Objetivo parece utópico, mas é possível até 2030
José Graziano da Silva
O diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, em conferência em 2015. Gregorio Borgia/Associated Press |
Nesta terça (16), a FAO (braço da ONU para alimentação e agricultura) completará 73 anos de vida. A data coincide com o Dia Mundial da Alimentação, que neste ano irá reiterar ao mundo que erradicar a fome e a má nutrição ainda é possível até 2030. Esse foi o prazo estabelecido pela comunidade internacional para que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) fossem cumpridos. Restam-nos 12 anos.
Num mundo assolado por conflitos e por efeitos climáticos catastróficos em que 821 milhões ainda passam fome, o objetivo fome zero global --o ODS 2-- parece utópico. Mas não é. E o Brasil é prova viva de que estamos ante uma meta alcançável.
Lançado em 2003, o programa Fome Zero visava à erradicação da fome e da desnutrição no país, combatendo suas causas subjacentes, especialmente a miséria absoluta.
Assim, com uma força-tarefa interministerial que aproveitou um conjunto de 31 programas já existentes, o programa permitiu que dezenas de milhões de brasileiros tivessem sua renda média aumentada em cerca de 20%. No caso dos agricultores familiares, esse aumento chegou a 33%.
Com o Fome Zero e as políticas sociais subsequentes, como o Bolsa Família, o Brasil conseguiu reduzir a fome de 10,6% de sua população total (cerca de 19 milhões de pessoas) no início dos anos 2000 para menos de 2,5% no triênio 2008-2010, segundo as estatísticas da FAO. Tudo isso em menos de dez anos.
Essa drástica redução foi possível devido à implementação de políticas públicas voltadas a combater a pobreza extrema e os impactos das secas prolongadas no Nordeste.
A experiência brasileira tornou-se referência para outras nações, gerando grande demanda por cooperação bilateral ou multilateral. A FAO se orgulha de se ter associado a esse programa desde a sua elaboração e de replicar seu sucesso fora do Brasil. E em diversas etapas.
Em 2005, Brasil e Guatemala propuseram que o Fome Zero servisse de modelo para erradicar a fome em toda a América Latina e o Caribe.
A proposta foi posteriormente endossada por 29 países da região, que assumiram esse compromisso até 2025 na iniciativa América Latina sin Hambre.
Em 2009, o modelo inspirou a FAO a propor, durante a Cúpula Mundial da Alimentação, a erradicação da fome em todo o globo até 2025.
Três anos depois, em 2012, o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lançou o "Desafio Fome Zero" durante a Cúpula Rio+20: um conjunto de cinco pontos que pedia o fim da fome e desnutrição em todas as suas formas. Naquela ocasião, citou o Brasil como exemplo a ser seguido.
Por fim, em 2015, o Objetivo Fome Zero consolidou-se como ODS número 2, adotado por unanimidade pelos países na Assembleia-Geral daquele ano. É o Zero Hunger.
Esse reconhecimento é a prova de que a fome no Brasil, antes motivo de vergonha, passasse a ter em suas soluções uma razão para se orgulhar.
Não é difícil concluir que as bem-sucedidas políticas de combate à fome tornaram-se um ativo da política externa do país, que se notabilizou por exportar suas tecnologias sociais para a África, Ásia e outras partes do mundo. É uma questão de Estado, que precisa transcender governos e visões políticas e partidárias.
José Graziano da Silva
Diretor-geral da FAO (braço da ONU para alimentação e agricultura) desde 2012; ex-ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (2003-2004, governo Lula)
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