21 de maio de 2015

Kobayashi e a luta de classes

As histórias do comunista japonês Takiji Kobayashi representam o melhor da literatura proletária.

Doug Enaa Greene


Trabalhadores ferroviários em greve, liderados pelo Partido Comunista do Japão. Tim Shorrock

Em 2008, um dos romances mais vendidos no Japão foi um romance de oitenta anos: Kanikosen (Crab Cannery Ship) do autor comunista Takiji Kobayashi. O livro é a história de uma tripulação de pescadores que se rebelou contra as péssimas condições de trabalho em um navio de pesca japonês, entrando em greve e tentando assumir o controle do navio.

Em meio à crise financeira global, o romance, que antes vendia moderados cinco mil exemplares por ano, atingiu vendas de quinhentos mil. Quatro novas versões de mangá também foram produzidas e, em 2009, o diretor japonês Hiroyuki Tanaka (Sabu) fez um filme baseado no romance. O trabalho de Kobayashi colocou o dedo na ferida do Japão contemporâneo, atormentado pela crescente desigualdade, insegurança e os efeitos de uma crise econômica de duas décadas. Kanikosen revelou não apenas a dura realidade do capitalismo, mas também a possibilidade de resistência unida dos trabalhadores.

Embora o Crab Cannery Ship de Kobayashi tenha sido traduzido para o inglês desde 1933 (embora seja um texto incompleto), ele está esgotado há muito tempo. Mas, há dois anos, uma nova coleção, traduzida por Zeljko Cipris para uma prosa nítida e vívida, foi publicada pela University of Hawaii Press. O volume contém não apenas o Crab Cannery Ship completo, mas também Yasuko e Life of a Party Member (ambos em inglês pela primeira vez).

Kobayashi e a esquerda japonesa

Takiji Kobayashi nasceu em 1903 na vila de Shimokawazoi, no norte do Japão. Seu pai era um pequeno proprietário de terras, mas um tio havia perdido a fortuna da família em um empreendimento fracassado. Em 1907, Kobayashi e sua família mudaram-se para Otaru, na ilha norte de Hokkaido. Kobayashi trabalhou na padaria de seu tio durante o ensino fundamental, passando para a Escola Comercial municipal e mais tarde para a Escola Superior de Comércio Otaru, onde se formou em 1924.

Na universidade, Kobayashi percebeu a posição de classe contraditória de sua família como ex-proprietários de terras e fazendeiros, e passou a se identificar com os operários e fazendeiros oprimidos. As lutas de classes estimuladas pela Restauração Meiji e os efeitos negativos da modernização capitalista influenciariam as mais importantes histórias de Kobayashi.

A Restauração Meiji de 1868 - uma revolução vinda de cima que acabou com o isolamento feudal do xogunato Tokugawa e transformou o Japão em uma potência mundial - teve profundas implicações para a sociedade japonesa. O governo aboliu o antigo sistema feudal de castas, subsidiou o desenvolvimento industrial e tornou os proprietários de terras dependentes do Estado. A produção industrial aumentou drasticamente nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, à medida que os trabalhadores saíam da agricultura e da silvicultura para pequenas fábricas rurais. O aumento do trabalho na fábrica trouxe mudanças sociais - as mulheres foram empregadas em grandes quantidades pela primeira vez no trabalho assalariado - mas também a miséria.

As mulheres japonesas empregadas nas indústrias de algodão, seda e tecelagem sofreram severa discriminação e opressão de seus empregadores homens, e o trabalho na fábrica exigia longas horas de trabalho e baixos salários para homens e mulheres. Embora as cidades tenham assistido ao crescimento econômico e à disseminação do trabalho assalariado, o campo continuou marcado por altos níveis de desemprego e profunda pobreza.

Os trabalhadores japoneses tentaram obstinadamente melhorar suas condições de trabalho. As primeiras lutas dos trabalhadores aconteceram nas minas nas décadas de 1870 e 1880, e riquixás e impressores formaram sindicatos em 1883-84. Nos dois anos que se seguiram ao acordo de paz entre o Japão em 1905 e a Rússia, greves eclodiram em setores-chave da economia, como transporte marítimo e mineração.

A sindicalização foi obstaculizada por uma severa repressão governamental e leis trabalhistas desdentadas. Sindicatos como o dos riquixás eram destruídos rotineiramente e, em 1910, vinte e quatro socialistas e anarquistas japoneses foram acusados ​​de conspirar para matar o imperador. Onze foram executados. O estado japonês também era extremamente antidemocrático. A Dieta, o órgão parlamentar do país, era eleita por apenas 2% da população e atendia aos interesses das classes ricas. O sufrágio universal masculino não foi instituído até 1925, e as mulheres não passaram a votar até 1945.

Apesar desses obstáculos, a esquerda ganhou destaque durante a primeira metade do século XX. Os primeiros movimentos de esquerda japoneses eram diversos - humanistas cristãos e sindicalistas empresariais gomperitas juntaram-se a anarquistas e marxistas. Depois de 1917, o marxismo tornou-se a força predominante na esquerda e exerceu significativo apelo entre os radicais japoneses.

A primeira tradução japonesa do Manifesto Comunista veio em 1904, seguida por partes de Das Kapital em 1907, que vendeu trezentas mil cópias em seu primeiro lançamento em Tóquio. Após a Primeira Guerra Mundial, as obras marxistas foram traduzidas em um ritmo febril no Japão: entre 1927 e 1933, as obras completas de Marx e Engels (27 volumes) e uma coleção de dez volumes das obras de Lenin foram publicadas no país.

A fome por literatura marxista no Japão coincidiu com um intenso período de organização e repressão estatal. Durante os motins do arroz de 1918 - desencadeados pela queda dos salários e aumento dos custos dos alimentos - cerca de dez milhões de pessoas participaram de 636 revoltas separadas. Grandes greves (que foram esmagadas pelo exército) ocorreram em 1920-21, e estudantes inspirados pela Revolução Bolchevique começaram a construir laços organizacionais com operários e camponeses.

Também houve grande agitação no campo - 7.115 greves de arrendatários ocorreram entre 1920 e 1924, e esse número saltou para mais de 19.000 entre 1930 e 1934. O devastador terremoto de Tóquio em 1923 exacerbou o clima de agitação e incerteza, e desencadeou pogroms contra os imigrantes coreanos e chineses.

Em uma tentativa de reprimir a agitação e a organização trabalhista, o Governo Imperial introduziu a Lei de Preservação da Segurança Pública, que afirmava: "Qualquer pessoa que tenha formado uma associação [com o objetivo de] alterar o kokutai, ou o sistema de propriedade privada, e qualquer um que tenha aderido a tal associação com pleno conhecimento de seu objeto, será passível de pena de prisão, com ou sem trabalhos forçados, por um período não superior a dez anos.”

O governo estava especialmente preocupado com a crescente influência do Partido Comunista Japonês (JCP), originalmente formado em 1922, imediatamente banido e reformado em 1924. O JCP estava envolvido em lutas populares, como organização sindical, greves de arrendatários e Farmer-Labor Parties. Opôs-se à expansão imperialista e promoveu uma vida política e cultural rica e vibrante entre seus membros.

Kobayashi estava no centro dessa atividade, equilibrando a escrita, a organização e o seu trabalho no Banco Colonial de Hokkaido. No final da década de 1920, ele participou de greves, desenhou cartazes, participou de aulas de estudos com fazendeiros e trabalhadores e se envolveu em campanhas eleitorais para o Farmer-Labour Party (que inspirou sua história Journey to East Kutchan).

Em março de 1928, a polícia prendeu aproximadamente 1.600 reais e supostos comunistas. Após as prisões, Kobayashi escreveu um conto baseado no evento intitulado 15 de março de 1928, que detalhava vividamente a prisão e tortura de comunistas e ativistas trabalhistas nas mãos da polícia. A história, publicada no final de 1928, vendeu oito mil exemplares antes de ser proibida - trazendo aclamação da crítica a Kobayashi, mas também a atenção da polícia.

Kobayashi foi eleito em 1929 para o Comitê Central da Liga dos Escritores do Proletariado Japonês, onde escreveu o Crab Cannery Ship. A história o levou a ser demitido do banco em que trabalhava porque ele nomeou vários dos melhores clientes do banco, vinculando-os à exploração dos fazendeiros. Ele foi forçado à clandestinidade e preso pela polícia em maio e agosto de 1930; durante o último encarceramento foi torturado pela Polícia Imperial.

Além de dar palestras, arrecadar fundos e contribuir para a Liga dos Escritores e outros periódicos da esquerda, Kobayashi escreveu prolificamente durante este período, apesar de ser constantemente perseguido pelas autoridades. Em 1931, ele escreveu o conto Yasuko, que conta a história de duas irmãs que são atraídas para o ativismo político e o movimento trabalhista, e em 1932 ele completou uma história semiautobiográfica sobre seu trabalho no JCP intitulada Vida de um Membro do Partido.

No ano seguinte, em fevereiro de 1933, Kobayashi e um camarada foram presos, torturados e brutalmente assassinados pela Polícia Imperial.

Kanikosen

O Crab Cannery Ship é baseado em um motim de 1926 em um navio de pesca japonês. O romance não tem protagonista central, em vez disso segue um grupo de trabalhadores desorganizados e sem nome.

Na história, o navio de pesca está pescando perto das águas territoriais soviéticas, onde o estado de direito normal foi suspenso. Kobayashi descreve em detalhes excruciantes as condições de trabalho no navio, que é administrado por uma empresa gigante interessada apenas em lucros e expansão imperial ao invés da vida da tripulação, composta por estudantes e fazendeiros anônimos:

E desse jeito vinham escavando "lucros" e mais "lucros". E ainda por cima, sabiamente associavam àquilo ao desenvolvimento das riquezas "nacionais", dando, de maneira bem-sucedida, uma lógica ao que faziam. Eram muito astuciosos. E assim, pelo bem da "nação" os trabalhadores "morriam de fome" e eram "espancados à morte".

O navio é um reflexo da guerra de classes que envolve a sociedade - a busca pelo lucro e a “glória do Imperador” são tão importantes que o capataz da empresa (a verdadeira autoridade do navio) se recusa a suspender as operações de resgate de outro navio em perigo, permitindo que o navio afunde. Ele consola o capitão, dizendo que pelo menos o outro navio estava segurado, e quando alguns membros da tripulação se perdem no mar, ele se mantem igualmente impertubável.

No entanto, os membros da tripulação perdidos não morrem - eles são resgatados por um navio soviético. Os trabalhadores resgatados, inicialmente desconfiados da tripulação soviética e do comunismo, fazem amizade com um comunista chinês a bordo que os ajuda a se comunicarem com os soviéticos. Eles continuam explicando a natureza da exploração do capitalismo e a necessidade de se organizar contra ela:

"... não tem pessoa que não trabalha. Não tem pessoa desonesta. Não tem pessoa que enforca pessoa. Entende?... Eles vagamente se questionaram se aquilo era o "perigo vermelho". Porém, se aquilo era considerado como "vermelho", eles estavam certos, então, que se trataria nada mais e nada memos que o "natural". Aquela ideia, porém, cativava-os mais e mais.

Os tripulantes acabam voltando ao navio de pesca japonês, onde convencem seus colegas de trabalho a entrar em greve: "O mais importante de tudo, irmãos, é unir forças e manter nosso poder unido. Aconteça o que acontecer, nunca devemos trair um camarada. Se nos agarrarmos a isso, eles serão esmagados mais facilmente do que minhocas."

Embora a paralisação inicial seja bem-sucedida, a Marinha Imperial chega e, para desespero dos pescadores, os líderes da greve são presos e levados embora. O romance termina com a tripulação prometendo lutar em face de probabilidades impossíveis, declarando: "Francamente, não faz sentido esperar por alguma vitória futura. É uma questão de vida ou morte agora... vamos fazer de novo, mais uma vez!"

The Crab Cannery Ship, apesar de sua natureza inacabada (termina assim que o segundo ataque começa) e do assassinato brutal de seu autor, rapidamente se tornou a principal obra literária da esquerda revolucionária japonesa. Embora o romance tenha sido banido pelo Império até depois da Segunda Guerra Mundial, o estilo experimental de Kobayashi foi amplamente adotado e Kanikosen foi traduzido para o russo, inglês e alemão.

As histórias de Kobayashi não são obras de reprodução do realismo socialista ou "propaganda partidária". Eles contêm as melhores qualidades da literatura proletária - narrativas cativantes, imagens nítidas e personagens memoráveis, tanto individuais quanto coletivos. Suas obras iluminam a vida de trabalhadores comuns, camponeses, mulheres e quadros do partido de um período fascinante da história japonesa caracterizado por intensa luta de classes.

Sobre o autor

Doug Enaa Greene é membro do Projeto Kasama e historiador independente que mora na área metropolitana de Boston. Ele é o autor do livro Specters of Communism, sobre o comunista francês Louis-Auguste Blanqui.

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