João Pedro Pitombo
A família de Josefa Maria da Cruz, 62, com a filha Naldira Maria da Cruz, 34, à frente, do lado de fora da casa, na cidade de Coronel João Sá, na Bahia - Rafaela Araújo/Folhapress |
O sol atravessa os furos do toldo que cobre o local onde André Rosendo Lapa, 17, está curvado por cima de uma pedra com um martelo em uma das mãos e uma estaca na outra. A martelada produz um som agudo da batida do ferro na pedra, quebrada em partes iguais até se tornar um paralelepípedo.
Ao lado, seu pai, José de Souza, 50, realiza o mesmo ofício. A meta é produzir por semana 1.000 paralelepípedos, cuja venda a atravessadores é a principal fonte de renda da família. O complemento vem do Auxílio Brasil, reajustado por três meses de R$ 400 para R$ 600 às portas da eleição presidencial.
A mudança não fez Souza rever seu voto, assim como a maioria de seus vizinhos em Coronel João Sá, cidade de 17 mil habitantes do norte da Bahia, onde mais de 90% da população vive na pobreza e na extrema pobreza.
Numa eleição marcada pela piora das condições de vida e pela insegurança alimentar, o pacote de bondades que inclui o reajuste temporário do auxílio é colocado em xeque como tática eleitoral.
A inflação que corrói o poder de compra e o desalento gerado por falta de oportunidades são os principais obstáculos para transformar a renda extra em votos para o presidente Jair Bolsonaro (PL) nos redutos mais pobres.
De 2019 a junho de 2022, a inflação registrou alta de 26,5% no Brasil, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), escalada puxada pela alta dos alimentos.
O país também vive um retrocesso na segurança alimentar, com 33 milhões de pessoas passando fome, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
No povoado de Alagoinha, em Coronel João Sá, Noélia Maria da Cruz, 35, bota água na panela para fazer render o feijão-verde que cozinha no fogão à lenha. O fogão a gás, cujo preço do botijão chega a R$ 130 na região, só é usado em preparos rápidos, como ferver água para fazer café.
O marido, Élcio Batista dos Santos, 40, também quebra pedras. Como não tem um terreno próprio, compra as pedras inteiras em áreas de terceiros e trabalha para pagar o investimento, restando uma pequena margem de lucro.
O Auxílio Brasil completa a renda, mas os gastos incluem alimentos, gás, água, energia, além de despesas com os filhos de 15 e 4 anos. A conta não fecha.
"Botam esse auxílio aí, mas não acompanha a inflação, aí não adianta nada. Você pega R$ 600 e vai ao mercado, não dá para fechar o mês", afirma Élcio, que não vê em Bolsonaro um presidente que trabalha para os pobres: "Não tem um rico que ache ele ruim".
Na casa em frente vivem Josefa Maria da Cruz, 62, e seu marido, José Américo da Cruz, 62, o Dequinha. A família se tornou evangélica, e, desde então, ele deixou de se apresentar nos forrós para tocar sanfona nos cultos da pequena igreja erguida na comunidade.
Na família, contudo, é o bolso, não a religião, o fator decisivo para o voto. Josefa, que evita conversar sobre política com o pastor, critica a alta dos alimentos e afirma que votará no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Filha do casal, Naldira Maria da Cruz, 34, vai na mesma linha: "Vou votar no Lula, e seja o que Deus quiser. Já estamos morrendo mesmo".
O apoio a petistas é quase uma regra na cidade desde 2006. Há quatro anos, Fernando Haddad obteve 87% dos votos no segundo turno do pleito presidencial. No primeiro, o governador Rui Costa teve 92%.
A geografia do voto local é complexa e gera arranjos pouco ortodoxos. Neste ano, o prefeito Carlinhos Sobral (MDB) apoiará Jerônimo Rodrigues (PT) ao governo. Mas para deputado federal está fechado com Roberta Roma (PL), mulher de João Roma (PL), ex-ministro de Bolsonaro e candidato a governador.
Sizino Alves, 62, votará nos nomes apoiados pelo prefeito, mesmo que antagônicos, mas diz que só não seguirá Sobral caso ele peça voto em Bolsonaro. O aposentado, que votará em Lula pela primeira vez, justifica a escolha devido à inflação que deixou "o diesel mais caro que a gasolina" e ao aumento do Auxílio Brasil próximo à eleição. "Aumentar só por três meses? Por que não deu logo um ano para trás?"
A percepção do reajuste do auxílio como medida eleitoreira é recorrente. Pesquisa Datafolha realizada em julho aponta que, para 61% dos eleitores, o pacote de benefícios tem como principal objetivo ganhar votos para Bolsonaro. Outros 56% consideram insuficiente o valor de R$ 600.
Do outro lado da divisa, o cenário é semelhante. Dados do IBGE apontam Sergipe como o estado brasileiro em que a pobreza mais cresceu de 2020 para 2021: o avanço foi de 12,5 pontos percentuais.
Moradores de Pedra Mole, município de 3.000 habitantes no oeste sergipano, Fabiana Oliveira, 20, e Emerson Fontes, 21, estão desempregados e dependem do Auxílio Brasil e de um benefício estadual.
Da renda familiar mensal de R$ 530, cerca de R$ 110 são gastos com latas de leite em pó para a filha de seis meses.
A vizinha Silvanira dos Santos, 31, também depende do Auxílio Brasil para gastos básicos. Com o programa, paga R$ 200 do aluguel da casa, e o que sobra vai para energia, alimentação, gás e remédios.
O fornecimento de água foi cortado por falta de pagamento. Mesmo com queixas devido à escassez de recursos, ela classifica o governo Bolsonaro de regular: "Não acho que está ruim, mas também não está lá essas coisas. Teve esse auxílio que ajudou várias pessoas, se não tivesse nada era pior".
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pedra Mole, José Ednaldo dos Santos, 40, votou em Bolsonaro em 2018 e afirma que deve repetir o voto.
Ele elogia Lula por programas como o Prouni, que permitiu ao filho dele se formar em direito. Mas diz não ter críticas a Bolsonaro. "Não gosto de fanatismo. Governantes do passado têm programas excelentes, e esse governo também não deixa a desejar."
José Pereira da Silva, 58, que vende coentro de porta em porta em Pedra Mole, também é eleitor de Bolsonaro. Ele afirma que os apoiadores de Lula são maioria na cidade, mas que o reajuste do Auxílio Brasil pode fazer a diferença na eleição.
É o mesmo diagnóstico dos candidatos bolsonaristas a governos estaduais na região. Não à toa, João Roma ancorou a narrativa de sua campanha no benefício.
Em um vídeo, percorre um mercado ao lado de uma dona de casa e diz que os R$ 600 mensais do programa são superiores à média do Bolsa-Família e dão para "comprar até picanha".
O candidato a governador Jerônimo Rodrigues (PT) fez vídeo semelhante, mas com argumentação oposta. No mercado, compara os preços dos itens da cesta básica aos valores dos mesmos produtos em governos petistas.
Mas nem o aumento do Auxílio Brasil hoje nem a lembrança de benefícios do passado são capazes de, sozinhos, decidirem o voto, aponta o sociólogo Antônio Lavareda, do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas).
"As pessoas não votam para expressar gratidão. Consciente ou inconscientemente, o voto tem mais a ver com quem será capaz de melhorar a vida no futuro", afirma.
Ele diz acreditar que o reajuste do Auxílio Brasil pode melhorar a avaliação do governo entre os cerca de 20 milhões de potenciais beneficiários, mas tende a ter efeito limitado. Em geral, poderá convencer aqueles que já tendiam a votar em Bolsonaro, mas ainda estavam em dúvida.
As chances de reversão de votos de eleitores de Lula para Bolsonaro são pequenas. "É possível que Bolsonaro convença eleitores de que vai manter [o auxílio em R$ 600]. Mas é muito mais difícil convencer que Lula também não manteria, até pela imagem dele que se solidificou ao longo do tempo."
Além disso, há a possibilidade de que o "Auxílio Brasil turbinado" resulte em um efeito eleitoral adverso em um contingente que chega a 47 milhões de pessoas: aqueles que receberam o auxílio emergencial durante a pandemia e agora não têm acesso a nenhum benefício social.
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