Ynaê Lopes dos Santos
Professora de história da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autora de "Racismo Brasileiro: Uma História da Formação do País"
Imagino que poucos já ouviram falar em Aca Inene, uma mulher africana profundamente representativa da história colonial brasileira.
Ela foi a mãe de Ganga Zumba, o primeiro rei do Quilombo de Palmares. Seu nome foi registrado em "Guerra contra Palmares: o Manuscrito de 1678", documento produzido pelas autoridades portuguesas na tentativa de criar um acordo de paz com as lideranças de um dos maiores quilombos da história das Américas.
Aca Inene, uma espécie de matriarca do Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, atual estado de Alagoas - Mariana Waechter |
Poucas mulheres africanas escravizadas tiveram seus nomes registrados em documentos oficiais. Deste modo, tal registro nos permite entender como a vida de Aca Inene foi parte de duas dinâmicas constitutivas da história colonial brasileira: o tráfico transatlântico de africanos escravizados e a criação de quilombos como forma de resistir à escravidão.
O tráfico transatlântico foi um dos maiores crimes da humanidade: uma extensa rede de comércio responsável pelo sequestro, compra e venda de aproximadamente 12 milhões de africanos. Esses homens e mulheres de origens diversas saíram de diferentes portos das costas Atlântica e Índica da África para as Américas para trabalhar na condição de escravizados.
O Brasil foi a localidade das Américas que mais recebeu africanos escravizados: cerca de 5 milhões. Uma cifra que nos obriga a entender que todo o empreendimento colonial realizado aqui teve como motor propulsor a compra e a venda de africanos.
Sendo assim, africano/as e seus descendentes não só compuseram a principal mão de obra da economia agroexportadora durante toda a vigência da escravidão no Brasil, como sua compra e venda foi responsável pela criação das maiores fortunas de colonos e, depois de 1822, de brasileiros.
O tráfico transatlântico foi um dos maiores crimes da humanidade: uma extensa rede de comércio responsável pelo sequestro, compra e venda de aproximadamente 12 milhões de africanos. Esses homens e mulheres de origens diversas saíram de diferentes portos das costas Atlântica e Índica da África para as Américas para trabalhar na condição de escravizados.
O Brasil foi a localidade das Américas que mais recebeu africanos escravizados: cerca de 5 milhões. Uma cifra que nos obriga a entender que todo o empreendimento colonial realizado aqui teve como motor propulsor a compra e a venda de africanos.
Sendo assim, africano/as e seus descendentes não só compuseram a principal mão de obra da economia agroexportadora durante toda a vigência da escravidão no Brasil, como sua compra e venda foi responsável pela criação das maiores fortunas de colonos e, depois de 1822, de brasileiros.
É impossível entender a história do Brasil sem compreender o que foi o tráfico transatlântico.
O primeiro navio negreiro aportou no Brasil em 1561. Tais embarcações eram responsáveis pela travessia de africanos escravizados em viagens que poderiam durar de três a dez semanas.
Um navio de proporções medianas poderia transportar de 250 a 300 pessoas, que viajavam em condições desumanas, em porões que não tinham condições básicas de higiene e salubridade, com alimentação escassa, pouco acesso à água potável, além de castigos físicos e psicológicos constantes.
Cerca de 30% das pessoas que eram obrigadas a embarcar nesses navios morriam durante a travessia. Não por acaso, essas embarcações também ficaram conhecidas com o nome dos indivíduos que levavam o caixão à tumba: tumbeiros.
Aca Inene foi uma das milhares de vítimas do tráfico. Não temos dados precisos sobre a viagem que a trouxe para o Brasil, muito menos registros ou testemunhos em primeira pessoa. Esse silêncio nos lembra que a escravização africana foi marcada por uma espécie de "morte social", que, entre muitos horrores, reduzia a vida dessas pessoas a números e estatísticas.
Mas temos um nome. A historiadora Silvia Lara nos lembra que seu nome pode ser uma derivação de Aka Kinene, um termo que, no reino Ngola (atual Angola), indicava alguém que era demasiado grande. Ou seja, Aca Inene deve ter sido uma mulher da África Central, região que, na época, estava muito vinculada ao tráfico transatlântico.
Aca Inene provavelmente chegou ao Brasil nas décadas de 1640 e 1650, e decidiu resistir à escravidão por meio da fuga para Palmares, tornando-se uma espécie de matriarca do quilombo que foi muito mais do que um punhado de escravizados fugidos.
Localizado na Serra da Barriga, atual estado de Alagoas, Palmares existiu desde finais do século 16 até o final do século 17. Foi criado por escravizados africanos e nascidos no Brasil. Era formado por diferentes comunidades (mocambos), que estavam articuladas militar e politicamente por uma chefatura organizada a partir de experiências e insígnias políticas oriundas de reinos da África central, nos quais mulheres tinham papel de liderança.
Não sabemos mais detalhes da vida de Aca Inene. Mas no mundo organizado pelo tráfico e pela escravidão, reconhecer e entender os sentidos por trás do nome de uma mulher africana pode ser uma pista e tanto para a compreensão mais aprofundada das ações de resistência tecidas pelas mulheres escravizadas.
Mesmo num jogo de forças absolutamente desigual, essas mulheres foram agentes constitutivos da história brasileira, criando outras maneiras de fazer política.
O primeiro navio negreiro aportou no Brasil em 1561. Tais embarcações eram responsáveis pela travessia de africanos escravizados em viagens que poderiam durar de três a dez semanas.
Um navio de proporções medianas poderia transportar de 250 a 300 pessoas, que viajavam em condições desumanas, em porões que não tinham condições básicas de higiene e salubridade, com alimentação escassa, pouco acesso à água potável, além de castigos físicos e psicológicos constantes.
Cerca de 30% das pessoas que eram obrigadas a embarcar nesses navios morriam durante a travessia. Não por acaso, essas embarcações também ficaram conhecidas com o nome dos indivíduos que levavam o caixão à tumba: tumbeiros.
Aca Inene foi uma das milhares de vítimas do tráfico. Não temos dados precisos sobre a viagem que a trouxe para o Brasil, muito menos registros ou testemunhos em primeira pessoa. Esse silêncio nos lembra que a escravização africana foi marcada por uma espécie de "morte social", que, entre muitos horrores, reduzia a vida dessas pessoas a números e estatísticas.
Mas temos um nome. A historiadora Silvia Lara nos lembra que seu nome pode ser uma derivação de Aka Kinene, um termo que, no reino Ngola (atual Angola), indicava alguém que era demasiado grande. Ou seja, Aca Inene deve ter sido uma mulher da África Central, região que, na época, estava muito vinculada ao tráfico transatlântico.
Aca Inene provavelmente chegou ao Brasil nas décadas de 1640 e 1650, e decidiu resistir à escravidão por meio da fuga para Palmares, tornando-se uma espécie de matriarca do quilombo que foi muito mais do que um punhado de escravizados fugidos.
Localizado na Serra da Barriga, atual estado de Alagoas, Palmares existiu desde finais do século 16 até o final do século 17. Foi criado por escravizados africanos e nascidos no Brasil. Era formado por diferentes comunidades (mocambos), que estavam articuladas militar e politicamente por uma chefatura organizada a partir de experiências e insígnias políticas oriundas de reinos da África central, nos quais mulheres tinham papel de liderança.
Não sabemos mais detalhes da vida de Aca Inene. Mas no mundo organizado pelo tráfico e pela escravidão, reconhecer e entender os sentidos por trás do nome de uma mulher africana pode ser uma pista e tanto para a compreensão mais aprofundada das ações de resistência tecidas pelas mulheres escravizadas.
Mesmo num jogo de forças absolutamente desigual, essas mulheres foram agentes constitutivos da história brasileira, criando outras maneiras de fazer política.
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