11 de outubro de 2022

Solidões de Althusser

O que fazer? surge de um rascunho inédito de Althusser escrito em 1978 para discutir o pensamento político de Gramsci. Graças ao renovado interesse pelo filósofo francês nos últimos anos, agora está disponível em espanhol.

Roberto Chuit Roganovich


Louis Althusser lendo o jornal em seu escritório. (Foto: Jacques Pavlovsky/Getty Images)

O artigo a seguir é uma resenha de What to do de Louis Althusser, editado por Pólvora y Doble Ciencia (Chile, 2022) e traduzido por Pedro Karczmarczyk.

Como falar de uma obra que sistematicamente tentou se apagar. Como falar de uma obra que interpreta a solidão – a de Maquiavel, por exemplo, um príncipe órfão sobre quem recai a responsabilidade de criar um mundo, mas também a de Spinoza e Marx – como o ponto de partida essencial por trás do qual parece haver quase nada. Como, então, referir-se a uma obra que, sitiada e construída através da solidão e do silêncio, volta hoje, fantasmática, para nos questionar proativamente a partir de um passado atualizado.

Temos em Althusser três momentos, três instâncias de solidão.

O primeiro momento é talvez o do destino partilhado por todos os que se reivindicam, sempre antes de tudo, marxistas na filosofia. Esse momento de solidão é aquele exercido de fora, e esse fora é o da «filosofia dos filósofos», o da filosofia institucionalizada (a das teorias do conhecimento das garantias e a da questão esquecida pelo Ser), a universidade, que padronizou os regimes de produção, difusão, circulação, consumo e debate; enfim, exercido de fora, a partir de um aparato específico de saber e saber dizer, e que desloca o marxismo por sua impertinência.

Agora, que tipo de impertinência? A impertinência do modo como o marxismo decide ocupar os espaços da e na filosofia: a saber, reconhecendo a filosofia como um espaço pedestre (!), também atravessado pela luta de classes, que reconhece sua própria prática teórica como herdeira e participante — ou seja, culpada — de uma tradição; como um pensamento que, sempre atento às condições de sua própria enunciabilidade, torna-se, cada vez, um pós-marxismo.

É o mesmo destino de Engels, Lenin, Lukács, Gramsci e Luxemburgo, entre tantos outros: homens e mulheres expulsos, e para quem o caráter estático de um sistema total (um sistema sem fissuras e sempre idêntico a si mesmo) significava, por extensã , a morte do movimento revolucionário; homens e mulheres para quem, parafraseando Hegel, a coruja de Minerva acordou ao cair da noite, ou o que dá no mesmo, para quem a filosofia tinha como condição as experiências de vida e as práticas concretas dos homens em comunidade.

A esta solidão imposta de fora acrescenta-se outra, que é a do próprio pensamento althusseriano. Independentemente dos avanços e retrocessos, das múltiplas autocríticas, das categorias para as quais quase sempre parece haver um par de opostos, encontramos em Althusser o pensamento do/sobre/desde o vazio (no palavras de Matheron ) e a solidão é uma constante.

Sem ser exaustivo, eis alguns núcleos problemáticos: o corte epistemológico, condição para a abertura de novos continentes do conhecimento, é descontinuidade e ruptura; as obras de Maquiavel e Marx (sua inventividade e criatividade, sua capacidade lúdica e plástica), como formas de fundação imprópria, parecem falar de orfandade consciente; o movimento operário, que só por si mesmo (pela sua prática política, pela sua intervenção no mundo) se constitui como algo para si, é patricida em relação ao sistema que lhe dá existência; e o materialismo do encontro, o último Althusser, não como origem ex nihilo, mas como início absoluto motivado pelo clinamen.

O terceiro momento de solidão é o da própria trajetória de vida de Althusser, não apenas como argelino em diáspora e prisioneiro de guerra, mas também como objeto de ostracismo após a derrota do Maio, o assassinato de sua esposa, Hélène, e de suas internações intermitentes. Esse apagamento, essa queda em desgraça do caimán da Ulm Street, trouxe também, e como esperado, sua dissociação do PC, a desintegração de seus grupos de estudo e a "maioridade" de todos os seus discípulos, uma prática insistente escrita solitária cujos resultados circulavam apenas em espaços íntimos e, por fim, um amplo desinteresse editorial.

Há alguns anos, porém, e por meio do trabalho do IMEC (Institut Mémoires de l’édition contemporaine) e do Althusser Fund, esse amplo desinteresse editorial começou a se reverter. Textos novos e inéditos de Althusser começaram a ser publicados na França com o acompanhamento do especialista G. M. Goshgarian, revitalizando alguns debates filosóficos e políticos injustificadamente esquecidos.

Talvez para reviver o terceiro movimento da solidão althusseriana, este ano foi a vez de Que faire? (escrito em 1978), publicado na América Latina pelas editoras independentes Pólvora e Doble Ciencia (Chile) e traduzido para o espanhol pelo Doutor em Filosofia argentino Pedro Karczmarczyk.

Althusser abre o livro com uma questão política essencial: “O que pode ser feito para ajudar a orientar e organizar a luta popular e da classe trabalhadora?”

Esta pergunta não é nova. Ao contrário, é suficientemente ampla e recorrente nos espaços de militância para que tenha perdido, ao longo do tempo, sua força fundadora e seu caráter específico. Assim, é a própria amplitude e recorrência da questão —a generalidade de sua aplicação e a iteração de sua aparição— que merece, no entendimento de Althusser, uma redefinição geral dos termos que a compõem. Althusser não tardou em testar dois princípios gerais: o primeiro, que a orientação necessariamente precede a organização, e que ela deve ser organizada segundo a linha do Partido (primazia da linha sobre a organização); a segunda: que tanto a orientação (a linha) quanto a organização do movimento (o Partido) dependem, por sua vez, da luta da classe trabalhadora e popular.

En este marco, si se defiende, junto a Marx, la tesis del primado de la contradicción sobre los contrarios (es decir, primado de la lucha sobre las clases, y primado del antagonismo de clases sobre las clases) Althusser va a insistir, del mismo modo que Lenin, que la forma de contribuir a la orientación y a la organización de la lucha de clases es mediante el análisis concreto de la situación concreta. Así, contra toda sociología vulgar, que intentaría tomar siempre por separado las dinámicas propias de los «polos» en conflicto (por un lado, la clase burguesa; por otro, la clase trabajadora), y también contra todo autonomismo y falansterismo que se limite a pensar el «horizonte» exclusivamente proletario (o exclusivamente burgués) a la manera de una mónada, Althusser dice:

es sobre la marcha, en lo «concreto», donde hay que ir a ver cuáles son las formas que toma históricamente este antagonismo, y las formas que este antagonismo le otorga, hasta en sus detalles, a las clases que constituye.

Y más adelante:

Ella [la clase obrera] no puede conformarse con saber lo que pasa en su casa, es decir, con conocerse a sí misma, sino que debe también ir a ver y comprender lo que pasa del otro lado. No se trata de una simple curiosidad, sino de captar a la vez los dos términos del antagonismo para poder captar al antagonismo como lo que constituye a los dos términos, a la lucha de clases como lo que constituye a las clases al dividirlas en clases.

Estas preocupaciones, que vertebran todo el ¿Qué hacer? de Althusser, son presentadas a través de la categoría leninista del «análisis concreto de la situación concreta». Así, Althusser, como ya lo ha hecho en otras circunstancias, ingresa al debate político como filósofo, es decir, como filósofo marxista, o lo que es lo mismo, como marxista que ocupa conscientemente un lugar específico dentro de la filosofía.

El primer capítulo se desarrolla respecto de las lecturas de los PC europeos durante los setenta a razón de la lucha de los obreros de la Alfa Romeo, destacando los problemas de la «aplicabilidad» indiscriminada y ciega de una «teoría», la marxista, interpretada erróneamente como «total» y «totalizante», y sugiriendo que no va de suyo que una línea «justa» (una orientación «justa») permita extraer obligatoriamente consignas y tácticas «justas». El segundo capítulo, llamado «El empirismo absoluto de Antonio Gramsci», trabaja sobre problemas del historicismo. Festejando el anticuerpo (en este caso, historicista) que habría de ponerle coto al dogmatismo atemporal y totalizante del estalinismo, Althuser avanza sobre lo que Gramsci deja inconcluso: su idea de historia, como «cambio» o «mutación simple», que termina por licuar las diferencias reales de lo concreto-histórico; la historia (como puro cambio y fuga) diseñada sobre una matriz empirista y como límite onto-analítico, y no como condición de la estabilidad misma del sistema capitalista y su reproducción.

El tercer capítulo realiza una contraposición entre la figura de Gramsci y la de Maquiavelo. Aquí Althusser se centra en algunos puntos ciegos de la teoría gramsciana del poder: la fuerza como mera fuerza bruta (y no como capacidad también productora y productiva), el primado de la hegemonía por sobre el momento del uso de la fuerza (principio que Maquiavelo invierte al hablar del ejército y de la materialidad de los aparatos que la soporten y la ponen en acción), la ausencia de la categoría del Estado por el alcance polisémico y ecuménico de la categoría de hegemonía, entre otros. El cuarto y último capítulo se acerca al modo en cómo el historicismo gramsciano penetró en el pensamiento del llamado eurocomunismo y qué conjunto de tácticas y consignas han derivado de esa incorporación.

El libro es claro y avanza con la agilidad del Althusser más filoso y contundente, o lo que es lo mismo, el más político (como el de Lo que no puede durar en el partido comunista). La revitalización del pensamiento althusseriano en estos últimos años es curiosa. El interés editorial y el trabajo de investigadores comprometidos con su legado han logrado ponerle una pausa, al menos momentánea, al último movimiento o instancia de la soledad althusseriana (aquel referido a la propia trayectoria vital y al ostracismo al que decidió volcarse el filósofo francés). En cualquier caso, lo cierto es que de repente nos encontramos con nuevos materiales, textos y cartas al alcance del público latinoamericano.

Resta pues, en los lectores y militantes, pensar las dos soledades primeras, aquella del marxismo al interior del campo de la filosofía y aquella al interior de pensamiento althusseriano mismo: pensar así, por un lado, el rol del marxismo en la filosofía y la justificación de la posición que decide ocupar en ella; por otro, el vacío y la soledad como categorías de la filosofía althusseriana (que atraviesan el problema del teoricismo, del corte epistemológico, y más tarde y de forma solapada, del materialismo aleatorio).

Si es que todavía cabe representarnos como herederos de un comienzo absoluto, figura sin dudas paradójica, habría que preguntarse qué tipo de soledad nos atraviesa hoy, soledad extraña, ya-en-la-comunidad, ya que, como decía Lenin, un comunista nunca está solo. La pregunta por el vacío, por la soledad (que es también la pregunta por nuestra actual incapacidad «articulatoria») habilita discutir desde otra perspectiva múltiples problemas: la crisis del marxismo, la crisis de los «análisis concretos» que nos formaron de manera «inercial», la crisis aplicacionista de la teoría marxista entendida equívocamente como «teoría total», como así también, y por extensión, nuestros errores tácticos, nuestro alejamiento respecto de los movimientos populares, y la separación de los intelectuales respecto de aquellos que le daban vida al movimiento obrero —es decir, los obreros mismos— que Perry Anderson ya auspiciaba en Consideraciones sobre el marxismo occidental.

En cualquier caso, funcione este nuevo volumen y este breve comentario no para exaltar a Althusser, sino para pensar qué de Althusser aun hoy puede ser de utilidad frente a los desafíos venideros en la América Latina del siglo XXI.

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