21 de agosto de 2014

Isis se consolida

As fronteiras do novo Califado declarado pelo Isis em 29 de junho estão se expandindo a cada dia e agora cobrem uma área maior que a Grã-Bretanha e habitada por pelo menos seis milhões de pessoas.

Patrick Cockburn

London Review of Books


Tradução / Com a atenção do mundo focada na Ucrânia e em Gaza, o Estado Islâmico no Iraque e Síria (EIIL) capturou um terço da Síria além do um quarto do Iraque que já tinha capturado em junho. As fronteiras do novo califado declarado em 29 de junho de 2014 pelo ISIL estão crescendo dia a dia e já cobrem uma superfície maior que a Grã-Bretanha e habitada por pelo menos 6 milhões de pessoas, população maior que da Dinamarca, Finlândia ou Irlanda. Em poucas semanas de combates na Síria o EIIL já se estabeleceu como força dominante da oposição síria, deslocando a afiliada oficial da al-Qaeda, Frente al-Nusra, na província de Deir Ezzor, rica em petróleo, depois de executar O seu comandante local, quando tentava fugir. No norte da Síria, cerca de 5 mil combatentes do EIIL estão usando tanques e artilharia que capturaram do exército iraquiano em Mosul, para sitiar meio milhão de curdos no enclave onde vivem em Kobani, na fronteira turca. Na Síria central, perto de Palmyra, o EIIL combateu contra o exército sírio para assumir o controle do campo de gás de al-Shaer, um dos maiores do país, num ataque surpresa que deixou cerca de 300 soldados e civis mortos. O exército precisou de vários contra-ataques, até que finalmente retomou o controle do campo de gás, mas o EIIL está controlando grande parte da produção de gás e petróleo da Síria. O Califado é pobre e isolado, mas seus poços de petróleo e as estradas que controlam lhe garantem renda considerável, além da pilhagem de guerra.

O nascimento do novo estado é a mudança mais radical na geografia política do Oriente Médio desde que o Acordo Sykes-Picot foi implementado no fim da I Guerra Mundial. Contudo, essa transformação explosiva criou surpreendentemente pouco alarme internacional, nem mesmo entre os que, no Iraque e na Síria, ainda não estão sendo governados pelo EIIL. Políticos e diplomatas tendem a tratar o EIIL como se fosse uma espécie de partido beduíno que surge repentinamente em pleno deserto, vence vitórias espetaculares e em seguida retorna para suas fortalezas, deixando o status quo praticamente inalterado. É um cenário possível, mas a cada dia menos provável, à medida que o EIIL consolida o próprio poder numa área que rapidamente se vai estendendo do Irã ao Mediterrâneo.

A própria velocidade e o inesperado do surgimento e da ascensão têm induzido líderes regionais e ocidentais a desejar que a queda do EIIL e a implosão do Califado sejam igualmente rápidas e dramáticas. Mas tudo sugere que não passe de pensamento desejante, e a tendência parece ser que tudo ande na direção exatamente oposta, com os opositores do EIIL mais fracos dia a dia e cada vez menos capazes de resistir: no Iraque o exército não dá sinais de ter se recuperado das derrotas iniciais e ainda não conseguiu um único contra-ataque bem sucedido; na Síria, outros grupos de oposição, inclusive os experientes combatentes da Frente al-Nusra e de Ahrar al-Sham, estão desmoralizados e em desintegração, acossados de um lado pelo EIIL e, do outro, pelo governo Assad. Karen Koning Abuzayd, membro da Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria, diz que cada vez mais rebeldes sírios desertam para unir-se ao EIIL: "Eles veem que é melhor; são mais fortes, vencem batalhas, tomam territórios, eles têm dinheiro, podem fornecer treinamento”. É uma péssima notícia para o governo, que em 2012 e 2013 resistiu com sacrifício a assalto de rebeldes muito menos bem treinados, organizados e armados que o EIIL; e que enfrentará dificuldades reais para impedir que as força do Califado avancem para Ocidente.

Em Bagdá houve choque e horror dia 10/6/2014, ante a queda de Mosul; e as pessoas perceberam que caminhões carregados de bandidos armados do ISIL estavam a uma hora de distância, de carro. Mas em vez de assaltar Bagdá, o ISIL tomou quase toda a província de Anbar, a grande província sunita que se estende pelo oeste do Iraque, na duas margens do rio Eufrates. Em Bagdá, com população de sete milhões, majoritariamente xiitas, as pessoas sabem o que esperar, se os assassinos antixiitas do ISIL capturarem a cidade; mas agarram-se à esperança de que a calamidade ainda não aconteceu. Tivemos medo do desastre militar inicial, mas quem vive em Bagdá já se acostumou com crises ao longo dos últimos 35 anos – disse uma mulher. Mesmo com o ISIL às portas dali, os políticos iraquianos continuaram com seus joguinhos, ocupados só com substituir o desacreditado primeiro-ministro Nouri al-Maliki.

É verdadeiramente surreal, se se ouve qualquer líder político em Bagdá, ele fala como se já não tivessem perdido metade do país − disse um ex-ministro iraquiano. Voluntários partiram para o front depois de uma fatwa emitida pelo Grande Aiatolá  Ali al-Sistani, o mais influente clérigo xiita do Iraque. Mas esses combatentes já estão voltando para casa, reclamando que passaram fome e foram obrigados a usar as próprias armas e a pagar pela própria munição. O único grande contra-ataque lançado pelo exército regular e a recém organizada milícia local xiita foi ação desastrada em Tikrit, dia 15/7/2014, quando foram emboscados e derrotados com pesadas baixas. Não há nenhum sinal de que a natureza disfuncional do exército iraquiano tenha mudado. Usaram só um helicóptero para dar apoio às tropas em Tikrit. Queria só saber: o que, afinal, aconteceu aos 140 helicópteros que o estado iraquiano comprou em anos recentes? – disse o ex-ministro.

O mais provável é que o dinheiro para pagar os 139 helicópteros que faltam tenha sido roubado. Há muitos estados completamente corruptos no mundo, mas poucos põem a mãos em US$ 100 bilhões, da venda de petróleo, por ano, para roubar. O principal objetivo de muitos oficiais sempre foi ter a maior mochila possível; e pouco se incomodam se os grupos jihadistas fizerem o mesmo. Conheci um empresário turco em Bagdá que contou que tivera um grande contrato de construção em Mosul ao longo dos últimos alguns anos. O emir local ou líder do ISIL, ainda conhecido então como al-Qaeda no Iraque, pedia US$ 500 mil dólares por mês, como “dinheiro de proteção”. Cansei de denunciar a extorsão ao governo em Bagdá. Nunca fizeram nem jamais fariam coisa alguma, exceto dizer que eu podia acrescentar ao contrato o dinheiro que pagava à al-Qaeda – disse-me o empresário. O emir acabou morto logo depois, e seu sucessor exigiu que o dinheiro de proteção aumentasse para US$ 1 milhão por mês. O empresário recusou-se a pagar; um de seus empregados iraquianos foi assassinado; e o homem mudou-se, com sua equipe turca e suas máquinas, para a Turquia. Tempos depois, recebi mensagem da al-Qaeda dizendo que o preço voltara aos US$ 500 mil dólares e eu podia retornar – contou-me ele. Aconteceu pouco antes de o ISIL capturar a cidade.

Ante esses fracassos, a maioria xiita do Iraque tem-se consolado com duas crenças que, se confirmadas, indicarão que a atual situação não é tão perigosa quanto parece. Dizem que os sunitas do Iraque revoltaram-se, e os combatentes do ISIL não passam de tropa de choque, ou uma espécie de combatentes de vanguarda de um levante provocado pelas políticas e ações antissunitas de Maliki. Tão logo Maliki seja substituído, como quase com certeza será, Bagdá oferecerá aos sunitas um novo acordo de partilha de poder com autonomia regional semelhante à de que os curdos gozam. Então, as tribos sunitas, ex-oficiais militares e Baathistas que permitiram que o ISIL assumisse a liderança da revolta sunita voltar-se-ão contra aqueles seus ferozes aliados. Apesar dos muitos sinais do contrário, xiitas de todos os níveis têm investido muita fé nesse mito, de que o ISIL é fraco e pode ser facilmente descartado por sunitas moderados, tão logo tenham alcançado o que querem. Um xiita disse-me: "Gostaria de saber se EIIL realmente existe."

Infelizmente, não apenas o ISIL existe, como, ainda pior, é organização eficiente e cruel, que não tem intenção alguma de esperar pela traição dos seus aliados sunitas. Em Mosul já exigiu que todos os combatentes da oposição jurassem fidelidade ao Califato ou depusessem armas. No final de junho, início de julho, prenderam algo entre 15 e 20 comandantes do tempo de Saddam Hussein, inclusive dois generais. Grupos que exibiam fotos de Saddam receberam ordens para recolhê-las, ou enfrentar a punição. Não me parece provável que o resto da oposição militar sunita consiga levantar-se com sucesso contra o ISIL. Se quiserem fazê-lo, melhor agirem rápido, antes que o ISIL torne-se forte demais − disse  Aymenn al-Tamimi, especialista em grupos jihadistas. Disse também que a ala supostamente mais moderada da oposição sunita nada fizera, quando os remanescentes da comunidade cristã em Mosul foram forçados a fugir, depois que o ISIL decretou que ou se convertessem ao Islã, ou pagassem um imposto especial, ou seriam executados. Membros de outras seitas e grupos étnicos denunciados como xiitas ou politeístas têm sido perseguidos, aprisionados e assassinados. Já vai longe o momento em que a oposição não-ISIL poderia ter tentado qualquer tipo de confrontação.

Os xiitasdo Iraque têm mais uma explicação de por que o exército desintegrou-se: porque teria sido apunhalado pelas costas pelos curdos. No esforço para afastar de si a culpa, Maliki tem dito que Erbil, a capital curda, “é quartel-general do ISIL, de Baathistas, da al-Qaeda e de terroristas”. Muitos xiitas acreditam nisso: fá-los sentir que as suas forças de segurança (em termos nominais 350 mil soldados e 650 mil policiais) falharam porque foram traídas, não porque se recusaram a lutar. Um iraquiano me disse que esteve num jantar de Iftar durante o Ramadã, com uma centena de profissionais xiitas, a maioria médicos e engenheiros, e todos aceitavam como correta a teoria de “os curdos nos apunhalaram pelas costas” para explicar tudo que saiu errado. A confrontação com os curdos é importante, porque torna possível criar uma frente unitária contra o ISIL. O líder curdo, Massoud Barzani, aproveitou-se da saída do exército iraquiano para tomar todos os territórios, inclusive a cidade de Kirkuk, objeto de disputa entre curdos e árabes desde 2003. Tem agora uma fronteira comum de 600 milhas com o Califato e é um aliado óbvio para Bagdá, onde os curdos participam do governo. Ao fazer dos curdos e seu bode expiatório, Maliki garante que os xiitas não tenham aliados na luta deles contra o ISIL se o ISIL retomar seu ataque na direção de Bagdá. A fragilidade militar do governo de Bagdá foi surpresa para o ISIL e seus aliados sunitas. É pouco provável que se satisfaçam com autonomia regional para províncias sunitas e parte maior na partilha de empregos e da renda do petróleo. O levante deles está convertido em ampla contrarrevolução que visa a retomar o poder em todo o Iraque.

No momento, Bagdá vive sob pouco convicta atmosfera de guerra, como Londres ou Paris no final de 1939 ou início de 1940, e por razões similares. As pessoas temeram batalha terrível pela capital depois da queda de Mosul, mas não aconteceu até agora, e os otimistas esperam que não aconteça nunca. A vida é menos confortável que antes, em alguns dias só há quatro horas de eletricidade, mas pelo menos a guerra ainda não chegou ao coração da cidade. Seja como for, algum tipo de ataque militar, direto ou indireto, provavelmente acontecerá, tão logo o ISIL tenha consolidado seu controle sobre o território que acaba de conquistar: o grupo vê suas vitórias como inspiradas por Deus. Creem no processo de matar ou expulsar xiitas, mais do que de negociar com eles, como já demonstraram em Mosul. Alguns líderes xiitas podem estar supondo e considerando que os EUA ou o Irã sempre intervirão para salvar Bagdá, mas essas potências, hoje, relutam em pôr os pés no pântano iraquiano e apoiar um governo disfuncional.

Os líderes xiitas do Iraque ainda não se renderam ao fato de que seu tempo de dominação sobre o estado iraquiano até que os EUA derrubaram Saddam Hussein acabou-se, ou dele só resta bem pouca coisa. Acabou por causa da própria incompetência e corrupção dos xiitas e porque o levante sunita na Síria em 2011 desestabilizou o equilíbrio sectário do poder no Iraque. Três anos depois, a vitória sunita no Iraque liderada pelo ISIL ameaça romper o impasse militar na Síria. Assad tem conseguido avançar lenta mas firmemente contra uma oposição cada vez mais fraca: em Damasco e arredores, nas montanhas Qalamoun e na fronteira do Líbano e em Homs, forças do governo têm avançado devagar, mas já estão bem perto de cercar o encave rebelde em Aleppo. Mas as tropas de combate de Assad são visivelmente pouco densas em solo, têm de evitar grande número de baixas e só podem combater num front de cada vez. A tática do governo é devastar um distrito onde estejam os rebeldes com fogo de artilharia e bombardeio de helicópteros, forçar a maior parte da população a deixar a área, vedar o que já é um mar de ruínas e, afinal, forçar os rebeldes à rendição. Mas a chegada de grandes números de combatentes bem armados do ISIL, ainda movidos pelo entusiasmo de sucessos recentes, será novo e perigoso desafio que Assad terá de enfrentar. Eles já arrasaram duas importantes guarnições do exército sírio no leste, no final de julho (uma teoria conspiracional, para a qual muito contribuíram o restante da oposição síria e diplomatas ocidentais, segundo a qual o ISIL e Assad estariam mancomunados, já se comprovou absolutamente falsa).

É possível que ISIL decida avançar sobre Aleppo, em vez de avançar para Bagdá: é alvo mais vulnerável e com menos probabilidade de desencadear intervenção internacional. Assim se criará um dilema para o ocidente e seus aliados regionais – Arábia Saudita e Turquia: sua política oficial visa a derrubar Assad, mas o ISIL vai-se convertendo na segunda mais poderosa força militar na Síria. Se Assad cair, o Califato estará em boa posição para ocupar o lugar dele. Como os líderes xiitas em Bagdá, os EUA e aliados responderam com mergulho num universo de fantasia, ao crescimento do ISIL. Tentam convencer-se (e fazer-crer) que estariam alimentando uma ‘'terceira força'’ de rebeldes sírios moderados para combater contra simultaneamente Assad e ISIL, embora, em conversas privadas, diplomatas ocidentais admitam que tal grupo realmente não existe fora de um poucos bolsões sob ataque. Aymenn al-Tamimi confirmou que essa oposição apoiada pelo ocidente “está mais e mais fraca, a cada dia”; acredita que fornecer-lhe mais armas não fará qualquer grande diferença. A Jordânia, pressionada por EUA e Arábia Saudita, deve garantir plataforma de lançamento para essa aventura arriscada, mas já está procurando meio para “tirar o corpo”. A Jordânia tem medo do ISIL –  disse, em Amã, um funcionário da Jordânia. – A maioria dos jordanianos deseja que Assad vença essa guerra. Disse também que a Jordânia tem de enfrentar a pressão de acomodar grande número de refugiados sírios, o equivalente a toda a população do México mudar-se, em um ano, para os EUA.


Os pais adotivos do ISIL e de outros movimentos de sunitas jihadistas no Iraque e na Síria são a Arábia Saudita, as monarquias do Golfo e a Turquia. Não significa que os jihadistas não tenham fortes raízes locais, mais o crescimento dos movimentos foi crucialmente apoiado por potências sunitas externas. A ajuda de sauditas e qataris é basicamente financeira, em geral mediante doações privadas, que Richard Dearlove, ex-diretor do MI6, diz que foram essenciais para que o ISIL tomasse as províncias sunitas no norte do Iraque: Essas coisas não acontecem espontaneamente. Em conferência em Londres, em julho, ele disse que "(...) a política saudita para os jihadistas tem dois motivos contraditórios: medo de ter jihadistas operando dentro da Arábia Saudita; e um desejo de usá-los contra potências xiitas fora da Arábia Saudita. Disse que: (...) os sauditas são profundamente atraídos a favor de qualquer militância com chances de efetivamente desafiar o xiismo." É bem pouco provável que a comunidade sunita como um todo, no Iraque, se tivesse aliado ao ISIL sem o apoio que a Arábia Saudita deu direta ou indiretamente a muitos movimentos sunitas. O mesmo vale para a Síria, onde o príncipe Bandar bin Sultan, ex-embaixador dos sauditas em Washington e chefe da inteligência saudita de 2012 até fevereiro de 2014, estava fazendo todo o possível para garantir apoio à oposição jihadista, até ser demitido. Agora, assustados ante o que ajudaram a criar, os sauditas tentam mover-se agora noutra direção, prendendo voluntários jihadistas, mais do que fingindo que não veem quando partem para Síria e Iraque. Mas pode ser tarde demais. Os jihadistas sauditas não têm grande amor pela Casa de Saud. Em 23 de julho de 2014, o ISIL lançou um ataque contra um dos últimos quartéis do exército sírio na província de Raqqa, no norte. Começou com um ataque de suicida em carro-bomba. O veículo era dirigido por um saudita, Khatab al-Najdi, que colou, nas janelas do carro, fotos de três mulheres presas em prisões sauditas; uma delas, Hila al-Kasir, sua sobrinha.

O papel da Turquia tem sido diferente, mas não menos significativo que o da Arábia Saudita, ajudando o ISIL e outros grupos jihadistas. A mais importante ação da Turquia tem sido manter aberta sua fronteira de mais de 800 quilômetros, com a Síria. Com isso, ISIL, al-Nusra e outros grupos da oposição têm sempre uma saída/entrada pela retaguarda, por onde receber homens e armas. Os pontos de passagem na fronteira têm sido locais da disputas mais encarniçadas durante a “guerra civil dos rebeldes, dentro da guerra civil”. Muitos jihadistas estrangeiros cruzaram a Turquia na viagem rumo à Síria e ao Iraque. É difícil obter números precisos, mas o Ministério do Interior do Marrocos disse recentemente que 1.122 jihadistas marroquinos haviam entrado na Síria, incluídos os 900 que viajaram em 2013, 200 dos quais foram mortos. A segurança iraquiana suspeita de que a inteligência militar turca tenha-se envolvido profundamente na ajuda ao ISIL, quando se reconstituía, em 2011. Relatos que chegam da fronteira turca informam que o ISIL já não é bem-vindo; mas com as armas capturadas do exército iraquiano e a tomada de campos de petróleo e gás sírios, o ISIL já não carece tanto de ajuda externa.

Para EUA, Grã-Bretanha e demais potências ocidentais, o crescimento do ISIL e do Califato é desastre total, absoluto. Fosse qual fosse o objetivo de terem invadido o Iraque em 2003 e de tantos esforços para derrubar Assad na Síria desde 2011, com certeza não o fizeram para ver surgir um estado jihadista que só faz crescer no norte do Iraque e Síria, comandado por movimento cem vezes maior e muito mais bem organizado que a al-Qaeda de Osama bin Laden. A guerra ao terror, pela qual se feriram de morte as liberdades civis e na qual se consumiram centenas de bilhões de dólares, falhou miseravelmente. A crença de que o ISIL estaria interessado só em lutas de “muçulmanos contra muçulmanos” é mais um exemplo de pensamento delirante desejante: o ISIL já mostrou que combaterá contra qualquer um que não se renda à sua variante puritana, pervertida e violenta de islamismo. A grande diferença ente o ISIL e a al-Qaeda é que é movimento militar bem organizado, que se dedica a selecionar cuidadosamente os próprios alvos e o momento adequado para atacá-los.

Em Bagdá, muitos contam com que os excessos do ISIL – explodir mesquitas e violar santuários, como em Younis (Jonah) em Mosul – acabará por levar os sunitas a se afastarem do movimento. É possível que aconteça, no longo prazo; mas opor-se ao ISIL é extremamente perigoso e, por sua brutalidade, está podendo oferecer vitórias a uma comunidade sunita sempre perseguida e derrotada. Até os sunitas em Mosul, que não gostam deles, temem um retorno de algum governo iraquiano vingativo dominado por xiitas. Até aqui, a resposta de Bagdá ante a própria derrota foi bombardear Mosul e Tikrit indiscriminadamente, o que indica claramente à população local que o governo de Maliki não está preocupado nem com a sobrevivência de civis. O medo não mudará, nem se Maliki for substituído por um primeiro-ministro mais conciliador. Em Mosul, um sunita, pouco depois de um míssil disparado por forças do governo explodir na cidade, escreveu-me: Forças de Maliki já demoliram a Universidade de Tikrit. São só escombros e confusão por toda a cidade. Se Maliki nos pegar em Mosul, matará todo mundo ou criará uma multidão de refugiados. Rezem por nós. Esse tipo de avaliação é frequente e indica que é cada vez menos provável que os sunitas se levantem em oposição ao ISIL e seu Califato. Nasceu um estado: novo e aterrorizante.

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