As conexões, tanto reais quanto esperadas, entre o movimento trabalhista e os ambientalistas são notícias há pelo menos quinze anos.
Eva Swidler
Monthly Review
Tradução / Conexões, reais e esperadas, entre o movimento trabalhista e os ambientalistas têm sido notícia há, pelo menos, quinze anos. A possibilidade de tal conexão ganhou maior visibilidade nos protestos contra a Organização Mundial do Comércio em Seattle, em 1999, quando alianças entre sindicalistas e outros grupos de manifestantes ganharam manchetes com frases cativantes, como “Teamsters for Turtles” [Caminhoneiros pelas tartarugas] — ou, mais prosaicamente, a “aliança azul-verde”, em referência aos trabalhadores de colarinho azul se unindo a ativistas ecológicos verdes. Apesar da possibilidade nova e outrora empolgante que está sendo institucionalizada agora em organizações como a Labour Network for Sustainability [Rede de Trabalho para a Sustentabilidade], a Blue-Green Alliance [Aliança Azul-Verde] e a SustainLabour [Fundação Internacional do Trabalho para o Desenvolvimento Sustentável], o entusiasmo parece ter sumido em um discurso ambientalista convencional, e o trabalhismo praticamente desapareceu de vista.
Para ser justa, o movimento ambientalista incorporou o trabalho em seu pensamento de algumas maneiras. Os “empregos verdes” para o setor de construção são frequentemente citados como um benefício social da readaptação de estruturas visando à eficiência energética ou de novas tecnologias de energia para provar que a redução do consumo de energia e da produção de carbono não precisa prejudicar a classe trabalhadora. Ambientalistas apontam para os riscos à saúde que os trabalhadores enfrentam em ambientes tóxicos — trabalhadores agrícolas que manipulam pesticidas, trabalhadores que fabricam produtos químicos, mineradores –, tão destrutivos para os humanos quanto para a ecologia em geral. É evidente uma disposição geral para, ao demandar responsabilidade ambiental, fazer também campanha pelos direitos dos trabalhadores, como uma espécie de reconhecimento da retidão moral de companheiros ativistas. Enquanto isso, e em troca, os ativistas ecológicos esperam que os trabalhadores abordem as questões ambientais como parte de uma ampla agenda progressista, criando uma aliança do tipo colcha de retalhos.
Alguns ambientalistas até localizaram a dinâmica capitalista no cerne da destruição ambiental contemporânea, embora não tenham conseguido concluir que o anticapitalismo é o caminho a seguir. O movimento da “simplicidade voluntária”, os defensores do crescimento zero ou o movimento das Cidades em Transição, todos identificam o crescimento constante e o consumo em expansão ininterrupta como motores da destruição ambiental. No entanto, nenhum desses grupos parece ver as pessoas cujo trabalho cria essa destruição como a chave para sua luta.
Os ativistas sindicais e trabalhistas entendem a questão de maneira um pouco diferente. Eles reconhecem as conexões que os ambientalistas traçam entre o trabalho perigoso e a poluição que esse trabalho produz, ou entre os planos de eficiência energética para edifícios e o emprego que esses planos criam. Mas o trabalhismo, muitas vezes, quer reivindicar um papel mais central na luta por um mundo sustentável. A SustainLabour afirma: “Os locais de trabalho estão no centro da produção e do consumo, portanto devem ser locais centrais em qualquer esforço voltado para mudar os padrões de produção e consumo em níveis local, nacional e internacional”. No entanto, mesmo essa organização se concentra em maneiras conhecidas de conectar trabalhadores e destruição ecológica: treinar trabalhadores sobre os riscos químicos, fazer campanha por empregos verdes ou instigar os pesquisadores da área de mudanças climáticas a considerar as populações mais vulneráveis em suas análises. A Aliança Azul-Verde também pressiona por obras de infraestrutura, iniciativas de eficiência e financiamento para subsidiar a produção de veículos com baixo consumo de combustível. Essas campanhas para conter o chavão incessantemente repetido de “empregos contra o meio ambiente” são importantes, mas o esforço em ser tão razoável parece ter consumido o potencial radical do trabalhismo: salvar o planeta desafiando o capitalismo, o lucro e até mesmo o próprio trabalho.
Os radicais dificilmente se saem melhor. Em seu recente best-seller, This Changes Everything: Capitalism vs. the Climate [Isso muda tudo: capitalismo versus clima], Naomi Klein reivindica o manto anticapitalista do título do livro e dá um breve aceno à ideia de uma semana de trabalho mais curta como uma estratégia importante para atenuar as mudanças climáticas. Em entrevistas, ela explica que semanas de trabalho mais curtas podem reduzir o tamanho da economia e, assim, limitar a destruição ambiental, ao mesmo tempo permitindo a produção necessária. Também dariam às pessoas mais tempo para viver de maneira menos consumista — para cultivar hortas, cozinhar em casa ou caminhar e andar de bicicleta em vez de dirigir. Juliet Schor e organizações como a Take Back Our Time Network [Rede Retomar Nosso Tempo] e a New Economics Foundation [Fundação para Nova Economia] dizem o mesmo há anos. Em vez do chamado “dividendo de produtividade” (a maior capacidade econômica que resulta de aumentos constantes na produtividade do trabalhador) indo em direção a maiores lucros para os capitalistas, ou ocasionalmente para salários ligeiramente mais elevados, aumentos anuais na produtividade do trabalhador podem levar a uma diminuição na quantidade de tempo que as pessoas trabalham, deixando a quantidade de bens e serviços produzidos inalterada. Voilà, uma economia em estado estacionário.
Infelizmente, apelos por uma semana de trabalho mais curta tendem a contornar a espinhosa questão de quem fará isso acontecer. Afinal, um apelo ao encolhimento das economias é efetivamente uma rejeição do capitalismo e da própria motivação do lucro — e isso exigirá uma luta. Se o objetivo dessa luta é reduzir a jornada de trabalho, os trabalhadores parecem ser os candidatos mais fortes para assumi-la. Mas o discurso em torno da semana de trabalho mais curta não faz menção a nenhum movimento trabalhista, a sindicatos ou à classe trabalhadora. Essa visão parece presumir que pessoas de todas as classes se reunirão e falarão com seus vizinhos, e, então, derrubarão a economia mundial: a junção entre um voluntarismo simplista — do tipo “basta fazer” — e o anticapitalismo. Mas, enquanto isso, as principais preocupações dos movimentos da classe trabalhadora ao longo dos últimos milênios (além da simples sobrevivência) têm sido as lutas por tempo e lazer, e apenas as classes trabalhadoras tiveram sucesso nessa frente. É evidente que a luta da classe trabalhadora contra o trabalho e pelo lazer é um pilar que falta na luta pela defesa da natureza contra o crescimento incessante.
Em seu clássico artigo de 1967 intitulado “Time, Work-Discipline and Industrial Capitalism” [Tempo, disciplina do trabalho e capitalismo industrial], E. P. Thompson descreveu as lutas diárias dos trabalhadores ingleses contra a arregimentação capitalista da vida. Trabalhadores de vários tipos resistiam à própria designação do tempo como substituto do trabalho e da medição do tempo como medida do trabalho; as pessoas ainda se apegavam a ideias alternativas de trabalho, tempo e lazer anteriores. Ao estudar sociedades pré-capitalistas em todo o mundo, Marshall Sahlins e antropólogos posteriores documentaram a priorização semelhante, em outras culturas, de uma riqueza de interação social sobre os bens materiais. No que Sahlins chamou de “sociedade afluente original”, a riqueza era medida pelo lazer, e não pelo acúmulo de riqueza. Com base nessa percepção, os historiadores agrícolas também ficaram cada vez mais intrigados com os povos coletores que entendiam a domesticação das plantações, mas optavam conscientemente por rejeitar ou abandonar a agricultura simplesmente por ser muito trabalhosa, preferindo suas vidas não agrícolas com maior liberdade — e mais tempo livre.
Em consonância com o que podemos chamar de “ética do lazer” do pré-capitalismo, que rejeita as tendências intensificadoras do trabalho dos patrões, a história registrada da produção capitalista primitiva na Europa e na América do Norte — pelo menos fora da escravidão — mostra o trabalho como uma parte integrante da vida diária, acompanhada de alimentação e socialização, para grande desgosto dos industriais emergentes. Como Eric Wolf escreve em seu clássico Europe and the People Without History [A Europa e os povos sem história], nas economias europeias às vésperas da industrialização, desde que o trabalho industrial fosse meramente complementar ao trabalho central de manter uma fazenda e tivesse que competir com atividades recreativas muito mais atraentes, como feriados e vida familiar, os organizadores da produção industrial estariam procurando maneiras de “subjugar os temperamentos refratários dos trabalhadores acostumados a paroxismos irregulares de diligência”, nas palavras de um industrial em 1835. A vida da classe trabalhadora de equilibrar a subsistência com o lazer — o que tanto irritava a burguesia — incorporou aos capitalistas apenas a produção necessária para satisfazer um patrão ou cobrador de impostos, ou para manter o lobo longe da porta, e nada mais.
O primeiro ataque a essa vida profissional independente foi criar um sistema de medição do trabalho com base no tempo. O relógio e a consciência constante do tempo que o acompanha, e então a dedicação de grandes porções desse tempo agora medido puramente para uma atividade distinta chamada “trabalho”, são elementos da existência cotidiana sem os quais a maioria de nós dificilmente consegue cogitar viver. No entanto, os trabalhadores lutaram longa e duramente contra essa imposição da medição do tempo de trabalho e contra a maneira como as horas de trabalho designadas destruíam o tecido da vida doméstica diária, que havia mesclado conversação e comunidade com atividades econômicas.
Em outras palavras, as classes trabalhadoras da Europa e da América do Norte, há alguns séculos, viviam em um estado de relativa suficiência, apesar de sua pobreza. Eles se recusavam a trabalhar simplesmente para obter mais. Eles preferiam homenagear a “segunda-feira santa” com lazer. Apenas ao perderem a batalha contra a medição do tempo e a padronização do trabalho, os trabalhadores passaram de uma luta contra o tempo para uma luta pelo tempo — isto é, para uma luta por jornadas de trabalho menores.
Depois que o trabalho autogerenciado foi substituído por regimes industriais e a disciplina de tempo foi imposta, os trabalhadores ainda se apegaram ao valor do lazer, tornando as jornadas mais curtas uma demanda fundamental, pelo menos tão importante quanto um salário mais alto. O manifesto antitrabalho de Paul Lafargue, O direito à preguiça, publicado em 1883, foi um best-seller, reimpresso muitas vezes e lido com entusiasmo por todo o movimento trabalhista global. A luta por menos horas na Europa e na América do Norte durou, pela maioria das estimativas, até a Segunda Guerra Mundial. O historiador Benjamin Hunnicutt dedicou grande parte de sua carreira a descrever a luta por menos horas de trabalho nos Estados Unidos, relatando uma série de visões da classe trabalhadora de uma vida com propósitos maiores do que o trabalho ou o consumo: uma visão religiosa do destino divino dos humanos, uma visão secular de cidadania ativa e ideias de autoaperfeiçoamento. Como resultado dessa luta persistente, por mais de um século após a invenção do tempo de trabalho industrial, as horas de trabalho no Ocidente diminuíram constantemente.
Essa luta pelo tempo, no entanto, chegou ao fim há décadas. Agora, aqueles com empregos exigem salários mais altos, e talvez até horas extras de trabalho, enquanto os muitos desempregados e subempregados lutam para, pelo menos, trabalhar. Hoje, a ideia dominante de uma agenda da classe trabalhadora é lutar para poder vender seu tempo.
Nos setenta anos desde que o trabalho organizado desistiu de jornadas de trabalho mais curtas, não apenas a duração da semana de trabalho nos EUA atingiu o seu mínimo, e depois começou uma escalada constante que ainda continua, mas também as taxas de participação da força de trabalho também aumentaram. As mulheres trabalham de forma assalariada em níveis cada vez maiores; os idosos trabalham até a morte. Cada vez mais horas de trabalho são drenadas das famílias, sugando cada vez mais pessoas. Múltiplas realidades econômicas, bem como complexas dinâmicas de gênero e impulsos em direção à independência econômica das mulheres, impeliram mais membros da classe trabalhadora para a força de trabalho paga. Além disso, parece que não percebemos o fato de que a esperança proletária motivadora por um mundo melhor, anteriormente definida pela maximização do tempo livre e do lazer, foi cada vez mais sendo substituída por uma visão de consumo pessoal em constante expansão.
Num círculo curioso, a jornada de trabalho parece, mais uma vez, menos distinta do resto da vida. Sem uma divisão clara entre o que devemos ao nosso patrão e o que pertence a nós e às nossas famílias, vivemos cada vez mais em um mundo sem trabalho e lazer demarcados. Mas, ao contrário dos aldeões vadios, vagabundos e ociosos de Thompson, que podiam escolher tecer quando pressionados, que passavam seus dias em autogerenciamento e autodeterminação e se ressentiam das horas perdidas em trabalho remunerado, este mundo novo e ilimitado está virado de cabeça para baixo. É um mundo em que todo o tempo é um tempo potencial de trabalho e as férias são vistas como roubadas do chefe.
Redes como a Take Back Our Time e movimentos como a simplicidade voluntária tentaram — sem muito apelo ou sucesso amplo — ressuscitar entendimentos alternativos de prosperidade. Embora, sem dúvida, alguns trabalhadores tenham continuado a valorizar o tempo em vez do dinheiro, o discurso público de “simplicidade” não os atraiu ou incorporou. Como o movimento social que criou e sustentou uma resistência à disciplina do tempo por séculos, e continuou lutando pelo tempo, dado que sua luta contra o tempo foi perdida, a ausência de trabalho no fórum de simplicidade é uma falha notável e fatal.
Os historiadores do trabalho — pelo menos os poucos que estudaram a luta pelo tempo de trabalho — notaram alguns pontos-chave que vale a pena relembrar. Em primeiro lugar, nenhuma diminuição na jornada de trabalho foi conquistada sem luta pela classe trabalhadora. A sociedade do lazer que foi prometida na década de 1970 nunca chegou, precisamente porque o trabalho organizado havia abandonado a luta por jornadas mais curtas várias décadas antes. Movimentos voluntários de simplicidade, qualquer que sejam seus nomes — equilíbrio entre vida profissional e pessoal, enxugamento da vida [life downsizing], folga como estilo de vida [slackerdom], movimento “Faça Você Mesmo” –, nunca conseguiram reduzir as horas de trabalho em um nível social. Como uma miscelânea de ações individuais, eles deixam de abordar os imperativos econômicos e sociais para o trabalho.
Os profissionais, em particular, fracassaram como classe em resistir quanto aos limites de intensidade ou volume de trabalho, e acadêmicos que escrevem sobre trabalho são um excelente exemplo disso. Sem aparentemente nenhuma experiência pessoal própria de resistência ao trabalho individual ou comunitário, ou com a ética do lazer, os pesquisadores em história do trabalho têm se mostrado quase cegos para a rejeição do trabalho e têm moldado a literatura trabalhista de acordo com essa postura.
Essas atividades que os poucos pesquisadores da classe trabalhadora que examinam o tópico chamam de “resistência ao trabalho” — incluindo embriaguez, absenteísmo, vadiagem e vagabundagem — podem ser consideradas formas proletárias de simplicidade voluntária. Certamente, os capitalistas historicamente têm considerado essa ética do lazer de base da classe trabalhadora como uma ameaça muito séria. As guerras culturais contra o álcool e a preguiça, as sanções legais contra a vadiagem e o treinamento psicológico das crianças para a obediência e a disciplina no trabalho por meio da escolarização em massa obrigatória refletem a intensidade do ataque à resistência proletária ao trabalho.
Essas manobras historicamente dependeram de punições e ferramentas ainda mais básicas, como estruturas econômicas que ameaçavam com inanição e desastre para aqueles que não trabalhassem. Nos séculos anteriores, quando a luta pelo tempo era mais explícita, os capitalistas ocidentais projetaram baixos níveis de pagamento para forçar os trabalhadores a trabalhar mais horas. Nos anos posteriores, e em outras partes do globo, uma variedade de outras estratégias foram empregadas para extrair trabalho dos relutantes, incluindo a exigência de impostos ou taxas de famílias capazes de subsistência, a fim de forçar as pessoas a participarem da economia monetária, e despojando pessoas de seus meios de subsistência ou produção, a fim de levá-las a trabalharem para os outros. Ainda assim, em meio a toda essa fiscalização do trabalho, os trabalhadores mantiveram sua própria visão de lazer e de tempo independente. Essa visão animou o trabalho organizado e impulsionou a trajetória bem-sucedida de redução das horas de trabalho até o momento fatídico de meados do século XX, quando os sindicatos desistiram da luta por tempo.
Mas por que o trabalho organizado parou de lutar por menos horas? Ninguém parece saber. Claramente, essa escolha coincidiu com outros desenvolvimentos sindicais profundamente conservadores, incluindo expurgos de pessoas de esquerda das fileiras dos sindicatos. O desejo de tempo livre foi até retratado como uma exigência efeminada dos fracos e das mulheres. Quaisquer que sejam as causas, no entanto, é claro que, desde que o trabalho organizado cessou sua pressão por horas mais curtas, as horas de trabalho se estabilizaram e então começaram a aumentar, apesar da produtividade cada vez maior. Se se quiser reduzir o tempo de trabalho novamente, a história mostra que são os próprios trabalhadores que terão que fazer isso.
Os estudantes da erosão da vida pública têm focado, nos últimos anos, nos “comuns” culturais — os elementos da vida social que nós (muitas vezes sem pensar) compartilhamos, da culinária à linguagem e à moda das ruas. Mas pouco foi feito para conectar os conceitos de comuns culturais ou vida pública com a ética do lazer e a luta contra o trabalho — uma conexão central para ambas as esferas.
Sem esferas e culturas públicas vitais, o lazer não é atraente; se e quando nos tornarmos indivíduos sem um imperativo de ir ao trabalho, e se estivermos simultaneamente sem uma comunidade da qual fazer parte, teremos “tempo disponível”, tempo a ser preenchido, tempo a ser “matado”, tempo a ser “passado”. Precisamos “nos manter ocupados”. Quando o trabalho preenche tanto nossas vidas e nossa sociedade a ponto de trabalharmos mesmo nos dias de folga para estar na companhia de outras pessoas; quando não tiramos férias porque não sabemos o que fazer fora do trabalho; quando os alunos aguardam ansiosamente o retorno às suas odiadas escolas porque o tempo lhes pesa tanto no verão; então não há dúvida de que a redução do trabalho não pode ser instituída individualmente. Um mundo alternativo, coletivo e social deve coexistir com nossos mundos de trabalho, para fornecer um lar alternativo, uma rede alternativa de conexões, uma identidade alternativa, uma constelação alternativa de valores, atividades e propósitos, até mesmo marcações alternativas de tempo.
Circularmente, os comuns e a esfera pública exigem lazer adequado. Para restaurar um mundo social independente do mercado e do local de trabalho, e para manter os comuns vitais, precisamos de tempo de lazer para habitar os bens comuns. Também precisamos que nossas comunidades tenham tempo para estar conosco — passando tempo na varanda, conversando, jogando basquete no centro de recreação, fazendo música no porão. Em outras palavras, precisamos de comuns culturais vitais para além do mundo do trabalho remunerado e necessitamos de uma ética do lazer, um desafio constante ao próprio conceito e à valorização do trabalho. A ética do lazer e os comuns públicos dependem um do outro. E, para ambos, a coletividade é a chave. Com a revalorização comunal do lazer, opondo-se às constantes tentativas do capital de invadir o tempo livre de trabalho e as formas não monetizadas da vida cotidiana e da comunidade, assumimos a luta mais fundamental, a luta contra o próprio trabalho.
Já observei que os profissionais acadêmicos, notórios por seus próprios padrões crescentes de jornada de trabalho e produtividade, deixaram de reconhecer a importância da resistência no trabalho, não apenas como uma arma de rebelião de classe, mas como um elemento essencial de sustentabilidade para o planeta. Da mesma forma, eles falharam em avaliar a necessidade de uma comunidade contínua fora do local de trabalho para promover uma alternativa a um mundo consumido pelo trabalho. Raramente experimentando a participação em uma comunidade externa, eles não podem imaginar sua centralidade para quebrar o estrangulamento do trabalho.
Ativistas pelos comuns, no entanto, bem como proponentes da simplicidade voluntária, focaram na construção e na manutenção de um mundo social compartilhado e comuns culturais como vitais para o futuro planetário. Contudo, eles tiveram pouco sucesso popular notável. Sem energia para o confronto, eles falharam em rejeitar fundamentalmente o trabalho e o horário de trabalho como o conhecemos. Essa rejeição vem historicamente com sucesso de apenas uma fonte: as classes trabalhadoras.
O movimento trabalhista organizado do momento atual, lutando com ações de retaguarda contra o neoliberalismo, parece incapaz de montar tal crítica cultural do trabalho. Da mesma forma, os defensores da simplicidade parecem totalmente alheios às tradições de lazer da classe trabalhadora e desinteressados em explorá-las, deixando de promover sua visão fora de seu mundo de profissionais brancos. No entanto, além dos sindicatos, que, se tivessem uma chance, poderiam muito bem surpreender os defensores da simplicidade, a cultura da classe trabalhadora em geral fornece uma ampla fonte de concepções alternativas de tempo, lazer e vida boa.
Examinando os últimos séculos, parece que existe um limite crítico indefinido, mas discernível. Quando espaços relativamente não colonizados da vida cotidiana e da subsistência, ao invés da atividade de mercado, prevalecem entre as classes trabalhadoras, cultivando nos trabalhadores uma realidade e uma visão de vida autodeterminada, os capitalistas precisam usar constantemente a força física ou econômica para atrair os trabalhadores ao trabalho. A atração do dinheiro e do sucesso por si só não conseguiu criar uma força de trabalho disposta ou automotivada nessas circunstâncias históricas. Quando os espaços não colonizados da vida cotidiana encolheram ou foram tão derrotados que não puderam mais fornecer uma base independente para a autodeterminação, o trabalho preencheu o vácuo. Os comuns ficaram na defensiva, enquadrados mais como uma oportunidade perdida de lucro do que uma fonte de vida em si. Só um ímpeto poderoso por menos horas de trabalho pode reconstruir e defender o espaço necessário para a ressurreição de uma vida cotidiana autodeterminada.
Movimentos por jornadas de trabalho mais curtas têm encontrado oposição feroz dos capitalistas não apenas porque ameaçam a primazia da cultura do trabalho, mas também porque ameaçam a própria fonte de lucro. Mesmo as campanhas reformistas por redução de horário são um ataque direto ao mecanismo básico de extração das classes trabalhadoras. Embora as pressões por salários mais altos também ataquem o lucro, seu foco em mais dinheiro em vez de tempo preserva a cultura do trabalho e, portanto, tem se mostrado mais palatável para os capitalistas. Mais lazer, em contraste, move os trabalhadores fora do trabalho para um mundo de autodeterminação econômica e social, e é absolutamente abominável.
O verdadeiro lazer requer algum dinheiro e dinheiro distribuído de forma mais igualitária. Em primeiro lugar, o lazer requer estar livre das necessidades. A fome, a falta de moradia ou o frio, bem como o medo dessas privações, impedem qualquer possibilidade de algo mais do que o lazer momentâneo. Em segundo lugar, os níveis atuais de extrema desigualdade impulsionam o consumo e a dívida do cartão de crédito, tornam os esforços públicos e comunitários em direção à sustentabilidade menos prováveis de sucesso e reduzem o apoio social para a tomada de decisões com motivação ambiental. Como dinheiro adequado e novos padrões de distribuição são essenciais para o lazer, está claro, mais uma vez, que os trabalhadores devem liderar o caminho para as alegrias da vida — em grande parte, imateriais –, sejam elas contação de histórias, música, amizades ou cochilos ao sol.
Precisamos suplantar o consumo e a produção infinitos para o estômago do mercado, que, se não for alterado, destruirá a Terra em um grau atualmente inimaginável. Mas campanhas moralistas de simplicidade voluntária individual não serão suficientes. Em vez disso, precisamos construir, ou reconstruir, uma cultura compartilhada de lazer. Seja essa agenda enquadrada como um apelo racional por uma economia estacionária ou como uma batalha apocalíptica contra o imperativo canceroso do crescimento, ela deve abordar a realidade de que o planeta requer um novo sistema econômico e uma redução drástica da produção material, que significa uma redução drástica no trabalho.
A classe trabalhadora é, talvez, o último reservatório remanescente de uma cultura de lazer. A tarefa que temos pela frente é dar uma nova vida aos valores proletários do passado e do presente de folga, cochilo e preguiça. Somente os trabalhadores, e a recusa ao trabalho, podem alcançar o lazer radical e um futuro para o planeta.
Sobre a autora
Eva Swidler é economista política ambiental e historiadora social. Ela ensina no Goddard College e no Curtis Institute of Music.
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