Michael McCanne
Jacobin
Tradução / Em julho de 1969, o Partido dos Panteras Negras convocou uma grande reunião em Oakland que atraiu grupos radicais de todo o país. Eles a chamaram de “Conferência para uma Frente Unida Contra o Fascismo”.
Os Panteras Negras e os Jovens Patriotas realizam uma conferência de imprensa em 1969. Foto de Linn Ehrlich. |
Tradução / Em julho de 1969, o Partido dos Panteras Negras convocou uma grande reunião em Oakland que atraiu grupos radicais de todo o país. Eles a chamaram de “Conferência para uma Frente Unida Contra o Fascismo”.
Numa tarde de sábado, entre discursos de representantes do Partido Comunista, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e dos Estudantes para uma Sociedade Democrática (SDS), um homem usando uma enorme fivela de cinto com pistolas subiu ao palco. Óculos escuros cobriam seus olhos, e sua jaqueta e boina de estilo militar ostentavam bandeiras confederadas.
“Nós viemos de um monstro”, disse ele com um forte sotaque do sul. “E as mandíbulas do monstro em Chicago estão moendo carne humana e cuspindo o sangue das pessoas pobres e oprimidas, os negros no sul, no oeste; os marrons no norte; e os vermelhos e amarelos; e sim, os brancos – pessoas brancas oprimidas.”
O nome do orador era William “Preacherman” [Pregador] Fesperman, e pertencia à organização dos Jovens Patriotas, um grupo radical formado por jovens da zona norte, empobrecida, de Chicago. Sua missão era organizar os brancos pobres para lutarem coletivamente, em solidariedade com as comunidades não-brancas.
Embora a organização tenha sobrevivido por apenas alguns anos, ela encarnava uma ideia radical: que brancos marginalizados poderiam se libertar dos grilhões do racismo e lutar ao lado de negros e pardos para criar uma nova sociedade.
Décadas depois, a “Coalizão Arco-Íris” criada pelos Panteras Negras e os Jovens Patriotas ainda oferece um modelo notável para a política de esquerda.
Um Harlem Caipira
Os Jovens Patriotas tinham suas raízes no bairro de Uptown, uma favela densamente habitada, formada por brancos pobres que haviam migrado do sul rural após a Segunda Guerra Mundial. A maioria estava fugindo do declínio da indústria de carvão do Appalachia, e trouxe consigo sua cultura: bandeiras confederadas penduradas nos bares, música country inundando os salões da sinuca. Em meados da década de 1960, os jornais locais se referiam a Uptown como o “Harlem Hillbilly”, em referência ao bairro de Nova York conhecido pela herança cultural afro-americana, e à maneira como são chamadas as pessoas, em geral pobres, das regiões montanhosas dos apalaches americanos – e retratavam o bairro como um antro de crime e depravação.
Hy Thurman era um típico jovem desse bairro empobrecido. Havia crescido em Dayton, Tennessee, onde a família inteira trabalhou na agricultura, ganhando a vida colhendo feijão, milho e morangos. A pobreza assombrou toda sua juventude. “Minha mãe e minha irmã mais velha tinham o mesmo tamanho de pé”, ele lembrou em uma entrevista, “mas elas só tinham um par de sapatos decente. Minha irmã saia para estudar com eles e voltava para casa, então minha mãe os usava para ir à cidade”.
Seu irmão mais velho, Rex, foi para Chicago na época em que Hy abandonou a nona série. Em 1967, Hy seguiu seu irmão para o norte. “Pensávamos em Chicago como uma espécie de terra prometida”, disse ele. “Era onde você poderia começar de novo. Mas descobri muito rapidamente que na verdade não era assim”. Quando conseguia encontrar trabalho, pegava serviços de curta duração como diarista. Quando não conseguia, vendia o próprio sangue para sobreviver.
Quando Hy chegou a Uptown, seu irmão havia ingressado em um grupo de rua chamada Goodfellows [Bons Companheiros], que havia recentemente desenvolvido laços com a organização comunitária “Jobs or Income Now” (JOIN) [Empregos ou Renda Já]. Iniciativa criada pela SDS [Estudantes por uma Sociedade Democrática, a organização radical do movimento estudantil americano], a JOIN fazia campanhas de agitação por questões como direito à moradia e reformas para o bem-estar social. E lutava contra a imensa máquina política do prefeito Richard J. Daley, que usava de clientelismo e brutalidade policial para controlar os moradores e estimular a gentrificação.
A mobilização contra o assédio policial estava no topo da lista de prioridades dos Bons Companheiros: os jovens pobres sofriam revistas policiais constantes, além de espancamentos e humilhações nas mãos da polícia local. Os ativistas do SDS insistiram em cautela, mas ainda assim ofereceram solidariedade aos Goodfellows para organizar uma marcha até a delegacia do bairro em agosto de 1966. Quase trezentos moradores compareceram para a manifestação.
Mas a polícia rapidamente revidou, invadindo o escritório da JOIN e uma igreja que apoiava os esforços dos ativistas. Alguns dias depois, um policial matou um dos membros dos Bons Companheiros, atirando pelas costas enquanto ele fugia de uma briga.
A marcha e suas consequências levaram à ebulição as tensões que já se acumulavam na JOIN. Sentindo-se sufocados pelos organizadores de classe média da SDS, os Bons Companheiros partiram para o ataque por conta própria e fundaram a Organização dos Jovens Patriotas: um movimento que eles orgulhosamente proclamaram como sendo por e para os “caipiras”. Elaboraram um programa de onze pontos e adotaram símbolos: a bandeira confederada, pendurada por botões pretos na lapela.
Em pouco tempo, Thurman, seu irmão e os outros patriotas estavam agitando os bares e as mesas de bilhar da Uptown, recrutando membros de gangues e divulgando sua doutrina de autodeterminação radical de caipiras – uma mistura de Hank Williams [cantor e compositor ícone da música country] e Frantz Fanon [psiquiatra da Martinica e intelectual negro radical].
A primeira Coalizão Arco-íris
No outono de 1968, uma igreja metodista convidou os Jovens Patriotas para fazerem uma apresentação sobre o trabalho da organização ao lado de Bob Lee, do Partido dos Panteras Negras de Illinois. A platéia – em sua maioria branca, liberal e classe média – tratou os Panteras com curiosidade, mas expressou hostilidade aberta aos Patriotas. Lee nunca tinha visto nada semelhante: brancos atacando brancos pobres. E se levantou em defesa dos Patriotas. Em seguida, sugeriu que os dois grupos iniciassem uma colaboração.
Era um empreendimento ambicioso. À época, como agora, Chicago estava fortemente segregada em termos raciais e étnicos. Lee passou três semanas em Uptown para conhecer os Patriotas e seus vizinhos antes de sugerir a ideia de uma aliança a Fred Hampton, presidente dos Panteras em Illinois.
Mas Hampton ficou entusiasmado ao ouvir a proposta de Lee, e apelidou a aliança incipiente de “Coalizão Arco-Íris”. E até aceitou o uso da bandeira Confederada pelos Patriotas. De acordo com Thurman, Hampton disse: “Se podemos usar isso para organizar, se podemos usar para transformar as pessoas, então temos que fazê-lo.”
A partir dessa parceria inicial, a Coalizão Arco-Íris cresceu para incluir os Young Lords, um grupo porto-riquenho radical. Recrutando grupos de jovens de gangues de rua, a coalizão tentou se organizar em torno de pontos de solidariedade, como a brutalidade policial e a pobreza. Realizaram manifestações de unidade em Grant Park, condenando o programa do prefeito Daley de gentrificação, pobreza e brutalidade policial. E ocuparam prédios para exigir melhores cuidados de saúde e moradia para suas comunidades.
O Jovens Patriotas também se expandiram, conquistando novos membros – incluindo “O Pregador” Feserpman, cujas habilidades retóricas ajudaram a espalhar a mensagem dos Patriotas para públicos mais amplos – e construindo relacionamentos com a comunidade indígena, nativa-americana, de Uptown. Iniciaram um programa de café da manhã gratuito e abriram uma clínica do bairro, aproveitando as lições que os Panteras ensinaram aos membros da Coalizão Arco-íris sobre o estabelecimento de serviços básicos em bairros negligenciados.
A administração de Daley sabia reconhecer uma ameaça quando avistava uma. O prefeito rapidamente se moveu para reprimir a coalizão emergente. O Departamento de Polícia de Chicago interrompeu o programa de café da manhã dos Patriotas e pressionou o proprietário a fechar a clínica de saúde. Os oficiais trabalharam com o FBI para se infiltrar e interromper a coalizão inter-racial em crescimento.
E então veio o pior golpe de todos: dia 4 de dezembro de 1969, apenas cinco meses após a conferência em Oakland, um destacamento da polícia de Chicago, operando como uma força-tarefa especial a serviço do promotor público local, assassinou Fred Hampton em um ataque surpresa na madrugada. Hampton tinha 21 anos e era uma das principais lideranças dos Panteras Negras à época.
Sua morte deixou o movimento devastado e espalhou medo em Chicago.
Thurman e os outros Patriotas se esconderam. “Ninguém sabia o que estava acontecendo”, disse ele, descrevendo os dias frenéticos após o assassinato. “Você não sabia se eles viriam atrás de você em seguida, se você seria o próximo”.
O assassinato de Hampton também aumentou as tensões dentro da coalizão, que já começava a se fragmentar. Fesperman e a liderança dos Panteras queriam que os Patriotas começassem a se organizar em nível nacional, mas os Patriotas insistiram em permanecer no nível local, ao menos por um tempo.
Em 1970, Fesperman rachou com o grupo e formou o Partido Patriota, estabelecendo sede em Nova York e montando um punhado de diretórios por todo o país. Mas a repressão seguiu Fesperman, com a polícia invadindo os escritórios em Nova York e ao longo de toda a costa leste.
Em Chicago, a polícia acusou os Jovens Patriotas de planejar um atentado e prendeu suas lideranças. Também foram detidas pessoas de igrejas aliadas e grupos comunitários. Aqueles que não foram presos sumiram de vista e muitos se afastaram, efetivamente colocando um fim aos esforços dos Patriotas.
A Coalizão Arco-Íris sobreviveu em nome, ainda que não em sua forma original. Em 1983, usando o modelo de coalizão inter-racial, Harold Washington derrotou a máquina de Daley para se tornar o primeiro prefeito negro da cidade. Jesse Jackson, ativista negro e aliado de Martin Luther King na campanha pelos direitos civis, se apropriou do nome e da abordagem para a organização que cresceu a partir da sua campanha presidencial insurgente durante as primárias do Partido Democrata em 1984, e que o levou para a disputa de 1988. David Axelrod, aproveitando o que aprendeu durante a campanha de reeleição de Washington em 1987, reformulou-a para ajudar Barack Obama a ser eleito presidente.
No entanto, quando operadores do partido democrata como Axelrod adotaram a estratégia, descartaram o apelo à solidariedade de classe. Impulsionaram uma política que promovesse uma mistura de cores e etnias, mas com poucos benefícios materiais – para não falar de transformações radicais.
Um outro caminho
Desde a eleição presidencial de novembro de 2016, que elegeu Donald Trump, uma batalha pela raça e pela classe está sendo travada, tão dura quanto equivocada. Os Jovens Patriotas, os Panteras Negras e seus aliados oferecem outro caminho.
“A Coalizão Arco-íris era política de identidade”, disse o estudioso Jakobi Williams, autor de “Da bala à urna: o capítulo de Illinois do Partido dos Panteras Negras e a política de coalizão racial em Chicago”. “As pessoas não foram requisitadas a abandonar suas identidades, mas a usá-las como uma maneira de construir pontes para formar alianças em torno do combate à pobreza ou qualquer outra pauta que considerassem importante”.
Apesar de terem tido vida curta, os Jovens Patriotas e a Coalizão Arco-Íris mostraram que os movimentos da classe trabalhadora podem superar divisões significativas para se unirem em torno de questões como pobreza, corrupção e brutalidade policial. O feroz ataque que enfrentaram das elites, tanto liberais quanto conservadoras, demonstra a potência de seu projeto radical.
Alguns anos atrás, Hy Thurman reiniciou dois diretórios dos Jovens Patriotas no Alabama – e já atraiu um grupo mais jovem de apoiadores. Um grupo multirracial de adolescentes e jovens de vinte e poucos anos, depois de ouvirem a história de Thurman, entrou em contato com ele e passaram a ser colaboradores. Thurman também se conectou a Chuck Armsbury, um ex-membro do Partido Patriota que vive na zona rural do estado de Washington. Seu objetivo: reviver a organização como um antídoto para o desespero generalizado nas comunidades brancas pobres e da classe trabalhadora.
É uma tarefa difícil. Mas podemos ter certeza de uma coisa: Fred Hampton e “O Pregador” Fesperman ficariam orgulhosos.
“Nós viemos de um monstro”, disse ele com um forte sotaque do sul. “E as mandíbulas do monstro em Chicago estão moendo carne humana e cuspindo o sangue das pessoas pobres e oprimidas, os negros no sul, no oeste; os marrons no norte; e os vermelhos e amarelos; e sim, os brancos – pessoas brancas oprimidas.”
O nome do orador era William “Preacherman” [Pregador] Fesperman, e pertencia à organização dos Jovens Patriotas, um grupo radical formado por jovens da zona norte, empobrecida, de Chicago. Sua missão era organizar os brancos pobres para lutarem coletivamente, em solidariedade com as comunidades não-brancas.
Embora a organização tenha sobrevivido por apenas alguns anos, ela encarnava uma ideia radical: que brancos marginalizados poderiam se libertar dos grilhões do racismo e lutar ao lado de negros e pardos para criar uma nova sociedade.
Décadas depois, a “Coalizão Arco-Íris” criada pelos Panteras Negras e os Jovens Patriotas ainda oferece um modelo notável para a política de esquerda.
Um Harlem Caipira
Os Jovens Patriotas tinham suas raízes no bairro de Uptown, uma favela densamente habitada, formada por brancos pobres que haviam migrado do sul rural após a Segunda Guerra Mundial. A maioria estava fugindo do declínio da indústria de carvão do Appalachia, e trouxe consigo sua cultura: bandeiras confederadas penduradas nos bares, música country inundando os salões da sinuca. Em meados da década de 1960, os jornais locais se referiam a Uptown como o “Harlem Hillbilly”, em referência ao bairro de Nova York conhecido pela herança cultural afro-americana, e à maneira como são chamadas as pessoas, em geral pobres, das regiões montanhosas dos apalaches americanos – e retratavam o bairro como um antro de crime e depravação.
Hy Thurman era um típico jovem desse bairro empobrecido. Havia crescido em Dayton, Tennessee, onde a família inteira trabalhou na agricultura, ganhando a vida colhendo feijão, milho e morangos. A pobreza assombrou toda sua juventude. “Minha mãe e minha irmã mais velha tinham o mesmo tamanho de pé”, ele lembrou em uma entrevista, “mas elas só tinham um par de sapatos decente. Minha irmã saia para estudar com eles e voltava para casa, então minha mãe os usava para ir à cidade”.
Seu irmão mais velho, Rex, foi para Chicago na época em que Hy abandonou a nona série. Em 1967, Hy seguiu seu irmão para o norte. “Pensávamos em Chicago como uma espécie de terra prometida”, disse ele. “Era onde você poderia começar de novo. Mas descobri muito rapidamente que na verdade não era assim”. Quando conseguia encontrar trabalho, pegava serviços de curta duração como diarista. Quando não conseguia, vendia o próprio sangue para sobreviver.
Quando Hy chegou a Uptown, seu irmão havia ingressado em um grupo de rua chamada Goodfellows [Bons Companheiros], que havia recentemente desenvolvido laços com a organização comunitária “Jobs or Income Now” (JOIN) [Empregos ou Renda Já]. Iniciativa criada pela SDS [Estudantes por uma Sociedade Democrática, a organização radical do movimento estudantil americano], a JOIN fazia campanhas de agitação por questões como direito à moradia e reformas para o bem-estar social. E lutava contra a imensa máquina política do prefeito Richard J. Daley, que usava de clientelismo e brutalidade policial para controlar os moradores e estimular a gentrificação.
A mobilização contra o assédio policial estava no topo da lista de prioridades dos Bons Companheiros: os jovens pobres sofriam revistas policiais constantes, além de espancamentos e humilhações nas mãos da polícia local. Os ativistas do SDS insistiram em cautela, mas ainda assim ofereceram solidariedade aos Goodfellows para organizar uma marcha até a delegacia do bairro em agosto de 1966. Quase trezentos moradores compareceram para a manifestação.
Mas a polícia rapidamente revidou, invadindo o escritório da JOIN e uma igreja que apoiava os esforços dos ativistas. Alguns dias depois, um policial matou um dos membros dos Bons Companheiros, atirando pelas costas enquanto ele fugia de uma briga.
A marcha e suas consequências levaram à ebulição as tensões que já se acumulavam na JOIN. Sentindo-se sufocados pelos organizadores de classe média da SDS, os Bons Companheiros partiram para o ataque por conta própria e fundaram a Organização dos Jovens Patriotas: um movimento que eles orgulhosamente proclamaram como sendo por e para os “caipiras”. Elaboraram um programa de onze pontos e adotaram símbolos: a bandeira confederada, pendurada por botões pretos na lapela.
Em pouco tempo, Thurman, seu irmão e os outros patriotas estavam agitando os bares e as mesas de bilhar da Uptown, recrutando membros de gangues e divulgando sua doutrina de autodeterminação radical de caipiras – uma mistura de Hank Williams [cantor e compositor ícone da música country] e Frantz Fanon [psiquiatra da Martinica e intelectual negro radical].
A primeira Coalizão Arco-íris
No outono de 1968, uma igreja metodista convidou os Jovens Patriotas para fazerem uma apresentação sobre o trabalho da organização ao lado de Bob Lee, do Partido dos Panteras Negras de Illinois. A platéia – em sua maioria branca, liberal e classe média – tratou os Panteras com curiosidade, mas expressou hostilidade aberta aos Patriotas. Lee nunca tinha visto nada semelhante: brancos atacando brancos pobres. E se levantou em defesa dos Patriotas. Em seguida, sugeriu que os dois grupos iniciassem uma colaboração.
Era um empreendimento ambicioso. À época, como agora, Chicago estava fortemente segregada em termos raciais e étnicos. Lee passou três semanas em Uptown para conhecer os Patriotas e seus vizinhos antes de sugerir a ideia de uma aliança a Fred Hampton, presidente dos Panteras em Illinois.
Mas Hampton ficou entusiasmado ao ouvir a proposta de Lee, e apelidou a aliança incipiente de “Coalizão Arco-Íris”. E até aceitou o uso da bandeira Confederada pelos Patriotas. De acordo com Thurman, Hampton disse: “Se podemos usar isso para organizar, se podemos usar para transformar as pessoas, então temos que fazê-lo.”
A partir dessa parceria inicial, a Coalizão Arco-Íris cresceu para incluir os Young Lords, um grupo porto-riquenho radical. Recrutando grupos de jovens de gangues de rua, a coalizão tentou se organizar em torno de pontos de solidariedade, como a brutalidade policial e a pobreza. Realizaram manifestações de unidade em Grant Park, condenando o programa do prefeito Daley de gentrificação, pobreza e brutalidade policial. E ocuparam prédios para exigir melhores cuidados de saúde e moradia para suas comunidades.
O Jovens Patriotas também se expandiram, conquistando novos membros – incluindo “O Pregador” Feserpman, cujas habilidades retóricas ajudaram a espalhar a mensagem dos Patriotas para públicos mais amplos – e construindo relacionamentos com a comunidade indígena, nativa-americana, de Uptown. Iniciaram um programa de café da manhã gratuito e abriram uma clínica do bairro, aproveitando as lições que os Panteras ensinaram aos membros da Coalizão Arco-íris sobre o estabelecimento de serviços básicos em bairros negligenciados.
A administração de Daley sabia reconhecer uma ameaça quando avistava uma. O prefeito rapidamente se moveu para reprimir a coalizão emergente. O Departamento de Polícia de Chicago interrompeu o programa de café da manhã dos Patriotas e pressionou o proprietário a fechar a clínica de saúde. Os oficiais trabalharam com o FBI para se infiltrar e interromper a coalizão inter-racial em crescimento.
E então veio o pior golpe de todos: dia 4 de dezembro de 1969, apenas cinco meses após a conferência em Oakland, um destacamento da polícia de Chicago, operando como uma força-tarefa especial a serviço do promotor público local, assassinou Fred Hampton em um ataque surpresa na madrugada. Hampton tinha 21 anos e era uma das principais lideranças dos Panteras Negras à época.
Sua morte deixou o movimento devastado e espalhou medo em Chicago.
Thurman e os outros Patriotas se esconderam. “Ninguém sabia o que estava acontecendo”, disse ele, descrevendo os dias frenéticos após o assassinato. “Você não sabia se eles viriam atrás de você em seguida, se você seria o próximo”.
O assassinato de Hampton também aumentou as tensões dentro da coalizão, que já começava a se fragmentar. Fesperman e a liderança dos Panteras queriam que os Patriotas começassem a se organizar em nível nacional, mas os Patriotas insistiram em permanecer no nível local, ao menos por um tempo.
Em 1970, Fesperman rachou com o grupo e formou o Partido Patriota, estabelecendo sede em Nova York e montando um punhado de diretórios por todo o país. Mas a repressão seguiu Fesperman, com a polícia invadindo os escritórios em Nova York e ao longo de toda a costa leste.
Em Chicago, a polícia acusou os Jovens Patriotas de planejar um atentado e prendeu suas lideranças. Também foram detidas pessoas de igrejas aliadas e grupos comunitários. Aqueles que não foram presos sumiram de vista e muitos se afastaram, efetivamente colocando um fim aos esforços dos Patriotas.
A Coalizão Arco-Íris sobreviveu em nome, ainda que não em sua forma original. Em 1983, usando o modelo de coalizão inter-racial, Harold Washington derrotou a máquina de Daley para se tornar o primeiro prefeito negro da cidade. Jesse Jackson, ativista negro e aliado de Martin Luther King na campanha pelos direitos civis, se apropriou do nome e da abordagem para a organização que cresceu a partir da sua campanha presidencial insurgente durante as primárias do Partido Democrata em 1984, e que o levou para a disputa de 1988. David Axelrod, aproveitando o que aprendeu durante a campanha de reeleição de Washington em 1987, reformulou-a para ajudar Barack Obama a ser eleito presidente.
No entanto, quando operadores do partido democrata como Axelrod adotaram a estratégia, descartaram o apelo à solidariedade de classe. Impulsionaram uma política que promovesse uma mistura de cores e etnias, mas com poucos benefícios materiais – para não falar de transformações radicais.
Um outro caminho
Desde a eleição presidencial de novembro de 2016, que elegeu Donald Trump, uma batalha pela raça e pela classe está sendo travada, tão dura quanto equivocada. Os Jovens Patriotas, os Panteras Negras e seus aliados oferecem outro caminho.
“A Coalizão Arco-íris era política de identidade”, disse o estudioso Jakobi Williams, autor de “Da bala à urna: o capítulo de Illinois do Partido dos Panteras Negras e a política de coalizão racial em Chicago”. “As pessoas não foram requisitadas a abandonar suas identidades, mas a usá-las como uma maneira de construir pontes para formar alianças em torno do combate à pobreza ou qualquer outra pauta que considerassem importante”.
Apesar de terem tido vida curta, os Jovens Patriotas e a Coalizão Arco-Íris mostraram que os movimentos da classe trabalhadora podem superar divisões significativas para se unirem em torno de questões como pobreza, corrupção e brutalidade policial. O feroz ataque que enfrentaram das elites, tanto liberais quanto conservadoras, demonstra a potência de seu projeto radical.
Alguns anos atrás, Hy Thurman reiniciou dois diretórios dos Jovens Patriotas no Alabama – e já atraiu um grupo mais jovem de apoiadores. Um grupo multirracial de adolescentes e jovens de vinte e poucos anos, depois de ouvirem a história de Thurman, entrou em contato com ele e passaram a ser colaboradores. Thurman também se conectou a Chuck Armsbury, um ex-membro do Partido Patriota que vive na zona rural do estado de Washington. Seu objetivo: reviver a organização como um antídoto para o desespero generalizado nas comunidades brancas pobres e da classe trabalhadora.
É uma tarefa difícil. Mas podemos ter certeza de uma coisa: Fred Hampton e “O Pregador” Fesperman ficariam orgulhosos.
Sobre o autor
Michael McCanne é um escritor que se concentra em cultura e história.
Nenhum comentário:
Postar um comentário