Pronunciamento do dirigente é ponto alto do Congresso do Partido Comunista e lista frentes mais importantes para Pequim
Igor Patrick
Folha de S.Paulo
O discurso que abre o Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês —realizado a cada cinco anos e destinado a escolher a nova liderança do país— é um dos momentos mais importantes do encontro. Na ocasião, o líder nacional faz um apanhado das conquistas ao longo do mandato, estabelece o roteiro dos trabalhos ao longo da semana e indica como a China se portará no próximo quinquênio.
Xi Jinping não fugiu à tradição e ao longo de 1 hora e 24 minutos na manhã de domingo (16), usou a tribuna no Grande Salão do Povo em Pequim para mandar recados e dar várias pistas sobre quais serão suas prioridades de agora em diante. O discurso é uma versão condensada do chamado "relatório de trabalho", cuja íntegra oficial ainda não foi disponibilizada.
O discurso que abre o Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês —realizado a cada cinco anos e destinado a escolher a nova liderança do país— é um dos momentos mais importantes do encontro. Na ocasião, o líder nacional faz um apanhado das conquistas ao longo do mandato, estabelece o roteiro dos trabalhos ao longo da semana e indica como a China se portará no próximo quinquênio.
Xi Jinping não fugiu à tradição e ao longo de 1 hora e 24 minutos na manhã de domingo (16), usou a tribuna no Grande Salão do Povo em Pequim para mandar recados e dar várias pistas sobre quais serão suas prioridades de agora em diante. O discurso é uma versão condensada do chamado "relatório de trabalho", cuja íntegra oficial ainda não foi disponibilizada.
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Líder da China, Xi Jinping, fala durante sessão de abertura do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês no Grande Salão do Povo, em Pequim - Noel Celis -16.out.22/AFP |
TÓPICOS DO DISCURSO DE XI JINPING
Prosperidade comum
Covid zero
Iniciativa de Cinturão e Rota (ou "Niva Rota da Seda")
Meio ambiente
"Implementamos completamente a filosofia de desenvolvimento centrado nas pessoas e continuamos a fazer esforços para garantir que as crianças sejam nutridas, o aprendizado seja ensinado, o trabalho seja recompensado, os doentes sejam tratados, os idosos recebam abrigo e os fracos sejam apoiados. Construímos o maior sistema educacional, sistema de segurança social e sistema médico e de saúde do mundo. A sensação de ganho, felicidade e segurança das pessoas é mais substancial, segura e sustentável, e novas conquistas foram feitas no campo da prosperidade comum. [Nos próximos anos] aumentaremos a renda dos mais pobres, expandiremos a classe média, regularemos a distribuição de renda e o mecanismo de acumulação de riqueza."
O termo "prosperidade comum" não é novo, mas entrou de vez no linguajar do Partido ao ser empregado em mais de uma ocasião por Xi Jinping desde o ano passado. Em resumo, trata-se de promover redistribuição de riquezas e priorizar o bem-estar social, embora os caminhos para alcançar tal feito sempre tenham sido alvo de disputa e de debates internos: recorrendo a analogias, oficiais do partido insistiam que era necessário "fazer o bolo crescer antes de dividi-lo".
Ao menos para Xi, o bolo já cresceu o suficiente e o discurso traz pistas de como a divisão acontecerá ao longo dos próximos anos. Ele fala em regular a distribuição de renda e os mecanismos de acumulação de riqueza e descreve a prosperidade comum como "característica definidora do socialismo com características chinesas" e "um longo processo histórico."
Espere aumento em taxas para investimentos, maior atenção à disparidade abismal entre ricos e pobres e políticas sociais focadas no barateamento dos serviços básicos como educação, moradia e saúde.
COVID ZERO
Ao menos para Xi, o bolo já cresceu o suficiente e o discurso traz pistas de como a divisão acontecerá ao longo dos próximos anos. Ele fala em regular a distribuição de renda e os mecanismos de acumulação de riqueza e descreve a prosperidade comum como "característica definidora do socialismo com características chinesas" e "um longo processo histórico."
Espere aumento em taxas para investimentos, maior atenção à disparidade abismal entre ricos e pobres e políticas sociais focadas no barateamento dos serviços básicos como educação, moradia e saúde.
COVID ZERO
"Diante do surto repentino do novo coronavírus, aderimos primeiro às pessoas, colocando a vida em primeiro lugar. Insistimos na política dinâmica de Covid zero, realizamos a guerra popular, a guerra geral e a guerra defensiva contra a pandemia, protegendo a vida, a segurança e a saúde física das pessoas. Alcançamos importantes resultados positivos na prevenção e controle geral da epidemia e no desenvolvimento socioeconômico."
A prioridade de Xi em 2022 era manter o país estável o suficiente para pavimentar uma recondução tranquila rumo ao seu terceiro mandato. Por causa disso, ninguém contava com mudanças radicais nas políticas de controle à Covid pelo menos até a realização do congresso.
Havia leve esperança de flexibilização após o fim da reunião em virtude das perdas econômicas causadas por sucessivos lockdowns e fechamento das fronteiras, mas manifestações oficiais ao longo da última semana contradiziam a expectativa. O editorial publicado no início da semana pelo People's Daily —que funciona como porta-voz do partido—, já indicava que isso não aconteceria. O periódico descrevia a política de Covid zero como "sustentável" e clamava por esforços contínuos na prevenção de surtos causados pelo novo coronavírus.
Ao destacar o sucesso da Covid zero (e atrelar a "guerra à pandemia" ao seu próprio legado como líder) no discurso, Xi sacramenta a continuidade da estratégia. Lockdowns localizados, testagem em massa e rastreio de contatos continuarão a fazer parte do cotidiano na China, mesmo com possíveis repercussões para a economia.
Havia leve esperança de flexibilização após o fim da reunião em virtude das perdas econômicas causadas por sucessivos lockdowns e fechamento das fronteiras, mas manifestações oficiais ao longo da última semana contradiziam a expectativa. O editorial publicado no início da semana pelo People's Daily —que funciona como porta-voz do partido—, já indicava que isso não aconteceria. O periódico descrevia a política de Covid zero como "sustentável" e clamava por esforços contínuos na prevenção de surtos causados pelo novo coronavírus.
Ao destacar o sucesso da Covid zero (e atrelar a "guerra à pandemia" ao seu próprio legado como líder) no discurso, Xi sacramenta a continuidade da estratégia. Lockdowns localizados, testagem em massa e rastreio de contatos continuarão a fazer parte do cotidiano na China, mesmo com possíveis repercussões para a economia.
INICIATIVA DE CINTURÃO E ROTA (OU "NOVA ROTA DA SEDA")
"Como um esforço colaborativo, a Iniciativa do Cinturão e Rota foi acolhida pela comunidade internacional como um bem público e uma plataforma de cooperação. A China tornou-se um importante parceiro comercial para mais de 140 países e regiões, lidera o mundo em volume total de comércio de mercadorias e é um importante destino para investimentos globais e um país líder em investimentos de saída (...). Promoveremos o desenvolvimento de alta qualidade da Iniciativa do Cinturão e Rota."
Com um orçamento previsto de US$ 1 trilhão, a Iniciativa do Cinturão e Rota (informalmente conhecida como "Nova Rota da Seda") financiou obras bilionárias em África, Ásia e América Latina. Ao longo de nove anos, promoveu investimentos e aproximou Pequim do mundo em desenvolvimento, constituindo um dos principais pontos de atenção no mundo ocidental que ainda insistia em condicionar ajuda financeira à agenda de direitos humanos e reformas econômicas e políticas.
Desde 2020, porém, com a economia global desacelerando, inflação crescente e aumento nas taxas de juros, a iniciativa perdeu espaço na lista de prioridades da gestão. Vários projetos foram paralisados e os beneficiários se viram às voltas com dívidas altíssimas com Pequim, virtualmente impossíveis de serem quitadas nos prazos acordados.
Bancos chineses passaram a ser mais cautelosos no empréstimos a países de baixa renda e precisaram iniciar renegociações de débito. O próprio Xi chegou a declarar em novembro de 2021 que seria necessário fortalecer os mecanismos de risco para atender a um panorama "cada vez mais complexo."
Mencionar a Iniciativa de Cinturão e Rota na lista de feitos e prioridades certamente dará sobrevida ao projeto e algum fôlego novo para continuar avançando. Ainda assim, é pouco provável que ela permaneça inalterada: a despeito da discussão sobre a chamada "armadilha da dívida" (teoria que versa sobre a estratégia em endividar países menores para arrancar benefícios), as instituições financeiras da China não estão dispostas a cometerem arroubos e perderem bilhões de dólares em um cenário econômico mais difícil interna e externamente.
MEIO AMBIENTE
"Com base nas dotações de energia e recursos da China, avançaremos iniciativas para atingir o pico de emissões de carbono de maneira bem planejada e faseada, de acordo com o princípio de ‘construir o novo antes de descartar o velho’. (...) Devemos promover uma revolução energética profunda, fortalecer o uso limpo e eficiente do carvão, acelerar o planejamento e a construção de um novo sistema de energia e participar ativamente da abordagem das mudanças climáticas e da governança global."
Desde 2008, a China lidera a lista dos maiores emissores de dióxido de carbono e polui mais do que todas as nações desenvolvidas juntas. Mas este dado isolado conta apenas parte da história. Quando se dividem as emissões pelo total de habitantes, Estados Unidos e Europa lideram isolados a lista e representam sozinhos mais de 58% de todo o CO2 já despejado na atmosfera —a China vem bem atrás, com 13,7% da conta no período mencionado.
Pequim tem liderado políticas firmes de combate às mudanças climáticas, e o esforço deve continuar se quiser cumprir a promessa feita por Xi Jinping à ONU em 2020: neutralidade de carbono até 2060, uma ambição que demandaria investimentos na casa dos US$ 14,7 trilhões nos próximos 30 anos.
A China ainda depende largamente da queima de carvão mineral na sua matriz energética e não conseguirá fazer a transição do dia para a noite. Já prevendo o problema, Xi menciona a necessidade de "construir o novo antes de descartar o velho" precisamente acenando para o uso de energia poluente nos próximos anos enquanto exploram novas alternativas.
RECADO AOS ESTADOS UNIDOS
"Promovemos de forma abrangente a diplomacia de grandes países com características chinesas (...) e nos opomos inabalavelmente a qualquer unilateralismo, protecionismo e intimidação. Promovemos a construção de um novo tipo de relações internacionais, participamos ativamente da reforma e construção do sistema de governança global. A influência internacional da China, seu apelo e seu poder de formação foram significativamente melhorados (...) A China se posiciona firmemente contra todas as formas de hegemonismo e política de poder, mentalidade de Guerra Fria, interferência nos assuntos internos e duplos padrões."
Como de praxe, nenhum país estrangeiro foi mencionado ao longo do discurso, mas os recados aos Estados Unidos foram claros. Desde a ascensão de Donald Trump, Pequim tem usado com cada vez mais frequência o termo "mentalidade de Guerra Fria" para se referir à forma como os americanos reagem aos avanços chineses.
A resposta pode estar justamente na diluição do poder norte-americano através da reforma de um sistema de governança global que Pequim avalia favorecer desproporcionalmente os EUA. O caminho para isso é incerto: ao longo das últimas décadas, a China se engajou mais na fundação e consolidação de órgãos internacionais às margens de instituições tradicionais (como o foco no Brics e a fundação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura), mas se mostra apática na reforma do Conselho de Segurança da ONU por temer a entrada de Índia e Japão, por exemplo.
A resposta pode estar justamente na diluição do poder norte-americano através da reforma de um sistema de governança global que Pequim avalia favorecer desproporcionalmente os EUA. O caminho para isso é incerto: ao longo das últimas décadas, a China se engajou mais na fundação e consolidação de órgãos internacionais às margens de instituições tradicionais (como o foco no Brics e a fundação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura), mas se mostra apática na reforma do Conselho de Segurança da ONU por temer a entrada de Índia e Japão, por exemplo.
TAIWAN
"Face às atividades secessionistas das forças da independência de Taiwan e à séria provocação por forças externas, lutamos resolutamente contra o separatismo e a interferência, demonstrando nossa forte determinação e capacidade em salvaguardar a soberania nacional e a integridade territorial e de nos opor à 'independência de Taiwan' (...). Persistimos em lutar pela perspectiva de uma reunificação pacífica com a maior sinceridade. No entanto, não nos comprometemos a renunciar ao uso da força e à opção de tomar todas as medidas necessárias [para recuperar o território]. (...) A reunificação completa da Pátria deve ser realizada e certamente pode ser realizada."
As palavras de Xi neste tópico podem soar mais duras do que a intenção original. Com a aproximação de taiwaneses e americanos e a visita da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, à ilha, esperava-se que o trecho sobre Taiwan traria decisões mais resolutas sobre como lidar com o problema.
Não foi o caso. Xi repetiu praticamente palavra por palavra o que vem dizendo há anos: não vai tolerar a independência, se preocupa com a interferência de países estrangeiros e está preparado para usar a força se necessário. A China se esquivou de acalorar o debate, e não há sinalização de conflito bélico no horizonte no curto prazo.
Neste tópico, chamou mais atenção o que não foi dito ao vivo. Na versão completa do relatório de trabalho, a reunificação aparece como "requisito natural para o rejuvenescimento da nação chinesa". O termo rejuvenescimento é parte central do léxico de Xi Jinping e versa sobre a construção de um país próspero e totalmente desenvolvido até 2049, ano que marca o centenário da fundação da China comunista. Se a reunificação é um requisito para alcançar tal feito, pode-se interpretar 2049 como um prazo para que Taiwan volte à soberania de Pequim.
HONG KONG
"As instituições e mecanismos para implementar a política de 'Um País, Dois Sistemas' em Hong Kong e Macau não estavam bem desenvolvidos e a China enfrentou sérios desafios à sua segurança nacional. (...) Ajudamos Hong Kong a entrar numa nova fase em que se restaurou a ordem e a prosperidade, e vimos Hong Kong e Macau manterem um bom impulso para a estabilidade e o desenvolvimento a longo prazo. (...) [No futuro] veremos Hong Kong e Macau administrados por patriotas, implementando as leis e mecanismos de fiscalização para salvaguardar a segurança nacional."
Hong Kong foi mencionada 27 vezes no relatório completo de Xi e não era pra menos. Em seu segundo mandato, o líder chinês imprimiu mudanças substanciais na forma como a cidade funcionava e em três anos pós-manifestações em massa viu praticamente desaparecer as liberdades de imprensa, associação e expressão.
Respondendo aos protestos que chacoalharam a cidade em 2019, Xi implementou uma lei de segurança nacional com ampla abrangência, coibindo movimentos separatistas, mas ao mesmo tempo sufocando a mídia independente. No ano passado, também aprovou uma emenda eleitoral à Lei Básica (espécie de Constituição local) que garantiu a maioria das cadeiras no Legislativo a um grupo selecionado por um comitê pró-Pequim. Quem quiser se candidatar agora também passa por uma rigorosa investigação por agentes de segurança nacional que atestam quão "patriota" é o postulante.
As medidas foram eficientes no que se propunham e a cidade viveu um êxodo de ativistas, muitos com destino à Europa, Estados Unidos e Austrália. Se havia alguma dúvida, a constatação com o discurso é uma só: para os próximos anos, a tendência é que Hong Kong se pareça ainda mais com a China continental e não o contrário, como esperavam líderes do Ocidente.
Respondendo aos protestos que chacoalharam a cidade em 2019, Xi implementou uma lei de segurança nacional com ampla abrangência, coibindo movimentos separatistas, mas ao mesmo tempo sufocando a mídia independente. No ano passado, também aprovou uma emenda eleitoral à Lei Básica (espécie de Constituição local) que garantiu a maioria das cadeiras no Legislativo a um grupo selecionado por um comitê pró-Pequim. Quem quiser se candidatar agora também passa por uma rigorosa investigação por agentes de segurança nacional que atestam quão "patriota" é o postulante.
As medidas foram eficientes no que se propunham e a cidade viveu um êxodo de ativistas, muitos com destino à Europa, Estados Unidos e Austrália. Se havia alguma dúvida, a constatação com o discurso é uma só: para os próximos anos, a tendência é que Hong Kong se pareça ainda mais com a China continental e não o contrário, como esperavam líderes do Ocidente.
NOVA FILOSOFIA DO DESENVOLVIMENTO
"Devemos aplicar plena e fielmente a nova filosofia de desenvolvimento em todas as frentes, continuar as reformas para desenvolver a economia de mercado socialista, promover a abertura de alto padrão e acelerar os esforços para promover um novo padrão de desenvolvimento."
A nova filosofia de desenvolvimento é uma política relativamente recente —apareceu no ano passado, quando a China discutia o 14º Plano Quinquenal que orientará as estratégias governamentais até 2025. Quando reportou sobre o tema, a rede de televisão estatal CGTN o descreveu como a resposta para "resolver o desequilíbrio no desenvolvimento, enfatizando a promoção da equidade e justiça social (...) sem meta numérica de crescimento do PIB, mas com foco no desenvolvimento sustentável tendo o mercado interno como esteio."
Na prática, representará um afastamento dos preceitos econômicos promovidos desde Deng Xiaoping, orientada ao mercado (não por acaso, o termo "economia de mercado" apareceu apenas cinco vezes no discurso, contra 31 referências a "segurança nacional"). Também é um reconhecimento de que, diante de um cenário externo cada vez mais hostil e incerto, a China talvez encontre dificuldades para alcançar metas anuais de crescimento e precisará reforçar o peso do consumo interno nos indicadores macroeconômicos.
É bastante provável que, ao final deste Congresso, a nova filosofia de desenvolvimento seja incorporada à Constituição do Partido.
Na prática, representará um afastamento dos preceitos econômicos promovidos desde Deng Xiaoping, orientada ao mercado (não por acaso, o termo "economia de mercado" apareceu apenas cinco vezes no discurso, contra 31 referências a "segurança nacional"). Também é um reconhecimento de que, diante de um cenário externo cada vez mais hostil e incerto, a China talvez encontre dificuldades para alcançar metas anuais de crescimento e precisará reforçar o peso do consumo interno nos indicadores macroeconômicos.
É bastante provável que, ao final deste Congresso, a nova filosofia de desenvolvimento seja incorporada à Constituição do Partido.
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