que perdeu a eleição era conformista e sem nenhuma visão política: tinha esquecido o que significava ser verdadeiramente oposição.
O novo sistema de eleições para a liderança no partido Trabalhista que Miliband introduziu em 2014 foi concebido como um gesto de conciliação. Ele tinha sido acusado de ganhar a liderança apenas com o apoio dos odiados sindicatos, por ter instituído o sistema de um membro, um voto, com um voto para qualquer eleitor trabalhista ou apoiante que – embora não seja um membro do partido- estava preparado para participar com uma contribuição de $3 (o partido socialista francês tinha usado um método semelhante para eleger Hollande). Foi um passo em frente para a democratização, mas as novas regras também tiveram o apoio avassalador do Partido Trabalhista parlamentar. A maioria dos parlamentares trabalhistas assumiu que, se os eleitores não membros do Partido teriam um qualquer efeito, esse efeito seria o de ajudar a selar o status quo. E assim poderia ter sido se o New Labour tivesse conseguido entretanto aparecer com um candidato credível. A fim de preservar a ficção de que o Partido Trabalhista Parlamentar permanecia uma ampla igreja que favorecia a diversidade e privilegiava os bons debates, alguns blairistas deram o seu voto a apoiar um candidato da minúscula esquerda parlamentar. Esta estratégia já tinha funcionado antes: foi, na última vez, quando David Miliband tinha nomeado Diane Abbott como candidata. Em 2015 eles esperavam que um candidato à esquerda acabasse por tirar o apoio de Andy Burnham, que se tinha feito passar por esquerdista, deixando-se assim a porta aberta para Liz Kendall ou Yvette Cooper.
Entra aqui Jeremy Corbyn à esquerda. Ele pode não ser uma figura carismática, mas ele nunca poderia ser confundido com um produto de relações públicas. Eu compartilhei numerosas plataformas com ele ao longo dos últimos 40 anos e nas questões-chave ele permaneceu sempre firme. Durante os debates pela liderança no Labour ele surgiu como desinteressado nos ratings que lhe eram atribuídos e alheio à imprensa hostil. O Guardian apoiava Yvette Cooper, o Mirror apoiava Andy Burnham. Absolutamente ninguém, incluindo o próprio Corbyn, pensaria que ele poderia ganhar. A sua campanha foi concebida apenas para mostrar que havia uma alternativa à liderança neoliberal que havia governado o país durante as últimas três décadas. Este tipo de campanha apelava aos jovens e aos muitos que tinham deixado o partido enojados pelos anos do par Blair/Brown -o que levou as pessoas a transformaram a sua campanha num verdadeiro movimento social- e isto foi precisamente o que perturbou as cliques dos políticos e dos media.
A campanha de Corbyn gerou um movimento em massa que renovou a base do Partido Trabalhista – quase 200.000 novos membros ou até mesmo mais – e o levou ao triunfo. Ele teve quase tantos votos como todos os seus adversários juntos. Os errados apelos de Blair (“odeiem-me tanto quanto quiserem mas não votem em Corbyn”’) e os ataques disparatados de Brown acusando Corbyn de ser amigo de ditadores (Brown estava-se a referir à Venezuela, ao invés de Arábia Saudita ou do Cazaquistão, os Estados favorecidos pela elite do New Labour) só vieram reforçar o apoio a Corbyn. A coorte dos blairistas que domina as páginas de opinião do Guardian – Jonathan Freedland, Polly Toynbee e outros – teve um impacto nulo sobre o resultado, e isto quando andavam completamente desesperados a querer destruir Corbyn. Eles estavam de tal modo desesperados que deram mesmo por duas vezes espaço a Blair na esperança de o reabilitarem. Naturalmente, o jornal perdeu muitos leitores, incluindo eu.
A vitória de Corbyn não foi baseada na ultraesquerda. As suas opiniões refletiam o que muitos no país sentiam, e este resultado é o que os que no Labour trabalharam contra Corbyn têm muita dificuldade em compreender. Corbyn disse-o ele próprio num dos debates da televisão:
Nós também como partido tivemos que enfrentar algo que é uma verdade desagradável, que lutamos nas eleições de 2015 com muito boas políticas incluídas no nosso manifesto, mas fundamentalmente contra o facto de que iríamos continuar a fazer cortes continuamente na despesa pública, que iríamos continuar a subfinanciar as administrações locais, que iríamos continuar a ter perdas no volume de emprego, enquanto se continuaria a aumentar o número de pessoas a sofrer por causa dos cortes que iríamos impor, aceitando-se uma data arbitrária para passar a ter excedentes orçamentais, em suma, enquanto se continuava a aceitar a linguagem da austeridade. A minha sugestão é que o partido tem de desafiar a política de austeridade, a política de aumentar o fosso entre os mais ricos e os mais pobres na sociedade e estar preparado para investir numa economia em crescimento, em vez de aceitar o que nos está a ser imposto pela crise financeira e bancária de 2008 a 2009. Nós não temos que definir esta data arbitrária, que com efeito significa que os mais pobres e os mais vulneráveis na nossa sociedade paguem pela crise bancária, em vez de serem aqueles que a provocaram a pagar por isso mesmo.
Como poderia qualquer deputado trabalhista discordar disto? O que eles realmente odiavam era o seu questionamento sobre o setor privado. John Prescott foi autorizado a comprometer-se com a renacionalização dos caminhos-de-ferro na conferência do Partido Trabalhista de 1996, mas depois da vitória de Blair no ano seguinte, o assunto nunca mais foi levantado. Até agora.
Quando lhe perguntei quando é que ele percebeu que poderia realmente ganhar, a resposta de Corbyn era característica do ativista que ele continua a ser: “foi em Nottingham, durante as últimas semanas de campanha… você conhece Nottingham. Normalmente pensamos que 50 ou 60 pessoas numa reunião é uma boa afluência. Eu tinha 400 e havia pessoas lá fora que não conseguiam entrar. Aí pensei então que poderíamos ganhar esta eleição“. As multidões cresceram e cresceram, deixando claro que Corbyn era capaz de mobilizar e inspirar um grande número de pessoas e estava igualmente a tornar claro também o quão frágil era o apoio, fora dos media, que estava a ser dado aos outros candidatos.
A sua eleição animou a cena política inglesa. Os seus horrorizados inimigos no Partido Trabalhista Parlamentar começaram imediatamente a trabalhar para a sua destituição. Lord Mandelson informou-nos que o Partido Trabalhista Parlamentar não iria destruir o seu novo líder imediatamente: “seria errado”, escreveu ele, ‘ estar a tentar forçar esta questão por dentro antes que o público se movimentasse a favor de um veredicto claro’. Blair, irritada com esta explosão da democracia num partido que ele tinha moldado à sua própria imagem, declarou que o Partido Trabalhista seria inelegível a menos que Corbyn fosse destituído. Brown manteve-se relativamente tranquilo, talvez porque ele estava ocupado a negociar a sua própria iniciativa de financiamento privado com a empresa de investimento PIMCO (Ben Bernanke e o ex-presidente do BCE Jean-Claude Trichet estão também a juntar-se no seu “Conselho Consultivo global”). Simultaneamente, o seu antigo chanceler, Lorde Darling, estava já em vias de ir trabalhar para o Morgan Stanley em Wall Street. Blair, conselheira da J.P. Morgan desde 2008, deve-se ter rido. Finalmente, uma reunião do New Labour na terra da liberdade. No fim de contas a regulação leve estava a dar os seus ricos frutos. Praticamente todos os altos quadros dos gabinetes de Blair e de Brown estavam a trabalhar para empresas que tinham sido beneficiadas com as suas políticas. O ex-secretário de saúde Alan Milburn, por exemplo, está na folha de pagamento de várias empresas envolvidas em cuidados de saúde privados e está atualmente a trabalhar para Cameron, na qualidade de presidente da Social Mobility and Child Poverty Commission. Não foi apenas a guerra do Iraque que foi responsável pelo crescente desencanto público com o New Labour.
O establishment decidiu fazer entrar em cena o chefe de Estado-maior da Defesa, Sir Nicholas Houghton. Entrevistado em 8 de novembro, ele confidenciou a um insonso Andrew Marr que o exército estava profundamente irritado com o unilateralismo de Corbyn, que prejudicou fortemente “a credibilidade da dissuasão”. No mesmo programa, Maria Eagle, uma atiradora de elite do Partido Trabalhista Parlamentar com um assento no banco da frente no gabinete do Secretário de defesa do governo sombra, disse essencialmente a Marr que ela concordava com o General. Apenas mais um dia na guerra contra Corbyn. O Sunday Times já tinha feito circular uma entrevista anónima com “um general ainda em serviço”. “Existe um forte sentimento de indignação dentro das forças armadas,” é o que é citado como tendo sido dito pelo referido general anónimo, sobre a própria ideia de um governo Corbyn. “Ver-se-ia… generais direta e publicamente a desafiarem Corbyn sobre… O Tridente [programa nuclear do reino Unido] a sair da NATO e quaisquer outros planos para enfraquecer e diminuir a dimensão das forças armadas… Haveria demissões em massa e isto em todos os escalões… o que seria efetivamente um motim. Não se pode colocar um aventureiro à frente do comando da segurança de um país”. Se alguma coisa expressou bem o baixo nível da cultura política na Grã-Bretanha foi a falta de reação a esta interferência militar na política. Quando Corbyn tentou reclamar, um antigo grande chefe conservador, Ken Clarke, declarou que o exército não responde perante o Parlamento mas perante a rainha. Tudo menos Corbyn, até mesmo uma monarquia das bananas.
Em dezembro, Cameron procurou a aprovação parlamentar para o envio de aviões britânicos para bombardear o estado islâmico na Síria. Do seu ponto de vista, um efeito colateral feliz possível de um voto previsivelmente bem-sucedido era que Cameron poderia assim tornar insustentável a posição de Corbyn como líder. Tendo sido apunhalado pelas costas por Maria Eagle ele estava prestes a ser esfaqueado pela frente por Hilary Benn, cujo discurso desonesto – Hitler, com a guerra civil espanhola lançada em boa altura – foi aplaudido ruidosamente pelos Conservadores e pelos membros blaristas do Parlamento. (Que pena que a discussão de duas horas entre Hilary Benn e o seu pai sobre a guerra do Iraque, de que Hilary era um defensor ardente, nunca tenha sido gravada e transcrita nos diários escritos de Tony Benn – embora ele tenha falado sobre isso com os amigos.) Mas isto, também, não conseguiu desalojar Corbyn. O líder trabalhista – erradamente, na minha opinião – permitiu uma votação livre por insistência de colegas próximos. (John McDonnell, o Chanceler do governo sombra, insistiu que era uma “questão de consciência”.) No final 66 deputados trabalhistas votaram com os Tories para bombardear alvos na Síria. Alguns deles receberam apresentações pelo Ministério da defesa, destinados a convencê-los de que não haveria danos colaterais. Mas a maioria do Partido Trabalhista Parlamentar opôs-se aos bombardeamentos e votou com Corbyn. Frustrados mais uma vez, os média procuraram atribuir o fracasso de não terem mais deputados trabalhistas a votarem a favor do bombardeamento da Síria à “intimidação” da organização “Stop the War”, uma organização de que Corbyn era o Presidente desde a morte de Tony Benn.
Durante mais ou menos uma semana esteve aberta a temporada da coligação antiguerra. Um dos seus efeitos foi assustar os verdes e fazer com que a antiga líder do partido, Caroline Lucas, se demitisse do Comité STW. Foi realmente uma decisão sua ou foi uma ideia da inepta Natalie Bennett, com medo de que os militantes dos Verdes estivessem a ser levados pelo flautista de Hamelin? O próprio Corbyn manteve-se impassível: disse à audiência aquando de um jantar de angariação de fundos de STW que estava orgulhoso do trabalho que a organização tinha feito a partir da época da guerra no Afeganistão em diante, e que se sentia orgulhoso de assegurar a Presidência de Stop the War .
No final da semana em que se deu a votação sobre a Síria, as eleições parciais de Oldham, que, mais uma vez, tinham sido consideradas como um possível desastre para Corbyn (George Eaton no New Stateman alegou ter sido informado por “uma pessoa interna ” que “a derrota estava longe de ser impensável”), foram uma vez mais uma vitória rotunda. Tudo isso deixou os inimigos de Corbyn na defensiva. Uma reorganização no início do ano novo eliminou Eagle e alguns outros, mas Benn permaneceu no lugar, um reflexo das dificuldades políticas que Corbyn enfrentou. Qualquer tentativa de mudar o equilíbrio político do gabinete do governo sombra foi recebida com enormes ameaças de demissão. Por quanto tempo mais é que os deputados trabalhistas podem continuar esta guerra contra o seu próprio líder? Corbyn não se sentirá intimidado ou desmoralizado para se retirar. Os atiradores usarão quaisquer munições para atingirem o seu alvo. Resultados ruins nas eleições locais em maio? Culpe-se então Corbyn. Sadiq Khan, o candidato do Labour nas eleições para a prefeitura de Londres, sublinha bem as suas relações amigáveis com o mundo dos negócios, provavelmente mais do que Zac Goldsmith, dos conservadores, que, sendo ele próprio rico, não tem que passar a bola para o CBI. Se Khan vencer, ele será promovido a candidato à liderança. Se perder, é claro, a culpa é de Corbyn. Quanto às eleições do Parlamento escocês, as sondagens de opinião sugerem um grande triunfo do SNP. Culpa de Corbyn? É claro. Os zombis que lideraram o Partido Trabalhista escocês presidiram à crise de 2015, a pior derrota desde a Fundação do Partido Trabalhista. Mas quando eles perderem desta vez, vão também eles culpar Corbyn. Duvido muito que se mantenha esta particular afirmação: demasiado crua e demasiado tardia.
Mesmo que não haja um mecanismo constitucional para se livrarem de um líder trabalhista através de um voto de nenhuma confiança pelo Partido Trabalhista Parlamentar, há poucas dúvidas de que se houvesse uma tal votação, Corbyn convocaria uma nova eleição para Secretário-geral do Partido Trabalhista. Será que ele precisaria de repetir a questão da recolha de assinaturas dos membros do Parlamento como seus patrocinadores em número suficiente ou poderia ele, enquanto titular do cargo concorrer de novo e agora automaticamente? Esta é uma área cinzenta e provavelmente exigiria uma votação no National Executive Committee que ele iria ganhar. A alteração da regra teria de ser ratificada pela Conferência do Partido Trabalhista. Os seus múltiplos apoios entre os membros do partido sugerem que Corbyn ganharia novamente. E então? Um agrupamento separado de blairistas à moda do SDP? Estes últimos contavam com alguns sociais-democratas bem conhecidos e inteligentes -Roy Jenkins, Shirley Williams, David Owen, Peter Jenkins e Polly Toynbee – mas eles também foram destruídos pelo sistema eleitoral e tiveram que evitar a obscuridade através de um transplante político, fundindo-se com os liberais, uma experiência que terminou em desastre em 2015. Se eles tentassem o mesmo, os blairistas sair-se-iam muito pior, mesmo se um de entre eles libertasse um lugar seguro para dar espaço a David Miliband.
Embora o clima na Escócia se tenha deslocado à esquerda, o centro da política na Inglaterra virou tanto para a direita desde a década de 1980 que, embora o programa económico Corbyn/McDonnell não seja muito radical – o que este apresenta na frente interna é um pouco de social-democracia para fortalecer o Estado Providência e uma forma modesta, orçamentalmente manipulada, de distribuição de rendimento – é, no entanto, uma ruptura com o consenso estabelecido por Thatcher, Blair/Brown e Cameron. Os pensamentos e hábitos que têm dominado a cultura política inglesa por quase quatro décadas -o privado é sempre melhor do que o público, o individual é sempre mais importante do que a sociedade, o rico é mais atrativo do que o pobre, em suma, uma simbiose de dinheiro grande e de pequenas e baixas políticas – constituem um obstáculo sério à aplicação das medidas preconizadas por Corbyn. Muitos que concentram o seu fogo na suposta inelegibilidade de Corbyn afastam-se do seu corolário: na base da presente derrogação não há espaço para qualquer alternativa progressiva. O vigor dogmático com que a UE e a sua Troika se contrapõem a qualquer tentativa da esquerda de vencer o obstáculo referido contribuiu para um crescimento perturbador da direita em França, nos Países Baixos e agora na Alemanha, bem como na eleição de governos de direita dura na Hungria, Polónia, Eslováquia e Croácia. Isto é, em parte, o resultado da recusa em tolerar até mesmo um mínimo de social democracia.
A criação de Momentum, que se apresenta como ‘uma rede de pessoas e organizações para continuar a energia e entusiasmo da campanha de Jeremy Corbyn’, reúne partidários da linha do velho Benn desde há muito tempo adormecida no Partido Trabalhista e jovens ativistas atraídos para a campanha aquando da eleição de Corbyn para líder do partido Trabalhista. Corbyn gosta de se gabar de que a sua própria base no seu círculo eleitoral local tem 3300 Membros e 2000 simpatizantes registados – mais de 5000 ao todo, num círculo eleitoral onde o voto trabalhista é de quase 30.000. Um em cada seis eleitores trabalhistas é membro do partido. Esta é uma figura surpreendente e exemplar, mas não há uma correspondência em qualquer outro lugar. Um corpo como o Momentum poderia ajudar a ganhar apoios trabalhando dentro das campanhas existentes contra a guerra e a austeridade, registando os eleitores, incentivando os que abandonam o ensino e os estudantes a tornarem-se politicamente ativos, debatendo regularmente pontos de vista opostos (e não apenas nas redes sociais).
Apenas um movimento do tipo do que elegeu Corbyn como líder pode ser capaz de o conduzir ao nº 10 de Downing Street. O efeito do exemplo escocês sobre muitos na Inglaterra não deve ser subestimado. Mesmo os media cínicos ficam assombrados pelo grau de politização na Escócia e pelos debates e discussões que ocorrem em todo o lado antes do referendo. As dezenas de milhares de pessoas que se reuniram para se juntar ao Partido Trabalhista de Corbyn não eram tão diferentes daqueles que se moviam para apoiar o SNP. A coorte parlamentar do SNP em Westminster dá um sólido apoio à esquerda do Partido Trabalhista num enorme número de questões e, sem dúvida, fá-lo-á novamente quando os Tories vieram com a questão da renovação projetada do programa Trident para o Parlamento em abril, dando aos seus aliados no Partido Trabalhista Parlamentar outra oportunidade de desestabilizar Corbyn, ou assim o esperam.
Na Escócia, há uma grande maioria a favor da remoção dos mísseis nucleares das costas escocesas. Noutros lugares do Reino Unido, a opinião pública está mais uniformemente dividida e é flutuante dependendo da forma como a questão é colocada. Um número de generais aposentados questionaram a utilidade de Trident, e nas suas memórias mesmo Blair admitiu que nos termos dos seus custos ($31 mil milhões, com mais 10 mil milhões de reserva suplementar e os custos de operacionalidade ao longo do seu tempo de atividade que poderão exceder os $180 mil milhões) e da sua utilidade, “o senso comum e os argumentos práticos” dizem-nos que nos devemos desembaraçar do programa Trident. Ele opôs-se a fazê-lo porque representaria “uma muito grande degradação do nosso estatuto como nação”. Não há outra razão. A Grã-Bretanha precisa de Trident como um símbolo – e de estar um nível acima ou abaixo dos alemães, dependendo de um ponto de vista. Aqueles que sonham com um dedo inglês no gatilho nuclear vivem num mundo de fantasia: o dedo sobre o botão será sempre americano. É por isso que a noção, recentemente discutida em relação à UE e ao Brexit, de que a Câmara dos Comuns iria aprovar uma moção declarando que o Reino Unido é um Estado soberano causou muita ironia no exterior. Toda a gente sabe que a Grã-Bretanha tem sido um estado vassalo desde 1956. O Brexit (que eu defendo por boas razões socialistas) não pode restaurar a soberania. O único Estado verdadeiramente soberano no mundo ocidental é os Estados Unidos. Vale a pena sublinhar que o SNP é a favor da NATO. Assim foi SYRIZA nos seus melhores tempos. Assim é o Podemos, em que um dos seus líderes declarou recentemente que a NATO poderia ajudar a democratizar o exército espanhol. A cada um as suas ilusões.
O radicalismo de Corbyn não reside tanto no que ele nos está a propor no plano interno – pois isso está cada vez mais a fazer parte do senso comum de muitos economistas e outros, inclusive o autodeclarado socialista democrático, Bernie Sanders – mas sobretudo no seu desejo de mudar a política externa. A sua crítica ao nível absurdamente elevado de despesas militares é também partilhada por alguns proeminentes economistas dos EUA em relação ao seu próprio país. Joseph Stiglitz (um conselheiro de Corbyn sobre a economia) e Linda Bilmes têm argumentado que os gastos da América em guerras desde 2003, estimado agora em quase $8 milhões de milhões estão a paralisar o país. Com “um milhão de milhões de dólares”, sublinham, poder-se-ia ter construído
Há um número relativamente elevado de historiadores e analistas dos Estados Unidos – os da escola realista – que não são tímidos na sua crítica da política externa do seu país. (a critica recente de Trump a Bush sobre a guerra do Iraque deve muito a este tipo de trabalhos académicos.) John Mearsheimer em Chicago, Stephen Walt em Harvard, Barry Posen no MIT e Christopher Layne no Texas são nisso acompanhados por um antigo coronel, Andrew Bacevich. O seu pensamento continua a evoluir. Em American Empire, Bacevich argumentou contra a visão realista anterior de que a política de guerra fria dos EUA era uma resposta defensiva às ambições soviéticas e insistiu que a sua expansão do conflito com a Eurásia na década de 1940 fazia parte de um projeto para estabelecer a hegemonia global. No entanto, tais opiniões quando expressas por Corbyn e o seu círculo são denunciados como posições antiamericanas, extremistas, uma ameaça para a Grã-Bretanha, etc. Corbyn tem sido hostil tanto para com a NATO como para com a UE, tal como estão atualmente constituídas, mas as suas opiniões sobre estas questões são tão estranhas ao Partido Trabalhista Parlamentar que por agora foram mantidas na gaveta.
Durante o período de Blair/Brown o Partido Trabalhista desaprendeu a social democracia no sentido dado por Anthony Crosland, independentemente de se assemelhar ao modelo clássico do início do socialismo. Corbyn sabe que é vital que o partido reaprenda o que é a social democracia. Antes parecia uma tarefa quase impossível. Agora, surpreendentemente, eles têm uma possibilidade de a realizarem. As estatísticas sobre a desigualdade a nível mundial precisam desesperadamente de alguém que possa explicá-las em termos que possam enfurecer, mobilizar e inspirar as pessoas. Se Corbyn o puder fazer, isso marcaria uma mudança importante na política inglesa.
Quando lhe perguntei quando é que ele percebeu que poderia realmente ganhar, a resposta de Corbyn era característica do ativista que ele continua a ser: “foi em Nottingham, durante as últimas semanas de campanha… você conhece Nottingham. Normalmente pensamos que 50 ou 60 pessoas numa reunião é uma boa afluência. Eu tinha 400 e havia pessoas lá fora que não conseguiam entrar. Aí pensei então que poderíamos ganhar esta eleição“. As multidões cresceram e cresceram, deixando claro que Corbyn era capaz de mobilizar e inspirar um grande número de pessoas e estava igualmente a tornar claro também o quão frágil era o apoio, fora dos media, que estava a ser dado aos outros candidatos.
A sua eleição animou a cena política inglesa. Os seus horrorizados inimigos no Partido Trabalhista Parlamentar começaram imediatamente a trabalhar para a sua destituição. Lord Mandelson informou-nos que o Partido Trabalhista Parlamentar não iria destruir o seu novo líder imediatamente: “seria errado”, escreveu ele, ‘ estar a tentar forçar esta questão por dentro antes que o público se movimentasse a favor de um veredicto claro’. Blair, irritada com esta explosão da democracia num partido que ele tinha moldado à sua própria imagem, declarou que o Partido Trabalhista seria inelegível a menos que Corbyn fosse destituído. Brown manteve-se relativamente tranquilo, talvez porque ele estava ocupado a negociar a sua própria iniciativa de financiamento privado com a empresa de investimento PIMCO (Ben Bernanke e o ex-presidente do BCE Jean-Claude Trichet estão também a juntar-se no seu “Conselho Consultivo global”). Simultaneamente, o seu antigo chanceler, Lorde Darling, estava já em vias de ir trabalhar para o Morgan Stanley em Wall Street. Blair, conselheira da J.P. Morgan desde 2008, deve-se ter rido. Finalmente, uma reunião do New Labour na terra da liberdade. No fim de contas a regulação leve estava a dar os seus ricos frutos. Praticamente todos os altos quadros dos gabinetes de Blair e de Brown estavam a trabalhar para empresas que tinham sido beneficiadas com as suas políticas. O ex-secretário de saúde Alan Milburn, por exemplo, está na folha de pagamento de várias empresas envolvidas em cuidados de saúde privados e está atualmente a trabalhar para Cameron, na qualidade de presidente da Social Mobility and Child Poverty Commission. Não foi apenas a guerra do Iraque que foi responsável pelo crescente desencanto público com o New Labour.
O establishment decidiu fazer entrar em cena o chefe de Estado-maior da Defesa, Sir Nicholas Houghton. Entrevistado em 8 de novembro, ele confidenciou a um insonso Andrew Marr que o exército estava profundamente irritado com o unilateralismo de Corbyn, que prejudicou fortemente “a credibilidade da dissuasão”. No mesmo programa, Maria Eagle, uma atiradora de elite do Partido Trabalhista Parlamentar com um assento no banco da frente no gabinete do Secretário de defesa do governo sombra, disse essencialmente a Marr que ela concordava com o General. Apenas mais um dia na guerra contra Corbyn. O Sunday Times já tinha feito circular uma entrevista anónima com “um general ainda em serviço”. “Existe um forte sentimento de indignação dentro das forças armadas,” é o que é citado como tendo sido dito pelo referido general anónimo, sobre a própria ideia de um governo Corbyn. “Ver-se-ia… generais direta e publicamente a desafiarem Corbyn sobre… O Tridente [programa nuclear do reino Unido] a sair da NATO e quaisquer outros planos para enfraquecer e diminuir a dimensão das forças armadas… Haveria demissões em massa e isto em todos os escalões… o que seria efetivamente um motim. Não se pode colocar um aventureiro à frente do comando da segurança de um país”. Se alguma coisa expressou bem o baixo nível da cultura política na Grã-Bretanha foi a falta de reação a esta interferência militar na política. Quando Corbyn tentou reclamar, um antigo grande chefe conservador, Ken Clarke, declarou que o exército não responde perante o Parlamento mas perante a rainha. Tudo menos Corbyn, até mesmo uma monarquia das bananas.
Em dezembro, Cameron procurou a aprovação parlamentar para o envio de aviões britânicos para bombardear o estado islâmico na Síria. Do seu ponto de vista, um efeito colateral feliz possível de um voto previsivelmente bem-sucedido era que Cameron poderia assim tornar insustentável a posição de Corbyn como líder. Tendo sido apunhalado pelas costas por Maria Eagle ele estava prestes a ser esfaqueado pela frente por Hilary Benn, cujo discurso desonesto – Hitler, com a guerra civil espanhola lançada em boa altura – foi aplaudido ruidosamente pelos Conservadores e pelos membros blaristas do Parlamento. (Que pena que a discussão de duas horas entre Hilary Benn e o seu pai sobre a guerra do Iraque, de que Hilary era um defensor ardente, nunca tenha sido gravada e transcrita nos diários escritos de Tony Benn – embora ele tenha falado sobre isso com os amigos.) Mas isto, também, não conseguiu desalojar Corbyn. O líder trabalhista – erradamente, na minha opinião – permitiu uma votação livre por insistência de colegas próximos. (John McDonnell, o Chanceler do governo sombra, insistiu que era uma “questão de consciência”.) No final 66 deputados trabalhistas votaram com os Tories para bombardear alvos na Síria. Alguns deles receberam apresentações pelo Ministério da defesa, destinados a convencê-los de que não haveria danos colaterais. Mas a maioria do Partido Trabalhista Parlamentar opôs-se aos bombardeamentos e votou com Corbyn. Frustrados mais uma vez, os média procuraram atribuir o fracasso de não terem mais deputados trabalhistas a votarem a favor do bombardeamento da Síria à “intimidação” da organização “Stop the War”, uma organização de que Corbyn era o Presidente desde a morte de Tony Benn.
Durante mais ou menos uma semana esteve aberta a temporada da coligação antiguerra. Um dos seus efeitos foi assustar os verdes e fazer com que a antiga líder do partido, Caroline Lucas, se demitisse do Comité STW. Foi realmente uma decisão sua ou foi uma ideia da inepta Natalie Bennett, com medo de que os militantes dos Verdes estivessem a ser levados pelo flautista de Hamelin? O próprio Corbyn manteve-se impassível: disse à audiência aquando de um jantar de angariação de fundos de STW que estava orgulhoso do trabalho que a organização tinha feito a partir da época da guerra no Afeganistão em diante, e que se sentia orgulhoso de assegurar a Presidência de Stop the War .
No final da semana em que se deu a votação sobre a Síria, as eleições parciais de Oldham, que, mais uma vez, tinham sido consideradas como um possível desastre para Corbyn (George Eaton no New Stateman alegou ter sido informado por “uma pessoa interna ” que “a derrota estava longe de ser impensável”), foram uma vez mais uma vitória rotunda. Tudo isso deixou os inimigos de Corbyn na defensiva. Uma reorganização no início do ano novo eliminou Eagle e alguns outros, mas Benn permaneceu no lugar, um reflexo das dificuldades políticas que Corbyn enfrentou. Qualquer tentativa de mudar o equilíbrio político do gabinete do governo sombra foi recebida com enormes ameaças de demissão. Por quanto tempo mais é que os deputados trabalhistas podem continuar esta guerra contra o seu próprio líder? Corbyn não se sentirá intimidado ou desmoralizado para se retirar. Os atiradores usarão quaisquer munições para atingirem o seu alvo. Resultados ruins nas eleições locais em maio? Culpe-se então Corbyn. Sadiq Khan, o candidato do Labour nas eleições para a prefeitura de Londres, sublinha bem as suas relações amigáveis com o mundo dos negócios, provavelmente mais do que Zac Goldsmith, dos conservadores, que, sendo ele próprio rico, não tem que passar a bola para o CBI. Se Khan vencer, ele será promovido a candidato à liderança. Se perder, é claro, a culpa é de Corbyn. Quanto às eleições do Parlamento escocês, as sondagens de opinião sugerem um grande triunfo do SNP. Culpa de Corbyn? É claro. Os zombis que lideraram o Partido Trabalhista escocês presidiram à crise de 2015, a pior derrota desde a Fundação do Partido Trabalhista. Mas quando eles perderem desta vez, vão também eles culpar Corbyn. Duvido muito que se mantenha esta particular afirmação: demasiado crua e demasiado tardia.
Mesmo que não haja um mecanismo constitucional para se livrarem de um líder trabalhista através de um voto de nenhuma confiança pelo Partido Trabalhista Parlamentar, há poucas dúvidas de que se houvesse uma tal votação, Corbyn convocaria uma nova eleição para Secretário-geral do Partido Trabalhista. Será que ele precisaria de repetir a questão da recolha de assinaturas dos membros do Parlamento como seus patrocinadores em número suficiente ou poderia ele, enquanto titular do cargo concorrer de novo e agora automaticamente? Esta é uma área cinzenta e provavelmente exigiria uma votação no National Executive Committee que ele iria ganhar. A alteração da regra teria de ser ratificada pela Conferência do Partido Trabalhista. Os seus múltiplos apoios entre os membros do partido sugerem que Corbyn ganharia novamente. E então? Um agrupamento separado de blairistas à moda do SDP? Estes últimos contavam com alguns sociais-democratas bem conhecidos e inteligentes -Roy Jenkins, Shirley Williams, David Owen, Peter Jenkins e Polly Toynbee – mas eles também foram destruídos pelo sistema eleitoral e tiveram que evitar a obscuridade através de um transplante político, fundindo-se com os liberais, uma experiência que terminou em desastre em 2015. Se eles tentassem o mesmo, os blairistas sair-se-iam muito pior, mesmo se um de entre eles libertasse um lugar seguro para dar espaço a David Miliband.
Embora o clima na Escócia se tenha deslocado à esquerda, o centro da política na Inglaterra virou tanto para a direita desde a década de 1980 que, embora o programa económico Corbyn/McDonnell não seja muito radical – o que este apresenta na frente interna é um pouco de social-democracia para fortalecer o Estado Providência e uma forma modesta, orçamentalmente manipulada, de distribuição de rendimento – é, no entanto, uma ruptura com o consenso estabelecido por Thatcher, Blair/Brown e Cameron. Os pensamentos e hábitos que têm dominado a cultura política inglesa por quase quatro décadas -o privado é sempre melhor do que o público, o individual é sempre mais importante do que a sociedade, o rico é mais atrativo do que o pobre, em suma, uma simbiose de dinheiro grande e de pequenas e baixas políticas – constituem um obstáculo sério à aplicação das medidas preconizadas por Corbyn. Muitos que concentram o seu fogo na suposta inelegibilidade de Corbyn afastam-se do seu corolário: na base da presente derrogação não há espaço para qualquer alternativa progressiva. O vigor dogmático com que a UE e a sua Troika se contrapõem a qualquer tentativa da esquerda de vencer o obstáculo referido contribuiu para um crescimento perturbador da direita em França, nos Países Baixos e agora na Alemanha, bem como na eleição de governos de direita dura na Hungria, Polónia, Eslováquia e Croácia. Isto é, em parte, o resultado da recusa em tolerar até mesmo um mínimo de social democracia.
A criação de Momentum, que se apresenta como ‘uma rede de pessoas e organizações para continuar a energia e entusiasmo da campanha de Jeremy Corbyn’, reúne partidários da linha do velho Benn desde há muito tempo adormecida no Partido Trabalhista e jovens ativistas atraídos para a campanha aquando da eleição de Corbyn para líder do partido Trabalhista. Corbyn gosta de se gabar de que a sua própria base no seu círculo eleitoral local tem 3300 Membros e 2000 simpatizantes registados – mais de 5000 ao todo, num círculo eleitoral onde o voto trabalhista é de quase 30.000. Um em cada seis eleitores trabalhistas é membro do partido. Esta é uma figura surpreendente e exemplar, mas não há uma correspondência em qualquer outro lugar. Um corpo como o Momentum poderia ajudar a ganhar apoios trabalhando dentro das campanhas existentes contra a guerra e a austeridade, registando os eleitores, incentivando os que abandonam o ensino e os estudantes a tornarem-se politicamente ativos, debatendo regularmente pontos de vista opostos (e não apenas nas redes sociais).
Apenas um movimento do tipo do que elegeu Corbyn como líder pode ser capaz de o conduzir ao nº 10 de Downing Street. O efeito do exemplo escocês sobre muitos na Inglaterra não deve ser subestimado. Mesmo os media cínicos ficam assombrados pelo grau de politização na Escócia e pelos debates e discussões que ocorrem em todo o lado antes do referendo. As dezenas de milhares de pessoas que se reuniram para se juntar ao Partido Trabalhista de Corbyn não eram tão diferentes daqueles que se moviam para apoiar o SNP. A coorte parlamentar do SNP em Westminster dá um sólido apoio à esquerda do Partido Trabalhista num enorme número de questões e, sem dúvida, fá-lo-á novamente quando os Tories vieram com a questão da renovação projetada do programa Trident para o Parlamento em abril, dando aos seus aliados no Partido Trabalhista Parlamentar outra oportunidade de desestabilizar Corbyn, ou assim o esperam.
Na Escócia, há uma grande maioria a favor da remoção dos mísseis nucleares das costas escocesas. Noutros lugares do Reino Unido, a opinião pública está mais uniformemente dividida e é flutuante dependendo da forma como a questão é colocada. Um número de generais aposentados questionaram a utilidade de Trident, e nas suas memórias mesmo Blair admitiu que nos termos dos seus custos ($31 mil milhões, com mais 10 mil milhões de reserva suplementar e os custos de operacionalidade ao longo do seu tempo de atividade que poderão exceder os $180 mil milhões) e da sua utilidade, “o senso comum e os argumentos práticos” dizem-nos que nos devemos desembaraçar do programa Trident. Ele opôs-se a fazê-lo porque representaria “uma muito grande degradação do nosso estatuto como nação”. Não há outra razão. A Grã-Bretanha precisa de Trident como um símbolo – e de estar um nível acima ou abaixo dos alemães, dependendo de um ponto de vista. Aqueles que sonham com um dedo inglês no gatilho nuclear vivem num mundo de fantasia: o dedo sobre o botão será sempre americano. É por isso que a noção, recentemente discutida em relação à UE e ao Brexit, de que a Câmara dos Comuns iria aprovar uma moção declarando que o Reino Unido é um Estado soberano causou muita ironia no exterior. Toda a gente sabe que a Grã-Bretanha tem sido um estado vassalo desde 1956. O Brexit (que eu defendo por boas razões socialistas) não pode restaurar a soberania. O único Estado verdadeiramente soberano no mundo ocidental é os Estados Unidos. Vale a pena sublinhar que o SNP é a favor da NATO. Assim foi SYRIZA nos seus melhores tempos. Assim é o Podemos, em que um dos seus líderes declarou recentemente que a NATO poderia ajudar a democratizar o exército espanhol. A cada um as suas ilusões.
O radicalismo de Corbyn não reside tanto no que ele nos está a propor no plano interno – pois isso está cada vez mais a fazer parte do senso comum de muitos economistas e outros, inclusive o autodeclarado socialista democrático, Bernie Sanders – mas sobretudo no seu desejo de mudar a política externa. A sua crítica ao nível absurdamente elevado de despesas militares é também partilhada por alguns proeminentes economistas dos EUA em relação ao seu próprio país. Joseph Stiglitz (um conselheiro de Corbyn sobre a economia) e Linda Bilmes têm argumentado que os gastos da América em guerras desde 2003, estimado agora em quase $8 milhões de milhões estão a paralisar o país. Com “um milhão de milhões de dólares”, sublinham, poder-se-ia ter construído
8 milhões de unidades habitacionais adicionais, poderiam ser contratados alguns 15 milhões de professores adicionais para as escolas públicas por um ano; poderiam pagar a 120 milhões crianças para participarem durante um ano no programa Head Start ou assegurar a 43 milhões estudantes bolsas de estudo de quatro anos em universidades públicas. Agora multiplique esses números por três ou por oito.
Há um número relativamente elevado de historiadores e analistas dos Estados Unidos – os da escola realista – que não são tímidos na sua crítica da política externa do seu país. (a critica recente de Trump a Bush sobre a guerra do Iraque deve muito a este tipo de trabalhos académicos.) John Mearsheimer em Chicago, Stephen Walt em Harvard, Barry Posen no MIT e Christopher Layne no Texas são nisso acompanhados por um antigo coronel, Andrew Bacevich. O seu pensamento continua a evoluir. Em American Empire, Bacevich argumentou contra a visão realista anterior de que a política de guerra fria dos EUA era uma resposta defensiva às ambições soviéticas e insistiu que a sua expansão do conflito com a Eurásia na década de 1940 fazia parte de um projeto para estabelecer a hegemonia global. No entanto, tais opiniões quando expressas por Corbyn e o seu círculo são denunciados como posições antiamericanas, extremistas, uma ameaça para a Grã-Bretanha, etc. Corbyn tem sido hostil tanto para com a NATO como para com a UE, tal como estão atualmente constituídas, mas as suas opiniões sobre estas questões são tão estranhas ao Partido Trabalhista Parlamentar que por agora foram mantidas na gaveta.
Durante o período de Blair/Brown o Partido Trabalhista desaprendeu a social democracia no sentido dado por Anthony Crosland, independentemente de se assemelhar ao modelo clássico do início do socialismo. Corbyn sabe que é vital que o partido reaprenda o que é a social democracia. Antes parecia uma tarefa quase impossível. Agora, surpreendentemente, eles têm uma possibilidade de a realizarem. As estatísticas sobre a desigualdade a nível mundial precisam desesperadamente de alguém que possa explicá-las em termos que possam enfurecer, mobilizar e inspirar as pessoas. Se Corbyn o puder fazer, isso marcaria uma mudança importante na política inglesa.
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