18 de outubro de 2018

Os apoiadores mais perigosos de Bolsonaro

Veículos do establishment como "The Economist" insistem em afirmar que as forças armadas brasileiras são uma influência moderadora no candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro. Mas é justamente o contrário

Aldo Cordeiro Sauda e Benjamin Fogel


O exército brasileiro em 2011. Exercito Brasileiro / Flickr

Tradução / O primeiro turno das eleições no Brasil terminou com o candidato neofascista Jair Bolsonaro a apenas quatro pontos da vitória. Entre Bolsonaro e a vitória, no entanto, está o candidato do Partido dos Trabalhadores Fernando Haddad. Ele tem menos de duas semanas para deter Bolsonaro, depois de ficar em segundo, com apenas 29% dos votos. Além disso, o PSL, partido de Bolsonaro, saiu da irrelevância política para se tornar o segundo maior partido do Brasil da noite para o dia. Não é exagero dizer que é a democracia brasileira que está em jogo.

Mesmo que Haddad vença, no clima polarizado da política brasileira ainda poderia haver um duro golpe militar para completar o golpe suave do Congresso que derrubou Dilma Rousseff em 2016. Bolsonaro tem o apoio de setores significativos das Forças Armadas, hostis ao PT.

Estes setores, junto com outros setores da direita brasileira, afirmam que o PT está tentando fazer uma “revolução silenciosa” com o objetivo de transformar o Brasil em uma ditadura comunista. Para entender tanto a ascensão de Bolsonaro quanto o perigo que ele representa para a democracia, é vital analisar a facção antipetista das forças armadas.

O companheiro de chapa de Bolsonaro, general Antônio Hamilton Mourão, foi um dos principais rostos da oposição das Forças Armadas à Comissão da Verdade, implementada por Dilma Rousseff com a missão de esclarecer os crimes cometidos pelos militares durante a ditadura de 1964-1985.

Comissão da Verdade


Embora as forças armadas tenham sido mais ou menos hostis ao PT desde sua fundação, a explosão de um sentimento anti-PT mais virulento e mobilizado pode ser identificado na criação da Comissão da Verdade do Brasil, em 2012. A comissão foi cuidadosamente construída pelo PT como um espaço claramente não partidário, liderado principalmente por figuras do poder judiciário e não da sociedade civil. A palavra "justiça" foi evitada, para não assustar os generais.

Foi apoiada por partidos da oposição - incluindo os ex-presidentes conservadores José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, que mais tarde apoiariam o impeachment de Dilma. No entanto, ainda há poucas análises da esquerda sobre as divisões políticas dentro das Forças Armadas, e suas influências na política brasileira. Veículos como o The Economist continuam a manter ilusões de que os militares não desejam tomar o poder e seriam uma força moderadora em um futuro governo de Bolsonaro.

Trata-se de um grave equívoco. As Forças Armadas brasileiras não representam apenas uma ameaça à democracia brasileira; elas são justamente a morada de uma das mais poderosas facções de extrema-direita por trás da ascensão de Bolsonaro ao poder.

O PT e as Forças Armadas


Há um persistente ódio a Lula e ao PT entre os altos escalões militares. Uma facção interna conspira abertamente para manter, por todos os meios possíveis, qualquer governo de esquerda longe do poder. Esta mesma facção teria um papel importante em um futuro governo de Bolsonaro. Essa oposição se ressente do governo de Lula embora este tenha aumentado fortemente os gastos militares e ampliado sua atuação no exterior.

A estratégia apaziguadora de Lula, que espelhava a postura do PT em relação à mídia plutocrática e ao grande capital no Brasil, fracassou. Oficiais tanto da ativa como da reserva - muitos dos quais hoje figuras de destaque na campanha de Bolsonaro - se posicionaram publicamente contra a comissão e negaram ter havido tortura sob o regime militar. Ao mesmo tempo, como a comissão não teve poder de punição, acabou fortalecendo e reunindo as redes antipetistas das Forças Armadas.

A ditadura militar brasileira, ao contrário da argentina, não deixou o poder após uma derrota política. Em vez disso, enfrentando uma crescente oposição política, escândalos de corrupção e uma crise econômica em meados da década de 1980, as forças da ditadura lideraram, elas próprias, uma cuidadosa transição para a democracia. Isso garantiu que seus aliados se mantivessem bem posicionados no novo sistema político e que a Constituição os poupasse de punições aos crimes brutais cometidos durante a ditadura.

Assim, até hoje, as Forças Armadas mantiveram certa reputação. Primeiro, como um ator independente que só intervém na política para proteger os interesses nacionais. Além disso, para parte da população, a ditadura é lembrada como uma era de ouro, sem crime e corrupção, em que os valores familiares eram respeitados e todos tinham empregos.

Vários oficiais militares de alto escalão, como o general Sérgio Etchegoyen ou o general Joaquim Luna e Silva, já ocupam cargos ministeriais no atual governo de Michel Temer. Os generais têm usado seu crescente espaço na mídia, especialmente no maior grupo de mídia do Brasil, a Globo, para expressar sentimentos preocupantemente antidemocráticos.

O general Luiz Rocha Paiva, por exemplo, clamou abertamente por um golpe na Globonews, para conter a “revolução silenciosa” do PT. Em uma perturbadora demonstração de paranoia, o general falou sobre os perigos de uma vitória eleitoral do PT, que transformaria o Brasil num país comunista.

Mourão - que foi destituído de seu posto de chefe do Comando Militar do Sul por confrontar Dilma Rousseff abertamente sobre o trabalho da Comissão da Verdade - participou de um episódio bizarro durante o impeachment de 2016, quando apareceu em um clipe do Youtube feito por uma Loja Maçônica em Brasília anunciando sua disposição de apoiar uma intervenção militar para “manter a estabilidade”.

Mas o grau de oposição ao PT dentro do Exército só se tornou claro este ano. Por exemplo, um dia antes de o Superior Tribunal Federal abrir caminho para a prisão de Lula, o chefe do Exército, general Villas Boas, usou o Twitter para pressionar publicamente o judiciário a prender o ex-presidente.

Após seus tuítes, quase todo o alto comando militar do Brasil usou as redes sociais para celebrar a derrota do PT. Foram criticados apenas timidamente por um juiz solitário do STF. Mas a questão voltou às manchetes durante a campanha eleitoral, com os três candidatos de esquerda - Fernando Haddad, Ciro Gomes do PDT e Guilherme Boulos do PSOL - denunciando as intromissões militares em assuntos civis.

A Lava Jato e as Forças Armadas


A extrema direita também parece ter relações mais próximas com a operação Lava Jato do que muitos imaginavam. Durante a campanha do primeiro turno das eleições, o juiz Sérgio Moro, o homem que mandou Lula para a prisão, divulgou um depoimento potencialmente prejudicial de um ex-aliado próximo de Lula, obtido há meses, um movimento claramente planejado para causar o máximo de danos à candidatura do PT.

Bolsonaro falou abertamente sobre nomear Moro ao STF e alguns dos principais juízes da Lava Jato, como Marcelo Bretas, chegaram a endossar Bolsonaro abertamente. Bolsonaro provavelmente fortalecerá a Lava Jato se eleito e usará a operação para criminalizar a esquerda.

Thompson Flores, chefe do Tribunal Federal de Recursos do Sul responsável pela supervisão da operação Lava-Jato, foi convidado pelo General Mourão para dar uma palestra no Clube Militar do Rio de Janeiro. O convite aconteceu logo depois de Flores ganhar manchetes por ignorar a lei e bloquear pessoalmente uma ordem - emitida por um juiz dissidente do tribunal comandado por Flores - para libertar Lula. Mourão e Flores afirmaram em uma coletiva de imprensa que o encontro não tinha nada a ver com a prisão de Lula, mas se devia a uma amizade de longa data.

Atualmente presidido por Mourão, o Clube Militar foi um dos centros da conspiração que golpeou a democracia brasileira em 1964. Em 2014, um dia depois de a Comissão da Verdade publicar seu relatório, o clube publicou um anúncio no principal jornal do Rio de Janeiro defendendo a ditadura militar.

Haiti


Mourão e o general Augusto Heleno eram os principais comandantes militares do Brasil na desastrosa intervenção no Haiti. Segundo observadores internacionais e organizações de direitos humanos, eles são responsáveis pelo massacre de dezenas de civis nas favelas de Porto Príncipe em 2006. Agora, estão próximos do mais alto cargo político do Brasil.

O Haiti foi lançado no caos pelos estados ocidentais em 2004, após os Estados Unidos, o Canadá e a França apoiarem a derrubada do governo levemente social-democrata de Jean Bertrand Aristide. Depois de perder o campo para uma rebelião organizada a partir da vizinha República Dominicana, Aristide foi forçado por fuzileiros navais americanos a embarcar em um avião em 29 de fevereiro. Eles tomaram o aeroporto internacional de Porto Príncipe e enviaram Aristide para a República Centro-Africana contra sua vontade. Mais tarde, ele se exilou na África do Sul.

Em vez de oferecer solidariedade ao líder deposto, o governo de esquerda do Brasil apoiou o golpe contra o governo popularmente eleito do Haiti. O governo do PT se ofereceu para ocupar o Haiti. Foram movidos, em parte, pela ilusão de que o envolvimento militar brasileiro em missões de manutenção da paz das Nações Unidas garantiria ao país um assento no Conselho de Segurança. Os resultados foram desastrosos para as democracias tanto do Haiti quanto do Brasil.

Heleno foi recebido com hostilidade imediata pelos haitianos após assumir o comando das operações militares na ilha, em meados de 2004. Apoiadores de Aristide, baseados nas periferias de Cité Soleil e Belair, entraram em confronto com os capacetes azuis da ONU na capital, Porto Príncipe. A maior favela do país, Cité Soleil, também era a principal base de Aristide e de seu partido, Fanmi Lavalas. Em uma tentativa de eliminar a oposição à intervenção, em 5 de julho Heleno ordenou a execução do líder da comunidade pró-Aristide da favela, Emmanuel “Dread” Wilme. Dezenas de pessoas, a maioria mulheres e crianças, foram mortas na operação.

Imagens do massacre, reunidas por observadores de direitos humanos do Conselho de Trabalho de San Francisco, que foram ao ar mais tarde no Democracy Now!, mostraram cenas horríveis de haitianos mortos sob o comando de Heleno. De acordo com Seth Donnelly, que esteve na Cité Soleil no dia seguinte e testemunhou o funeral de Dread Wilme, a comunidade, traumatizada, compareceu em massa.

“Vimos casas - e quando dizemos casas, estamos falando basicamente barracos de madeira e lata - em muitos casos, crivadas de marcas de balas de metralhadora, e marcas de explosões causadas por tanques", disse Donnelly. “Os buracos em muitas dessas casas eram grandes demais para serem balas. Pareciam cartuchos de tanque que penetraram nas casas. Vimos uma igreja e uma escola crivadas por marcas das metralhadoras ”.

O massacre estava perfeitamente alinhado ao discurso político brasileiro de lei e ordem. Perguntado sobre o ataque, o General Heleno, conta Donnelly, “inicialmente desafiou a nossa delegação, perguntando por que estávamos preocupados com os direitos dos 'fora-da-lei', termo usado por ele, e não com a 'força legal'. Queria esvaziar os testemunhos da comunidade, tratando-os como mero reflexo da hostilidade local, como se as críticas fossem parte dos 'ataques de gangues' contra as forças da ONU”.

As estimativas apontam que pelo menos 27 haitianos foram mortos no ataque, a maioria mulheres jovens. A resposta de Heleno reflete a visão da direita brasileira, que defende massacres nas periferias como uma política de segurança legítima, em que “bandido bom é bandido morto”.

Sob pressão do movimento de solidariedade ao Haiti nos Estados Unidos, uma mudança na liderança da MINUSTAH no final do mesmo mês levou à saída do General Heleno. Após uma sinistra sucessão de eventos, seu sucessor, o General Urano Bacelar, foi encontrado morto três meses depois de substituir o atual conselheiro de Bolsonaro em Porto Príncipe. Embora o exército brasileiro tenha descrito a morte como “suicídio” e evitado uma investigação oficial, o Wikileaks revelou a existência de ceticismo em relação a esta hipótese, ligando a morte a possíveis conflitos envolvendo a ONU.

A presença do Brasil na ilha também foi parcialmente responsável por espalhar uma epidemia de cólera que matou 30 mil pessoas. Além disso, houve mais de duas mil acusações de estupro contra soldados brasileiros. Racista na essência, a operação foi aplaudida na mídia como uma oportunidade para o exército brasileiro praticar futuras ocupações nas favelas do Rio, com haitianos negros servindo de cobaias. De todos os erros do PT que fortaleceram traços antidemocráticos na sociedade brasileira, o Haiti foi um dos mais desastrosos.

O que está em jogo


É a democracia no Brasil que está em risco. A candidatura de Bolsonaro, se vitoriosa, resultará provavelmente em derramamento de sangue, violência generalizada contra a esquerda e destruição do que resta dos direitos dos trabalhadores.

Bolsonaro e seus aliados nas Forças Armadas são abertamente hostis à democracia. Esta nefasta coalizão concluiu que é impossível governar o Brasil democraticamente e só uma solução autoritária, com base em uma nova Constituição, será capaz de devolver o país à estabilidade.

Bolsonaro manipula a raiva popular contra o sistema político do Brasil e uma classe política corrupta e a canaliza contra a própria democracia. Esse sentimento antidemocrático se cristalizou como oposição ao PT, embora um dos grande erros do PT no governo tenha sido justamente sua incapacidade de conter o poder dos militares.

A resposta de Bolsonaro à crise social e de segurança no Brasil é a violência. Como Duterte, nas Filipinas, ou Sisi, no Egito, ele promove uma política que pode ser resumida no enfrentamento da crise a tiros. Em um país onde massacre causado pela polícia já é corriqueiro, Bolsonaro, se eleito, e seus amigos nas Forças Armadas podem desencadear um massacre histórico, cujas vítimas não serão apenas jovens negros pobres nos favelas. Incluirá também aqueles que lutam pela terra, sindicatos, socialistas e a comunidade LGBT. O assassinato de Marielle Franco serve de exemplo deste futuro digno dos piores pesadelos.

Sobre os autores


Aldo Cordeiro Sauda é jornalista e ativista do PSOL, cobriu a Primavera Árabe para os jornais O Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo, e é hoje mestrando em Ciência Política na Universidade de Campinas (UNICAMP)

Benjamin Fogel faz doutorado em História na New York University e é editor colaborador da Jacobin Magazine e do site de notícias Africa is a Country.

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