Nelson Barbosa
Folha de S.Paulo
Há pessoas que se ofendem quando chamadas de neoliberal, pois acham que só há um modelo de economia possível, baseado na supremacia dos mercados sobre todos os demais aspectos da sociedade. Ironicamente essa é exatamente uma das definições do neoliberalismo, que hoje está em crise.
O neoliberalismo surgiu em resposta à crise da social-democracia nos países avançados, durante década de 1970. Baseado inicialmente nos EUA e Reino Unido (Reagan e Thatcher), as propostas neoliberais são, antes de tudo, uma crítica ao Estado de bem-estar social que dominou o Ocidente desenvolvido nas décadas de 1950 e 1960.
A própria social-democracia surgiu como resposta às alternativas extremistas de modelo social do início do século 20 —fascismo e comunismo— após a crise do liberalismo do século 19.
Como todo modelo social, a social-democracia funcionou bem por um tempo, mas entrou em crise por suas próprias contradições econômicas e sociais. Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, o neoliberalismo se tornou dominante no Ocidente, produzindo crescimento e aumento da desigualdade.
O crescimento econômico médio dos países avançados foi menor na fase neoliberal do que durante o período social democrata, mas houve ganhos substanciais de produtividade e eficiência. Os maiores problemas do neoliberalismo são de outra natureza, social e política.
Primeiro, como lembrava meu professor José Fiori, o capitalismo desregulado é uma máquina de produzir crescimento, mas também de aumentar desigualdade e volatilidade.
Hoje, pós-Piketty, já é consenso até entre ortodoxos que a fase neoliberal coincidiu com o aumento da desigualdade no Ocidente. E, sobre volatilidade, a crise financeira de 2008 mostrou, mais uma vez, o potencial destrutivo de mercados financeiros sem supervisão adequada.
Segundo e mais importante, desde seu início com Friedman e Hayek, o neoliberalismo colocou a liberalização do mercado acima dos direitos civis. Nesse sentido, os pais do neoliberalismo apoiaram ditaduras como Pinochet no Chile, sob argumento de que o "bom funcionamento" da economia é mais importante do que democracia.
Esse ranço continua até hoje, como indica a defesa do "reprime, mas reforma" por alguns analistas no Brasil atual. Apesar dessas visões, o fato é que, após 30 anos de domínio, hoje é o neoliberalismo que enfrenta contradições.
A desigualdade crescente, com diminuição da classe média e aumento do poder dos super-ricos sem fronteiras, fez ressurgir o populismo autoritário de direita no Ocidente. Nos países avançados, os bodes expiatórios são os imigrantes. Por aqui, são os esquerdistas.
E, assim como a crise do liberalismo quase acabou com a democracia no início do século 20, a crise do neoliberalismo ameaça fazer o mesmo hoje.
A solução democrática para o problema é um novo modelo que combine eficiência econômica, liberdades individuais, redução de desigualdades e sustentabilidade ambiental. Só eficiência econômica não é suficiente. O desenvolvimento com democracia depende das quatro coisas.
A construção do que vier a substituir o neoliberalismo levará algum tempo, e isso não virá só de economistas. Boas soluções para problemas econômicos e sociais normalmente emergem do dia a dia da democracia e depois são racionalizadas e aperfeiçoadas por especialistas.
Por isso, ainda que não exista solução única para nossos problemas atuais, uma questão deve ser consensual: preservar a democracia e a diversidade, rejeitando qualquer proposta ou candidato que não se comprometa com isso em eleições.
Sobre o autor
Professor da FGV-SP, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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