Jake Blumgart
Uma entrevista com
Chris Hayes
Tradução / Crise é o lema do nosso tempo. Após a aurora do novo milênio, a América cambaleou de fracasso em fracasso. A eleição de Barack Obama levou esperança a muitos, mas a realidade de uma política econômica profundamente disfuncional não se rendeu imediatamente a um ou dois bons discursos. Enquanto escrevo, o colapso em câmera lenta da educação pública, ajudado pelas políticas de uma administração democrata, continua em passo acelerado. O sistema financeiro parece mais desajeitado, negligente, obscuro e insanamente poderoso do que nunca. Eu poderia continuar, mas minha depressão incapacitante me impede de listar mais exemplos deprimentes.
Chris Hayes é editor da revista The Nation e apresentador do único programa de notícias da TV a cabo que merece ser visto. Em seu novo livro, Twilight of the elites (O caso das elites), ele explica que a “década perdida” é resultado de uma elite meritocrática corrupta e isolada, que não ajuda e é disfuncional. Hayes argumenta que são os ideais meritocráticos dessas elites, calcificados em caricaturas perversas, que produzem suas repetidas tolices. Uma ampla igualdade, embora apoiada numa concepção rasa, permite uma maior aceitação do, digamos, casamento gay, mas faz da mobilidade social um delírio, deixa as classes trabalhadora e média sem participação ativa e a rede de segurança sob ataque permanente.
O senhor argumenta que a meritocracia inevitavelmente espalha-se por metástase na oligarquia, criando “elites que não podem ajudar e são disfuncionais e corruptas”. Qual o problema em deixar os mais espertos e mais dinâmicos dirigirem a sociedade?
Chris Hayes
Eu acho que as pessoas são resistentes à ideia porque a meritocracia é nosso ideal social, particularmente entre os bons liberais. Igualdade de oportunidades, mas não de resultados. Não avaliar pessoas por seus [aparentes] atributos, mas por seu talento próprio e dinamismo. E eu não digo isso zombeteiramente. É uma visão incrivelmente atraente. Mas a meritocracia contém as sementes de sua própria destruição. Ela permite a desigualdade. Como um ethos, ela não se preocupa com os resultados. Mas tais resultados têm efeitos reais. E estes arruínam o sistema para produzir mais desigualdade e restringir a igualdade de oportunidades.
A meritocracia leva à oligarquia. A high school que frequentei é uma parábola concreta nesse sentido. O Hunter College High School [uma escola pública de prestígio em Manhattan] é um lugar incrível que, de alguma maneira, apoia uma visão austera de meritocracia. Eles têm um teste de admissão e, literalmente, não importa se você é filha do prefeito Bloomberg, se não passar no teste, você não entra. Conversei com a presidente do Hunter e ela me disse: “Você não iria acreditar nos telefonemas que recebo, e de quem eu recebo, perguntando se tem algum jeito de fazer um acordo...’” Há algo inacreditável sobre isso, particularmente em uma época em que muito poucas instituições podem dizer com segurança que a filha do prefeito Bloomberg não seria (necessariamente) aceita.
Mas o que aconteceu com esse, em algum nível brutalmente equitativo, sistema? Essa igualdade está embutida em um sistema social cheio de desigualdade, que penetra no sistema e o coloniza. Nós tivemos o crescimento dessa tremenda indústria de provas e pré-testes em Nova York, junto com o crescimento maciço da desigualdade. Isso produziu um sistema no qual a escola está agora admitindo apenas entre três e cinco estudantes negros e latinos. The students they are admitting are almost entirely white, affluent kids with tutors or second generation, first generation immigrants from Queens and other places where the parents pay for test prep. Você acaba tendo um sistema onde quem você está realmente deixando entrar são crianças com acesso a testes preparatórios, crianças com acesso a recursos. Hunter pode ser um incrível motor de mobilidade, mas ao longo do tempo não poderá ajudar e falhará se não estiver incorporada em uma sociedade que tem um compromisso com a igualdade de condições para seus membros. Essa é a alma teórica do livro.
Meritocracy has amazing things about it and terrible things about it. Part of the purpose of the long section on Major League Baseball is to show that one of the outgrowths of a system of incredibly intense emphasis on performance, with finely granulated judgments of who’s better than whom, is that you produce real intense incentives for fraud, for cheating. And that’s not to say its impossible, but in the same way that everyone recognizes that a bureaucracy or a system driven by seniority, that there side effects to that, you need to keep people motivated and you have to make sure you don’t end up with blockages and obstacles to getting things done. Se nós vamos continuar embarcando nesse projeto meritocrático, devemos ter os olhos abertos para seus efeitos negativos.
Os escândalos dos testes educacionais de Atlanta realmente exemplificam isso para mim.
That’s a perfect example. There is a certain social vision that bureaucracy is bad and meritocracy is good and we are going to replace the [former with the latter]. That’s clearly what a lot of the education reform fight is about. One of the points of the book is, wait a second, it’s a lot more complicated than bureaucracy bad, meritocracy good. You can create tremendously destructive meritocracies. One of the interesting things about doing reporting for the book was talking to people from Enron. People loved that company. Numerous people said to me, it was the least bureaucratic place I ever worked, you couldn’t keep deadwood around. The favored son of some manager wouldn’t cut it, because everything was structured in a very fluid way. People really loved that. There are benefits.
Gostei da sua descrição de meritocracia como “uma nova hierarquia baseada na noção de que pessoas são profundamente desiguais em habilidades e dinamismo”. Quando posto dessa forma, parece uma ideia profundamente conservadora, ignorando realidades sociais de pobreza, racismo estrutural, falta de mobilidade social.
Essa ideia de “igualdade de oportunidades, não de resultados” é muito bipartidarista, quase sem sentido. Mas isso significa algo, tem uma política. Um dos resultados inevitáveis é que você vai pedir para o sistema educacional expiar os pecados de todo o resto da sociedade. É o único lugar onde nós podemos fazer intervenções. E isso é o que você está vendo na nossa política, esse é o lugar onde a energia está sendo gerada.
A política educacional é o lugar onde parece haver sobreposição bipartidária.
Não é por acaso que todos os caras de hedge fund estão financiando reformas nas escolas. Acho que eles realmente acreditam, são realmente idealistas nesse sentido. Eles odeiam sindicatos também. Mas eles veem uma sociedade manifestamente desigual e, nos termos da ideologia deles, o jeito de lidar com isso é melhorar a educação. Meu ponto é que toda a estrutura está errada.
Education policy is the one place where there seems to be bipartisan overlap.
It’s not an accident that all the hedge fund guys are funding school reform. I think they really believe, really are idealistic in that sense. They hate unions too. But they see a manifestly unequal society and within the terms of the ideology they have, the way to deal with that is to make education better. My point is that their whole framework is screwed up.
They have this view from 20,000 feet of what education policy should be, but they are too far removed to get any feedback from the community when it doesn’t work.
Exactly. These are the concrete effects of having an unequal enough society that these guys... don’t get feedback.
Despite its seeming novelty, this isn’t a new idea. Back in 1994, Christopher Lasch (whom you cite) wrote: “the chief threat seems to come from those at the top of the social hierarchy, [“new aristocracy of brains”] not the masses... Meritocracy is a parody of democracy.” How influenced were you by Lasch’s work, where do you diverge from his analysis, and how have things changed since his writing?
I’m heavily influenced by his work. And the trends have only gotten much, much, much worse. In fact, I think that’s a very prophetic book. He deals with the way it sort of destroys the moral fabric of society, and is unjust. But my book, I don’t think it’s a very moralistic book. Lasch is making a very moralistic argument; he’s a polemicist, a Jeremiah figure, a prophet railing against the fallen society in which he lives. I’m trying to make, in some ways, a practical argument. About the practical effects, the negative consequences. No one wants an Enron, no one wants a financial crisis.
I want to circle back to something you said about reporting for the book. In contrast to Lasch and Michels, you come from a journalistic background. You’ve engaged with actual people while writing this book. How did that affect your perspective and work?
It’s a methodological toolkit I’ve been trained in. It’s a huge part of how I learn about the world. There’s a certain form of content synergy in so far as, you know, if the problem is social distance . . . I mean, look, I’m a member of the elite I’m writing about. That’s a weird and uncomfortable thing for me to say, but there is no definition of the elite, no plausible, coherent one, that I don’t belong to. I’m just as subject to the same forces, so it’s really important for me to actually talk to people. And I think reporting makes it more compelling storytelling. The book’s form is weird in a way; it’s both a reported work and a work of theory.
O socialista Robert Michels teve uma forte influência em seu trabalho, mas a conclusão dele — “democracia leva à oligarquia e necessariamente contém um núcleo oligárquico” — implica limites intrínsecos ao radicalismo de qualquer projeto. Uma elite melhor é o máximo que podemos esperar?
I was having an exchange with someone who was really active in OWS and I asked him about this horizontalism and, yeah, I’m with Michels on the limits of horizontalism. At a certain point you run up against these basic mundane, logistical problems. Again, I don’t want to over generalize, there are some cooperatives that are really functional and some that are complete nightmares. But Michels core insight, it seems to me, is undeniable. The question is what you do with it. Michels took it and became a fascist.
He pitches it as an objective truth he’s found.
That’s another place where his influence shows in my book. He actually isn’t making a moral argument; he’s making an almost entirely practical one about organization. I’m trying to do an analogous work on meritocracy.
But the question was about better elites... Não há solução final, não há condição estática... A natureza de ter compromissos igualitários é reconhecer que o trabalho nunca chega ao fim... A inevitabilidade disso é um pouco como o ensaio de Albert Camus, “O Mito de Sísifo”. A inevitabilidade não significa que seja inválido, significa que a luta continua. Você continua lutando por igualdade porque a igualdade não é o estado natural dos seres humanos; eu acho que esse é de alguma maneira o insight realmente profundo. A desigualdade é impossível de ser evitada. Inequality and hierarchy are natural, but that doesn’t mean they are right, that doesn’t mean there is isn’t a productive tension between those forces and the forces of equality. You need the horizontalism always present as a challenge, different egalitarian movements or forces pushing and forcing events, if you are going to create this vibrant tension, rather than some end of history equilibrium.
Michels sentia que tinha provado a impossibilidade do socialismo e da democracia. O senhor teme uma análise do tipo “fracasso quase total das instituições pilares da nossa sociedade”?
Sim, estou muito preocupado com isso. Acho que os dados são interessantes, você vê que as duas instituições que ganharam confiança pública são os militares e a polícia. A instituição mais confiável no país são os militares, a menos confiável é o Congresso. O autoritarismo se torna muito sedutor em tempos de uma elite desacreditada, mas é importante manter tudo isso em termos relativos. Não estamos em crise como a Grécia. Na Grécia, o partido [neonazista] Golden Dawn obteve 7% nas últimas eleições [permitindo a possibilidade de assentos no parlamento], and who knows what they are going to get in June? Probably higher.
Or consider the Hungarian example.
Hungary’s even worse. But I don’t want to be too alarmist. We are not Hungary, we are not Greece... But because we are so powerful our failures resonate more. In some ways, the worst victims of our institutional and elite failures, through the ripple effect of financial crisis and war, aren’t Americans.
With the massive power differentials you describe, how can we hope to enact real reform? In the case of, say, abolition or civil rights there were other powerful groups for the oppressed to ally with. Or a strong labor movement, or mass based political party that wasn’t dependent on wealthy. That seems harder to imagine here. I don’t really see a power base that can push back.
The argument I make in the book, and it’s a tentative argument, but I do think there is a potential for a radicalized upper-middle class. We already see that, it’s just a question of how that gets channeled. Everything about the Netroots, the anti-war, anti-Bush sentiment [the Tea Party is also cited in the book]. One of the interesting things about the way our certain kind of fractal inequality has manifested, the people who see it the most, have the closest proximity to it, say, the top 2 to the top 20 percent: ‘I went to law school with Joe and I have some job at a firm and I’m doing alright, but he went into a hedge fund and is making $10 million.’
That is a lot of power, resources, cultural capital, network, class, monetary power. The working class has already been ground into dust in terms of political power, as I cite in the book the Martin Gilens and Larry Bartels studies showing [the preferences of voters in the top one-third of income distribution are represented in the votes of senators to the exclusion of everyone else]. It’s not uncommon for revolutions to stem from a radicalized group just outside the circle of power. That’s what the French Revolution was all about, that’s what the American Revolution was. The question is will all those groups, because of the nature of partisan polarization and ideological polarization, just going to fight each other? Or is there capacity to organize?
I don’t want to be overly optimistic because I don’t think polarization is some kind of grand distraction. It’s real. People have different commitments, believe in different things and principals, different visions of the good life . . . but there is also a degree to which all the really big, successful reform movements in the country had extremely bizarre ideological coalitions. Abolition did, Prohibition did. So I wonder if that’s the way out for us.
O senhor menciona a guinada da América Latina à esquerda como um exemplo entre as nações que consideraram seriamente a desigualdade e entre partidos que utilizaram políticas progressistas para reduzir isso. Que lições podem ser tiradas dos progressistas da América Latina? Que parte da experiência deles é replicável?
A lição importante é que isso é factível. O governo Lula [no Brasil] começou dando muito dinheiro para os pobres. Isto não é algo que esteja fora do nosso controle, há coisas que podemos fazer. Alguns tiveram mais sucesso que outros. Outra lição importante é que isso não precisa acontecer ao custo do crescimento. Which is always the tradeoff [that is posited]. Brazil is a complicated case because there has been a huge boom in energy exports due to sugar-based ethanol. And obviously it’s easier to grow faster when you are a less developed country than when you are where the US is.
Na história básica da América Latina, 10 a 20 anos de presença do FMI impuseram austeridade e ajuste estrutural que resultaram em crise, pobreza e desigualdade terríveis, o que provocou revoltas pelo continente. Líderes de esquerda e centro-esquerda votaram em quem tinha mandatos e coalizões políticas nos quais a desigualdade era uma parte explícita de suas agendas e então implementaram políticas que eram igualitárias. Mais uma vez, há tremendas diferenças entre o Brasil e a Bolívia e, definitivamente, a Venezuela, que é um caso especial por causa de Hugo Chávez e da política venezuelana. Mas aquele drama em três atos é a história básica — crise financeira e enorme desigualdade, revoltas contra isso e governo eleito para diminuir a desigualdade.
Em Twilight of the elites, você faz a defesa do “romper a normalidade e o conforto da elite”. Por quais ações e organizações você está mais entusiasmado?
Vejo muita esperança nas mobilizações do tipo Occupy. Acho que são incrivelmente importantes, porque uma das coisas estranhas sobre o bizarro intervalo pós-crise em que estamos é que as elites, uma vez que produziram a crise, fizeram um bom trabalho ao, essencialmente, manter o barco flutuando. Gente como Ben Bernanke, Henry Paulson, Timothy Geithner, o presidente Barack Obama. Poderia realmente ter sido muito pior. Veja a Europa. Nós poderíamos ter 20% de desempregados. Eles poderiam ter feito besteira suficiente para chegar nisso. E se eles tivessem feito, provavelmente haveria mais movimentos de massa nas ruas.
O potencial para a crise é claro para todo mundo, mas a profundidade real e a intensidade da crise atual é sentida por pessoas que são pobres ou desempregadas. É horrível, miserável e penetrante. Mas 8% de desemprego não são 20% de desemprego. Há esse estranho, frustrado senso de infelicidade com o status quo e, ainda, um tipo de retorno ao estado normal. Quero que façamos as mudanças de que precisamos e redistribuamos o poder do mesmo modo, mas eu não desejo a crise. A crise é horrível e fere mais as pessoas mais pobres. Então o que realmente precisamos fazer é criar uma ruptura, porque senão haverá um rompimento exógeno, que significará outro choque, outra crise, ou essa ruptura será feita por meio de movimentos, protestos de rua e todas as maneiras criativas de dizer “não, isto não é sustentável”.
Eu realmente me preocupo porque, se as análises estão certas, a atual constituição da elite americana e do poder americano irão, inevitavelmente, nos levar em direção a outra crise. Então essa é nossa chance para, de certo modo, salvar as elites delas mesmas. E nós vemos isso nas notícias do JP Morgan Chase nas últimas semanas. Os caras mais espertos do mundo, de volta à mesa do cassino.
Tradução / Crise é o lema do nosso tempo. Após a aurora do novo milênio, a América cambaleou de fracasso em fracasso. A eleição de Barack Obama levou esperança a muitos, mas a realidade de uma política econômica profundamente disfuncional não se rendeu imediatamente a um ou dois bons discursos. Enquanto escrevo, o colapso em câmera lenta da educação pública, ajudado pelas políticas de uma administração democrata, continua em passo acelerado. O sistema financeiro parece mais desajeitado, negligente, obscuro e insanamente poderoso do que nunca. Eu poderia continuar, mas minha depressão incapacitante me impede de listar mais exemplos deprimentes.
Chris Hayes tem uma teoria sobre por que tudo está indo direto para o inferno. Os culpados não são o elenco típico de republicanos, fundamentalistas e caipiras. É a meritocracia que fez isso.
Chris Hayes é editor da revista The Nation e apresentador do único programa de notícias da TV a cabo que merece ser visto. Em seu novo livro, Twilight of the elites (O caso das elites), ele explica que a “década perdida” é resultado de uma elite meritocrática corrupta e isolada, que não ajuda e é disfuncional. Hayes argumenta que são os ideais meritocráticos dessas elites, calcificados em caricaturas perversas, que produzem suas repetidas tolices. Uma ampla igualdade, embora apoiada numa concepção rasa, permite uma maior aceitação do, digamos, casamento gay, mas faz da mobilidade social um delírio, deixa as classes trabalhadora e média sem participação ativa e a rede de segurança sob ataque permanente.
O livro é fortemente influenciado pelos trabalhos de Christopher Lasch, cuja obra de 1994, The revolt of the elites (A rebelião das elites, na edição em português), antecipa muitos argumentos de Hayes, e de Robert Michels, um intelectual socialista do início do século XX, cujo livro mais famoso, Political parties (Partidos políticos), argumenta que organizações, até mesmo as de esquerda, inevitavelmente “escorregam” para a oligarquia. Eu li todos os três livros em uma explosão inspirada de compreensão e, em seguida, atravessei uma maré de crianças em idade escolar para conhecer Hayes em um restaurante perto de sua casa em Park Slope, onde a elite vai se reproduzir. A seguir, uma versão levemente editada de nossa discussão sobre café, omeletes e hash brown.
Jake Blumgart
O senhor argumenta que a meritocracia inevitavelmente espalha-se por metástase na oligarquia, criando “elites que não podem ajudar e são disfuncionais e corruptas”. Qual o problema em deixar os mais espertos e mais dinâmicos dirigirem a sociedade?
Chris Hayes
Eu acho que as pessoas são resistentes à ideia porque a meritocracia é nosso ideal social, particularmente entre os bons liberais. Igualdade de oportunidades, mas não de resultados. Não avaliar pessoas por seus [aparentes] atributos, mas por seu talento próprio e dinamismo. E eu não digo isso zombeteiramente. É uma visão incrivelmente atraente. Mas a meritocracia contém as sementes de sua própria destruição. Ela permite a desigualdade. Como um ethos, ela não se preocupa com os resultados. Mas tais resultados têm efeitos reais. E estes arruínam o sistema para produzir mais desigualdade e restringir a igualdade de oportunidades.
A meritocracia leva à oligarquia. A high school que frequentei é uma parábola concreta nesse sentido. O Hunter College High School [uma escola pública de prestígio em Manhattan] é um lugar incrível que, de alguma maneira, apoia uma visão austera de meritocracia. Eles têm um teste de admissão e, literalmente, não importa se você é filha do prefeito Bloomberg, se não passar no teste, você não entra. Conversei com a presidente do Hunter e ela me disse: “Você não iria acreditar nos telefonemas que recebo, e de quem eu recebo, perguntando se tem algum jeito de fazer um acordo...’” Há algo inacreditável sobre isso, particularmente em uma época em que muito poucas instituições podem dizer com segurança que a filha do prefeito Bloomberg não seria (necessariamente) aceita.
Mas o que aconteceu com esse, em algum nível brutalmente equitativo, sistema? Essa igualdade está embutida em um sistema social cheio de desigualdade, que penetra no sistema e o coloniza. Nós tivemos o crescimento dessa tremenda indústria de provas e pré-testes em Nova York, junto com o crescimento maciço da desigualdade. Isso produziu um sistema no qual a escola está agora admitindo apenas entre três e cinco estudantes negros e latinos. The students they are admitting are almost entirely white, affluent kids with tutors or second generation, first generation immigrants from Queens and other places where the parents pay for test prep. Você acaba tendo um sistema onde quem você está realmente deixando entrar são crianças com acesso a testes preparatórios, crianças com acesso a recursos. Hunter pode ser um incrível motor de mobilidade, mas ao longo do tempo não poderá ajudar e falhará se não estiver incorporada em uma sociedade que tem um compromisso com a igualdade de condições para seus membros. Essa é a alma teórica do livro.
Meritocracy has amazing things about it and terrible things about it. Part of the purpose of the long section on Major League Baseball is to show that one of the outgrowths of a system of incredibly intense emphasis on performance, with finely granulated judgments of who’s better than whom, is that you produce real intense incentives for fraud, for cheating. And that’s not to say its impossible, but in the same way that everyone recognizes that a bureaucracy or a system driven by seniority, that there side effects to that, you need to keep people motivated and you have to make sure you don’t end up with blockages and obstacles to getting things done. Se nós vamos continuar embarcando nesse projeto meritocrático, devemos ter os olhos abertos para seus efeitos negativos.
Os escândalos dos testes educacionais de Atlanta realmente exemplificam isso para mim.
That’s a perfect example. There is a certain social vision that bureaucracy is bad and meritocracy is good and we are going to replace the [former with the latter]. That’s clearly what a lot of the education reform fight is about. One of the points of the book is, wait a second, it’s a lot more complicated than bureaucracy bad, meritocracy good. You can create tremendously destructive meritocracies. One of the interesting things about doing reporting for the book was talking to people from Enron. People loved that company. Numerous people said to me, it was the least bureaucratic place I ever worked, you couldn’t keep deadwood around. The favored son of some manager wouldn’t cut it, because everything was structured in a very fluid way. People really loved that. There are benefits.
Gostei da sua descrição de meritocracia como “uma nova hierarquia baseada na noção de que pessoas são profundamente desiguais em habilidades e dinamismo”. Quando posto dessa forma, parece uma ideia profundamente conservadora, ignorando realidades sociais de pobreza, racismo estrutural, falta de mobilidade social.
Essa ideia de “igualdade de oportunidades, não de resultados” é muito bipartidarista, quase sem sentido. Mas isso significa algo, tem uma política. Um dos resultados inevitáveis é que você vai pedir para o sistema educacional expiar os pecados de todo o resto da sociedade. É o único lugar onde nós podemos fazer intervenções. E isso é o que você está vendo na nossa política, esse é o lugar onde a energia está sendo gerada.
A política educacional é o lugar onde parece haver sobreposição bipartidária.
Não é por acaso que todos os caras de hedge fund estão financiando reformas nas escolas. Acho que eles realmente acreditam, são realmente idealistas nesse sentido. Eles odeiam sindicatos também. Mas eles veem uma sociedade manifestamente desigual e, nos termos da ideologia deles, o jeito de lidar com isso é melhorar a educação. Meu ponto é que toda a estrutura está errada.
Education policy is the one place where there seems to be bipartisan overlap.
It’s not an accident that all the hedge fund guys are funding school reform. I think they really believe, really are idealistic in that sense. They hate unions too. But they see a manifestly unequal society and within the terms of the ideology they have, the way to deal with that is to make education better. My point is that their whole framework is screwed up.
They have this view from 20,000 feet of what education policy should be, but they are too far removed to get any feedback from the community when it doesn’t work.
Exactly. These are the concrete effects of having an unequal enough society that these guys... don’t get feedback.
Despite its seeming novelty, this isn’t a new idea. Back in 1994, Christopher Lasch (whom you cite) wrote: “the chief threat seems to come from those at the top of the social hierarchy, [“new aristocracy of brains”] not the masses... Meritocracy is a parody of democracy.” How influenced were you by Lasch’s work, where do you diverge from his analysis, and how have things changed since his writing?
I’m heavily influenced by his work. And the trends have only gotten much, much, much worse. In fact, I think that’s a very prophetic book. He deals with the way it sort of destroys the moral fabric of society, and is unjust. But my book, I don’t think it’s a very moralistic book. Lasch is making a very moralistic argument; he’s a polemicist, a Jeremiah figure, a prophet railing against the fallen society in which he lives. I’m trying to make, in some ways, a practical argument. About the practical effects, the negative consequences. No one wants an Enron, no one wants a financial crisis.
I want to circle back to something you said about reporting for the book. In contrast to Lasch and Michels, you come from a journalistic background. You’ve engaged with actual people while writing this book. How did that affect your perspective and work?
It’s a methodological toolkit I’ve been trained in. It’s a huge part of how I learn about the world. There’s a certain form of content synergy in so far as, you know, if the problem is social distance . . . I mean, look, I’m a member of the elite I’m writing about. That’s a weird and uncomfortable thing for me to say, but there is no definition of the elite, no plausible, coherent one, that I don’t belong to. I’m just as subject to the same forces, so it’s really important for me to actually talk to people. And I think reporting makes it more compelling storytelling. The book’s form is weird in a way; it’s both a reported work and a work of theory.
O socialista Robert Michels teve uma forte influência em seu trabalho, mas a conclusão dele — “democracia leva à oligarquia e necessariamente contém um núcleo oligárquico” — implica limites intrínsecos ao radicalismo de qualquer projeto. Uma elite melhor é o máximo que podemos esperar?
I was having an exchange with someone who was really active in OWS and I asked him about this horizontalism and, yeah, I’m with Michels on the limits of horizontalism. At a certain point you run up against these basic mundane, logistical problems. Again, I don’t want to over generalize, there are some cooperatives that are really functional and some that are complete nightmares. But Michels core insight, it seems to me, is undeniable. The question is what you do with it. Michels took it and became a fascist.
He pitches it as an objective truth he’s found.
That’s another place where his influence shows in my book. He actually isn’t making a moral argument; he’s making an almost entirely practical one about organization. I’m trying to do an analogous work on meritocracy.
But the question was about better elites... Não há solução final, não há condição estática... A natureza de ter compromissos igualitários é reconhecer que o trabalho nunca chega ao fim... A inevitabilidade disso é um pouco como o ensaio de Albert Camus, “O Mito de Sísifo”. A inevitabilidade não significa que seja inválido, significa que a luta continua. Você continua lutando por igualdade porque a igualdade não é o estado natural dos seres humanos; eu acho que esse é de alguma maneira o insight realmente profundo. A desigualdade é impossível de ser evitada. Inequality and hierarchy are natural, but that doesn’t mean they are right, that doesn’t mean there is isn’t a productive tension between those forces and the forces of equality. You need the horizontalism always present as a challenge, different egalitarian movements or forces pushing and forcing events, if you are going to create this vibrant tension, rather than some end of history equilibrium.
Michels sentia que tinha provado a impossibilidade do socialismo e da democracia. O senhor teme uma análise do tipo “fracasso quase total das instituições pilares da nossa sociedade”?
Sim, estou muito preocupado com isso. Acho que os dados são interessantes, você vê que as duas instituições que ganharam confiança pública são os militares e a polícia. A instituição mais confiável no país são os militares, a menos confiável é o Congresso. O autoritarismo se torna muito sedutor em tempos de uma elite desacreditada, mas é importante manter tudo isso em termos relativos. Não estamos em crise como a Grécia. Na Grécia, o partido [neonazista] Golden Dawn obteve 7% nas últimas eleições [permitindo a possibilidade de assentos no parlamento], and who knows what they are going to get in June? Probably higher.
Or consider the Hungarian example.
Hungary’s even worse. But I don’t want to be too alarmist. We are not Hungary, we are not Greece... But because we are so powerful our failures resonate more. In some ways, the worst victims of our institutional and elite failures, through the ripple effect of financial crisis and war, aren’t Americans.
With the massive power differentials you describe, how can we hope to enact real reform? In the case of, say, abolition or civil rights there were other powerful groups for the oppressed to ally with. Or a strong labor movement, or mass based political party that wasn’t dependent on wealthy. That seems harder to imagine here. I don’t really see a power base that can push back.
The argument I make in the book, and it’s a tentative argument, but I do think there is a potential for a radicalized upper-middle class. We already see that, it’s just a question of how that gets channeled. Everything about the Netroots, the anti-war, anti-Bush sentiment [the Tea Party is also cited in the book]. One of the interesting things about the way our certain kind of fractal inequality has manifested, the people who see it the most, have the closest proximity to it, say, the top 2 to the top 20 percent: ‘I went to law school with Joe and I have some job at a firm and I’m doing alright, but he went into a hedge fund and is making $10 million.’
That is a lot of power, resources, cultural capital, network, class, monetary power. The working class has already been ground into dust in terms of political power, as I cite in the book the Martin Gilens and Larry Bartels studies showing [the preferences of voters in the top one-third of income distribution are represented in the votes of senators to the exclusion of everyone else]. It’s not uncommon for revolutions to stem from a radicalized group just outside the circle of power. That’s what the French Revolution was all about, that’s what the American Revolution was. The question is will all those groups, because of the nature of partisan polarization and ideological polarization, just going to fight each other? Or is there capacity to organize?
I don’t want to be overly optimistic because I don’t think polarization is some kind of grand distraction. It’s real. People have different commitments, believe in different things and principals, different visions of the good life . . . but there is also a degree to which all the really big, successful reform movements in the country had extremely bizarre ideological coalitions. Abolition did, Prohibition did. So I wonder if that’s the way out for us.
O senhor menciona a guinada da América Latina à esquerda como um exemplo entre as nações que consideraram seriamente a desigualdade e entre partidos que utilizaram políticas progressistas para reduzir isso. Que lições podem ser tiradas dos progressistas da América Latina? Que parte da experiência deles é replicável?
A lição importante é que isso é factível. O governo Lula [no Brasil] começou dando muito dinheiro para os pobres. Isto não é algo que esteja fora do nosso controle, há coisas que podemos fazer. Alguns tiveram mais sucesso que outros. Outra lição importante é que isso não precisa acontecer ao custo do crescimento. Which is always the tradeoff [that is posited]. Brazil is a complicated case because there has been a huge boom in energy exports due to sugar-based ethanol. And obviously it’s easier to grow faster when you are a less developed country than when you are where the US is.
Na história básica da América Latina, 10 a 20 anos de presença do FMI impuseram austeridade e ajuste estrutural que resultaram em crise, pobreza e desigualdade terríveis, o que provocou revoltas pelo continente. Líderes de esquerda e centro-esquerda votaram em quem tinha mandatos e coalizões políticas nos quais a desigualdade era uma parte explícita de suas agendas e então implementaram políticas que eram igualitárias. Mais uma vez, há tremendas diferenças entre o Brasil e a Bolívia e, definitivamente, a Venezuela, que é um caso especial por causa de Hugo Chávez e da política venezuelana. Mas aquele drama em três atos é a história básica — crise financeira e enorme desigualdade, revoltas contra isso e governo eleito para diminuir a desigualdade.
Em Twilight of the elites, você faz a defesa do “romper a normalidade e o conforto da elite”. Por quais ações e organizações você está mais entusiasmado?
Vejo muita esperança nas mobilizações do tipo Occupy. Acho que são incrivelmente importantes, porque uma das coisas estranhas sobre o bizarro intervalo pós-crise em que estamos é que as elites, uma vez que produziram a crise, fizeram um bom trabalho ao, essencialmente, manter o barco flutuando. Gente como Ben Bernanke, Henry Paulson, Timothy Geithner, o presidente Barack Obama. Poderia realmente ter sido muito pior. Veja a Europa. Nós poderíamos ter 20% de desempregados. Eles poderiam ter feito besteira suficiente para chegar nisso. E se eles tivessem feito, provavelmente haveria mais movimentos de massa nas ruas.
O potencial para a crise é claro para todo mundo, mas a profundidade real e a intensidade da crise atual é sentida por pessoas que são pobres ou desempregadas. É horrível, miserável e penetrante. Mas 8% de desemprego não são 20% de desemprego. Há esse estranho, frustrado senso de infelicidade com o status quo e, ainda, um tipo de retorno ao estado normal. Quero que façamos as mudanças de que precisamos e redistribuamos o poder do mesmo modo, mas eu não desejo a crise. A crise é horrível e fere mais as pessoas mais pobres. Então o que realmente precisamos fazer é criar uma ruptura, porque senão haverá um rompimento exógeno, que significará outro choque, outra crise, ou essa ruptura será feita por meio de movimentos, protestos de rua e todas as maneiras criativas de dizer “não, isto não é sustentável”.
Eu realmente me preocupo porque, se as análises estão certas, a atual constituição da elite americana e do poder americano irão, inevitavelmente, nos levar em direção a outra crise. Então essa é nossa chance para, de certo modo, salvar as elites delas mesmas. E nós vemos isso nas notícias do JP Morgan Chase nas últimas semanas. Os caras mais espertos do mundo, de volta à mesa do cassino.
Sobre o entrevistado
Sobre o entrevistador
Jake Blumgart is a freelance writer and editor in Philadelphia.
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