A história das greves gerais no Brasil mostra por que a do mês passado - a maior do país até agora - foi tão vital.
Jacobin
Multidão em São Paulo, Brasil, em 28 de abril de 2017. Créditos: Pedro Maia Veiga |
Em 28 de abril, as imagens transmitidas pelas mídias sociais brasileiras de pneus queimados em dezenas de estradas - bloqueadas em todo o país antes do amanhecer por grupos de trabalhadores organizados - de garagens de ônibus, estações de transporte fluvial, acesso ao aeroporto, todos fechados por grupos carregando cartazes e bandeiras vermelhas, afirmando o poder das pessoas que vivem da sua força de trabalho: greve geral! Imagens que ilustravam as notícias de fábricas fechadas, lojas e serviços. Houve uma paralisia total do transporte urbano na maioria das capitais e em muitas pequenas cidades do norte e nordeste do Brasil, bem como nas capitais do sul.
A principal metrópole do Brasil, São Paulo, estava totalmente paralisada; o Rio de Janeiro e outras capitais ficaram parcialmente paralisadas. Podemos dizer, sem maiores investigações, que o Brasil foi amplamente afetado pela greve de 28 de abril. Os protestos maciços no final do dia só reforçaram esta observação.
Entre a nova geração de militantes - responsáveis pelo dilúvio de imagens e postagens relacionadas à greve em toda a mídia social - que não testemunharam a última greve geral bem sucedida, em 1989 (ou mesmo as duas tentativas limitadas nos anos 90), a alegria de compartilhar essas imagens e notícias evocava os melhores sentimentos da luta socialista. Os mesmos sentimentos que se sentiram cem anos atrás, durante a Revolução Russa, onde a greve geral desempenhou um papel importante.
Em 23 de fevereiro de 1917, as trabalhadoras das fábricas de tecidos, contra o conselho de líderes socialistas, lançaram uma greve que se espalhou por Petrogrado e outras cidades industrializadas, levando milhares de trabalhadores a abandonar seus locais de trabalho. Este confronto entre os grevistas e as forças repressivas do czar foi o primeiro momento da revolução. A greve geral não representava todo o processo revolucionário; o povo russo ainda teria de passar por outros momentos de disputa de poder, no Governo Provisório e nos sovietes. Ainda assim, teve um papel importante no processo revolucionário.
Nem todas as greves gerais lideram o caminho da revolução, embora tenham sempre um impacto sólido sobre o equilíbrio de forças num determinado período. Os exemplos na história do Brasil são significativos.
Em agosto de 1903, trabalhadores de uma fábrica de confecções do Rio de Janeiro pararam o trabalho, exigindo uma jornada de oito horas e um aumento salarial de 40%. Ao longo de vinte e seis dias, a greve espalhou-se pelas fábricas de vestuário e em outros setores, reunindo cerca de quarenta mil trabalhadores (vinte e cinco mil da indústria de tecidos). Suas reivindicações foram apenas parcialmente satisfeitas e a repressão foi brutal. Centenas de grevistas foram despedidos e as federações dos trabalhadores foram fechadas. Apesar disso, a ação dos trabalhadores produziu um resultado positivo com a criação de vários sindicatos durante e após a greve.
Logo depois, foi criada uma federação sindical, que mais tarde se tornaria a Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro (1905), uma organização que promoveu o Congresso Brasileiro dos Trabalhadores em 1906. Este congresso fundou a Confederação Brasileira de Trabalhadores (COB), o embrião da primeira federação sindical do país. Em 1906, outra greve geral paralisaria Porto Alegre, na época relativamente industrializada. Em 1917 ocorreu a maior greve do período; iniciada nas fábricas de confecção e espalhada para vários setores, paralisou cerca de setenta mil trabalhadores em São Paulo (naquela época já a maior cidade industrial do país) por vários dias. As autoridades e os empregadores foram obrigados a negociar uma agenda apresentada por uma comissão de representação dos trabalhadores (formada através da greve), aceitando algumas das reivindicações dos trabalhadores em troca da suspensão da greve.
Uma onda de greves continuou nos próximos anos; o Estado aumentou a repressão, mas também iniciou uma discussão sobre a necessidade de leis que reconhecessem as demandas dos trabalhadores. Após quase cinquenta anos, ocorreu no Brasil a primeira greve geral com características verdadeiramente nacionais. Foi em 1962, e sua maior demanda foi o "décimo terceiro salário" [como os trabalhadores brasileiros são pagos mensalmente, o "décimo terceiro salário" iria garantir um salário extra no final do ano].
A greve exigiu também um gabinete ministerial nacionalista (após a renúncia de Jânio Quadros, o então vice-presidente João Goulart assumiu a presidência, graças à pressão da esquerda e da classe trabalhadora. No entanto, os partidos governantes limitaram seus poderes e adotaram o sistema parlamentar). O corpo de coordenação da greve posteriormente evoluiu para o Comando Geral dos Trabalhadores, um novo embrião da federação sindical que liderou outras greves antes do golpe militar em 1964.
Portanto, essas greves gerais, embora não conduzissem à revolução, afetaram a correlação de forças na luta de classes em três níveis cruciais. Obtiveram direitos (como o décimo terceiro salário, ganhado em 1962); avançaram vigorosamente para a organização da classe (como se viu indiretamente na greve do Rio de Janeiro em 1903 e diretamente em 1962), e impactaram a política em escala nacional. Cada greve tem um conteúdo político, uma vez que confronta o capital, mas em greves gerais, esse conteúdo é explícito e pode forçar uma mudança de postura pelas autoridades, como foi o caso da greve de 1917.
A greve geral de 1989, mencionada anteriormente, foi a maior greve da história do Brasil, paralisando mais de 70% da população ao longo de quarenta e oito horas e combinando de maneira única os três elementos mencionados acima. A década de 1980 devolveu a greve geral ao reino do possível - quatro delas ocorreram naquela década, em intensidades variadas - devido a uma onda de luta social que culminou com uma reorganização da classe trabalhadora. A ascensão da Central Unica de Trabalhadores (CUT) em 1983 foi a maior conquista desse processo.
A agenda de greve de 1989 incluía, como a maioria das greves na época, o reposição dos salários perdidos devido à inflação e a garantia de salários atrelados à inflação. Além disso, seu conteúdo político era claro. As lutas sindicais desde o final da década de 1970 constituíram o maior desafio ao padrão de transição política, conduzido de cima para baixo, que acabou com a ditadura. A resistência dos trabalhadores também se manifestou no sistema partidário. Através da criação do Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980, erigiu um poder capaz de atrair e orientar um amplo grupo de movimentos em torno de um programa vagamente socialista numa disputa institucional que culminou em 1989 com o candidato do PT Luís Inácio Lula da Silva ido para o segundo turno nas eleições presidenciais.
Enquanto escrevo, ainda afetado pelas belas imagens da greve de abril e pelos registros da brutal repressão policial que se seguiu, as federações sindicais anunciaram que 28 de abril, em números absolutos, foi a maior greve geral da história do Brasil, superando os trinta e cinco milhões de trabalhadores que atingiu em 1989. Não é possível prever as consequências desta greve. Mas haverá conseqüências. Nos três níveis mencionados anteriormente, a mudança é inevitável e, embora uma greve geral como a do mês passado tende a provocar retaliações no curto prazo, é em última análise positiva para a classe trabalhadora.
No nível de reivindicações imediatas, a greve geral foi bem-sucedida ao despertar a consciência das terríveis medidas que o Congresso brasileiro aprovou. A reforma trabalhista (aprovada vinte e quatro horas antes da greve), que complementa a lei de terceirização, revoga muitos direitos trabalhistas e quebra os instrumentos de negociação que limitam a exploração de capital dos trabalhadores. Há também a reforma das pensões, cujo objetivo é transformar a aposentadoria (apoiada por fundos públicos) em um privilégio para aqueles que podem sobreviver ao longo de quatro décadas de exploração intensiva. Esta é uma questão de vida ou morte para nossa geração e para a próxima, pois destrói profundamente e rapidamente os direitos da classe trabalhadora.
É por isso que a greve geral foi essencial. Houve muitas dificuldades em organizá-lo, mas as mais significativas vieram das maiores federações sindicais. Depois de transformações graduais que levaram a um sindicalismo de conciliação social na década de 1990, a CUT - para falar sobre a mais importante delas - na década seguinte tornou-se um simples ramo sindical do governo do PT, servindo de amortecedor de conflito em vez de um mobilizador de massas. Mesmo agora, com o PT fora do governo, a CUT hesita em chamar sua base à luta, sempre subordinando essas mobilizações aos objetivos eleitorais de Lula e do PT. Se a greve geral encorajasse a oposição dentro dos maiores sindicatos e impulsionasse os pólos mais combativos do movimento sindical (CSP-Conlutas, Intersindical e outros grupos), isso poderia se tornar um novo marco no processo de reorganização dos sindicatos classe operária.
Quanto aos conflitos com o Estado, esperava-se a violência geral e a repressão policial, pois estamos lutando contra um governo que assumiu o poder por meio de um golpe parlamentar e judicial, que preserva a aparência da democracia institucional apenas para se proteger das reivindicações populares. No Rio de Janeiro, mais de cem mil pessoas tomaram as ruas, apesar da intensa repressão da polícia militar - que, a partir de 2013, continua, apesar de seu atraso de salários, a gastar milhões de reais em bombas e balas de borracha para cada protesto. O governo do Rio de Janeiro é tão corrupto que seu ex-governador e metade de seus secretários estão presos e o ex-vice-governador, agora na presidência, está continuamente associado aos atos criminosos da antiga administração.
O objetivo dessa revolução autocrática e contra-revolucionária do governo brasileiro é precisamente garantir essas contra-reformas, criando as condições para a intensificação da exploração dos trabalhadores, contrabalançando o declínio da taxa de lucro do capital. Além disso, a greve geral desempenha um papel crucial na reconfiguração da organização da classe trabalhadora e na elevação da luta dos "Fora Temer" para outro nível.
A reentrada dos trabalhadores de maneira organizada e combativa na política através da greve geral introduz desafios para os quais a esquerda socialista deve ser preparada: devemos antecipar a expansão das lutas; mover para parar e reverter as contra-reformas, acelerar e reorganizar os movimentos sociais e operários, e superar esse governo ilegítimo. Não é fácil, mas esperamos que as imagens e os acontecimentos de 28 de abril despertem os melhores instintos e sentimentos dos socialistas, para que possamos avançar essas lutas urgentes, das quais a greve geral poderia ser apenas o ponto de partida.
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