Tommy Robinson quer que você acredite que ele é um oprimido valente que foi injustamente reprimido. Mas o líder da extrema direita britânica não é um mártir - apenas um fascista inteligente com sangue nas mãos.
Richard Seymour
Tommy Robinson é escoltado pela polícia durante um protesto em 1 de abril de 2017 em Londres. Chris J Ratcliffe / Getty |
Tradução / No mês passado, um exaltado Steve Bannon bradou contra a "elite liberal" da Grã-Bretanha e insistiu que Tommy Robinson era "a espinha dorsal deste país".
Os comentários de Bannon surgiram depois de uma entrevista de Nigel Farage, ex-líder do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), à rádio. Foi Farage, de todas as pessoas, aquele que esclareceu que, longe de ser a espinha dorsal do país, "toda a gente detesta o Tommy Robinson".
Farage não está muito errado. Embora seja uma causa querida aos reacionários de Trump, Robinson continua profundamente impopular na Grã-Bretanha. A cumprir a sua quinta pena aquando das declarações de Bannon, ele é a espinha dorsal de uma subcultura de extrema-direita violenta e cismática.
No entanto, um diplomata nomeado por Trump pressionou o governo britânico em nome de Robinson, alegando estar preocupado com sua segurança na prisão. O governo deu voz à propaganda de auto comiseração de Robinson e dos seus defensores nas redes sociais. Robinson afirma através das redes sociais que fora colocado numa prisão com 71 por cento de população muçulmana, numa cela oposta à "mesquita" onde os prisioneiros muçulmanos poderiam cuspir ou atirar-lhe fezes. Isto foi reiterado no Breitbart por James Delingpole, jornalista do Telegraph. Após a sua libertação, Robinson lamentou a sua “tortura mental” em condições supostamente comparáveis às de Guantánamo, uma alegação que Moazzam Begg, ex-preso em Guantánamo, criticou educadamente.
O melodrama patético de Robinson
As mentiras do pequeno culto de Robinson, se isto não for um eufemismo, desmoronam rapidamente. Robinson passou um curto período na HMP Onley, uma prisão de “categoria C(link is external)”. A prisão não tem mesquita e menos de um terço dos detidos são muçulmanos. Robinson esteve sob proteção o tempo todo. As suas queixas enquanto esteve na prisão indicam que protestou contra a "tortura mental" em parte para que ele pudesse exigir "despesas extra" e um “melhor” estatuto e privilégios.
Ainda assim, as plataformas mainstream deram eco ao martírio de Robinson. O provocador de extrema-direita Raheem Kassam passeou-se pelos programas de informação graças à agência de relações públicas CapitalHQ. Apareceu na BBC, tal como Ezra Levant, chefe da Rebel Media. Tal como Owen Jones refere, se estas entrevistas foram supostamente para desafiar os porta-vozes da extrema-direita, falharam de forma abismal. Kassam pôde apresentar-se como comentador de direito e a sua ligação ao Breitbart e à extrema direita não foi mencionada.
A ironia é que os apoiantes de Robinson são exatamente o tipo de pessoas que classificam as prisões britânicas como sendo “campos de férias”. Aqui compararam uma pequena área de uma prisão de baixa segurança aos casos de sequestro e tortura associados a Guantánamo. Para um homem que cumpriu várias penas de prisão, geralmente por crimes violentos, isto é estranhamente melodramático. As prisões da Grã-Bretanha podem ser duras e estar sobrelotadas, mas esta conversão em massa à luta da reforma das prisões seria talvez menos absurda se admitissem honestamente por que motivo foi Robinson preso.
Numa entrevista feita a Robinson após sua libertação, Tucker Carlson, da Fox News, afirmou que este foi preso por “tentar cobrir o julgamento de uma gangue de predadores sexuais no Reino Unido, por falar alto nas ruas.” Bannon também alegou que ele fora preso injustamente, numa aplicação exagerada de um aspecto técnico sobre restrições de relatórios judiciais. Rod Liddle, do The Spectator, disse estar “longe de ser um fã” de Robinson, mas afirmou que ele havia sido preso "apenas por ser o Robinson".
Muitos dos seus apoiantes são mais cuidadosos. O líder do UKIP, Gerard Batten, que partilha as obsessões islamofóbicas de Robinson, disse ao Infowars que Robinson estava a tentar proteger "as vítimas dos gangues violadores que temos a operar por todo o país”.
Mas até ele fez uma discreta declaração sobre Robinson ter infringido a lei. Douglas Murray, no National Review, afirmou que Robinson havia sido "perseguido" devido ao seu jornalismo cidadão "excecionalmente corajoso", mas admitiu que este cometeu um crime.
A realidade é bastante patética. Robinson ameaçou de forma consciente os julgamentos de indivíduos potencialmente culpados de agressão sexual grave a menores de idade. No primeiro caso, em maio de 2017, trouxe uma câmara para o tribunal. Os tribunais britânicos não permitem fotografias ou filmagens, a fim de garantir julgamentos justos e impedir a intimidação do júri.
O interesse de Robinson nos julgamentos não se deveu a uma profunda preocupação com a violência sexual contra crianças. Quando o membro da English Defence League (EDL), Richard Price, foi preso por acusações de pornografia infantil, Robinson ficou a seu lado, e os membros da EDL organizaram uma campanha em sua defesa. Mas neste caso os suspeitos eram asiáticos - e muitos eram muçulmanos.
Robinson há muito tempo se agarra à teoria lunática da direita islamofóbica que identifica "ligações" entre o Islão e a pedofilia. Tentou tornar os julgamentos em propaganda racista para a Rebel Media, meio de comunicação da extrema direita canadiana. O juiz deu-lhe uma pena suspensa. No ano seguinte, ainda a cumprir a sentença suspensa, cometeu o mesmo delito, sabendo muito bem que seria preso.
Tal como o Sun, a principal fonte de racismo populista da Grã-Bretanha, apontou a disposição para Robinson de destruir esses julgamentos não o tornou um herói, mas num "bandido e um enorme idiota". Surpreendentemente - talvez demonstrando alguma preocupação com a propriedade da sua própria retórica racista - o Sun foi o único órgão a sair-se com uma posição tão firme.
Uma longa história de organização fascista
Os jornalistas fazem agora fila para dar eco aos lamentos de “Tommy” - como os jornalistas da BBC agora o chamam -, mas isso não é inteiramente novo. Há muito tempo existe uma curiosa simpatia por Robinson em partes dos media britânicos. Ele é, em grande parte, uma criação dos media.
O principal contributo político de Robinson foi ser co-fundador da EDL, um gangue de rua antimuçulmanos que existiu efetivamente entre junho de 2009 e outubro de 2013. A EDL surgiu a meio de uma grande disputa na extrema direita, cuja principal força à época era o British National Party (BNP).
O BNP havia deixado transparecer as suas simpatias neo-nazis como parte da estratégia eleitoral media-friendly de Nick Griffin. Extremamente bem-sucedido nos seus próprios termos, isso garantiu a Griffin aparições na TV, incluindo no Newsnight e no Question Timeda BBC, recolhendo quase um milhão de votos entre 2000 e 2009.
Esse sucesso dependeu, porém, de uma divisão tácita do trabalho na extrema direita. Tal como Lee Barnes, ativista do BNP, explicou, a Frente Nacional ficaria a organizar “aqueles nacionalistas que não estão interessados em campanhas eleitorais políticas, mas no ativismo de rua.” Soldados de infantaria moldados pelo antigo líder do BNP, John Tyndall, lembraram que Griffin já foi um grande defensor da estratégia de Tyndall de apoiar "direitos para os brancos" com "botas e punhos bem direcionados".
Em 2008, mesmo quando o desvio tático de Griffin trouxe votos e cobertura mediática, algumas fações do BNP indicavam querer regressar ao ideal fascista mais puro de controlo das ruas. Desconfiavam também do papel de Griffin como representante bem pago num Parlamento Europeu que consideravam uma abominação e lidavam com alegações de corrupção financeira. Estes primeiros movimentos de fação contra Griffin ocorreram ao mesmo tempo que a formação da EDL.
A EDL nasceu em parte a partir de um pequeno grupo de hooligans violentos (“casuals”) em Luton. Estes homens eram conhecidos por seu ódio à minoria muçulmana local. O principal fundador, Stephen Yaxley-Lennon, adotou o pseudónimo de “Tommy Robinson” a partir de um dos famosos casuals locais. O grupo fundiu-se com um grupo antimuçulmano de direita chamado "March for England", organizado por Paul Ray, um YouTuber de extrema-direita.
Mas Ray afirma ter-se afastado devido a uma afluência de membros do BNP. Tanto Robinson quanto o seu braço direito, Kevin Carroll, eram ex membros do BNP com condenações por crimes violentos. O principal organizador da EDL, Chris Renton, era um conhecido ativista do BNP. Davy Cooling, ativista da “divisão” de Luton, era membro do BNP e da MIG. Sean Corrigan, que dirigia o fórum online da EDL, era um ativista do BNP de St. Albans. Alan Spence, organizador regional no nordeste, era um ex-candidato do BNP.
Com a sua principal estrutura vinda da extrema direita, os membros foram recrutados entre os casuals de futebol de direita e organizados em “divisões” locais. Alan Lake, um dos financiadores e estrategas do grupo, explicou que este era um cálculo deliberado. Os hooligans tinham motivação, viajavam por sua conta para assistir aos jogos e eram violentos.
Esta velha tática imitava a infiltração da Frente Nacional nos gangues de futebol nos anos 70, em parte para organizar ataques contra negros, asiáticos, sindicalistas e esquerdistas. Em 2009, usaram a força física para atacar muçulmanos e qualquer pessoa que pudesse passar por muçulmana. Por último, retiraram alguma inspiração ideológica do Ulster Loyalism. O lema “No Surrender”, muitas vezes encurtado para “NS” em fóruns de extrema-direita (ou “NFSE” para “No Fucking Surrender Ever”) foi retirado da ideologia dos paramilitares loyalistas. Associado a isto estava o forte tema dos cruzados na ideologia EDL; recordando a sangrenta luta medieval contra o Islão, o principal ícone visual era a cruz de São Jorge num escudo.
Com esta coligação mobilizada por uma entusiasmante ideologia de luta violenta, Robinson e seus aliados deram uma nova imagem a uma velha estratégia de extrema-direita: "marcha e cresce". As grandes mobilizações de rua visam atrair a atenção dos media e estimular potenciais apoiantes.
Como os acadêmicos Paul Jackson e Martin Feldman documentaram, a principal inovação da EDL é vincular isto a uma estratégia de sucesso no Facebook. Este era o veículo de comunicação para organizadores fascistas, casuals, vários neonazis e um vasto leque de jovens brancos vestidos com roupas da Stone Island.
Mas como nasce uma estrela mediática a partir de material tão pouco promissor?
Robinson, a estrela
Nesta altura não existia o culto do “Tommy”. Robinson não aparecia em público sem ser com o rosto tapado e as informações sobre ele eram escassas.
Foi só em junho de 2010 que sua verdadeira identidade, passado de extrema-direita e história da violência no futebol foram reveladas pela revista antifascista Searchlight. Naquele momento, a liderança estava sob o ataque de uma estranha aliança entre Paul Ray, o líder do Ulster Freedom Fighter, Johnny Adair, apoiante dos Combat-18, e Nick Greger, neonazi alemão e apoiante das Forças de Defesa de Israel. Nas mudanças organizacionais subsequentes que procuraram pôr fim aos ataques, foi consolidado o papel do líder e foram nomeados uma série de novos organizadores regionais.
Isto significou duas coisas. Em primeiro lugar, os organizadores locais poderiam complementar as mobilizações nacionais com iniciativas locais como graffitis contra muçulmanos, manifestações violentas (em Oldham), a colocação de cabeças de porcos perto de mesquitas ou futuras mesquitas (em Nottingham), invasão de restaurantes de fast foodpara alertar contra a venda de carne halal (em Blackburn), ou atacando casas de pessoas asiáticas (em Nuneaton).
Em segundo lugar, Robinson tornou-se no líder indiscutível e principal porta-voz da EDL.
Foi então que a persona pública de Robinson foi desenvolvida. Provou ser extremamente apto nas entrevistas e tinha um certo carisma de miúdo. A sua forma de falar não polida ajudou na sua auto-representação enquanto underdog que lutava contra os profissionais.
A justificação para dar uma plataforma a uma figura tão violenta e marginal era que isso iria “expô-lo”. Isso já havia falhado com o BNP, e a maioria dos jornalistas parecia saber muito pouco sobre a história de Robinson, a política que este defendia ou até mesmo como contestar as suas afirmações mais ofensivas. Enquanto isso, Robinson seguiu cuidadosamente as linhas ensaiadas: reiterando, por exemplo, que ele não era contra todos os muçulmanos, apesar de investigar de forma obcecada todos os alegados crimes cometidos por pessoas muçulmanas.
Um exemplo foi a sua aparição na Radio 4 da BBC, quando foi educadamente entrevistado por Sarah Montague, que se recusou a fazer as perguntas óbvias. Surpreendentemente, a única ocasião em que Robinson foi desafiado foi quando o rapper Akala o demoliu na BBC. No entanto, as televisões continuaram a considerá-lo interessante. No dia a seguir à sua aparição numa reunião europeia anti-jihad na Dinamarca, a BBC pagou-lhe a viagem de avião de regresso para o levar ao programa “The Big Questions”, apresentado pela locutora de direita Nicky Campbell.
Os media mantiveram-se firmes no apoio. Em 2011, após dois anos de violentas mobilizações, ataques racistas e muitas revelações sobre presença fascista na EDL, o Star ainda se sentiu confiante o suficiente para publicar material promocional para mobilizações da EDL, dar entrevistas que favoreciam Robinson nos seus planos para a criação de um novo partido, e de entusiasmo para com a EDL e o seu “apoio visivelmente crescente”, “atraindo pessoas em toda a Grã-Bretanha”. Citou sem qualquer crítica as afirmações de Robinson quando este disse que a EDL não tem “nenhum problema com raça” e mostrou esperar que se tornasse “uma força política” que as pessoas teriam que levar "muito a sério".
À medida que a organização se desenvolvia e começava a enfrentar com frequência contra-mobilizações lideradas pela esquerda, começou também a ampliar os seus objetivos. Logo no início, o site da organização detetava a ameaça do "comunismo" no Partido Trabalhista e no movimento sindical. Como o Instituto de Relações Raciais relatou, além do catálogo de ataques racistas, a EDL atacou eventos de esquerda, bancas socialistas e pró-Palestina, uma livraria sindical e reuniões antifascistas.
Em 2011, em resposta a protestos estudantis contra o aumento das propinas, Robinson ameaçou que, da próxima vez que ocorresse um protesto semelhante, a EDL estaria lá para impedir ataques à polícia. Esses alunos, disse, viviam “dos cartões de crédito dos seus pais” e não podiam “entender o que é ser um membro da classe trabalhadora desta comunidade”. Mais tarde, auto nomeou-se protetor de bairros durante os motins ingleses no verão de 2011. A este respeito, começou a assemelhar-se a um movimento fascista clássico.
No entanto, os protestos estudantis acabaram e a EDL não conseguiu aumentar a sua base de apoio com os motins. A sua imagem foi também manchada pela sua suposta associação com Anders Behring Breivik, que matou 69 estudantes noruegueses em 2011. A EDL continuou os seus protestos contra muçulmanos, incluindo duas tentativas de manifestação em Tower Hamlets (um bairro de Londres com uma grande população muçulmana) em 2011 e 2013. Em julho de 2013, um protesto da EDL em Birmingham transformou-se num motim, tendo sido detidas cinquenta pessoas. Mas os protestos começaram a diminuir e foram constantemente minados pela oposição, tal como em Walthamstow em 2012.
Renascido
Ao abandonar a EDL em outubro de 2013, Robinson foi subitamente apelidado de herói anti-racista renascido. Apareceu numa plataforma ao lado de Kevin Carroll e de Maajid Nawaz, ex islamita e atual crítico do Islão.
Robinson e Carroll alegaram ter abandonado a EDL por causa da crescente infiltração de extrema-direita. A Fundação Quilliam, que Nawaz fundou em conjunto com Ed Husain, assumiu os créditos por esse avanço nas relações raciais, alegando que Robinson tinha visto o erro do seu percurso anterior. Surgiu um ano após o financiamento governamental à fundação ter sido cortado. Desde então, tem sido financiado por grupos de direita antimuçulmanos nos Estados Unidos. Imediatamente após a declaração sobre a salvação de Robinson, Nawaz lançou pedidos de financiamento do governo para ajudar na reabilitação em curso.
Havia razão para ceticismo quanto a esta aparente conversão. A Fundação Quilliam já havia encenado uma suposta conversão dos ativistas da EDL Leighton Evans e Harry Burns. Quilliam arranjou uma entrevista de Evans ao Guardian, tendo ficado claro que nenhuma conversão havia ocorrido. Robinson tinha afirmado que era da "EDL até morrer", numa entrevista a Andrew Neil da BBC poucos meses antes.
Não havia qualquer evidência de que Robinson tivesse mudado sua opinião sobre muçulmanos. Ele continuava a marcar presença em protestos anti-mesquitas e, até à véspera do anúncio, continuou a fazer os mesmos discursos de extrema-direita. Ainda gostava de intimidar fisicamente seus críticos.
Robinson alegou mais tarde que a Fundação lhe pagou 2 mil libras por mês para deixar a EDL de forma a poderem receber os créditos pela sua conversão. Mas Robinson já estava de saída, estando à procura de uma plataforma mais respeitável. Tinha piscado o olho à criação de um novo partido ou à adesão ao UKIP. Depois de desistir, o seu assistente pessoal deixou claro que estava à procura formar uma nova organização que não tivesse a sua base nas ruas. Não houve qualquer conversão. Diz muito sobre o movimento anti-jihad no Reino Unido, do próprio Tommy Robinson e dos media britânicos, que todos eles estivessem tão dispostos a desempenhar esta farsa.
Partes dos media, sobretudo os comentadores de esquerda, aumentaram parcialmente o seu ceticismo para com a conversão de Robinson. Mas muitos engoliram a sua “contrição” por inteiro, tendo ele sido rapidamente convidado para o Newsnight da BBC para uma entrevista com um Jeremy Paxman anormalmente meigo. Tendo a oportunidade de repudiar o seu racismo, evitou o assunto.
O comediante Omar Hamdi teve uma conversa informal e amistosa com Robinson, tendo concluido que “o novo e mais maduro Tommy Robinson tem umas coisas importantes a dizer”. A BBC produziu um documentário com Robinson e Mo Ansar, tendo sugerido que o encontro entre os dois no programa da BBC The Big Questions tinha motivado a mudança de opinião de Robinson. Ao ver a posição de Robinson nos media, e claramente impressionado com a capacidade de capitalizar de Quilliam, o candidato Tory Afzal Amin tentou o seu próprio golpe publicitário, oferecendo dinheiro aos membros da EDL para fazerem uma falsa manifestação e posterior cancelamento pelo qual ele poderia reivindicar os créditos.
Esta limpeza de imagem persistiu mesmo após o assumido regresso de Robinson ao ativismo islamofóbico. Em 2015, quando lançou o Pegida UK (imitando o movimento de extrema-direita alemão), foi novamente convidado a participar em telejornais para explicar sua nova agenda moderada. Disse ao Channel 4 que havia mantido a mensagem “justa” da EDL, mas que rejeitava “os elementos de álcool e hooliganismo”. No Spectator, James Delingpole insistiu que “o homem mais odiado da Grã-Bretanha não é tão odioso. "
Delingpole - um reacionário arrogante e posh - parece ter se encontrado com Robinson e ficado encantado com o seu ar de rufia mundano, declarando que ele fora injustamente transformado num pária. Engolindo o mito do herói criado pelo próprio Robinson, Jamie Bartlett, do The Telegraph, considerou-o uma voz marginalizada, vítima de "táticas de policiamento muito agressivas" e de violações dos direitos civis.
O fato de os jornalistas continuarem a dizer que Robinson é um “pobre coitado” e uma vítima deveria certamente fazê-los pensar sobre se não estarão a ser manipulados.
Um fascista, não alguém oprimido
Porém, o mito do pobre oprimido persiste em parte por causa de uma outra ideia: que este tipo representa as “queixas legítimas” da “classe trabalhadora branca”.
Este mito é ecoado pelos seus apoiantes, como Delingpole e Douglas Murray. Mas aparece frequentemente nos principais jornais. Aparentemente, os jornalistas querem que ele seja a representação da sua fantasia da "classe trabalhadora branca": um tipo sem educação, meio que uma personagem com um passado colorido que pode, com indulgência, crescer e ser educado para alcançar uma posição mais madura.
Este discurso que atribui um sucesso de extrema-direita às “queixas legítimas” da “classe trabalhadora branca” tem um historial desgraçado e desastroso. O culto da vitimização é a linguagem clássica de extrema-direita. Na medida em que tem sido ecoado por especialistas e políticos oportunistas, resultou em tentativas de acalmar a extrema direita com políticas racistas. Mais recentemente, foi usado por Robinson e seus acólitos para racionalizar o homicídio.
Mas de que tipo de queixas estamos a falar? O último a aderir a este argumento não é outro senão Maajid Nawaz, atualmente locutor de rádio.
Ao invés de se retratar pela promoção que deu a Robinson, ele usa essa plataforma para chamar a atenção para o que chama de “queixas legítimas” que estão por trás do apoio a este. Ele alega que essas queixas incluem um “fechar de olhos cultural ao extremismo vindo de minorias étnicas”, acrescentando que “os gangues violadores” eram “permitidos” nos municípios do Partido Trabalhista “em nome do anti-racismo”. E por isso, conclui, Robinson está apenas a tentar dizer o que não pode ser dito nos media britânicos.
Nawaz, crédito lhe seja dado, é um oportunista inteligente. Seria surpreendente se ele não soubesse que surgem quase diariamente notícias sobre o "extremismo vindo de pessoas de cor". Nem ele desconhece a participação do Reino Unido em extradições, sequestros, detenções, prisões secretas, assassinatos, ataques de drones e guerra foram todos justificados pelo "extremismo vindo de minorias étnicas".
De igual modo, seja qual for o conteúdo incendiário, impreciso e digno de capa que a Fundação Quilliam tenha publicado sobre os gangues violadores do norte de Inglaterra, não existe nenhuma ligação clara entre a indignação com a exploração sexual de crianças e ser-se um racista anti-muçulmanos. A não ser que se faça uma ligação racista, esta não existe.
A repetição de Nawaz da teoria da conspiração e de extrema-direita que diz que o município de Rotherham encobriu os casos de abuso sexual para defender a sua agenda politicamente correta deveria ser lida como o exemplo de cinismo que é. E a imprensa britânica tem sido tudo menos reticente em cobrir esse escândalo e em culpar as “pessoas de cor” por aquilo que aconteceu.
É também importante notar como a linguagem das "queixas" funciona na prática. Considere-se a raiva de Darren Osborne, que atropelou com uma carrinha uma multidão de pessoas à porta da mesquita de Finsbury Park.
De que se queixava ele? A polícia alega que Osborne foi motivado pelas publicações e vídeos de Tommy Robinson. Provas do tribunal sugerem que bastou um mês a digerir o seu material para ele ficar obcecado com muçulmanos. É provável que isto seja uma simplificação do que aconteceu. Não obstante, é significativo que Robinson tenha denominado o ataque assassino de Osborne como um “ataque motivado por vingança” e tenha culpado a mesquita por “criar terroristas e jihadistas radicais e promover o ódio e a segregação”.
Robinson estava a racionalizar o homicídio. E fê-lo de uma forma que é característica da sua retórica.
Entre 1997 e 2003, a mesquita de Finsbury Park esteve sob a liderança de Abu Hamza, contra a vontade de seus administradores e apesar da ação legal da parte destes. Durante esse tempo, foram formados vários quadros jihadistas na mesquita. Uma combinação de ação policial e intervenção de organizações muçulmanas e da Charity Commission permitiu reabrir a mesquita sob uma nova liderança em 2005.
A ideia de que essa mesquita, muito menos os fiéis e qualquer um que estivesse à porta da mesma, desse ao galês desempregado qualquer coisa para vingar, só faz sentido se se fizer a suposição racista, como Robinson fez, que o Islão é extremista e que todos os muçulmanos são extremistas.
Não obstante, os media continuaram a desejar as opiniões de Robinson, como o “Good Morning Britain” da ITV que lhe deu uma plataforma no dia seguinte ao ataque para dizer que o Corão incentivava à violência. Não apesar do fato de um homem inspirado pela ideologia de Robinson ter acabado de ser preso por homicídio, mas por causa disso.
E novamente no dia em que Osborne foi considerado culpado, a BBC achou por bem convidar Robinson para o Newsnight para mais uma entrevista sem contraditório. Novamente, não apesar do facto de um homem inspirado pela sua ideologia ter acabado de ser preso por homicídio, mas por causa disso. Sem fazer perguntas difíceis - algo ainda mais grotesco dadas as circunstâncias - deram a Robinson uma plataforma para se fazer de mártir.
O facto extraordinário sobre Tommy Robinson, portanto, não é o facto de ter sido atormentado por uma nação perversa, mas sim que ele receba esta dócil boa vontade de uma variedade de quadrantes, sobretudo de meios de comunicação, apesar de tudo o que ele disse e fez.
Mas ele não é nenhum mártir, é um fascista esperto. E aquilo não são chagas, é sangue nas suas mãos.
Os comentários de Bannon surgiram depois de uma entrevista de Nigel Farage, ex-líder do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), à rádio. Foi Farage, de todas as pessoas, aquele que esclareceu que, longe de ser a espinha dorsal do país, "toda a gente detesta o Tommy Robinson".
Farage não está muito errado. Embora seja uma causa querida aos reacionários de Trump, Robinson continua profundamente impopular na Grã-Bretanha. A cumprir a sua quinta pena aquando das declarações de Bannon, ele é a espinha dorsal de uma subcultura de extrema-direita violenta e cismática.
No entanto, um diplomata nomeado por Trump pressionou o governo britânico em nome de Robinson, alegando estar preocupado com sua segurança na prisão. O governo deu voz à propaganda de auto comiseração de Robinson e dos seus defensores nas redes sociais. Robinson afirma através das redes sociais que fora colocado numa prisão com 71 por cento de população muçulmana, numa cela oposta à "mesquita" onde os prisioneiros muçulmanos poderiam cuspir ou atirar-lhe fezes. Isto foi reiterado no Breitbart por James Delingpole, jornalista do Telegraph. Após a sua libertação, Robinson lamentou a sua “tortura mental” em condições supostamente comparáveis às de Guantánamo, uma alegação que Moazzam Begg, ex-preso em Guantánamo, criticou educadamente.
O melodrama patético de Robinson
As mentiras do pequeno culto de Robinson, se isto não for um eufemismo, desmoronam rapidamente. Robinson passou um curto período na HMP Onley, uma prisão de “categoria C(link is external)”. A prisão não tem mesquita e menos de um terço dos detidos são muçulmanos. Robinson esteve sob proteção o tempo todo. As suas queixas enquanto esteve na prisão indicam que protestou contra a "tortura mental" em parte para que ele pudesse exigir "despesas extra" e um “melhor” estatuto e privilégios.
Ainda assim, as plataformas mainstream deram eco ao martírio de Robinson. O provocador de extrema-direita Raheem Kassam passeou-se pelos programas de informação graças à agência de relações públicas CapitalHQ. Apareceu na BBC, tal como Ezra Levant, chefe da Rebel Media. Tal como Owen Jones refere, se estas entrevistas foram supostamente para desafiar os porta-vozes da extrema-direita, falharam de forma abismal. Kassam pôde apresentar-se como comentador de direito e a sua ligação ao Breitbart e à extrema direita não foi mencionada.
A ironia é que os apoiantes de Robinson são exatamente o tipo de pessoas que classificam as prisões britânicas como sendo “campos de férias”. Aqui compararam uma pequena área de uma prisão de baixa segurança aos casos de sequestro e tortura associados a Guantánamo. Para um homem que cumpriu várias penas de prisão, geralmente por crimes violentos, isto é estranhamente melodramático. As prisões da Grã-Bretanha podem ser duras e estar sobrelotadas, mas esta conversão em massa à luta da reforma das prisões seria talvez menos absurda se admitissem honestamente por que motivo foi Robinson preso.
Numa entrevista feita a Robinson após sua libertação, Tucker Carlson, da Fox News, afirmou que este foi preso por “tentar cobrir o julgamento de uma gangue de predadores sexuais no Reino Unido, por falar alto nas ruas.” Bannon também alegou que ele fora preso injustamente, numa aplicação exagerada de um aspecto técnico sobre restrições de relatórios judiciais. Rod Liddle, do The Spectator, disse estar “longe de ser um fã” de Robinson, mas afirmou que ele havia sido preso "apenas por ser o Robinson".
Muitos dos seus apoiantes são mais cuidadosos. O líder do UKIP, Gerard Batten, que partilha as obsessões islamofóbicas de Robinson, disse ao Infowars que Robinson estava a tentar proteger "as vítimas dos gangues violadores que temos a operar por todo o país”.
Mas até ele fez uma discreta declaração sobre Robinson ter infringido a lei. Douglas Murray, no National Review, afirmou que Robinson havia sido "perseguido" devido ao seu jornalismo cidadão "excecionalmente corajoso", mas admitiu que este cometeu um crime.
A realidade é bastante patética. Robinson ameaçou de forma consciente os julgamentos de indivíduos potencialmente culpados de agressão sexual grave a menores de idade. No primeiro caso, em maio de 2017, trouxe uma câmara para o tribunal. Os tribunais britânicos não permitem fotografias ou filmagens, a fim de garantir julgamentos justos e impedir a intimidação do júri.
O interesse de Robinson nos julgamentos não se deveu a uma profunda preocupação com a violência sexual contra crianças. Quando o membro da English Defence League (EDL), Richard Price, foi preso por acusações de pornografia infantil, Robinson ficou a seu lado, e os membros da EDL organizaram uma campanha em sua defesa. Mas neste caso os suspeitos eram asiáticos - e muitos eram muçulmanos.
Robinson há muito tempo se agarra à teoria lunática da direita islamofóbica que identifica "ligações" entre o Islão e a pedofilia. Tentou tornar os julgamentos em propaganda racista para a Rebel Media, meio de comunicação da extrema direita canadiana. O juiz deu-lhe uma pena suspensa. No ano seguinte, ainda a cumprir a sentença suspensa, cometeu o mesmo delito, sabendo muito bem que seria preso.
Tal como o Sun, a principal fonte de racismo populista da Grã-Bretanha, apontou a disposição para Robinson de destruir esses julgamentos não o tornou um herói, mas num "bandido e um enorme idiota". Surpreendentemente - talvez demonstrando alguma preocupação com a propriedade da sua própria retórica racista - o Sun foi o único órgão a sair-se com uma posição tão firme.
Uma longa história de organização fascista
Os jornalistas fazem agora fila para dar eco aos lamentos de “Tommy” - como os jornalistas da BBC agora o chamam -, mas isso não é inteiramente novo. Há muito tempo existe uma curiosa simpatia por Robinson em partes dos media britânicos. Ele é, em grande parte, uma criação dos media.
O principal contributo político de Robinson foi ser co-fundador da EDL, um gangue de rua antimuçulmanos que existiu efetivamente entre junho de 2009 e outubro de 2013. A EDL surgiu a meio de uma grande disputa na extrema direita, cuja principal força à época era o British National Party (BNP).
O BNP havia deixado transparecer as suas simpatias neo-nazis como parte da estratégia eleitoral media-friendly de Nick Griffin. Extremamente bem-sucedido nos seus próprios termos, isso garantiu a Griffin aparições na TV, incluindo no Newsnight e no Question Timeda BBC, recolhendo quase um milhão de votos entre 2000 e 2009.
Esse sucesso dependeu, porém, de uma divisão tácita do trabalho na extrema direita. Tal como Lee Barnes, ativista do BNP, explicou, a Frente Nacional ficaria a organizar “aqueles nacionalistas que não estão interessados em campanhas eleitorais políticas, mas no ativismo de rua.” Soldados de infantaria moldados pelo antigo líder do BNP, John Tyndall, lembraram que Griffin já foi um grande defensor da estratégia de Tyndall de apoiar "direitos para os brancos" com "botas e punhos bem direcionados".
Em 2008, mesmo quando o desvio tático de Griffin trouxe votos e cobertura mediática, algumas fações do BNP indicavam querer regressar ao ideal fascista mais puro de controlo das ruas. Desconfiavam também do papel de Griffin como representante bem pago num Parlamento Europeu que consideravam uma abominação e lidavam com alegações de corrupção financeira. Estes primeiros movimentos de fação contra Griffin ocorreram ao mesmo tempo que a formação da EDL.
A EDL nasceu em parte a partir de um pequeno grupo de hooligans violentos (“casuals”) em Luton. Estes homens eram conhecidos por seu ódio à minoria muçulmana local. O principal fundador, Stephen Yaxley-Lennon, adotou o pseudónimo de “Tommy Robinson” a partir de um dos famosos casuals locais. O grupo fundiu-se com um grupo antimuçulmano de direita chamado "March for England", organizado por Paul Ray, um YouTuber de extrema-direita.
Mas Ray afirma ter-se afastado devido a uma afluência de membros do BNP. Tanto Robinson quanto o seu braço direito, Kevin Carroll, eram ex membros do BNP com condenações por crimes violentos. O principal organizador da EDL, Chris Renton, era um conhecido ativista do BNP. Davy Cooling, ativista da “divisão” de Luton, era membro do BNP e da MIG. Sean Corrigan, que dirigia o fórum online da EDL, era um ativista do BNP de St. Albans. Alan Spence, organizador regional no nordeste, era um ex-candidato do BNP.
Com a sua principal estrutura vinda da extrema direita, os membros foram recrutados entre os casuals de futebol de direita e organizados em “divisões” locais. Alan Lake, um dos financiadores e estrategas do grupo, explicou que este era um cálculo deliberado. Os hooligans tinham motivação, viajavam por sua conta para assistir aos jogos e eram violentos.
Esta velha tática imitava a infiltração da Frente Nacional nos gangues de futebol nos anos 70, em parte para organizar ataques contra negros, asiáticos, sindicalistas e esquerdistas. Em 2009, usaram a força física para atacar muçulmanos e qualquer pessoa que pudesse passar por muçulmana. Por último, retiraram alguma inspiração ideológica do Ulster Loyalism. O lema “No Surrender”, muitas vezes encurtado para “NS” em fóruns de extrema-direita (ou “NFSE” para “No Fucking Surrender Ever”) foi retirado da ideologia dos paramilitares loyalistas. Associado a isto estava o forte tema dos cruzados na ideologia EDL; recordando a sangrenta luta medieval contra o Islão, o principal ícone visual era a cruz de São Jorge num escudo.
Com esta coligação mobilizada por uma entusiasmante ideologia de luta violenta, Robinson e seus aliados deram uma nova imagem a uma velha estratégia de extrema-direita: "marcha e cresce". As grandes mobilizações de rua visam atrair a atenção dos media e estimular potenciais apoiantes.
Como os acadêmicos Paul Jackson e Martin Feldman documentaram, a principal inovação da EDL é vincular isto a uma estratégia de sucesso no Facebook. Este era o veículo de comunicação para organizadores fascistas, casuals, vários neonazis e um vasto leque de jovens brancos vestidos com roupas da Stone Island.
Mas como nasce uma estrela mediática a partir de material tão pouco promissor?
Robinson, a estrela
Nesta altura não existia o culto do “Tommy”. Robinson não aparecia em público sem ser com o rosto tapado e as informações sobre ele eram escassas.
Foi só em junho de 2010 que sua verdadeira identidade, passado de extrema-direita e história da violência no futebol foram reveladas pela revista antifascista Searchlight. Naquele momento, a liderança estava sob o ataque de uma estranha aliança entre Paul Ray, o líder do Ulster Freedom Fighter, Johnny Adair, apoiante dos Combat-18, e Nick Greger, neonazi alemão e apoiante das Forças de Defesa de Israel. Nas mudanças organizacionais subsequentes que procuraram pôr fim aos ataques, foi consolidado o papel do líder e foram nomeados uma série de novos organizadores regionais.
Isto significou duas coisas. Em primeiro lugar, os organizadores locais poderiam complementar as mobilizações nacionais com iniciativas locais como graffitis contra muçulmanos, manifestações violentas (em Oldham), a colocação de cabeças de porcos perto de mesquitas ou futuras mesquitas (em Nottingham), invasão de restaurantes de fast foodpara alertar contra a venda de carne halal (em Blackburn), ou atacando casas de pessoas asiáticas (em Nuneaton).
Em segundo lugar, Robinson tornou-se no líder indiscutível e principal porta-voz da EDL.
Foi então que a persona pública de Robinson foi desenvolvida. Provou ser extremamente apto nas entrevistas e tinha um certo carisma de miúdo. A sua forma de falar não polida ajudou na sua auto-representação enquanto underdog que lutava contra os profissionais.
A justificação para dar uma plataforma a uma figura tão violenta e marginal era que isso iria “expô-lo”. Isso já havia falhado com o BNP, e a maioria dos jornalistas parecia saber muito pouco sobre a história de Robinson, a política que este defendia ou até mesmo como contestar as suas afirmações mais ofensivas. Enquanto isso, Robinson seguiu cuidadosamente as linhas ensaiadas: reiterando, por exemplo, que ele não era contra todos os muçulmanos, apesar de investigar de forma obcecada todos os alegados crimes cometidos por pessoas muçulmanas.
Um exemplo foi a sua aparição na Radio 4 da BBC, quando foi educadamente entrevistado por Sarah Montague, que se recusou a fazer as perguntas óbvias. Surpreendentemente, a única ocasião em que Robinson foi desafiado foi quando o rapper Akala o demoliu na BBC. No entanto, as televisões continuaram a considerá-lo interessante. No dia a seguir à sua aparição numa reunião europeia anti-jihad na Dinamarca, a BBC pagou-lhe a viagem de avião de regresso para o levar ao programa “The Big Questions”, apresentado pela locutora de direita Nicky Campbell.
Os media mantiveram-se firmes no apoio. Em 2011, após dois anos de violentas mobilizações, ataques racistas e muitas revelações sobre presença fascista na EDL, o Star ainda se sentiu confiante o suficiente para publicar material promocional para mobilizações da EDL, dar entrevistas que favoreciam Robinson nos seus planos para a criação de um novo partido, e de entusiasmo para com a EDL e o seu “apoio visivelmente crescente”, “atraindo pessoas em toda a Grã-Bretanha”. Citou sem qualquer crítica as afirmações de Robinson quando este disse que a EDL não tem “nenhum problema com raça” e mostrou esperar que se tornasse “uma força política” que as pessoas teriam que levar "muito a sério".
À medida que a organização se desenvolvia e começava a enfrentar com frequência contra-mobilizações lideradas pela esquerda, começou também a ampliar os seus objetivos. Logo no início, o site da organização detetava a ameaça do "comunismo" no Partido Trabalhista e no movimento sindical. Como o Instituto de Relações Raciais relatou, além do catálogo de ataques racistas, a EDL atacou eventos de esquerda, bancas socialistas e pró-Palestina, uma livraria sindical e reuniões antifascistas.
Em 2011, em resposta a protestos estudantis contra o aumento das propinas, Robinson ameaçou que, da próxima vez que ocorresse um protesto semelhante, a EDL estaria lá para impedir ataques à polícia. Esses alunos, disse, viviam “dos cartões de crédito dos seus pais” e não podiam “entender o que é ser um membro da classe trabalhadora desta comunidade”. Mais tarde, auto nomeou-se protetor de bairros durante os motins ingleses no verão de 2011. A este respeito, começou a assemelhar-se a um movimento fascista clássico.
No entanto, os protestos estudantis acabaram e a EDL não conseguiu aumentar a sua base de apoio com os motins. A sua imagem foi também manchada pela sua suposta associação com Anders Behring Breivik, que matou 69 estudantes noruegueses em 2011. A EDL continuou os seus protestos contra muçulmanos, incluindo duas tentativas de manifestação em Tower Hamlets (um bairro de Londres com uma grande população muçulmana) em 2011 e 2013. Em julho de 2013, um protesto da EDL em Birmingham transformou-se num motim, tendo sido detidas cinquenta pessoas. Mas os protestos começaram a diminuir e foram constantemente minados pela oposição, tal como em Walthamstow em 2012.
Renascido
Ao abandonar a EDL em outubro de 2013, Robinson foi subitamente apelidado de herói anti-racista renascido. Apareceu numa plataforma ao lado de Kevin Carroll e de Maajid Nawaz, ex islamita e atual crítico do Islão.
Robinson e Carroll alegaram ter abandonado a EDL por causa da crescente infiltração de extrema-direita. A Fundação Quilliam, que Nawaz fundou em conjunto com Ed Husain, assumiu os créditos por esse avanço nas relações raciais, alegando que Robinson tinha visto o erro do seu percurso anterior. Surgiu um ano após o financiamento governamental à fundação ter sido cortado. Desde então, tem sido financiado por grupos de direita antimuçulmanos nos Estados Unidos. Imediatamente após a declaração sobre a salvação de Robinson, Nawaz lançou pedidos de financiamento do governo para ajudar na reabilitação em curso.
Havia razão para ceticismo quanto a esta aparente conversão. A Fundação Quilliam já havia encenado uma suposta conversão dos ativistas da EDL Leighton Evans e Harry Burns. Quilliam arranjou uma entrevista de Evans ao Guardian, tendo ficado claro que nenhuma conversão havia ocorrido. Robinson tinha afirmado que era da "EDL até morrer", numa entrevista a Andrew Neil da BBC poucos meses antes.
Não havia qualquer evidência de que Robinson tivesse mudado sua opinião sobre muçulmanos. Ele continuava a marcar presença em protestos anti-mesquitas e, até à véspera do anúncio, continuou a fazer os mesmos discursos de extrema-direita. Ainda gostava de intimidar fisicamente seus críticos.
Robinson alegou mais tarde que a Fundação lhe pagou 2 mil libras por mês para deixar a EDL de forma a poderem receber os créditos pela sua conversão. Mas Robinson já estava de saída, estando à procura de uma plataforma mais respeitável. Tinha piscado o olho à criação de um novo partido ou à adesão ao UKIP. Depois de desistir, o seu assistente pessoal deixou claro que estava à procura formar uma nova organização que não tivesse a sua base nas ruas. Não houve qualquer conversão. Diz muito sobre o movimento anti-jihad no Reino Unido, do próprio Tommy Robinson e dos media britânicos, que todos eles estivessem tão dispostos a desempenhar esta farsa.
Partes dos media, sobretudo os comentadores de esquerda, aumentaram parcialmente o seu ceticismo para com a conversão de Robinson. Mas muitos engoliram a sua “contrição” por inteiro, tendo ele sido rapidamente convidado para o Newsnight da BBC para uma entrevista com um Jeremy Paxman anormalmente meigo. Tendo a oportunidade de repudiar o seu racismo, evitou o assunto.
O comediante Omar Hamdi teve uma conversa informal e amistosa com Robinson, tendo concluido que “o novo e mais maduro Tommy Robinson tem umas coisas importantes a dizer”. A BBC produziu um documentário com Robinson e Mo Ansar, tendo sugerido que o encontro entre os dois no programa da BBC The Big Questions tinha motivado a mudança de opinião de Robinson. Ao ver a posição de Robinson nos media, e claramente impressionado com a capacidade de capitalizar de Quilliam, o candidato Tory Afzal Amin tentou o seu próprio golpe publicitário, oferecendo dinheiro aos membros da EDL para fazerem uma falsa manifestação e posterior cancelamento pelo qual ele poderia reivindicar os créditos.
Esta limpeza de imagem persistiu mesmo após o assumido regresso de Robinson ao ativismo islamofóbico. Em 2015, quando lançou o Pegida UK (imitando o movimento de extrema-direita alemão), foi novamente convidado a participar em telejornais para explicar sua nova agenda moderada. Disse ao Channel 4 que havia mantido a mensagem “justa” da EDL, mas que rejeitava “os elementos de álcool e hooliganismo”. No Spectator, James Delingpole insistiu que “o homem mais odiado da Grã-Bretanha não é tão odioso. "
Delingpole - um reacionário arrogante e posh - parece ter se encontrado com Robinson e ficado encantado com o seu ar de rufia mundano, declarando que ele fora injustamente transformado num pária. Engolindo o mito do herói criado pelo próprio Robinson, Jamie Bartlett, do The Telegraph, considerou-o uma voz marginalizada, vítima de "táticas de policiamento muito agressivas" e de violações dos direitos civis.
O fato de os jornalistas continuarem a dizer que Robinson é um “pobre coitado” e uma vítima deveria certamente fazê-los pensar sobre se não estarão a ser manipulados.
Um fascista, não alguém oprimido
Porém, o mito do pobre oprimido persiste em parte por causa de uma outra ideia: que este tipo representa as “queixas legítimas” da “classe trabalhadora branca”.
Este mito é ecoado pelos seus apoiantes, como Delingpole e Douglas Murray. Mas aparece frequentemente nos principais jornais. Aparentemente, os jornalistas querem que ele seja a representação da sua fantasia da "classe trabalhadora branca": um tipo sem educação, meio que uma personagem com um passado colorido que pode, com indulgência, crescer e ser educado para alcançar uma posição mais madura.
Este discurso que atribui um sucesso de extrema-direita às “queixas legítimas” da “classe trabalhadora branca” tem um historial desgraçado e desastroso. O culto da vitimização é a linguagem clássica de extrema-direita. Na medida em que tem sido ecoado por especialistas e políticos oportunistas, resultou em tentativas de acalmar a extrema direita com políticas racistas. Mais recentemente, foi usado por Robinson e seus acólitos para racionalizar o homicídio.
Mas de que tipo de queixas estamos a falar? O último a aderir a este argumento não é outro senão Maajid Nawaz, atualmente locutor de rádio.
Ao invés de se retratar pela promoção que deu a Robinson, ele usa essa plataforma para chamar a atenção para o que chama de “queixas legítimas” que estão por trás do apoio a este. Ele alega que essas queixas incluem um “fechar de olhos cultural ao extremismo vindo de minorias étnicas”, acrescentando que “os gangues violadores” eram “permitidos” nos municípios do Partido Trabalhista “em nome do anti-racismo”. E por isso, conclui, Robinson está apenas a tentar dizer o que não pode ser dito nos media britânicos.
Nawaz, crédito lhe seja dado, é um oportunista inteligente. Seria surpreendente se ele não soubesse que surgem quase diariamente notícias sobre o "extremismo vindo de pessoas de cor". Nem ele desconhece a participação do Reino Unido em extradições, sequestros, detenções, prisões secretas, assassinatos, ataques de drones e guerra foram todos justificados pelo "extremismo vindo de minorias étnicas".
De igual modo, seja qual for o conteúdo incendiário, impreciso e digno de capa que a Fundação Quilliam tenha publicado sobre os gangues violadores do norte de Inglaterra, não existe nenhuma ligação clara entre a indignação com a exploração sexual de crianças e ser-se um racista anti-muçulmanos. A não ser que se faça uma ligação racista, esta não existe.
A repetição de Nawaz da teoria da conspiração e de extrema-direita que diz que o município de Rotherham encobriu os casos de abuso sexual para defender a sua agenda politicamente correta deveria ser lida como o exemplo de cinismo que é. E a imprensa britânica tem sido tudo menos reticente em cobrir esse escândalo e em culpar as “pessoas de cor” por aquilo que aconteceu.
É também importante notar como a linguagem das "queixas" funciona na prática. Considere-se a raiva de Darren Osborne, que atropelou com uma carrinha uma multidão de pessoas à porta da mesquita de Finsbury Park.
De que se queixava ele? A polícia alega que Osborne foi motivado pelas publicações e vídeos de Tommy Robinson. Provas do tribunal sugerem que bastou um mês a digerir o seu material para ele ficar obcecado com muçulmanos. É provável que isto seja uma simplificação do que aconteceu. Não obstante, é significativo que Robinson tenha denominado o ataque assassino de Osborne como um “ataque motivado por vingança” e tenha culpado a mesquita por “criar terroristas e jihadistas radicais e promover o ódio e a segregação”.
Robinson estava a racionalizar o homicídio. E fê-lo de uma forma que é característica da sua retórica.
Entre 1997 e 2003, a mesquita de Finsbury Park esteve sob a liderança de Abu Hamza, contra a vontade de seus administradores e apesar da ação legal da parte destes. Durante esse tempo, foram formados vários quadros jihadistas na mesquita. Uma combinação de ação policial e intervenção de organizações muçulmanas e da Charity Commission permitiu reabrir a mesquita sob uma nova liderança em 2005.
A ideia de que essa mesquita, muito menos os fiéis e qualquer um que estivesse à porta da mesma, desse ao galês desempregado qualquer coisa para vingar, só faz sentido se se fizer a suposição racista, como Robinson fez, que o Islão é extremista e que todos os muçulmanos são extremistas.
Não obstante, os media continuaram a desejar as opiniões de Robinson, como o “Good Morning Britain” da ITV que lhe deu uma plataforma no dia seguinte ao ataque para dizer que o Corão incentivava à violência. Não apesar do fato de um homem inspirado pela ideologia de Robinson ter acabado de ser preso por homicídio, mas por causa disso.
E novamente no dia em que Osborne foi considerado culpado, a BBC achou por bem convidar Robinson para o Newsnight para mais uma entrevista sem contraditório. Novamente, não apesar do facto de um homem inspirado pela sua ideologia ter acabado de ser preso por homicídio, mas por causa disso. Sem fazer perguntas difíceis - algo ainda mais grotesco dadas as circunstâncias - deram a Robinson uma plataforma para se fazer de mártir.
O facto extraordinário sobre Tommy Robinson, portanto, não é o facto de ter sido atormentado por uma nação perversa, mas sim que ele receba esta dócil boa vontade de uma variedade de quadrantes, sobretudo de meios de comunicação, apesar de tudo o que ele disse e fez.
Mas ele não é nenhum mártir, é um fascista esperto. E aquilo não são chagas, é sangue nas suas mãos.
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