Hettie O'Brien
Jacobin
A congregação usa camuflagem
Como o saguão de um aeroporto ou um shopping, a igreja de Formigioni no norte de Londres não é projetada para se parecer com sua vizinhança. Cada igreja da IURD é igual: um Menorá de sete braços, um altar e palavras iluminadas atrás do palco proclamando “Jesus Cristo é o Senhor”. Todas seguem um programa homogêneo de cultos voltados a razões práticas - dinheiro, saúde, família, carreira - com cura espiritual.
Quando Formigioni entrou na igreja como um usuário de drogas em recuperação, ele se alistou em uma guerra com os espíritos maniqueístas que tanto curam quanto causam esses males. Agora que ele é pastor, ele ensina seus fiéis a enfrentar suas próprias batalhas.
“Nós sempre chamamos Formigioni de homem do desafio porque ele é forte enfrentando os demônios”, Daniela, uma assistente da igreja, diz pra mim enquanto nós nos sentamos nos bancos após o culto. “Mas, alguns dos outros pastores são tão fortes quando ele, de verdade”, ela acrescenta. “Você deveria vê-los nas reuniões da sexta-feira”
Às sextas-feiras, a congregação usa camuflagem. Folhetos brilhantes da igreja anunciam os serviços: Linha de frente: arregacem suas mangas e aprendam a lutar.
Uma manhã de sexta, eu fiz uma viagem de 30 minutos de metrô até a igreja para o culto das 10 da manhã (um dos 4 de cada sexta). A entrada estava quieta e o único som vinha da fonte. Um elaborado hexágono no meio do saguão escuro e limpo. Depois de algum tempo eu encontrei um dos vários assistentes da igreja, que me apontou os degraus acarpetados que normalmente estão reservados para os cultos em língua portuguesa e espanhola.
No andar de cima, os assistentes seguravam a testa dos fiéis e amaldiçoavam os espíritos na raiz de seus problemas terrenos. Como Daniela prometeu, o que ali pregava “forte”, segurando o corpo de um homem dobrado enquanto se curvava como um tampo de mesa e exigia que o espírito dentro dele saísse.
A guerra espiritual projeta uma batalha bíblica entre as forças demoníacas e divinas na experiência humana, dando aos crentes um vocabulário militarizado para explicar assuntos complexos. Muitas vezes, esses assuntos são profundamente políticos. Ainda que o ritual não distinga práticas religiosas e problemas estruturais, ele vê a mudança social como resultado da fé mais que da ação política.
A atratividade dessa cosmologia está em uma promessa sedutora: esses demônios - e não a política - são os culpados dos problemas do mundo. E eles podem ser derrotados com a oração.
Cidade da Redenção
Na periferia de Lagos, na Nigéria, um hangar de um quilômetro quadrado abriga o Campo da Redenção, a igreja modelo da Igreja Cristã Resgatada por Deus, um ministério pentecostal global que começou na Nigéria e agora tem filiais por todo o mundo. Alguns a chamam de Cidade da Redenção; peregrinos reúnem-se lá em massa.
Adedamola Osinulu, professor da universidade de Nova York e especialista em pentecostalismo global, explica o significado do Campo da Redenção: ela oferece, segundo ele, uma alternativa espiritual - um lugar onde os desfavorecidos politicamente podem fazer ouvir sua voz.
O pentecostalismo chegou na Nigéria no meio dos anos 90, quando a ditadura brutal de Sani Abacha indicava que “ não há espaços políticos em que se possa agir.” Nesse ambiente repressivo, fiéis abraçaram o ritual religioso como forma de oposição sem se arriscar à supressão ou à morte.
Em muitos outros países em desenvolvimento, o pentecostalismo renasceu nos anos 80 contra o cenário de políticas de ajustamento estrutural e aprofundamento das privatizações. Acadêmicos afixaram o prefixo “neo” a ele criando uma conexão apropriada entre o movimento religioso e a economia neoliberal.
E claro, a despolitização que marca o pentecostalismo é uma das respostas religiosas à expropriação política e a marginalização econômica. Por volta de 1960 e dos anos 70, seguidores da teologia da libertação insistiam que a Igreja Católica devia fazer mais que receber os pobres e oferecer a fé como um alívio pessoal. Descrevendo o mundo em termos de “pecado estrutural”, eles viam a religião como um instrumento para combater a desigualdade e outras injustiças sociais. Em países da América Latina a teologia da libertação fez das igrejas um baluarte vital contra a ditadura e a opressão.
Em contraste, algumas instâncias contemporâneas do pentecostalismo se aventuraram na arena política, e isso foi feito com fins conservadores. Nos anos 90 a IURD denunciou o líder do Partido dos trabalhadores (e finalmente presidente) Luiz Inácio Lula da Silva, chamando-o de “demônio” e encorajando seus fiéis a votarem em seu rival. (A igreja mais adiante aliviou sua abordagem em relação a Lula e sua sucessora, Dilma Rousseff, que publicamente participou de cultos com o fundador da IURD, Edir Macedo, em 2014.)
Os sermões realçaram o poder institucional que igrejas pentecostais podem exercer. Mas o Brasil é a exceção e a ofensiva da IURD na política eleitoral é mais um reflexo das ambições de suas lideranças que qualquer coisa.
Na maior parte do tempo, existe a política, e existe o pentecostalismo - e os dois nunca se encontrarão. Como o acadêmico Martin Lindart nota, a separação ideológica entre “esse” mundo e o mundo pentecostal do ritual religioso significa que eventos políticos são vistos como irrelevantes para o que importa: ação espiritual.
Osinulu diz que os fiéis no Campo da Redenção, “não estão tentando mudar a sociedade ou criar uma alternativa”. Da mesma forma que o clero da IURD em Londres. O pastor Fernando, um dos pastores mais novos, diz aos fiéis que “a justiça” não “está aqui”, onde as pessoas estão lutando ou “segurando cartazes” mas em seus corações, onde eles solidificam sua relação com Deus.
Seguidores do Pentecostalismo em um serviço de 2012 organizado pelos Jovens da Igreja Cristã Redimida de Deus na Nigéria. Marathon Praise / Flickr |
“Miséria, pobreza, desemprego! Vocês sabem - tudo é terrível! Mas esses problemas não são causados pelas coisas aí. Eles são causados por espíritos.”
Assim diz o Bispo Formigioni. Ele veio de longe, voando de São Paulo para presidir um culto de quatro mil fiéis em uma igreja pentecostal no norte de Londres. Seu sermão extático passa da pregação didática para a cura prática. Então ele leva a congregação ao clímax.
Silêncio, ele diz para eles. Alguém começa a gemer, e a multidão logo se torna um mar contorcido e corpos. O “possuído” começou a se “manifestar”. Assistentes uniformizados da igreja rapidamente abrem caminho e livram as pessoas dos maus espíritos, colocando as mãos nas suas cabeças e prendendo seus corpos no chão.
O pentecostalismo é um dos movimentos religiosos de mais rápido crescimento no mundo. Em 2011 um número estimado de 279 milhões se definiram como fiéis pentecostais; no fim dessa década o centro de estudo global do cristianismo projeta que o número vai aumentar para 800 milhões.
Enquanto os missionários do norte transportaram o cristianismo para o sul e para o leste, os pentecostalistas modernos reverteram a trajetória. Recém chegados da América Latina e África Ocidental levaram sua fé para as cidades ocidentais, enfrentando novos demônios em igrejas de garagem e ambientes urbanos degradados onde os espíritos fluem.
A congregação de Formigioni pertence à igreja Universal do Reino de Deus (IURD), uma igreja brasileira que se gaba de ter milhões de seguidores em 134 países. Algumas pessoas ligam esse ministério global a fraude espiritual ou esquemas de pirâmide que coletam dinheiro de dízimo de suas congregações em troca de promessas ecumênicas de prosperidade.
Mas há mais no pentecostalismo que a busca de lucro. Depois de colocar os cheques nos envelopes para o dízimo, os fiéis no culto de Formigioni dão testemunhos detalhados de suas dificuldades financeiras. Sua prosperidade parece perpetuamente adiada. Mas o que os faz voltar?
A resposta está na “guerra espiritual” da religião, que molda os problemas materiais na linguagem do combate religioso. Ela diz às pessoas que sua fé é uma panaceia contra injustiça - uma mensagem tentadora para aqueles que estão cansados das falsas promessas da política.
Assim diz o Bispo Formigioni. Ele veio de longe, voando de São Paulo para presidir um culto de quatro mil fiéis em uma igreja pentecostal no norte de Londres. Seu sermão extático passa da pregação didática para a cura prática. Então ele leva a congregação ao clímax.
Silêncio, ele diz para eles. Alguém começa a gemer, e a multidão logo se torna um mar contorcido e corpos. O “possuído” começou a se “manifestar”. Assistentes uniformizados da igreja rapidamente abrem caminho e livram as pessoas dos maus espíritos, colocando as mãos nas suas cabeças e prendendo seus corpos no chão.
O pentecostalismo é um dos movimentos religiosos de mais rápido crescimento no mundo. Em 2011 um número estimado de 279 milhões se definiram como fiéis pentecostais; no fim dessa década o centro de estudo global do cristianismo projeta que o número vai aumentar para 800 milhões.
Enquanto os missionários do norte transportaram o cristianismo para o sul e para o leste, os pentecostalistas modernos reverteram a trajetória. Recém chegados da América Latina e África Ocidental levaram sua fé para as cidades ocidentais, enfrentando novos demônios em igrejas de garagem e ambientes urbanos degradados onde os espíritos fluem.
A congregação de Formigioni pertence à igreja Universal do Reino de Deus (IURD), uma igreja brasileira que se gaba de ter milhões de seguidores em 134 países. Algumas pessoas ligam esse ministério global a fraude espiritual ou esquemas de pirâmide que coletam dinheiro de dízimo de suas congregações em troca de promessas ecumênicas de prosperidade.
Mas há mais no pentecostalismo que a busca de lucro. Depois de colocar os cheques nos envelopes para o dízimo, os fiéis no culto de Formigioni dão testemunhos detalhados de suas dificuldades financeiras. Sua prosperidade parece perpetuamente adiada. Mas o que os faz voltar?
A resposta está na “guerra espiritual” da religião, que molda os problemas materiais na linguagem do combate religioso. Ela diz às pessoas que sua fé é uma panaceia contra injustiça - uma mensagem tentadora para aqueles que estão cansados das falsas promessas da política.
A congregação usa camuflagem
Como o saguão de um aeroporto ou um shopping, a igreja de Formigioni no norte de Londres não é projetada para se parecer com sua vizinhança. Cada igreja da IURD é igual: um Menorá de sete braços, um altar e palavras iluminadas atrás do palco proclamando “Jesus Cristo é o Senhor”. Todas seguem um programa homogêneo de cultos voltados a razões práticas - dinheiro, saúde, família, carreira - com cura espiritual.
Quando Formigioni entrou na igreja como um usuário de drogas em recuperação, ele se alistou em uma guerra com os espíritos maniqueístas que tanto curam quanto causam esses males. Agora que ele é pastor, ele ensina seus fiéis a enfrentar suas próprias batalhas.
“Nós sempre chamamos Formigioni de homem do desafio porque ele é forte enfrentando os demônios”, Daniela, uma assistente da igreja, diz pra mim enquanto nós nos sentamos nos bancos após o culto. “Mas, alguns dos outros pastores são tão fortes quando ele, de verdade”, ela acrescenta. “Você deveria vê-los nas reuniões da sexta-feira”
Às sextas-feiras, a congregação usa camuflagem. Folhetos brilhantes da igreja anunciam os serviços: Linha de frente: arregacem suas mangas e aprendam a lutar.
Uma manhã de sexta, eu fiz uma viagem de 30 minutos de metrô até a igreja para o culto das 10 da manhã (um dos 4 de cada sexta). A entrada estava quieta e o único som vinha da fonte. Um elaborado hexágono no meio do saguão escuro e limpo. Depois de algum tempo eu encontrei um dos vários assistentes da igreja, que me apontou os degraus acarpetados que normalmente estão reservados para os cultos em língua portuguesa e espanhola.
No andar de cima, os assistentes seguravam a testa dos fiéis e amaldiçoavam os espíritos na raiz de seus problemas terrenos. Como Daniela prometeu, o que ali pregava “forte”, segurando o corpo de um homem dobrado enquanto se curvava como um tampo de mesa e exigia que o espírito dentro dele saísse.
A guerra espiritual projeta uma batalha bíblica entre as forças demoníacas e divinas na experiência humana, dando aos crentes um vocabulário militarizado para explicar assuntos complexos. Muitas vezes, esses assuntos são profundamente políticos. Ainda que o ritual não distinga práticas religiosas e problemas estruturais, ele vê a mudança social como resultado da fé mais que da ação política.
A atratividade dessa cosmologia está em uma promessa sedutora: esses demônios - e não a política - são os culpados dos problemas do mundo. E eles podem ser derrotados com a oração.
Cidade da Redenção
Na periferia de Lagos, na Nigéria, um hangar de um quilômetro quadrado abriga o Campo da Redenção, a igreja modelo da Igreja Cristã Resgatada por Deus, um ministério pentecostal global que começou na Nigéria e agora tem filiais por todo o mundo. Alguns a chamam de Cidade da Redenção; peregrinos reúnem-se lá em massa.
Adedamola Osinulu, professor da universidade de Nova York e especialista em pentecostalismo global, explica o significado do Campo da Redenção: ela oferece, segundo ele, uma alternativa espiritual - um lugar onde os desfavorecidos politicamente podem fazer ouvir sua voz.
O pentecostalismo chegou na Nigéria no meio dos anos 90, quando a ditadura brutal de Sani Abacha indicava que “ não há espaços políticos em que se possa agir.” Nesse ambiente repressivo, fiéis abraçaram o ritual religioso como forma de oposição sem se arriscar à supressão ou à morte.
Em muitos outros países em desenvolvimento, o pentecostalismo renasceu nos anos 80 contra o cenário de políticas de ajustamento estrutural e aprofundamento das privatizações. Acadêmicos afixaram o prefixo “neo” a ele criando uma conexão apropriada entre o movimento religioso e a economia neoliberal.
E claro, a despolitização que marca o pentecostalismo é uma das respostas religiosas à expropriação política e a marginalização econômica. Por volta de 1960 e dos anos 70, seguidores da teologia da libertação insistiam que a Igreja Católica devia fazer mais que receber os pobres e oferecer a fé como um alívio pessoal. Descrevendo o mundo em termos de “pecado estrutural”, eles viam a religião como um instrumento para combater a desigualdade e outras injustiças sociais. Em países da América Latina a teologia da libertação fez das igrejas um baluarte vital contra a ditadura e a opressão.
Em contraste, algumas instâncias contemporâneas do pentecostalismo se aventuraram na arena política, e isso foi feito com fins conservadores. Nos anos 90 a IURD denunciou o líder do Partido dos trabalhadores (e finalmente presidente) Luiz Inácio Lula da Silva, chamando-o de “demônio” e encorajando seus fiéis a votarem em seu rival. (A igreja mais adiante aliviou sua abordagem em relação a Lula e sua sucessora, Dilma Rousseff, que publicamente participou de cultos com o fundador da IURD, Edir Macedo, em 2014.)
Os sermões realçaram o poder institucional que igrejas pentecostais podem exercer. Mas o Brasil é a exceção e a ofensiva da IURD na política eleitoral é mais um reflexo das ambições de suas lideranças que qualquer coisa.
Na maior parte do tempo, existe a política, e existe o pentecostalismo - e os dois nunca se encontrarão. Como o acadêmico Martin Lindart nota, a separação ideológica entre “esse” mundo e o mundo pentecostal do ritual religioso significa que eventos políticos são vistos como irrelevantes para o que importa: ação espiritual.
Osinulu diz que os fiéis no Campo da Redenção, “não estão tentando mudar a sociedade ou criar uma alternativa”. Da mesma forma que o clero da IURD em Londres. O pastor Fernando, um dos pastores mais novos, diz aos fiéis que “a justiça” não “está aqui”, onde as pessoas estão lutando ou “segurando cartazes” mas em seus corações, onde eles solidificam sua relação com Deus.
Em lugares onde a ação política rudimentar pode acarretar riscos enormes e as forças econômicas atingem trabalhadores e pobres, mudar o mundo mudando a si mesmo pode ser uma alternativa convincente. Afinal, porque você perderia seu tempo enfrentando estruturas de poder hostis se você pode alcançar as recompensas do espírito aqui e agora?
Big Society
O pentecostalismo cresce nas falhas sísmicas do capitalismo tardio, onde as injustiças estruturais são psicologizadas e individualizadas.
Se ouvirmos Daniela, as pessoas são pobres porque estão "se entregando ao diabo". O caminho para a prosperidade passa pelo alistamento no exército de guerreiros espirituais de Deus, que são fiéis o suficiente para resistir a essas forças demoníacas.
Como outras apologias similares - o mito da meritocracia vem a mente - a guerra espiritual ofusca a raiz do problema: as pessoas são pobres no mundo do capitalismo avançado porque o dinheiro foi distribuído para cima. A riqueza concentrada, não a insuficiente fé, explica os horríveis estragos econômicos em que se encontram muitos congressistas pentecostais.
Como o antropólogo Kevin O’Neill argumenta, a guerra espiritual permite que “problemas complexos com raízes históricas profundas sejam moralizados - sejam definidos como questões de caráter, falha individual, ou pecado.” Ao fazê-loa, ele desorienta os fiéis, canalizando sua energia para lutas individuais por reconhecimento e redenção e longe das lutas coletivas por redistribuição e emancipação.
Isso não quer dizer que o pentecostalismo não beneficie alguns de seus fiéis. Pessoas na IURD insistem com entusiasmo no poder transformador da fé, e muitos afirmam ter subido dos degraus mais baixos da escala social até a riqueza e envolvimento cívico. Eles contam histórias de combate contra drogas, abandono e pobreza. Para as mulheres lidando com violência doméstica e machismo, as igrejas cultivam habilidades importantes de liderança e competências sociais. No fim das contas, o pentecostalismo pode fazer problemas esmagadores - pobreza, marginalização política - parecerem mais controláveis.
Ainda que a crença no empoderamento individual possa remediar problemas estruturais, inevitavelmente resultam em benefício para o capital - a mesma força responsável por sua marginalização.
Acadêmicos já apontaram a muito tempo que o estado neoliberal patologiza os mais marginalizados - castigando-os como “welfare queens”(nos EUA) ou como parasitas de benefícios (no Reino Unido)- e corta de serviços estatais enquanto usa a linguagem do empoderamento. A Big society de David Cameron exemplifica essa combinação: ele argumentou que se a sociedade pudesse tomar conta de seus próprios problemas, o Estado se tornaria menos incômodo, menos preocupado com intervenções desnecessárias. Na verdade, a “Big Society” era o thatcherismo com um nome diferente: políticas de austeridade e privatização simplesmente transferiram a responsabilidade de prover benefícios vitais do Estado para o indivíduo e a sociedade civil.
Organizações cristãs antes tinham sopões; na Grã-Bretanha, agora elas tocam bancos de alimentos. As igrejas pentecostais estão entre aquelas que avançaram assim que o Estado deu um passo atrás. Na IURD os fiéis se empurram para ter seus currículos abençoados pelos pastores e conseguir ajuda para navegar pelas frustrações burocráticas da papelada do dia a dia. O próprio Cameron pareceu ver a conexão: durante a campanha de 2015 visitou a Igreja Cristã Resgatada por Deus, onde ele evangelizou as visões de sua Big Society e pregou sobre a importância da ambição.
Em países como a Nigéria, onde governos implementaram políticas neoliberais sob pressão de instituições internacionais, igrejas pentecostais cumpriram um papel similar.
Os cidadãos tiveram que lidar com um Estado em que não poderiam confiar para providenciar bens básicos. O pentecostalismo surgiu, com seu roteiro sedutor para mobilidade social e espiritual. No mínimo, ofereceu para seus seguidores um atalho para as inadequações do Estado, permitindo a eles que façam “mais com menos”.
Mas tanto na Nigéria quanto na Grã-Bretanha, o empoderamento genuíno não pode ser encontrado em lugar nenhum. Isso não é nada além de um jogo de cartas marcadas infectado pela fé.
Que tipo de religião?
O capitalismo e a religião já estiveram ligados por muito tempo. Max Weber argumentou que o “espírito do capitalismo” estava fundamentado em uma “ética protestante”- uma propensão calvinista para colher os benefícios do trabalho árduo. Talvez o pentecostalismo tenha florescido porque ele mexe com o espírito do capitalismo tardio, um sistema que justifica profundas injustiças estruturais com a retórica do empoderamento, inovação e responsabilidade individual.
Independentemente disso, o crescimento massivo do pentecostalismo mostra que o capitalismo e a urbanização não trouxeram a secularidade.
Em seu livro de 1965, The Secular City, o teólogo de Harvard, Harvey Cox, previu uma era “pós-religiosa”. Depois de estudar o movimento pentecostal, ele se retratou. “Hoje é a secularidade, e não a espiritualidade, que está fadada à extinção”, escreveu Cox.
Essa afirmação provavelmente é exagerada. Mas, contrariamente às expectativas das gerações anteriores, que viram a modernidade como a morte da religião, a fé está aqui para ficar. A única questão é de que forma.
Big Society
O pentecostalismo cresce nas falhas sísmicas do capitalismo tardio, onde as injustiças estruturais são psicologizadas e individualizadas.
Se ouvirmos Daniela, as pessoas são pobres porque estão "se entregando ao diabo". O caminho para a prosperidade passa pelo alistamento no exército de guerreiros espirituais de Deus, que são fiéis o suficiente para resistir a essas forças demoníacas.
Como outras apologias similares - o mito da meritocracia vem a mente - a guerra espiritual ofusca a raiz do problema: as pessoas são pobres no mundo do capitalismo avançado porque o dinheiro foi distribuído para cima. A riqueza concentrada, não a insuficiente fé, explica os horríveis estragos econômicos em que se encontram muitos congressistas pentecostais.
Como o antropólogo Kevin O’Neill argumenta, a guerra espiritual permite que “problemas complexos com raízes históricas profundas sejam moralizados - sejam definidos como questões de caráter, falha individual, ou pecado.” Ao fazê-loa, ele desorienta os fiéis, canalizando sua energia para lutas individuais por reconhecimento e redenção e longe das lutas coletivas por redistribuição e emancipação.
Isso não quer dizer que o pentecostalismo não beneficie alguns de seus fiéis. Pessoas na IURD insistem com entusiasmo no poder transformador da fé, e muitos afirmam ter subido dos degraus mais baixos da escala social até a riqueza e envolvimento cívico. Eles contam histórias de combate contra drogas, abandono e pobreza. Para as mulheres lidando com violência doméstica e machismo, as igrejas cultivam habilidades importantes de liderança e competências sociais. No fim das contas, o pentecostalismo pode fazer problemas esmagadores - pobreza, marginalização política - parecerem mais controláveis.
Ainda que a crença no empoderamento individual possa remediar problemas estruturais, inevitavelmente resultam em benefício para o capital - a mesma força responsável por sua marginalização.
Acadêmicos já apontaram a muito tempo que o estado neoliberal patologiza os mais marginalizados - castigando-os como “welfare queens”(nos EUA) ou como parasitas de benefícios (no Reino Unido)- e corta de serviços estatais enquanto usa a linguagem do empoderamento. A Big society de David Cameron exemplifica essa combinação: ele argumentou que se a sociedade pudesse tomar conta de seus próprios problemas, o Estado se tornaria menos incômodo, menos preocupado com intervenções desnecessárias. Na verdade, a “Big Society” era o thatcherismo com um nome diferente: políticas de austeridade e privatização simplesmente transferiram a responsabilidade de prover benefícios vitais do Estado para o indivíduo e a sociedade civil.
Organizações cristãs antes tinham sopões; na Grã-Bretanha, agora elas tocam bancos de alimentos. As igrejas pentecostais estão entre aquelas que avançaram assim que o Estado deu um passo atrás. Na IURD os fiéis se empurram para ter seus currículos abençoados pelos pastores e conseguir ajuda para navegar pelas frustrações burocráticas da papelada do dia a dia. O próprio Cameron pareceu ver a conexão: durante a campanha de 2015 visitou a Igreja Cristã Resgatada por Deus, onde ele evangelizou as visões de sua Big Society e pregou sobre a importância da ambição.
Em países como a Nigéria, onde governos implementaram políticas neoliberais sob pressão de instituições internacionais, igrejas pentecostais cumpriram um papel similar.
Os cidadãos tiveram que lidar com um Estado em que não poderiam confiar para providenciar bens básicos. O pentecostalismo surgiu, com seu roteiro sedutor para mobilidade social e espiritual. No mínimo, ofereceu para seus seguidores um atalho para as inadequações do Estado, permitindo a eles que façam “mais com menos”.
Mas tanto na Nigéria quanto na Grã-Bretanha, o empoderamento genuíno não pode ser encontrado em lugar nenhum. Isso não é nada além de um jogo de cartas marcadas infectado pela fé.
Que tipo de religião?
O capitalismo e a religião já estiveram ligados por muito tempo. Max Weber argumentou que o “espírito do capitalismo” estava fundamentado em uma “ética protestante”- uma propensão calvinista para colher os benefícios do trabalho árduo. Talvez o pentecostalismo tenha florescido porque ele mexe com o espírito do capitalismo tardio, um sistema que justifica profundas injustiças estruturais com a retórica do empoderamento, inovação e responsabilidade individual.
Independentemente disso, o crescimento massivo do pentecostalismo mostra que o capitalismo e a urbanização não trouxeram a secularidade.
Em seu livro de 1965, The Secular City, o teólogo de Harvard, Harvey Cox, previu uma era “pós-religiosa”. Depois de estudar o movimento pentecostal, ele se retratou. “Hoje é a secularidade, e não a espiritualidade, que está fadada à extinção”, escreveu Cox.
Essa afirmação provavelmente é exagerada. Mas, contrariamente às expectativas das gerações anteriores, que viram a modernidade como a morte da religião, a fé está aqui para ficar. A única questão é de que forma.
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