28 de junho de 2018

O verdadeiro modelo Chinês

Não é o que você pensa

Yuen Yuen Ang


O distrito financeiro de Xangai, julho de 2017
Aly Song / Reuters

Em 2016, o político sul-sudanês Anthony Kpandu liderou uma delegação à China. O que viu lá o impressionou: modernos parques industriais, trens de alta velocidade, infraestrutura reluzente, horizontes deslumbrantes. "Foi magnífico", disse ele, entusiasmado. "Você não pode acreditar, mas está lá. Nunca vi nada parecido."

Tais reações contribuem para o crescente medo no Ocidente de que os países em desenvolvimento estejam achando o chamado "modelo chinês" mais atraente do que a democracia liberal. A liderança chinesa, inadvertidamente, exacerbou esses medos. No 19º Congresso do Partido, em 2017, o presidente chinês Xi Jinping declarou com confiança que outros Estados deveriam aprender com "a solução chinesa para enfrentar os problemas que a humanidade enfrenta". Em um artigo de opinião para o The Wall Street Journal, o jornalista Richard McGregor escreveu que Xi está promovendo a ideia de que "sistemas políticos autoritários não são apenas legítimos, mas podem superar as democracias ocidentais". O verdadeiro objetivo de Pequim, alertou ele, "é encorajar a disseminação do autoritarismo".

No entanto, apesar de todo o pânico e paranoia em relação a esse desenvolvimento, algumas perguntas básicas permanecem sem resposta. Qual é exatamente o modelo chinês? É evidente que a economia chinesa prosperou apesar da decisão de rejeitar a democracia de estilo ocidental, mas isso significa que o autoritarismo foi responsável pelo sucesso capitalista do país?

Na realidade, diferentes partes da China seguiram caminhos muito diferentes para o desenvolvimento econômico e social nas últimas décadas. O modelo chinês muda dependendo de onde e quando se busca por ele. Mais importante, é impreciso — e de fato enganoso — equiparar o modelo chinês ao autoritarismo convencional. Como argumentei nesta revista, a base política do sucesso econômico da China desde a abertura dos mercados pelo líder chinês Deng Xiaoping em 1978 não foi a autocracia, mas uma autocracia com características democráticas. Ao reformar a burocracia chinesa, Deng introduziu características democráticas, especificamente a responsabilização, a competição e limites parciais ao poder, no sistema de partido único do país. A experiência da China na era das reformas mostra que mesmo uma injeção parcial de qualidades democráticas em um sistema autocrático pode desencadear uma tremenda iniciativa e capacidade de adaptação. As democracias ocidentais não precisam temer o modelo chinês. Em vez disso, devem se preocupar com a interpretação errônea generalizada desse modelo pelo Ocidente, pelo mundo em desenvolvimento e pelas próprias elites políticas chinesas.

DEFININDO O MODELO CHINÊS

Hoje, parece que todos têm uma opinião sobre o modelo chinês. Para os meios de comunicação ocidentais, trata-se simplesmente de capitalismo autoritário — um regime de partido único combinado com ampla propriedade estatal e controle sobre a economia. Muitos especialistas compartilham variantes dessa interpretação. McGregor define o sistema chinês como "um partido de estilo leninista com uma cultura burocrática secular". O economista Barry Eichengreen o resume em "forte controle político".

Mas outros discordam. O analista Joshua Cooper Ramo cunhou o termo "Consenso de Pequim" para descrever um modelo de desenvolvimento baseado em inovação, no qual o sucesso econômico é medido "não pelo crescimento do PIB, mas pela sustentabilidade e igualdade" (uma surpresa para qualquer pessoa familiarizada com o grave problema de desigualdade na China). O comentarista chinês Zhang Weiwei, por outro lado, afirma que condições "super" — "uma população supergrande, um território superdimensionado, uma história superlonga e uma cultura superrica" ​​— criaram um modelo caracterizado por uma economia mista, reformas incrementais e um Estado esclarecido. O teórico Daniel Bell, por sua vez, apresenta a China como uma meritocracia, na qual os funcionários são selecionados por competência, e não por eleições multipartidárias.

Todas essas interpretações estão parcialmente corretas, mas nenhuma delas é completa. A China é um país vasto que mudou rapidamente nas últimas quatro décadas. Como resultado, existem modelos chineses numerosos e, às vezes, contraditórios, dependendo de onde e quando se olha.

Considere, por exemplo, um dos condados mais prósperos da província de Zhejiang (no meu livro, uso o pseudônimo "Condado Abençoado" para garantir o anonimato). Entre 1978 e 1993, quando o capitalismo privado ainda era proibido, esse condado dependia de empresas coletivas, de propriedade de governos de aldeias e municípios. Apesar da ausência de direitos formais de propriedade privada, a produção industrial cresceu 33 vezes durante esse período, pois as unidades econômicas coletivas puderam reter integralmente seus lucros. Visto isoladamente, este instantâneo demonstra que reformas incrementais à margem de uma economia planejada foram suficientes para impulsionar o crescimento.

Mas a história não termina aqui. Entre 1993 e 1995, enquanto Pequim liberalizava ainda mais os mercados, o governo do condado privatizou empresas coletivas em massa. Embora a ausência de direitos de propriedade privada não tenha impedido a produção industrial de decolar, ela dificultou a expansão dos negócios. Ao facilitar a privatização e se abster de intervir diretamente na economia, as autoridades locais apoiaram o surgimento da primeira geração de empreendedores privados do condado, vários dos quais se tornaram titãs corporativos globalmente competitivos. Este segundo instantâneo valida o "Consenso de Washington", a crença de que os direitos de propriedade privada e um governo limitado são os pré-requisitos necessários para o crescimento econômico.

Ao entrarmos na primeira década deste século, com o florescimento das indústrias locais, o condado tornou-se congestionado e caótico. Isso levou empresas privadas a solicitar a intervenção do governo para coordenar o zoneamento de diversas indústrias e o planejamento urbano. Para isso, a liderança local teve que realocar fábricas e moradores, às vezes por meio de coerção. Mas essa medida contundente criou um novo distrito comercial no coração do condado, onde as empresas podiam se reunir. Essa medida estimulou a disseminação de serviços como gestão financeira e marketing, que ajudaram na modernização das indústrias. Também melhorou significativamente o trânsito e a qualidade de vida residencial. Essas medidas abrangentes levaram a prosperidade do condado a um novo patamar, não apenas aumentando a produção, mas também transformando a estrutura da economia. Este terceiro panorama, de 2000 a 2010, fornece evidências para a teoria de que a intervenção estatal e o planejamento rigorosos podem estimular o crescimento econômico.

Em uma pequena área da China com uma população de menos de um milhão de pessoas, é possível observar três modelos de desenvolvimento radicalmente diferentes, cada um dos quais desempenhou um papel importante na transformação econômica e social da região.

IMPROVISAÇÃO DIRIGIDA

A maioria das explicações sobre o modelo chinês destaca qualidades que prevaleceram apenas em determinados locais e em determinados momentos. Isso não significa, contudo, que não exista um modelo chinês. Desde 1978, a característica mais consistente do desenvolvimento da China tem sido o sistema de governo que permitiu o surgimento de mudanças contínuas, muitas vezes de maneiras inesperadas.

Esse sistema adaptativo, legado por Deng, é o que chamo de "improvisação dirigida". Três décadas desastrosas sob a ditadura de Mao Zedong ensinaram aos reformistas que assumiram o poder sobre os limites e perigos do controle de cima para baixo. Embora Deng rejeitasse a democracia de estilo ocidental, ele também estava determinado a remover as amarras ideológicas e liberar a iniciativa de baixo para cima dentro da vasta burocracia chinesa.

Sob Deng, Pequim tornou-se um diretor, não um ditador. Em vez de tentar comandar seu caminho para a rápida industrialização e crescimento, os reformistas se concentraram em criar as condições certas para que autoridades de escalão inferior impulsionassem o desenvolvimento em suas próprias comunidades usando recursos locais. Isso implicou mais do que apenas descentralização. Simplesmente permitir que as localidades fizessem o que quisessem teria gerado o caos; Pequim esteve altamente envolvida na definição de limites, iniciando reformas em áreas políticas que se complementavam e definindo os critérios de sucesso burocrático. Posteriormente, também começou a intervir para equilibrar regiões ricas e pobres, incentivando a transferência interna de indústria e capital.

Embora a liderança chinesa não tenha concedido direitos políticos formais à sociedade civil, essas mudanças liberaram o vasto funcionalismo público chinês, tão populoso quanto um país de médio porte, para tomar iniciativas e inovar. Nesse ambiente, regiões em toda a China improvisaram coletivamente uma grande variedade de modelos de desenvolvimento adaptados às condições e necessidades locais.

Uma vez revelado o quadro completo, fica claro que não foram apenas o governo de partido único e a propriedade estatal que impulsionaram a dramática ascensão econômica da China. Sem dúvida, Pequim oscilou no barômetro de controle nas últimas décadas, e Xi agora exerce mais controle do que seus antecessores. Mas a experiência mostrou que impor uma supervisão política rigorosa e confiar em comandos de cima para baixo geralmente não teve o efeito desejado para Pequim. Por exemplo, na tentativa de conter a queda dos preços das ações em 2015, o governo Xi implementou uma série de imposições, como obrigar os bancos estatais a comprar ações e não vendê-las. No final, esses esforços não apenas fracassaram, como também desperdiçaram bilhões de dólares. Para as elites governantes, isso foi um novo lembrete de que os mercados podem ser guiados, mas não podem ser controlados com precisão.

O VERDADEIRO MODELO CHINÊS

Visitantes impressionados com a infraestrutura reluzente e a crescente riqueza das cidades de primeira linha da China podem ser tentados a concluir que tal prosperidade é resultado do autoritarismo. Mas, desde que o Partido Comunista Chinês assumiu o poder em 1949, o regime de partido único coincidiu com um fracasso abjeto, bem como com um sucesso dramático. O esforço de Mao para alcançar a produção industrial do Reino Unido em sete anos culminou na maior fome provocada pelo homem no mundo: 30 milhões de camponeses morreram de fome em três anos.

É importante notar que mesmo os formuladores de políticas chineses não conseguem chegar a um consenso sobre qual é o modelo chinês. Em Pequim, as elites ainda debatem se foi o maoísmo ou o dengismo, o planejamento central ou a descentralização, o investimento público ou o capital privado que desempenharam um papel mais importante no desenvolvimento da China — e qual deve ser o equilíbrio certo para o futuro. Apesar de instar outros países a aprenderem com a "sabedoria chinesa" e a "solução chinesa", Xi nunca especifica o que isso significa. Não é de surpreender que as tentativas da China de compartilhar lições de seu desenvolvimento com outros países frequentemente se reduzam à exibição de locais modelo, à invocação do confucionismo ou à representação idealista do partido como "meritocrático". Mais preocupante ainda, ao centralizar o poder e restringir a liberdade, o regime atual está se afastando da improvisação dirigida, que possibilitou a adaptabilidade da China nas últimas quatro décadas, e caminhando em direção ao controle de cima para baixo, que fracassou durante a era maoísta.

Certamente, há lições valiosas a serem extraídas do desenvolvimento da China — o país alcançou uma duração sem precedentes de crescimento econômico sustentado e tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza no processo. Mas é crucial tirar as lições certas. A autocracia por si só não foi a chave para o crescimento impressionante da China. Em vez disso, foi a introdução de algumas qualidades democráticas por meio de reformas burocráticas e a disposição de Pequim em permitir e direcionar a improvisação local que possibilitou o dinamismo econômico do país. Em vez de depender de comandos de cima para baixo, o país alavancou o conhecimento e os recursos locais, promoveu a diversidade e motivou as pessoas a contribuírem com suas ideias e esforços. Essas características devem ser familiares a qualquer democracia; a China acaba de incorporá-las ao regime de partido único.

YUEN YUEN ANG é Professor Associado de Ciência Política na Universidade de Michigan e autor de "How China Escaped the Poverty Trap".

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