12 de maio de 2017

Operação plástica ao fascismo

As campanhas anticomunistas na Europa de Leste nada têm a ver com a construção de uma sociedade mais democrática, mas sim com a reabilitação da extrema-direita.

Ronan Burtenshaw


Wikimedia Commons

Tradução / No ano passado, antifascistas na Polônia comemoraram as brigadas internacionais do país no octogésimo aniversário da Guerra Civil espanhola. A concentração foi alvo de ataque tendo-lhes sido arremessada uma granada de fumaça. No projétil estava inscrita a frase “ha pasado,” “passámos” a réplica de Franco ao “no pasarán” de Dolores Ibárruri no dia em que a República caiu. 

Outra icônica formulação associada à guerra civil deveu muito à influência polaca. “A las Barricadas,” o hino da federação CNT anarcosindicalista tornou-se a canção mais famosa da guerra, mas não era exatamente um original. A música tinha sido composta por Józef Pławiński e o poema por Wacław Święcicki, ambos músicos socialistas polacos. A sua “Warszawianka” tinha sido o hino da revolução polaca de 1905, quando as milícias operárias procuraram derrubar o governo imperial russo.

Hoje, a história progressista está sob ataque não só na Polônia, mas em toda a Europa de leste. Desde o princípio que a “descomunização” teve como alvo não só a era soviética, mas também a anterior história socialista e republicana. Nos anos noventa, quando o governo húngaro iniciou a remoção generalizada das estátuas comunistas, decidiu juntá-las todas num único sítio. Nasceu o Parque da Memória de Budapeste e o arquiteto que ganhou o concurso para o projetar, Ákos Eleőd, foi claro acerca das suas intenções. “Este parque é sobre a ditadura”, disse.

Mas, para um parque sobre a ditadura, o alinhamento é interessante! Ao lado de monumentos a políticos do período comunista – Marx, Engels e Lenine – encontram-se esquerdistas de gerações anteriores. Há comemorações de figuras da breve República Soviética Húngara de 1919, incluindo Tibor Szamuely e Jenő Landler, assim como Ede Chlepkó e Béla Kun, que foram executados nas purgas de Stalin. Róbert Kreutz e Endre Ságvári, mortos pelos nazistas e pelo governo fascista húngaro durante a II Guerra Mundial também têm estátuas. Estão junto a Miklós Steinmetz e a I.A. Ostapenko, comandantes do Exército Vermelho que morreram a libertar Budapeste da ocupação alemã. E, claro, há um memorial à brigada internacional húngara que esteve em Espanha.

Infelizmente, não é surpreendente que iniciativas que pretendem desafiar a ditadura demonizem aqueles que lutaram contra o fascismo. A “descomunização” tornou-se uma ferramenta para que os renascidos movimentos nacionalistas reabilitem o seu próprio currículo – frequentemente associado à colaboração nazista.

Em 2015, cavalgando uma onda de sentimento nacionalista no rescaldo do conflito no leste do país, a Ucrânia começou um intenso processo de “descomunização”. Desde então, milhares de ruas e centenas de cidades viram os seus nomes alterados, estátuas de Lenine foram deitadas abaixo em todos os cantos do país e os partidos políticos considerados simpatizantes do passado comunista foram proibidos, incluindo o Partido Comunista da Ucrânia que recolhia milhões de votos.

A legislação que o parlamento da Ucrânia votou não era exclusiva ao comunismo. O texto prometia combater as celebrações dos “regimes totalitários comunista e nacional-socialista.” Mas em 2015, quando estas medidas foram votadas, o governo da Ucrânia institucionalizou de fato milícias fascistas no interior das suas forças armadas. Nesse Verão, o Batalhão Azov, fundado por membros da Assembleia Social-Nacional neo nazista, foi oficialmente promovido num Regimento de Operações Especiais do exército ucraniano. Os seus membros celebraram com fotos exibindo as suas tatuagens SS, símbolos que o governo supostamente tinha proibido.

A institucionalização do fascismo não está confinada aos militares. A extrema-direita do país está também crescentemente em destaque na história oficial, num projeto revisionista apoiado pelo estado, destinado a venerar o nacionalismo ucraniano. A figura mais destacada a ser reabilitada é Stepan Bandera, o líder nacionalista que colaborou com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e cujo Exército Insurreto Ucraniano participou no holocausto.

Mas Bandera está longe de ser a única figura a passar por esta mutação. Em outubro de 2017 a cidade ucraniana de Vinnitsa inaugurou uma estátua de Symon Petliura que dirigiu um levantamento anticomunista contra a revolução bolchevique. Sob o seu comando, cinquenta mil judeus foram mortos em pogroms na República Popular da Ucrânia. A cidade não esconde esta memória – as autoridades locais decidiram colocar a sua estátua no histórico bairro judeu da cidade, a curta distância de uma das poucas sinagogas que ainda existem.

Também noutro local, a “descomunização” tem sido uma capa para ataques aos judeus da Europa de leste. O governo lituano, interessado em construir uma narrativa nacionalista que justifique a colaboração com os nazistas, tem acusado os partidários judeus de crimes de guerra. Um monumento à sua luta, antes colocado num sítio destacado na capital do país, foi escondido num outro parque da “ditadura”. Hoje a placa comemorativa desse monumento indica que os partidários que lutaram contra os nazistas – num país em que perto de duzentos mil morreram no holocausto – eram “majoritariamente judeus”. Os lituanos, diz “não apoiaram os comunistas.”

Foi negro o histórico da União Soviética na Europa de leste. As transferências da sua população, a repressão política e as coletivizações forçadas contribuem para um persistente ressentimento. Mas o impulso para “descomunizar” tem muito pouco a ver com a construção de uma sociedade mais democrática. É, no seu âmago, um projeto que visa reescrever a história, perdoando o fascismo e condenando aqueles que o combateram.

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