13 de fevereiro de 2022

O Partido Comunista de Portugal luta para voltar às glórias do passado

Desde a Revolução dos Cravos de 1974, o Partido Comunista de Portugal tem ajudado a moldar o destino do seu país e a defender os direitos laborais. Mas os reveses do partido nas eleições gerais do mês passado mostram como sua base social da classe trabalhadora se afastou dele.

João Madeira

O secretário-geral do Partido Comunista Português, Jerónimo de Sousa, fala à imprensa na sede do partido em Lisboa sobre os maus resultados nas eleições antecipadas de 30 de janeiro. (Horacio Villalobos / Corbis via Getty Images)

As eleições gerais de 30 de janeiro foram um grande revés para o outrora poderoso Partido Comunista de Portugal (PCP). Sua aliança de longa data com os Verdes (PEV), conhecida como Coalizão da Unidade Democrática (CDU), elegeu apenas seis parlamentares para o parlamento de 230 membros, com 4,4% dos votos. Isso se seguiu a um resultado já ruim em 2019, quando, após quatro anos de apoio externo ao governo de António Costa, liderado pelos socialistas, obteve 6,5% e 12 deputados – na época, sua pior pontuação desde a virada do milênio.

O PCP permanece relativamente grande em termos de sua base ativista e hegemonia no movimento sindical do país, e possui quase cinquenta mil membros neste país de apenas 10 milhões de pessoas. Pode ainda realizar eventos como a Festa do Avante! — um fim de semana de música e política que atrai anualmente centenas de milhares de visitantes principalmente jovens, graças ao seu ambiente informal e programação cultural de alta qualidade. No entanto, nos últimos anos, o partido vem perdendo militantes.

As dificuldades do PCP são particularmente agravadas pelo sucesso do Partido Socialista (PS), de centro-esquerda, que obteve 42 por cento dos votos em 30 de janeiro. Enquanto o primeiro-ministro Costa nos últimos anos confiou repetidamente no apoio parlamentar tanto da aliança PCP-PEV quanto do Bloco de Esquerda anticapitalista, as eleições antecipadas do mês passado lhe concederam a maioria absoluta dos assentos no parlamento. Tendo, desde 2015, sofrido pressão para votar os orçamentos de Costa, o PCP encontra agora a sua influência bastante reduzida.

Apoio remanescente

O PCP de hoje tem poucos militantes ativos que resistiram à ditadura ou viveram o processo revolucionário de 1974-75. No entanto, como um todo, seus membros são mais velhos: em novembro de 2020, cerca de metade deles tinha mais de 64 anos e apenas 11,4% abaixo dos 40. O PCP certamente fez grandes esforços para recrutar jovens, alguns deles foram rapidamente promovidos da Juventude Comunista Portuguesa aos quadros do partido. Mas isso não se mostrou suficiente para mudar o perfil dominante do partido.

Ainda hoje, as áreas de maior influência do PCP correspondem aos antigos cinturões industriais de Lisboa, Setúbal e Porto, e Beja, no sul do país, que apresentava maiores concentrações de trabalhadores rurais. Foi aqui, juntamente com Évora e Portalegre, que a reforma agrária de 1975, desmembrando os grandes latifúndios, teve maior impacto. Nas eleições de 30 de janeiro, o apoio do partido restringiu-se sobretudo aos restantes redutos da sua influência histórica – a proletária e “vermelha” Setúbal e Beja, no coração do interior do sul de Portugal.

No entanto, mesmo bastiões residuais de apoio estão ameaçados. Nos dezenove conselhos municipais em que a aliança liderada pelos comunistas venceu as eleições municipais em setembro de 2020 – em onze casos, com maioria absoluta – não obteve maioria em 30 de janeiro. Há localidades que continuam a ser vermelhas nestas regiões, como Couço, Avis e Vale de Vargo, principalmente devido às fortes raízes no envelhecimento da população. Mas mesmo aqui, uma maioria esmagadora de votos hoje raramente excede 30 por cento de apoio.

As principais bases continuadas de influência social e política do PCP estão enraizadas no movimento sindical e na administração local. É hegemônico no trabalho organizado, controlando rigidamente a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, a principal organização sindical do país, contando com mais de 120 sindicatos e 556.000 membros registrados. Sua maior força mobilizadora está basicamente nos sindicatos dos servidores públicos, dada a pressão que os empregadores exercem sobre os trabalhadores do setor privado.

Mas o PCP também tem enfrentado dificuldades em responder às transformações no mundo do trabalho decorrentes da desindustrialização e da reconfiguração social das grandes periferias urbanas. Também ficou para trás nos debates em torno de novos temas e questões civilizacionais, como eutanásia, direitos LGBT e mudanças climáticas. Isso o impediu de estender sua influência a setores sociais sensíveis a essas novas realidades, como no mundo intelectual, nas novas profissões científicas e tecnológicas e entre grande parte dos jovens no ensino superior.

Fiel ao legado do líder histórico Álvaro Cunhal, o PCP hoje é profundamente diferente mesmo dos outros partidos comunistas que sobreviveram na Europa Ocidental, como Espanha e França. Isso também é resultado de seu longo desenvolvimento histórico, desde a década de 1940 mantendo as características fundamentais do modelo leninista de organização e funcionamento – hierarquia, centralização, compartimentação, disciplina e uma cultura de sigilo. O PCP resistiu ao processo de desestalinização que se seguiu ao XX Congresso do Partido Comunista Soviético e rejeitou o eurocomunismo, continuando a defender a violência como um possível meio para derrubar a ditadura.

No processo revolucionário de 1974-75, que derrubou aquele regime, o PCP passou, sem sobressaltos ou crises particulares, de um pequeno partido de quadros a uma força de massas com taxas de crescimento exponenciais. Tornou-se hegemônico no movimento sindical e exerceu considerável influência nos setores militares que se ergueram em 25 de abril de 1974, bem como entre segmentos do aparato estatal central e local.

No entanto, derrotado no processo de institucionalização da democracia, o PCP teve de recuar. Em vez de seu curso insurrecional anterior, como realizado em parte na revolução de 1974, comprometeu-se com uma abordagem mais parlamentar, continuando a resistir na frente da luta social de massas e fazendo da Constituição de 1976 uma plataforma de resistência. A defesa desta plataforma, apesar das sucessivas revisões, permanece no centro da táctica política do PCP ainda hoje.

"Os problemas mais urgentes"

Esta plataforma foi posta à prova em 2015-19, quando o PCP concedeu o seu apoio à administração de Costa com base num acordo de política assinado, e depois nos últimos dois anos numa base mais ad hoc. De fato, foi o colapso das negociações sobre o orçamento de 2022 – com os partidos de esquerda votando contra os planos do primeiro-ministro – que acabou levando à eleição de janeiro.

Nas negociações para este orçamento no outono passado, o PCP apresentou um vasto conjunto de propostas, incluindo aumentos salariais, a reversão das piores reformas trabalhistas da era da austeridade, expansão da educação pré-escolar, maior investimento nos serviços públicos e maior justiça fiscal.

No entanto, com o acirramento das negociações, o PCP fez depender o seu voto de três questões fundamentais: o salário mínimo, as pensões e um maior financiamento do Serviço Nacional de Saúde. O governo recusou todas essas propostas. O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, ex-metalúrgico de 74 anos e com larga experiência parlamentar, explicou: “O que o PCP propôs ao governo não foi dar tudo a todos. Foi para responder aos problemas mais prementes.”

O PCP deu a impressão de que a aceitação de pelo menos uma destas propostas era suficiente para viabilizar o orçamento, mesmo com abstenção. Isso não aconteceu, e o Comitê Central decidiu votar contra, apesar de suas diferenças internas. O governo de Costa fechou todas as portas aos mais progressos e, ao votar contra o orçamento, o PCP arrastou os Verdes para se juntarem ao Bloco de Esquerda. Isso, somado aos votos da Direita (ainda que regida por diferentes pressupostos e intenções), foi suficiente para derrubar o governo e logo provocou eleições antecipadas.

Quem queria eleições antecipadas?

O Partido Socialista no poder mostrava-se cada vez mais intransigente em matéria orçamental e legislativa desde o final do seu primeiro mandato, ainda por volta de 2017. Em particular, o governo de António Costa não quis contrariar a pressão das organizações patronais e dos principais grupos econômicos e financeiros. Na esteira da pandemia, insistiu em injetar a maior parte dos fundos europeus de recuperação no setor privado, ao mesmo tempo em que se submeteu aos termos do Pacto Fiscal Europeu, cujos baixos limites de endividamento restringem amplamente as políticas sociais públicas.

Incapaz de dobrar o PCP à sua vontade nas negociações para o orçamento de 2022, o partido de Costa forçou novas eleições, procurando libertar-se das pressões negociais dos seus parceiros parlamentares. O primeiro-ministro foi rápido em culpar o PCP e o Bloco de Esquerda pela crise e pela instabilidade resultante, e usou isso para enfatizar a necessidade de uma maioria absoluta para o seu próprio partido. O Comitê Central do PCP retrucou chamando isto de distorção; Costa efetivamente tentou chantageá-lo até a submissão.

No entanto, a propaganda de Costa também teve um efeito inevitável sobre os eleitores indecisos divididos entre seu partido e os partidos à esquerda diante da ameaça da direita. O PCP encaminhou-se assim para estas eleições com a necessidade de desconstruir esta narrativa e de afirmar o seu próprio programa. Mas também enfrentou dificuldades acrescidas, devido ao fato de que o refluxo da mobilização social nos últimos anos limitou o impacto político direto da organização sindical e dos movimentos de defesa dos serviços públicos.

A "alternativa patriótica e esquerdista"

Em 13 de dezembro, o Partido Comunista apresentou um compromisso eleitoral baseado essencialmente nas propostas que havia levado às negociações das semanas anteriores. Este foi um desdobramento de seu programa de 2019, por sua vez decorrente da resolução política aprovada em seu XX Congresso, em 2016, que estabeleceu a “alternativa patriótica e de esquerda”. Isso foi definido, em chave “eurocética”, como

uma política que pela sua dimensão patriótica, inscreve a soberania e a independência nacionais como objectivo central, afirmando o direito inalienável do poder de decisão do povo português sobre as opções e orientações indispensáveis ​​à sua concretização, e a prevalência dessa vontade soberana sobre toda e qualquer restrição e imposição externa.

Uma política de esquerda que, sem hesitação, abrace a ruptura com a política de direita e os interesses do grande capital, e tenha como objetivo a promoção dos direitos e a renda dos trabalhadores e do povo, a elevação das condições de vida de outras classes e camadas antimonopolistas, e a promoção da justiça e do progresso social.

Isso equivalia a um apelo à ruptura com a política de direita e ao fim da submissão ao euro e às imposições da União Europeia. Procurou inverter o rumo político de Portugal, incluindo a influência da troika europeia, contando com a força motriz da classe trabalhadora aliada a todos os outros setores e grupos sociais afetados por essas políticas. O objetivo era usar alianças dentro do quadro político-partidário existente para criar um governo “patriótico e de esquerda”. Para o PCP, esta “alternativa” situava-se no quadro de uma “democracia avançada” – a fase atual da luta pelo socialismo – dando continuidade à Revolução de Abril de 1974.

Foi com base nesta “alternativa patriótica e de esquerda” que o PCP participou nas negociações de apoio ao novo governo liderado pelos socialistas já após as eleições de 2019. No entanto, fê-lo numa posição de fragilidade, incapaz de obrigar o governo a aceitar as suas propostas de salários, de melhoria dos serviços públicos ou de extensão dos direitos sociais. Além disso, não estavam reunidas as condições para a construção de alianças políticas formais entre as forças de esquerda. A disputa implícita do PCP com o Bloco de Esquerda pela hegemonia neste campo implicou uma certa demarcação entre estas forças, ainda que subtil e contida.

O Vigésimo Primeiro Congresso do PCP, em novembro de 2020, confirmou esta orientação, ainda que alguns nas fileiras do partido criticassem a sua falta de correspondência com a realidade. Jorge Pires, da Comissão Política do Comitê Central, reconheceu-o implicitamente quando declarou que “a afirmação da alternativa é um processo complexo e longo, não só necessário mas também possível, que exige de todos nós uma intervenção sem pausa, sem impaciência, sem fadiga.”

Com eleições já marcadas para 30 de janeiro, o PCP insistiu que a sua força no parlamento seria decisiva para “combater a política de direita e abrir caminho a uma determinada pelos interesses dos trabalhadores, do povo e do país”. Nesse sentido, sua campanha visava evitar não apenas uma vitória da direita, mas também uma maioria absoluta do PS. Popularizou medidas sociais que o governo de Costa havia tomado sob influência do PCP, como a redução de tarifas de transporte público e livros escolares gratuitos.

No entanto, também houve reveses graves. Em meados de janeiro, o secretário-geral Jerónimo de Sousa, o primeiro candidato pelo círculo eleitoral de Lisboa, foi obrigado a passar por uma operação de emergência e foi substituído por dois jovens dirigentes muitas vezes considerados seus sucessores — João Ferreira e João Oliveira, ambos da Comissão Política de do Comitê Central, vindo da Juventude Comunista. O regresso de de Sousa nos dois últimos dias de campanha pode ter fortalecido o ânimo dos membros do PCP, mas apresentou um líder cansado ainda a se recuperar de problemas de saúde.

Uma derrota eleitoral

Tanto em termos absolutos quanto simbolicamente, o placar do partido em 30 de janeiro foi um péssimo resultado. O grupo parlamentar do PCP foi reduzido para metade e o seu aliado Verde na coligação CDU não conseguiu eleger um único deputado. Alguns dos melhores parlamentares dos comunistas, como António Filipe, cabeça de lista do círculo eleitoral de Santarém e deputado desde 1987, e João Oliveira, presidente do grupo parlamentar, ficaram de fora.

Na noite das eleições, horas antes de serem conhecidos os resultados finais – mas com o quadro básico já previsível – de Sousa reconheceu a derrota do seu partido e da coligação que liderou. Ele atribuiu isso à polarização bilateral entre o PS e o Partido Social Democrata, de centro-direita. Diante da ameaça de empate ou mesmo de vitória da direita, uma onda de escolhas “pragmáticas” fez com que eleitores de partidos de esquerda apoiassem o PS de Costa.

O resultado trouxe tanto a maioria absoluta do PS quanto o avanço eleitoral das propostas mais selvagemente regressivas da direita da política portuguesa. No entanto, surpreendentemente, no seu discurso na noite eleitoral, o líder do PCP insistiu que “o PS tem a opção de chegar a acordos com a [centro-direita] ou fazer acordos de esquerda com a CDU” e que “no mínimo deve reconhecer um papel decisivo e importante para o PCP e os Verdes”. Tais declarações de abertura à convergência com o PS parecem insuficientes e até mesmo bastante desconexas da realidade face ao colapso que efetivamente ocorreu.

Na reunião do Comitê Central de 1º de fevereiro, dois dias depois da noite eleitoral, o PCP sublinhou as difíceis circunstâncias em que se realizaram as eleições e reconheceu o mau resultado, mas também elogiou o desempenho do partido durante a campanha ao proclamar que o movimento social de massa deve estar no centro da luta política daqui para frente.

Nas novas condições políticas resultantes das eleições, a luta contra o neoliberalismo, uma direita radicalizada e a submissão morna do governo de maioria PS aos ditames da UE parecem inevitáveis. A grande questão é em que bases um PCP enfraquecido será capaz de travar esta luta e com que aliados.

Este artigo foi produzido em colaboração com Setenta e Quatro.

Sobre o autor

João Madeira é historiador do comunismo português e investigador do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa.

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