Há um debate considerável na China sobre a natureza da economia, incluindo o reconhecimento de tendências em direção ao capitalismo de estado. Conseqüentemente, a maioria dos escritores concentra-se na teorização dos muitos caminhos possíveis que a economia poderia tomar - seja em direção ao capitalismo ou fora dele. O presente artigo dá um passo adiante, argumentando que o sistema chinês hoje ainda contém alguns componentes-chave do socialismo e é compatível com um mercado, ou socialismo baseado no mercado, que é claramente distinto do capitalismo.
por Zhiming Long, Rémy Herrera e Tony Andréani
Monthly Review
Debates marxistas sobre a China
Monthly Review
Tradução / Hoje em dia, os dirigentes chineses não negam a existência na sua economia um importante sector privado capitalista, autóctone ou estrangeiro. Em geral, eles o consideram antes como um dos componentes de uma economia mista em que a predominância é concedida ao sector público e em que o poder do Estado deve ser reforçado. Os discursos de numerosos líderes avançam que a China ainda se encontraria na "fase primária do socialismo", etapa considerada incontornável para desenvolver as forças produtivas e que exige muito tempo até a sua conclusão. O objectivo histórico permaneceria entretanto o do socialismo desenvolvido – mesmo se, é verdade, seus contornos estarem longe de serem claramente definidos. Serão tais declarações apenas de fachada, a roupagem de uma forma de capitalismo? Mereceriam elas serem tomadas a sério? O socialismo estaria morto e enterrado na China? Não pensamos assim.
Entretanto, nos debates entre autores marxistas, uma clara maioria deles afirma que a economia chinesa seria agora capitalista. Assim, Harvey (2005) crê detectar desde as reformas de 1978 um "neoliberalismo com características chinesas" em que um tipo singular de economia de mercado teria incorporado cada vez mais componentes neoliberais accionados no quadro de um controle centralizado muito autoritário. Arrighi (2009), para explicar o êxito da economia chinesa, mobiliza por sua vez uma releitura a contra-corrente da obra de Adam Smith, mais progressista do que o reconhecem seus discípulos partidários do liberalismo. Segundo ele, as elites chinesas utilizariam "o mercado como ferramenta de governo". Panitch e Gindin (2013) analisam as implicações da integração da China nos circuitos da economia mundial e vêem nisso menos a oportunidade de reorientar o capitalismo global do que a duplicação pela China do papel de "complemento" outrora mantido pelo Japão, fornecendo aos Estados Unidos os fluxos de capitais necessários para conservar sua hegemonia mundial, de onde uma tendência à liberalização dos mercados financeiros conduzindo ao desmantelamento dos instrumentos de controle dos movimentos de capitais e minando as bases do poder do Partido Comunista Chinês (PCC). [1] Outros marxistas, certamente mais raros, mas não menos importantes, chineses ou estrangeiros, [2] continuam entretanto a defender a ideia de que o sistema em vigor na China, ainda que assimilável a um capitalismo de Estado, deixaria aberto um vasto leque de trajectórias possíveis para o futuro. No presente artigo, levaremos mais adiante esta ideia, ao ponto de sustentar que o sistema chinês hoje contém ainda elementos chaves do socialismo. Assim, a interpretação da sua natureza torna-se compatível com a de um socialismo de mercado, ou com mercado, repousando sobre pilares que o distinguem ainda bastante claramente do capitalismo.
Características do socialismo de mercado à chinesa
Para Marx, o capitalismo implica uma separação muito forte entre o trabalho e a propriedade dos meios de produção, enquanto os detentores do capital seriam eles próprios tendencialmente colectivos, já não efectuando trabalho na produção. Isso se realiza plenamente no capitalismo financiarizado actual em que a gestão é delegada a administradores e o lucro da empresa assume a forma de valor accionista. De acordo com este critério fundamental de definição do capitalismo, verifica-se que numerosas pequenas empresas chinesas têm mais a ver com a produção familiar ou artesanal do que com o modo de produção capitalista estrito. Além disso, a lógica do capitalismo é a da maximização do lucro distribuível aos proprietários. Ora, não é isto que se observa nas grandes empresas públicas chinesas, como mostra a fraqueza (mesmo a inexistência) dos dividendos entregues ao Estado, assemelhando-se ao invés a um imposto sobre o capital. A separação capital-trabalho é muitas vezes relativa na China: ela é limitada nas empresas públicas, o que impede de considerá-las rigorosamente como uma forma de capitalismo de Estado, e mais ainda na economia dita "colectiva" onde os trabalhadores participam na propriedade do capital ou têm mesmo a propriedade como nas cooperativas (por acções ou não) e nas comunas populares preservadas. Naturalmente, mesmo nestas entidades colectivas os trabalhadores permanecem "separados" da gestão, mas toda esta economia colectiva não estatal não pode ser ignorada e não poderia ser classificada sob a bandeira do "capitalismo".
Fazemos uma leitura do sistema chinês como um socialismo de mercado, ou com mercado. Assim, este socialismo repousaria sobre os dez pilares seguintes, em grande medida estranhos ao capitalismo:
A análise de cada um destes pontos não é indiscutível e é objecto de debates ásperos tanto na China como no exterior – debates que estão longe de estarem resolvidos, mas que existem e devem ser aprofundados sem a priori nem ideias preconcebidas. Apesar das críticas, veremos que ao confrontar o "socialismo à chinesa" com esta grelha de leitura, ele não está muito afastado. [3]
Empresas públicas, serviços públicos, planificação
Na China, a justificação das empresas públicas é tripla: elas podem distribuir mais a seus assalariados; o Estado é livre para nelas definir o modo de gestão (em matéria salarial nomeadamente); e ele pode mais facilmente colocá-las ao serviço dos seus projectos. Através das ferramentas ao dispor do organismo de gestão das participações, o Estado afecta os dividendos recebidos a um fundo especial de sustentação das empresas públicas, as quais beneficiam igualmente de vantagens em matéria de crédito e de taxa de juro. Isto se inscreve portanto numa via socialista.
Uma explicação para a força destas empresas públicas é que elas não são geridas como as firmas privadas ocidentais, cotadas em Bolsa e orientadas para a maximização do valor das acções por distribuição de dividendos, valorização das acções e retorno sobre o investimento porque pressionam sub-contratantes, locais ou deslocalizados. Se elas se comportassem de modo tão predatório, estas empresas públicas chinesas agiriam em detrimento do tecido industrial local, o que manifestamente não é o caso. Teríamos então negócios sob uma forma selvagem de "capitalismo de Estado" (como se pretende frequentemente) e não se vê como ele poderia produzir um crescimento económico tão dinâmico. Estas empresas públicas chinesas são (ou são tornadas) rentáveis porque a bússola que as guia não é o enriquecimento dos accionistas, mas sim o investimento produtivo e o serviço prestado aos seus clientes. Pouco importa que os seus lucros sejam menos elevados que os dos seus concorrentes ocidentais se eles servem parcialmente para estimular o resto da economia.
Uma das especificidades destas empresas públicas é, assim, a de entregar apenas poucos dividendos ao Estado accionista (cerca de 10%). Hoje, numerosos peritos internacionais preconizam aumentar estes dividendos e a Comissão de Regulação da Bolsa parece por vezes estar de acordo. Esta orientação, inspirada nas práticas capitalistas ocidentais, não parece a boa fórmula, pois as empresas públicas ficariam então privadas dos seus trunfos principais e, mesmo controladas pelo Estado, teriam tendência a distribuir sempre mais para obterem os favores dos accionistas privados, como fazem as firmas ocidentais – que dependem elas próprias muito frequentemente das estratégias de carteira dos oligopólios financeiros mundialmente dominantes. Aqui, mais valeria que o Estado chinês instaurasse um imposto sobre o capital, na forma de renda (loyer) pela colocação à disposição dos seus bens e que as empresas lucrativas pudessem conservar uma parte maior dos benefícios para fins de investimento e de I&D.
Na nossa opinião, as empresas públicas chinesas não devem ser geridas como firmas privadas. O "socialismo de mercado à chinesa" repousa sobre a manutenção de um poderoso sector público com papel estratégico na economia. Tudo leva a pensar que esta é uma das explicações essenciais dos desempenhos da economia chinesa, não obstante os neoliberais exaltarem a propriedade privada e a maximização do lucro individual. Isto sem dúvida também está ligado ao porte destas empresas, mastodontes a engendrarem economias de escala que reduzem os custos a todos os níveis e fornecem a uma miríade de pequenas e médias empresas insumos (intrants) baratos que asseguram condições de fabricação competitivas no mercado.
Uma "superioridade" das empresas públicas chinesas é a participação (limitada, mas real) do pessoal na gestão, através dos seus representantes no Conselho de Fiscalização e no Congresso dos Operários. A lógica accionista iria ao encontro de uma tal participação, que é preciso reforçar. Outra vantagem é que as empresas públicas podem mais facilmente responder aos objectivos da planificação. Não se trata de lhes impor tarefas políticas que poriam em causa a sua autonomia e onerariam os seus resultados. Mas ao controlar a nomeação e a gestão dos dirigentes, os poderes públicos, de que dependem empresas muito numerosas, têm os meios de assegurar que eles agem como convém aos serviços públicos – mas também aos sectores mercantis, que o plano pode orientar (por subvenções, fiscalidade, ...).
Na China, os serviços sociais (educação, saúde, reformas, ...) estão na totalidade ou na grande maioria nas mãos do Estado – governo central ou, mais frequentemente, governos locais. Tais serviços não fornecem bens mercantilizados pelo sector privado, mas bens sociais, necessários ao exercício da cidadania, dando aos indivíduos a capacidade de serem simultaneamente sujeitos políticos, sociais e económicos (formados, em boa saúde, tendo acesso ao emprego, com equipamentos de transporte, informados, etc). Mas a concepção chinesa estende os serviços públicos aos "bens estratégicos", fornecendo insumos essenciais ao resto da economia: energia, infraestruturas, materiais de base e mesmo serviços bancários ou investigação. Se o sector privado serve de complemento ou estimulante, o sector público é favorecido pelo Estado no exercício da concorrência. Esta concepção ampla dos serviços públicos "estratégicos" constitui uma das maiores forças da economia chinesa. O que está aqui em causa é a soberania nacional.
Um traço notável do sistema político-económico chinês é a sua possante planificação que, apesar de ter mudado seus objectivos e instrumentos no decorrer das últimas décadas, continua a ser aplicada. Os discursos apresentados a cada ano diante da Assembleia Nacional Popular indicam se os objectivos quantificados inscritos no plano quinquenal foram realizados – e frequentemente é o caso –, e dão a conhecer o que esperar para o ano seguinte. Esta planificação, que se projecta para o futuro num mundo de incertezas, é o lugar onde são elaboradas e decididas as escolhas colectivas, expressão de uma vontade geral. Ela é o espaço onde uma nação escolhe um destino comum e o meio de um povo de se tornar o mestre, em todos os domínios da existência: modo de vida, modos de consumir, de se alojar, de ocupar o espaço... É o PCC que, hoje, efectua estas escolhas para os cidadãos – o princípio da consulta estando cada vez mais colocado como necessidade. Esta planificação "estratégica" forte, com técnicas modernizadas, adaptadas às exigências do tempo presente e que têm eficácia (taxas bonificadas, controle dos preços, encomendas públicas, etc) é um traço distintivo de uma via socialista.
Entretanto, com toda evidência, estamos hoje bem longe do ideal igualitarista do socialismo. A China é um país onde as desigualdades sociais são fortes. A aplicação da linha igualitarista foi "suspensa" para acelerar o crescimento (daí a palavra de ordem "enriquecer-se antes dos outros"), depois foi novamente retomada com a recente promoção de temas de justiça social. A defesa da "moral socialista" pelos responsáveis do PCC pode prestar-se ao cepticismo, mesmo aos sarcasmos, quando se sabe dos comportamentos da China actual: consumismo, negocismo, arrivismo, gosto do luxo, corrupção... Mas não se deve tomar este discurso moral com ligeireza: é o do Estado chinês, constantemente oposto a esta degradação dos costumes. Se ele se inscreve numa certa continuidade com a tradição, muitas vezes reivindicada, esta ética reclama-se da modernidade dos ideais do socialismo e não de uma justiça social restrita a uma redistribuição limitada dos rendimentos, de uma equidade justificando uma "justa desigualdade" e definida como ligeira melhoria da sorte dos destituídos e de uma democracia representativa que confisca de facto a participação do povo. Mas é no sector púbico que o Estado dispõe dos meios eficazes para reduzir realmente estas desigualdades. Podem aqui ser activados a participação dos trabalhadores na gestão e o papel de "locomotiva social" desempenhado pelas empresas públicas. Eis um argumento a mais que milita em favor de um reforço do sector público.
Controle do sistema bancário e dos mercados financeiros
Alguns julgam o sistema financeiro chinês obsoleto e apelam à sua modernização, devido ao auge dos mercados financeiros que seria, segundo eles, indispensável ao crescimento. [4] A reformas deste sistema financeiro aceleraram-se desde 2005 e tomaram a forma de uma abertura do capital dos bancos do Estado e da criação de bolsas de valores. Elas seguiram as das empresas públicas, tomadas anteriormente. Estas últimas haviam sido autonomizadas em relação às orientações do Plano, transformadas em sociedades por acções e incitadas a adoptar critérios de gestão mercantis, a inspirarem-se em métodos da finança de mercado e a desenvolver parcerias com investidores externos. A introdução em bolsa dos grandes bancos (Bank of China, Industrial and Commercial Bank of China e China Construction Bank) foi antecedida pela entrada de instituições estrangeiras na sua estrutura de capital (respectivamente Goldmann Sachs, UBS et Bank of America), a fim de facilitar a aprendizagem da corporate governance . Entretanto, o sistema de financiamento da economia chinesa hoje continua fundamentado na intermediação bancária – ainda que tenda a afastar-se bastante rapidamente, pois as autoridades políticas pretendem encontrar um "equilíbrio" entre os sistemas de financiamento pelos mercados financeiros e pelo crédito bancário.
Mas não se pode confundir "modernização" e adopção da via capitalista. Está longe de ser claro que uma opção em favor da finança de mercado tenha sido feita definitivamente, pois permanecem maciças as intervenções das autoridades monetárias no sistema financeiro e é perceptível o pragmatismo da sua actuação. Os poderes públicos chineses procedem de facto por solavancos, por avanços e recuos num contexto de integração mais aprofundado, mas contraditório, do país na mundialização. Isto aconteceu sobretudo nas fases de enfraquecimento do crescimento económico após 2007, marcadas por uma activação dos créditos bancários corrigindo as falhas da finança. Na viragem dos anos 1990, os bancos que se haviam empenhado em operações aventurosas (finança, seguros, imobiliário...) foram proibidos de o fazer entre 1992 e 1995, na sequência das desordens provocadas pela crise de 1989-1991 – ainda que tenham sido desde então autorizadas a efectuar operações mistas combinando crédito bancário e mercados financeiros. Mais recentemente, depois de 2008, como já vimos, as autoridades chinesas foram obrigadas a reagir firmemente para limitar o impacto social desestabilizador da crise mundial, fazendo evoluir o quadro institucional ao dotarem-se de instrumentos poderosos de controle e consolidarem suas estratégia de desenvolvimento.
Na China, a tese da "eficiência dos mercados financeiros" não tem partidários, como testemunham os apelos a uma nova ordem monetária e financeira mundial lançados regularmente pelos líderes políticos do país, que conhecem as vantagens da intermediação bancária e estão conscientes das graves disfunções dos mercados financeiros. Estes dirigentes preferem conservar o essencial do sistema bancário sob o controle do Estado, esforçando-se por melhorá-lo, repugnando-lhes abandonar o modelo de "banco universal" e orientando-se antes para um esquema consistente em tolerar operações mistas, mas efectuadas nas filiais especializadas, separadas do holding público e colocadas sob a vigilância da Comissão de Regulação bancária.
Além disso, as taxas de juro permanecem amplamente administradas, apesar das reformas iniciadas. Para aquelas que foram liberalizadas, a oferta de crédito é fortemente controlada pelo Banco Central, nomeadamente através das reservas obrigatórias. E o afrouxamento dos constrangimentos impostos aos bancos para fixar as taxas aplicadas aos depósitos não deve fazer esquecer que historicamente as autoridades monetárias voluntariamente reduziram ao mínimo (sob o ritmo da inflação) a remuneração destes depósitos – o que não influenciou a taxa de poupança nacional, muito elevada. Uma das especificidades (e forças) da China é a torção voluntarista dos preços dos factores. O governo teve razão em não deixar o mercado fixar "livremente" o preço do dinheiro de modo a continuar como mestre da oferta de crédito, difícil de controlar mas vital para a economia. As autoridades estatais, que têm uma visão macroscópica dos riscos, são as únicas em condições de guiar a economia no seu conjunto em função de um plano. Taxas de juros administradas não permitem ajustar rapidamente a oferta de poupança das famílias e as necessidades de financiamento das empresas, conviria talvez preferir um regime de taxas "semi-administradas", com tectos para a oferta de créditos e pisos para a remuneração da poupança – modificando estas taxas conforme as necessidades do plano. Mas neste debate sobre as taxas de juro, pendemos para a manutenção de um certo dirigismo.
A ampliação da esfera privada implica logicamente uma expansão do mercado de acções. Mas segundo a nossa opinião, este último deveria permanecer limitado. Se ele tem a sua utilidade para o sector privado, as empresas públicas em contrapartida deveriam ter cada vez menos necessidade na medida em que expandem suas capacidades de auto-financiamento e dispõem dos fundos de Estado para realizar aumentos de capital. A abertura do mercado de acções aos actores internacionais está no momento restrita aos investidores "qualificados". Os poderes públicos, que desconfiam – com razão – dos movimentos de capitais especulativos, até agora têm proibido às firmas estrangeiras emitirem acções em yuans sobre o mercado interno. Afrouxar estes travões, em particular para avançar rumo à plena convertibilidade do yuan e das suas supostas vantagens, equivaleria a submeter-se aos oligopólios financeiros, especialmente estado-unidenses. O recurso ao mercado de acções deveria permanecer tão limitado quanto possível e não conduzir a um alinhamento na prática do valor accionista. A poupança chinesa é bastante abundante para ser mobilizada por investidores institucionais nacionais, aos quais além disso se pode impor limites de rentabilidade.
Uma estratégia de desenvolvimento coerente e auto-centrada
Um traço frequentemente sublinhado para descrever o êxito desta economia é o florescimento das suas exportações de bens e serviços desde o princípio dos anos 1990 e, sobretudo, 2000. Conclui-se apressadamente que estas exportações seriam o motor do crescimento do país. Isto é esquecer que a estratégia de desenvolvimento, concebida e aplicada com regularidade e pragmatismo pelos dirigentes chineses, apoia-se num modelo mais auto-centrado do que parece, repousando – é um dos "segredos" dos seus desempenhos nos mercados mundiais, ainda que isso desagrade aos neoliberais – na manutenção de um sector estatal muito poderoso (na energia, nos transportes, nas telecomunicações, nos materiais de base e produtos semi-acabados, na construção, mas também no sistema bancário, etc), com papel dinamizador para o conjunto do tecido económico local.
Na China, a grande maioria dos empresários dos sectores manufactureiros chineses interessa-se sobretudo pelos mercados internos para as suas produções. É sobretudo o florescimento da procura interna, estimulada por um consumo das famílias em crescimento acentuado e pelas importantes despesas de capital do Estado que conduz os seus programas de investimento rumo ao optimismo. Graças aos progressos da inovação tecnológica em todos os domínios (inclusive das telecomunicações, na robótica, no espaço, etc), cada vez mais dominados nacionalmente, o esquema produtivo do país pôde evoluir do made in China para o made by China.
O ritmo acelerado dos ganhos de produtividade do trabalho permite acompanhar a alta rápida dos salários reais industriais, sem que o aumento de peso dos custos do trabalho chinês relativamente aos outros países concorrentes do Sul deteriore a competitividade. As exportações – tal como os investimentos directos estrangeiros, pois mais da metade das exportações são feitas por firmas estrangeiras implantadas na China – desempenham um papel complementar. Isso permite compreender porque em 2011, por exemplo, a contribuição líquida negativa das exportações para o crescimento do PIB (-5,8%) não prejudicou o dinamismo deste último (cerca de +10%), nem entravou a alta das margens de lucro. A previsão de crescimento do PIB para 2018 é de 6,7% (com uma taxa de inflação de 1,5%), com contribuições estimadas de 4,5% para o consumo, 2,0% para o investimento, mas apenas 0,2% para as exportações.
Ouve-se frequentemente dizer que o êxito das exportações chinesas seria devido ao custo muito baixo da mão-de-obra. O argumento é insuficiente: os custos de mão-de-obra não representam de facto senão uma parte fraca dos preços de venda (5% a 10% em média), o que não compensa – ainda que os salários chineses tenham tendência para crescer mais rapidamente que os dos concorrentes do Sul – os custos de transporte para os países importadores. O êxito da China na exportação deve-se numa grande medida aos custos menos pesados dos insumos fornecidos por empresas públicas a preços muito mais baixos, pois fixados ou fortemente controlados pelo Estado (exemplo: os combustíveis). Certamente os salários chineses são claramente mais baixos do que no Norte, mas bem mais elevados do que os pretensos "salários de miséria".
Em resposta à crise de 2008, cujo impacto na China se fez sentir alguns anos mais tarde, as políticas anti-crise do Estado têm visado corrigir os desequilíbrios da economia, nomeadamente por um florescimento maciço das infraestruturas públicas (inclusive em zonas rurais), pela promoção de novos pólos urbanos de porte intermediário no interior do país e pela adopção de medidas favoráveis à população agrícola. [5] Os rendimentos líquidos das famílias rurais aumentaram assim, em termos reais e per capita, significativamente mais rápido que os das zonas urbanas. Portanto, as partes consagradas ao consumo no rendimento nacional aumentam em relação à do investimento. Os serviços às famílias e às empresas progridem. O imobiliário também está controlado, em particular pelo crédito.
O destino do yuan
Ainda assim, o florescimento das exportações chinesas de bens e serviços – além das de capitais (refinanciamento do Tesouro estado-unidense, reestruturação de dívidas soberanas na Europa) [6] – cristaliza um outro ponto de tensão. A moeda chinesa, o renminbi, cuja unidade monetária é o yuan, estaria sub-avaliada, lê-se frequentemente no Ocidente, e portanto estaria na origem da persistência de défices comerciais bilaterais com a maior parte dos países do Norte, a começar pelos Estados Unidos [7] . As pressões exercidas por Washington no sentido de uma apreciação do renminbi frente ao dólar deparam-se com a resistência de Beijing, mas redundaram em várias reavaliações – a última datando de Abril de 2012, após a de Julho de 2005. Entre o Verão de 2005 (quando a China decide deixar de ligar as variação da sua moeda ao dólar) e a Primavera de 2012, o valor do renminbi apreciou-se em termos reais em 32% relativamente ao dólar. [8] Mas a lenga-lenga continuou: os produtos exportados pela China, já baratos, seriam tornados ainda mais competitivos por uma moeda depreciada artificialmente...
Sabe-se que as discussões sobre o "justo valor" das moedas, articuladas sobre decisões de políticas comerciais, são polémicas. Ora, dentre os critérios disponíveis, a relação saldo da balança das contas correntes sobre PIB é a mais utilizada pela administração estado-unidense. O referencial assim considerado para definir a taxa de câmbio "de equilíbrio" é um rácio excedente ou défice da balança de pagamentos correntes sobre PIB no intervalo entre +/- 3 ou 4%. Ao aplicar este critério à China, marcado pelo peso das trocas bilaterais com os Estados Unidos, vê-se que o rácio retrocede de 10,6% em 2007 para 2,8% em 2011 e 1,4% em 2012. A "sub-valorização" do renminbi não é evidente quando se utiliza o benchmark mais praticado nos Estados Unidos. O que não impede estes últimos, apesar dos graves desequilíbrios que caracterizam a sua economia, de prosseguir o que se assemelha a uma "guerra das moedas", por depreciação do dólar no mercado de câmbios, para impor a Beijing os termos daquilo que alguns chamam uma "capitulação" [9] – e um de cujos efeitos é desvalorizar as reservas em divisas da China, maioritariamente detidas em dólar.
Um renminbi internacionalizado, especialmente para transformá-lo em moeda de reserva global, exigiria a adopção de condições muito estritas: a abertura da conta de capital, assim como a flexibilidade da taxa de câmbio; a integração dos mercados financeiros chineses no sistema mundial capitalista; políticas macroeconómicas (de luta contra a inflação, de limitação do endividamento público, etc) que visem a obtenção da "confiança" dos mercados; e uma dimensão crítica da economia que justificasse esta ambição de internacionalização da moeda. As duas primeiras condições são exigências sine qua non; as duas últimas, não – e aliás nem sempre têm sido respeitadas pelos países do Norte com moedas utilizadas como reservas internacionais.
A dimensão crítica evidentemente já foi atingida: o peso da China coloca-a no segundo lugar mundial quanto ao PIB, atrás dos Estados Unidos, e entre estes últimos e a zona quanto às exportações. O critério relativo às políticas macroeconómicas parece igualmente cumprido, na medida em que a adopção das medidas anti-inflacionistas, de controle das contas públicas e de domínio do curso do renminbi trouxeram os seus frutos nestes últimos anos. Se as pressões inflacionistas permanecem um perigo, o índice de estabilidade dos preços é melhor na China do que nos outros BRICS. O endividamento das administrações públicas está contido a níveis menos elevados do que na maior parte dos próprios países ocidentais. Os índices de variabilidade da moeda nacional mostram também um renminbi menos instável que o real, a rupia, o rublo e o rand. Contudo, quanto à abertura da conta de capital e à integração mais profunda dos mercados financeiros chineses no sistema mundial, é forçoso reconhecer que, apesar da adopção de mecanismos de mercado em matéria de política monetária e da flexibilização das regulamentações relativas à conta de capital e à paridade do renminbi, as autoridades monetárias chinesas continuam a dispor de poderosas ferramentas de controle. Além disso, e sem estar totalmente ausente, o renminbi ainda é pouco utilizado nos mercados de produtos derivados over-the-counter , e concentrado nos instrumentos clássicos de cobertura (forwards) [10] .
A internacionalização da moeda traria benefícios à China, a começar por um "direito de seignieuriage" , bem visível no caso dos Estados Unidos. Entretanto, uma tal orientação significaria uma submissão prejudicial do país à alta finança mundial dominante, portanto uma perda relativa de controle da política monetária. Como é que a China chegaria a tirar proveito de um renminbi internacionalizado sem pagar demasiado caro – renunciando ao pleno exercício da sua soberania nacional e vendo recusar a autonomia da sua estratégia de desenvolvimento? Hoje, as pressões internas em favor de uma liberalização dos mercados financeiros são fortes, mas ficam atenuadas por discursos oficiais tranquilizantes, críveis, sobre o controle do processo de reformas. Mas estas pressões tornam-se preocupantes quando coincidem com as recomendações dos peritos do FMI ou dos líderes ocidentais que convidam a China a escolher a via do neoliberalismo – e se necessário, integrando o renminbi no cabaz monetário dos Direitos Especiais de Saque . Sobre o assunto, os dirigentes chineses, em geral com declarações nuançadas e prudentes, estão conscientes dos perigos que um renminbi internacionalizado implica para o futuro do socialismo de mercado. Esperamos que saibam resistir às sereias do liberalismo. Nesse meio tempo, eles reforçam suas parcerias com o Sul e o Leste, em particular no quadro do grupo de Shangai, e reabrem uma rota da sede para afrouxar a morsa do cerco agressivo dos Estados Unidos.
Conclusão
A evolução das relações entre, por um lado, o PCC no poder e o bloco social sobre o qual ele se apoia – classes médias beneficiárias do crescimento e empresários privados –, e, por outro, massas operárias e camponesas, que vão no sentido de uma restauração do capitalismo ou então de uma reactivação de um compromisso social mais favorável às classes populares, opera sobre perspectivas de confrontações de grande amplitude entre as forças políticas em presença, e sobre trajectórias divergentes de estruturas da economia. [11] Uma questão subsiste: como as elites dirigentes, cuja legitimidade se vê reforçada pelas repercussões positivas geradas pelo crescimento, chegariam a renovar as condições da "success story" do país sem se apoiarem sobre uma modificação da correlação de forças interna em favor das classes populares e sem reorientar o "projecto nacional" para uma prioridade às políticas sociais? Pois a escolha da via capitalista assumida francamente por estas elites, conducente a quebrar o equilíbrio dinâmico do sistema e a perder o controle sobre contradições crescentes, não garantiria o fracasso da estratégia adoptada até agora? Uma outra preocupação surge: qual será a atitude dos Estados Unidos, inclusive do ponto de vista militar, frente ao reforço de poder da China? O futuro desta última permanece em grande medida indeterminado, pela sua dinâmica própria, mas também porque o capitalismo dos oligopólios financeiros do Norte parece querer entrar frontalmente em conflito com ela – apesar da sua estreita interdependência. Por isso, continuamos a pensar, o sistema político-económico em vigor na China continua a conter elementos (e potencialidades de reactivação) do socialismo, assim como possibilidades de transformação da ordem global, no sentido da construção lenta e progressiva de um mundo multipolar, frente ao hegemonismo estado-unidense.
Entretanto, nos debates entre autores marxistas, uma clara maioria deles afirma que a economia chinesa seria agora capitalista. Assim, Harvey (2005) crê detectar desde as reformas de 1978 um "neoliberalismo com características chinesas" em que um tipo singular de economia de mercado teria incorporado cada vez mais componentes neoliberais accionados no quadro de um controle centralizado muito autoritário. Arrighi (2009), para explicar o êxito da economia chinesa, mobiliza por sua vez uma releitura a contra-corrente da obra de Adam Smith, mais progressista do que o reconhecem seus discípulos partidários do liberalismo. Segundo ele, as elites chinesas utilizariam "o mercado como ferramenta de governo". Panitch e Gindin (2013) analisam as implicações da integração da China nos circuitos da economia mundial e vêem nisso menos a oportunidade de reorientar o capitalismo global do que a duplicação pela China do papel de "complemento" outrora mantido pelo Japão, fornecendo aos Estados Unidos os fluxos de capitais necessários para conservar sua hegemonia mundial, de onde uma tendência à liberalização dos mercados financeiros conduzindo ao desmantelamento dos instrumentos de controle dos movimentos de capitais e minando as bases do poder do Partido Comunista Chinês (PCC). [1] Outros marxistas, certamente mais raros, mas não menos importantes, chineses ou estrangeiros, [2] continuam entretanto a defender a ideia de que o sistema em vigor na China, ainda que assimilável a um capitalismo de Estado, deixaria aberto um vasto leque de trajectórias possíveis para o futuro. No presente artigo, levaremos mais adiante esta ideia, ao ponto de sustentar que o sistema chinês hoje contém ainda elementos chaves do socialismo. Assim, a interpretação da sua natureza torna-se compatível com a de um socialismo de mercado, ou com mercado, repousando sobre pilares que o distinguem ainda bastante claramente do capitalismo.
Características do socialismo de mercado à chinesa
Para Marx, o capitalismo implica uma separação muito forte entre o trabalho e a propriedade dos meios de produção, enquanto os detentores do capital seriam eles próprios tendencialmente colectivos, já não efectuando trabalho na produção. Isso se realiza plenamente no capitalismo financiarizado actual em que a gestão é delegada a administradores e o lucro da empresa assume a forma de valor accionista. De acordo com este critério fundamental de definição do capitalismo, verifica-se que numerosas pequenas empresas chinesas têm mais a ver com a produção familiar ou artesanal do que com o modo de produção capitalista estrito. Além disso, a lógica do capitalismo é a da maximização do lucro distribuível aos proprietários. Ora, não é isto que se observa nas grandes empresas públicas chinesas, como mostra a fraqueza (mesmo a inexistência) dos dividendos entregues ao Estado, assemelhando-se ao invés a um imposto sobre o capital. A separação capital-trabalho é muitas vezes relativa na China: ela é limitada nas empresas públicas, o que impede de considerá-las rigorosamente como uma forma de capitalismo de Estado, e mais ainda na economia dita "colectiva" onde os trabalhadores participam na propriedade do capital ou têm mesmo a propriedade como nas cooperativas (por acções ou não) e nas comunas populares preservadas. Naturalmente, mesmo nestas entidades colectivas os trabalhadores permanecem "separados" da gestão, mas toda esta economia colectiva não estatal não pode ser ignorada e não poderia ser classificada sob a bandeira do "capitalismo".
Fazemos uma leitura do sistema chinês como um socialismo de mercado, ou com mercado. Assim, este socialismo repousaria sobre os dez pilares seguintes, em grande medida estranhos ao capitalismo:
- a persistência de uma planificação poderosa e modernizada, que assume modalidades diversas e mobiliza instrumentos distintos conforme os sectores a que se refere;
- uma forma de democracia política tornando possíveis as escolhas que estão na base desta planificação;
- serviços públicos muito extensos, que condicionam a cidadania política, social e económica e, enquanto tais, estão fora do mercado ou fracamente mercantilizados;
- uma propriedade da terra e dos recursos naturais que permanece no domínio público, estatal ao nível nacional, colectivo ao nível local, garantindo assim o acesso à terra pelos camponeses;
- formas de propriedade diversificadas adequadas à socialização das forças produtivas: empresas públicas (diferindo das firmas capitalistas, nomeadamente pela participação dos trabalhadores na gestão), pequena propriedade privada individual ou propriedade socializada – sendo a propriedade capitalista, durante uma transição socialista longa, mantida e mesmo encorajada, para dinamizar a actividade e incitar as outras formas de propriedade à eficácia;
- uma política geral consistente em aumentar os rendimentos do trabalho em relação às outras fontes de rendimentos;
- a promoção manifestada da justiça social numa perspectiva igualitarista;
- a preservação da natureza, considerada como indissociável, não antagónica do progresso social, como objectivo do desenvolvimento a fim de maximizar a riqueza efectiva,
- relações económicas entre Estados fundamentadas sobre um princípio ganhador-ganhador;
- relações políticas entre Estados repousando na busca da paz e das relações mais equilibradas entre os povos.
A análise de cada um destes pontos não é indiscutível e é objecto de debates ásperos tanto na China como no exterior – debates que estão longe de estarem resolvidos, mas que existem e devem ser aprofundados sem a priori nem ideias preconcebidas. Apesar das críticas, veremos que ao confrontar o "socialismo à chinesa" com esta grelha de leitura, ele não está muito afastado. [3]
Empresas públicas, serviços públicos, planificação
Na China, a justificação das empresas públicas é tripla: elas podem distribuir mais a seus assalariados; o Estado é livre para nelas definir o modo de gestão (em matéria salarial nomeadamente); e ele pode mais facilmente colocá-las ao serviço dos seus projectos. Através das ferramentas ao dispor do organismo de gestão das participações, o Estado afecta os dividendos recebidos a um fundo especial de sustentação das empresas públicas, as quais beneficiam igualmente de vantagens em matéria de crédito e de taxa de juro. Isto se inscreve portanto numa via socialista.
Uma explicação para a força destas empresas públicas é que elas não são geridas como as firmas privadas ocidentais, cotadas em Bolsa e orientadas para a maximização do valor das acções por distribuição de dividendos, valorização das acções e retorno sobre o investimento porque pressionam sub-contratantes, locais ou deslocalizados. Se elas se comportassem de modo tão predatório, estas empresas públicas chinesas agiriam em detrimento do tecido industrial local, o que manifestamente não é o caso. Teríamos então negócios sob uma forma selvagem de "capitalismo de Estado" (como se pretende frequentemente) e não se vê como ele poderia produzir um crescimento económico tão dinâmico. Estas empresas públicas chinesas são (ou são tornadas) rentáveis porque a bússola que as guia não é o enriquecimento dos accionistas, mas sim o investimento produtivo e o serviço prestado aos seus clientes. Pouco importa que os seus lucros sejam menos elevados que os dos seus concorrentes ocidentais se eles servem parcialmente para estimular o resto da economia.
Uma das especificidades destas empresas públicas é, assim, a de entregar apenas poucos dividendos ao Estado accionista (cerca de 10%). Hoje, numerosos peritos internacionais preconizam aumentar estes dividendos e a Comissão de Regulação da Bolsa parece por vezes estar de acordo. Esta orientação, inspirada nas práticas capitalistas ocidentais, não parece a boa fórmula, pois as empresas públicas ficariam então privadas dos seus trunfos principais e, mesmo controladas pelo Estado, teriam tendência a distribuir sempre mais para obterem os favores dos accionistas privados, como fazem as firmas ocidentais – que dependem elas próprias muito frequentemente das estratégias de carteira dos oligopólios financeiros mundialmente dominantes. Aqui, mais valeria que o Estado chinês instaurasse um imposto sobre o capital, na forma de renda (loyer) pela colocação à disposição dos seus bens e que as empresas lucrativas pudessem conservar uma parte maior dos benefícios para fins de investimento e de I&D.
Na nossa opinião, as empresas públicas chinesas não devem ser geridas como firmas privadas. O "socialismo de mercado à chinesa" repousa sobre a manutenção de um poderoso sector público com papel estratégico na economia. Tudo leva a pensar que esta é uma das explicações essenciais dos desempenhos da economia chinesa, não obstante os neoliberais exaltarem a propriedade privada e a maximização do lucro individual. Isto sem dúvida também está ligado ao porte destas empresas, mastodontes a engendrarem economias de escala que reduzem os custos a todos os níveis e fornecem a uma miríade de pequenas e médias empresas insumos (intrants) baratos que asseguram condições de fabricação competitivas no mercado.
Uma "superioridade" das empresas públicas chinesas é a participação (limitada, mas real) do pessoal na gestão, através dos seus representantes no Conselho de Fiscalização e no Congresso dos Operários. A lógica accionista iria ao encontro de uma tal participação, que é preciso reforçar. Outra vantagem é que as empresas públicas podem mais facilmente responder aos objectivos da planificação. Não se trata de lhes impor tarefas políticas que poriam em causa a sua autonomia e onerariam os seus resultados. Mas ao controlar a nomeação e a gestão dos dirigentes, os poderes públicos, de que dependem empresas muito numerosas, têm os meios de assegurar que eles agem como convém aos serviços públicos – mas também aos sectores mercantis, que o plano pode orientar (por subvenções, fiscalidade, ...).
Na China, os serviços sociais (educação, saúde, reformas, ...) estão na totalidade ou na grande maioria nas mãos do Estado – governo central ou, mais frequentemente, governos locais. Tais serviços não fornecem bens mercantilizados pelo sector privado, mas bens sociais, necessários ao exercício da cidadania, dando aos indivíduos a capacidade de serem simultaneamente sujeitos políticos, sociais e económicos (formados, em boa saúde, tendo acesso ao emprego, com equipamentos de transporte, informados, etc). Mas a concepção chinesa estende os serviços públicos aos "bens estratégicos", fornecendo insumos essenciais ao resto da economia: energia, infraestruturas, materiais de base e mesmo serviços bancários ou investigação. Se o sector privado serve de complemento ou estimulante, o sector público é favorecido pelo Estado no exercício da concorrência. Esta concepção ampla dos serviços públicos "estratégicos" constitui uma das maiores forças da economia chinesa. O que está aqui em causa é a soberania nacional.
Um traço notável do sistema político-económico chinês é a sua possante planificação que, apesar de ter mudado seus objectivos e instrumentos no decorrer das últimas décadas, continua a ser aplicada. Os discursos apresentados a cada ano diante da Assembleia Nacional Popular indicam se os objectivos quantificados inscritos no plano quinquenal foram realizados – e frequentemente é o caso –, e dão a conhecer o que esperar para o ano seguinte. Esta planificação, que se projecta para o futuro num mundo de incertezas, é o lugar onde são elaboradas e decididas as escolhas colectivas, expressão de uma vontade geral. Ela é o espaço onde uma nação escolhe um destino comum e o meio de um povo de se tornar o mestre, em todos os domínios da existência: modo de vida, modos de consumir, de se alojar, de ocupar o espaço... É o PCC que, hoje, efectua estas escolhas para os cidadãos – o princípio da consulta estando cada vez mais colocado como necessidade. Esta planificação "estratégica" forte, com técnicas modernizadas, adaptadas às exigências do tempo presente e que têm eficácia (taxas bonificadas, controle dos preços, encomendas públicas, etc) é um traço distintivo de uma via socialista.
Entretanto, com toda evidência, estamos hoje bem longe do ideal igualitarista do socialismo. A China é um país onde as desigualdades sociais são fortes. A aplicação da linha igualitarista foi "suspensa" para acelerar o crescimento (daí a palavra de ordem "enriquecer-se antes dos outros"), depois foi novamente retomada com a recente promoção de temas de justiça social. A defesa da "moral socialista" pelos responsáveis do PCC pode prestar-se ao cepticismo, mesmo aos sarcasmos, quando se sabe dos comportamentos da China actual: consumismo, negocismo, arrivismo, gosto do luxo, corrupção... Mas não se deve tomar este discurso moral com ligeireza: é o do Estado chinês, constantemente oposto a esta degradação dos costumes. Se ele se inscreve numa certa continuidade com a tradição, muitas vezes reivindicada, esta ética reclama-se da modernidade dos ideais do socialismo e não de uma justiça social restrita a uma redistribuição limitada dos rendimentos, de uma equidade justificando uma "justa desigualdade" e definida como ligeira melhoria da sorte dos destituídos e de uma democracia representativa que confisca de facto a participação do povo. Mas é no sector púbico que o Estado dispõe dos meios eficazes para reduzir realmente estas desigualdades. Podem aqui ser activados a participação dos trabalhadores na gestão e o papel de "locomotiva social" desempenhado pelas empresas públicas. Eis um argumento a mais que milita em favor de um reforço do sector público.
Controle do sistema bancário e dos mercados financeiros
Alguns julgam o sistema financeiro chinês obsoleto e apelam à sua modernização, devido ao auge dos mercados financeiros que seria, segundo eles, indispensável ao crescimento. [4] A reformas deste sistema financeiro aceleraram-se desde 2005 e tomaram a forma de uma abertura do capital dos bancos do Estado e da criação de bolsas de valores. Elas seguiram as das empresas públicas, tomadas anteriormente. Estas últimas haviam sido autonomizadas em relação às orientações do Plano, transformadas em sociedades por acções e incitadas a adoptar critérios de gestão mercantis, a inspirarem-se em métodos da finança de mercado e a desenvolver parcerias com investidores externos. A introdução em bolsa dos grandes bancos (Bank of China, Industrial and Commercial Bank of China e China Construction Bank) foi antecedida pela entrada de instituições estrangeiras na sua estrutura de capital (respectivamente Goldmann Sachs, UBS et Bank of America), a fim de facilitar a aprendizagem da corporate governance . Entretanto, o sistema de financiamento da economia chinesa hoje continua fundamentado na intermediação bancária – ainda que tenda a afastar-se bastante rapidamente, pois as autoridades políticas pretendem encontrar um "equilíbrio" entre os sistemas de financiamento pelos mercados financeiros e pelo crédito bancário.
Mas não se pode confundir "modernização" e adopção da via capitalista. Está longe de ser claro que uma opção em favor da finança de mercado tenha sido feita definitivamente, pois permanecem maciças as intervenções das autoridades monetárias no sistema financeiro e é perceptível o pragmatismo da sua actuação. Os poderes públicos chineses procedem de facto por solavancos, por avanços e recuos num contexto de integração mais aprofundado, mas contraditório, do país na mundialização. Isto aconteceu sobretudo nas fases de enfraquecimento do crescimento económico após 2007, marcadas por uma activação dos créditos bancários corrigindo as falhas da finança. Na viragem dos anos 1990, os bancos que se haviam empenhado em operações aventurosas (finança, seguros, imobiliário...) foram proibidos de o fazer entre 1992 e 1995, na sequência das desordens provocadas pela crise de 1989-1991 – ainda que tenham sido desde então autorizadas a efectuar operações mistas combinando crédito bancário e mercados financeiros. Mais recentemente, depois de 2008, como já vimos, as autoridades chinesas foram obrigadas a reagir firmemente para limitar o impacto social desestabilizador da crise mundial, fazendo evoluir o quadro institucional ao dotarem-se de instrumentos poderosos de controle e consolidarem suas estratégia de desenvolvimento.
Na China, a tese da "eficiência dos mercados financeiros" não tem partidários, como testemunham os apelos a uma nova ordem monetária e financeira mundial lançados regularmente pelos líderes políticos do país, que conhecem as vantagens da intermediação bancária e estão conscientes das graves disfunções dos mercados financeiros. Estes dirigentes preferem conservar o essencial do sistema bancário sob o controle do Estado, esforçando-se por melhorá-lo, repugnando-lhes abandonar o modelo de "banco universal" e orientando-se antes para um esquema consistente em tolerar operações mistas, mas efectuadas nas filiais especializadas, separadas do holding público e colocadas sob a vigilância da Comissão de Regulação bancária.
Além disso, as taxas de juro permanecem amplamente administradas, apesar das reformas iniciadas. Para aquelas que foram liberalizadas, a oferta de crédito é fortemente controlada pelo Banco Central, nomeadamente através das reservas obrigatórias. E o afrouxamento dos constrangimentos impostos aos bancos para fixar as taxas aplicadas aos depósitos não deve fazer esquecer que historicamente as autoridades monetárias voluntariamente reduziram ao mínimo (sob o ritmo da inflação) a remuneração destes depósitos – o que não influenciou a taxa de poupança nacional, muito elevada. Uma das especificidades (e forças) da China é a torção voluntarista dos preços dos factores. O governo teve razão em não deixar o mercado fixar "livremente" o preço do dinheiro de modo a continuar como mestre da oferta de crédito, difícil de controlar mas vital para a economia. As autoridades estatais, que têm uma visão macroscópica dos riscos, são as únicas em condições de guiar a economia no seu conjunto em função de um plano. Taxas de juros administradas não permitem ajustar rapidamente a oferta de poupança das famílias e as necessidades de financiamento das empresas, conviria talvez preferir um regime de taxas "semi-administradas", com tectos para a oferta de créditos e pisos para a remuneração da poupança – modificando estas taxas conforme as necessidades do plano. Mas neste debate sobre as taxas de juro, pendemos para a manutenção de um certo dirigismo.
A ampliação da esfera privada implica logicamente uma expansão do mercado de acções. Mas segundo a nossa opinião, este último deveria permanecer limitado. Se ele tem a sua utilidade para o sector privado, as empresas públicas em contrapartida deveriam ter cada vez menos necessidade na medida em que expandem suas capacidades de auto-financiamento e dispõem dos fundos de Estado para realizar aumentos de capital. A abertura do mercado de acções aos actores internacionais está no momento restrita aos investidores "qualificados". Os poderes públicos, que desconfiam – com razão – dos movimentos de capitais especulativos, até agora têm proibido às firmas estrangeiras emitirem acções em yuans sobre o mercado interno. Afrouxar estes travões, em particular para avançar rumo à plena convertibilidade do yuan e das suas supostas vantagens, equivaleria a submeter-se aos oligopólios financeiros, especialmente estado-unidenses. O recurso ao mercado de acções deveria permanecer tão limitado quanto possível e não conduzir a um alinhamento na prática do valor accionista. A poupança chinesa é bastante abundante para ser mobilizada por investidores institucionais nacionais, aos quais além disso se pode impor limites de rentabilidade.
Uma estratégia de desenvolvimento coerente e auto-centrada
Um traço frequentemente sublinhado para descrever o êxito desta economia é o florescimento das suas exportações de bens e serviços desde o princípio dos anos 1990 e, sobretudo, 2000. Conclui-se apressadamente que estas exportações seriam o motor do crescimento do país. Isto é esquecer que a estratégia de desenvolvimento, concebida e aplicada com regularidade e pragmatismo pelos dirigentes chineses, apoia-se num modelo mais auto-centrado do que parece, repousando – é um dos "segredos" dos seus desempenhos nos mercados mundiais, ainda que isso desagrade aos neoliberais – na manutenção de um sector estatal muito poderoso (na energia, nos transportes, nas telecomunicações, nos materiais de base e produtos semi-acabados, na construção, mas também no sistema bancário, etc), com papel dinamizador para o conjunto do tecido económico local.
Na China, a grande maioria dos empresários dos sectores manufactureiros chineses interessa-se sobretudo pelos mercados internos para as suas produções. É sobretudo o florescimento da procura interna, estimulada por um consumo das famílias em crescimento acentuado e pelas importantes despesas de capital do Estado que conduz os seus programas de investimento rumo ao optimismo. Graças aos progressos da inovação tecnológica em todos os domínios (inclusive das telecomunicações, na robótica, no espaço, etc), cada vez mais dominados nacionalmente, o esquema produtivo do país pôde evoluir do made in China para o made by China.
O ritmo acelerado dos ganhos de produtividade do trabalho permite acompanhar a alta rápida dos salários reais industriais, sem que o aumento de peso dos custos do trabalho chinês relativamente aos outros países concorrentes do Sul deteriore a competitividade. As exportações – tal como os investimentos directos estrangeiros, pois mais da metade das exportações são feitas por firmas estrangeiras implantadas na China – desempenham um papel complementar. Isso permite compreender porque em 2011, por exemplo, a contribuição líquida negativa das exportações para o crescimento do PIB (-5,8%) não prejudicou o dinamismo deste último (cerca de +10%), nem entravou a alta das margens de lucro. A previsão de crescimento do PIB para 2018 é de 6,7% (com uma taxa de inflação de 1,5%), com contribuições estimadas de 4,5% para o consumo, 2,0% para o investimento, mas apenas 0,2% para as exportações.
Ouve-se frequentemente dizer que o êxito das exportações chinesas seria devido ao custo muito baixo da mão-de-obra. O argumento é insuficiente: os custos de mão-de-obra não representam de facto senão uma parte fraca dos preços de venda (5% a 10% em média), o que não compensa – ainda que os salários chineses tenham tendência para crescer mais rapidamente que os dos concorrentes do Sul – os custos de transporte para os países importadores. O êxito da China na exportação deve-se numa grande medida aos custos menos pesados dos insumos fornecidos por empresas públicas a preços muito mais baixos, pois fixados ou fortemente controlados pelo Estado (exemplo: os combustíveis). Certamente os salários chineses são claramente mais baixos do que no Norte, mas bem mais elevados do que os pretensos "salários de miséria".
Em resposta à crise de 2008, cujo impacto na China se fez sentir alguns anos mais tarde, as políticas anti-crise do Estado têm visado corrigir os desequilíbrios da economia, nomeadamente por um florescimento maciço das infraestruturas públicas (inclusive em zonas rurais), pela promoção de novos pólos urbanos de porte intermediário no interior do país e pela adopção de medidas favoráveis à população agrícola. [5] Os rendimentos líquidos das famílias rurais aumentaram assim, em termos reais e per capita, significativamente mais rápido que os das zonas urbanas. Portanto, as partes consagradas ao consumo no rendimento nacional aumentam em relação à do investimento. Os serviços às famílias e às empresas progridem. O imobiliário também está controlado, em particular pelo crédito.
O destino do yuan
Ainda assim, o florescimento das exportações chinesas de bens e serviços – além das de capitais (refinanciamento do Tesouro estado-unidense, reestruturação de dívidas soberanas na Europa) [6] – cristaliza um outro ponto de tensão. A moeda chinesa, o renminbi, cuja unidade monetária é o yuan, estaria sub-avaliada, lê-se frequentemente no Ocidente, e portanto estaria na origem da persistência de défices comerciais bilaterais com a maior parte dos países do Norte, a começar pelos Estados Unidos [7] . As pressões exercidas por Washington no sentido de uma apreciação do renminbi frente ao dólar deparam-se com a resistência de Beijing, mas redundaram em várias reavaliações – a última datando de Abril de 2012, após a de Julho de 2005. Entre o Verão de 2005 (quando a China decide deixar de ligar as variação da sua moeda ao dólar) e a Primavera de 2012, o valor do renminbi apreciou-se em termos reais em 32% relativamente ao dólar. [8] Mas a lenga-lenga continuou: os produtos exportados pela China, já baratos, seriam tornados ainda mais competitivos por uma moeda depreciada artificialmente...
Sabe-se que as discussões sobre o "justo valor" das moedas, articuladas sobre decisões de políticas comerciais, são polémicas. Ora, dentre os critérios disponíveis, a relação saldo da balança das contas correntes sobre PIB é a mais utilizada pela administração estado-unidense. O referencial assim considerado para definir a taxa de câmbio "de equilíbrio" é um rácio excedente ou défice da balança de pagamentos correntes sobre PIB no intervalo entre +/- 3 ou 4%. Ao aplicar este critério à China, marcado pelo peso das trocas bilaterais com os Estados Unidos, vê-se que o rácio retrocede de 10,6% em 2007 para 2,8% em 2011 e 1,4% em 2012. A "sub-valorização" do renminbi não é evidente quando se utiliza o benchmark mais praticado nos Estados Unidos. O que não impede estes últimos, apesar dos graves desequilíbrios que caracterizam a sua economia, de prosseguir o que se assemelha a uma "guerra das moedas", por depreciação do dólar no mercado de câmbios, para impor a Beijing os termos daquilo que alguns chamam uma "capitulação" [9] – e um de cujos efeitos é desvalorizar as reservas em divisas da China, maioritariamente detidas em dólar.
Um renminbi internacionalizado, especialmente para transformá-lo em moeda de reserva global, exigiria a adopção de condições muito estritas: a abertura da conta de capital, assim como a flexibilidade da taxa de câmbio; a integração dos mercados financeiros chineses no sistema mundial capitalista; políticas macroeconómicas (de luta contra a inflação, de limitação do endividamento público, etc) que visem a obtenção da "confiança" dos mercados; e uma dimensão crítica da economia que justificasse esta ambição de internacionalização da moeda. As duas primeiras condições são exigências sine qua non; as duas últimas, não – e aliás nem sempre têm sido respeitadas pelos países do Norte com moedas utilizadas como reservas internacionais.
A dimensão crítica evidentemente já foi atingida: o peso da China coloca-a no segundo lugar mundial quanto ao PIB, atrás dos Estados Unidos, e entre estes últimos e a zona quanto às exportações. O critério relativo às políticas macroeconómicas parece igualmente cumprido, na medida em que a adopção das medidas anti-inflacionistas, de controle das contas públicas e de domínio do curso do renminbi trouxeram os seus frutos nestes últimos anos. Se as pressões inflacionistas permanecem um perigo, o índice de estabilidade dos preços é melhor na China do que nos outros BRICS. O endividamento das administrações públicas está contido a níveis menos elevados do que na maior parte dos próprios países ocidentais. Os índices de variabilidade da moeda nacional mostram também um renminbi menos instável que o real, a rupia, o rublo e o rand. Contudo, quanto à abertura da conta de capital e à integração mais profunda dos mercados financeiros chineses no sistema mundial, é forçoso reconhecer que, apesar da adopção de mecanismos de mercado em matéria de política monetária e da flexibilização das regulamentações relativas à conta de capital e à paridade do renminbi, as autoridades monetárias chinesas continuam a dispor de poderosas ferramentas de controle. Além disso, e sem estar totalmente ausente, o renminbi ainda é pouco utilizado nos mercados de produtos derivados over-the-counter , e concentrado nos instrumentos clássicos de cobertura (forwards) [10] .
A internacionalização da moeda traria benefícios à China, a começar por um "direito de seignieuriage" , bem visível no caso dos Estados Unidos. Entretanto, uma tal orientação significaria uma submissão prejudicial do país à alta finança mundial dominante, portanto uma perda relativa de controle da política monetária. Como é que a China chegaria a tirar proveito de um renminbi internacionalizado sem pagar demasiado caro – renunciando ao pleno exercício da sua soberania nacional e vendo recusar a autonomia da sua estratégia de desenvolvimento? Hoje, as pressões internas em favor de uma liberalização dos mercados financeiros são fortes, mas ficam atenuadas por discursos oficiais tranquilizantes, críveis, sobre o controle do processo de reformas. Mas estas pressões tornam-se preocupantes quando coincidem com as recomendações dos peritos do FMI ou dos líderes ocidentais que convidam a China a escolher a via do neoliberalismo – e se necessário, integrando o renminbi no cabaz monetário dos Direitos Especiais de Saque . Sobre o assunto, os dirigentes chineses, em geral com declarações nuançadas e prudentes, estão conscientes dos perigos que um renminbi internacionalizado implica para o futuro do socialismo de mercado. Esperamos que saibam resistir às sereias do liberalismo. Nesse meio tempo, eles reforçam suas parcerias com o Sul e o Leste, em particular no quadro do grupo de Shangai, e reabrem uma rota da sede para afrouxar a morsa do cerco agressivo dos Estados Unidos.
Conclusão
A evolução das relações entre, por um lado, o PCC no poder e o bloco social sobre o qual ele se apoia – classes médias beneficiárias do crescimento e empresários privados –, e, por outro, massas operárias e camponesas, que vão no sentido de uma restauração do capitalismo ou então de uma reactivação de um compromisso social mais favorável às classes populares, opera sobre perspectivas de confrontações de grande amplitude entre as forças políticas em presença, e sobre trajectórias divergentes de estruturas da economia. [11] Uma questão subsiste: como as elites dirigentes, cuja legitimidade se vê reforçada pelas repercussões positivas geradas pelo crescimento, chegariam a renovar as condições da "success story" do país sem se apoiarem sobre uma modificação da correlação de forças interna em favor das classes populares e sem reorientar o "projecto nacional" para uma prioridade às políticas sociais? Pois a escolha da via capitalista assumida francamente por estas elites, conducente a quebrar o equilíbrio dinâmico do sistema e a perder o controle sobre contradições crescentes, não garantiria o fracasso da estratégia adoptada até agora? Uma outra preocupação surge: qual será a atitude dos Estados Unidos, inclusive do ponto de vista militar, frente ao reforço de poder da China? O futuro desta última permanece em grande medida indeterminado, pela sua dinâmica própria, mas também porque o capitalismo dos oligopólios financeiros do Norte parece querer entrar frontalmente em conflito com ela – apesar da sua estreita interdependência. Por isso, continuamos a pensar, o sistema político-económico em vigor na China continua a conter elementos (e potencialidades de reactivação) do socialismo, assim como possibilidades de transformação da ordem global, no sentido da construção lenta e progressiva de um mundo multipolar, frente ao hegemonismo estado-unidense.
Notas
[1] Ver: Harvey D. (2005), A Brief History of Neoliberalism, New York: Oxford University Press; Arrighi G. (2009), Adam Smith in Beijing: Lineages of the 21st Century, London: Verso; Panitch L. and S. Gindin (2013), "The Integration of China into Global Capitalism", International Critical Thought, (3)2, 146-158.
[2] Por exemplo: Wen T. (2001), "Centenary Reflections on the ' Three Dimensional Problem, ' of Rural China", Inter-Asia Cultural Studies , 2(2), 287-295. Amin S. (2013), "China 2013", Monthly Review , 64(10), online.
[3] Andreani T. and R. Herrera (2015), "Which Economic Model for China?", International Critical Thought, 5(1), 111-125.
[4] Mishkin F. (2010), The Economics of Money Banking and Financial Markets, Upper Saddle River: Pearson.
[5] Wong E. e T. Sit (2015), "Rethinking 'Rural China'", in Herrera R. and K.-C. Lau (dir.), The Struggle for Food Sovereignty, 83-108, London: Pluto Press.
[6] Ler: "More UK equities for China?", Financial Times, 3 June 2011.
[7] Ver os relatórios do US Congressional Research Service.
[8] Bank for International Settlements (BIS).
[9] Wolff M. (2010), Financial Times, 12 October 2010.
[10] Herrera R. (2014), "A Marxist Interpretation of the Current Crisis", World Review of Political Economy, 5(2), 128-148.
[11] Amin S. (2010), "Prefacio", in Herrera R., Avances revolucionarios en América Latina, Quito: FEDAEPS.
Zhiming Long é professor assistente na Escola de Marxismo da Universidade de Tsinghua, Pequim, República Popular da China. Rémy Herrera é pesquisador do National Centre of Scientific Research e do Centre d'Économie de la Sorbonne em Paris, França. Tony Andréani é Professor Emérito de Ciência Política na Universidade de Paris 8 Saint-Denis, Saint-Denis, França.
Nenhum comentário:
Postar um comentário