Shlomo Sand
Emmanuel Macron. Official LeWeb Photos / Wikimedia
Tradução / Ao começar a ler o seu discurso sobre a comemoração da rusga do Vélodrome d'hiver, senti por si gratidão. Com efeito, tendo em vista uma longa tradição de dirigentes políticos, tanto de direita como de esquerda, que no passado e no presente eludiram a participação e a responsabilidade da França na deportação das pessoas de origem judaica para os campos da morte, V. Exª tomou uma posição clara e isenta de ambiguidade: sim, a França é responsável pela deportação, sim, houve efectivamente um anti-semitismo em França, antes e após a Segunda Guerra Mundial. Sim, é necessário continuar a combater todas as formas de racismo. Vi estas posições como estando em continuidade com a sua corajosa declaração feita na Argélia, segundo a qual o colonialismo constitui um crime contra a humanidade.
Para ser completamente franco, fiquei um tanto aborrecido pelo facto de V. Exª ter convidado Benjamin Netanyahu, que inegavelmente tem de ser incluído na categoria dos opressores e por conseguinte não pode arvorar-se em representante das vítimas de ontem. É certo que conheço há muito a impossibilidade de separar a memória da política. Talvez esteja V. Exª a empregar uma estratégia sofisticada, ainda não revelada, visando contribuir para a realização de um compromisso justo no Médio Oriente?
Deixei de compreender V. Exª quando durante o seu discurso declarou que «O anti-sionismo… é a forma reinventada do anti-semitismo.»
Esta declaração tinha por objectivo agradar ao seu convidado, ou é pura e simplesmente uma marca de incultura política? O antigo estudante de filosofia, o assistente de Paul Ricœur leu assim tão poucos livros de história ao ponto de ignorar que muitos judeus, ou descendentes de filiação judaica, sempre se opuseram ao sionismo sem, no entanto, serem anti-semitas? Refiro-me aqui a quase todos os antigos grandes rabinos, mas também às tomadas de posição de uma parte do judaísmo ortodoxo contemporâneo. Tenho igualmente na memória personalidades como Marek Edelman, um dos dirigentes sobreviventes da insurreição do gueto de Varsóvia, ou ainda os comunistas de origem judaica, resistentes do grupo Manouchian, que pereceram. Penso também no meu amigo e professor, Pierre Vidal-Naquet, e em outros grandes historiadores ou sociólogos como Eric Hobsbawm e Maxime Rodinson, cujos escritos e lembrança me são caros, ou ainda em Edgar Morin. Por último, interrogo-me se, sinceramente, espera dos palestinos que não sejam anti-sionistas!
Suponho, contudo, que V. Exª não aprecia particularmente as pessoas de esquerda, nem, talvez, os palestinos; por isso, sabendo que trabalhou no banco Rothschild, apresento aqui uma citação de Nathan Rothschild, presidente da união das sinagogas da Grã-Bretanha e primeiro judeu a ser nomeado Lorde no Reino Unido, tendo-se tornado igualmente governador do seu banco. Numa carta dirigida em 1903 a Theodor Herzl, o talentoso banqueiro escreve: «Digo-lhe com toda a franqueza: tremo à ideia da fundação de uma colónia judaica no pleno sentido do termo. Tal colónia tornar-se-ia um gueto, com todos os preconceitos de um gueto. Um pequeno, muito pequeno, Estado judaico, devoto e não liberal, que rejeitará o Cristão e o estrangeiro.» Rothschild talvez se tenha enganado na sua profecia, mas, no entanto, uma coisa é certa: não era anti-semita!
Houve, e há, evidentemente, anti-sionistas que também são anti-semitas, mas estou igualmente certo de que há anti-semitas entre os apologistas do sionismo. Posso também assegurar-lhe que muitos sionistas são racistas cuja estrutura mental não difere da de perfeitos judeófobos: procuram sem descanso um ADN judaico (até na universidade onde eu ensino).
Para clarificar o que é um ponto de vista anti-sionista, importa, contudo, começar por assentar na definição, ou pelo menos numa série de características do conceito de «sionismo»; vou fazê-lo o mais resumidamente possível.
Em primeiro lugar, o sionismo não é o judaísmo, contra o qual constitui até uma revolta radical. Ao longo dos séculos, os judeus devotos alimentaram um profundo fervor em relação à sua terra santa, mais particularmente em relação a Jerusalém, mas ativeram-se ao preceito talmúdico que lhes prescrevia que não emigrassem colectivamente para aí antes da vinda do Messias. Com efeito, a terra não pertence aos judeus, mas sim a Deus. Deus deu e Deus retomou, e quando quiser enviará o Messias para restituir. Quando o sionismo apareceu, retirou do seu trono o «Todo Poderoso» para o substituir pelo sujeito humano activo.
Cada um de nós pode pronunciar-se sobre o ponto de saber se o projecto de criar um Estado judaico exclusivo num pedaço de território maioritariamente povoado de Árabes é uma ideia moral. Em 1917, a Palestina contava 700 000 muçulmanos e cristãos árabes e cerca de 60 000 judeus, metade dos quais se opunham ao sionismo. Até então as massas do povo yiddish, querendo fugir aos pogrons do Império Russo, tinham preferido emigrar para o continente americano, que dois milhões efectivamente alcançaram, escapando assim às perseguições nazis (e às do regime de Vichy).
Em 1948, havia na Palestina 650 000 judeus e 1,3 milhões de muçulmanos e cristãos árabes, 700 000 dos quais se tornaram refugiados: foi sobre estas bases demográficas que nasceu o Estado do Israel. Apesar disso, e no contexto do extermínio dos judeus da Europa, muitos anti-sionistas chegaram à conclusão de que, se não se quiser criar novas tragédias, convém considerar o Estado do Israel como um facto consumado irreversível. Uma criança nascida de uma violação tem claramente o direito de viver, mas que acontece se esta criança seguir os passos do pai?
E chegou o ano de 1967: desde então Israel reina sobre 5,5 milhões de Palestinos, privados de direitos cívicos, políticos e sociais. São sujeitos por Israel a um controlo militar: uma parte deles numa espécie de «reserva de índios» na Margem Ocidental, enquanto outros estão fechados numa «reserva de arame farpado» em Gaza (70% destes são refugiados ou descendentes de refugiados). Israel, que nunca pára de proclamar o seu desejo de paz, considera os territórios conquistados em 1967 como fazendo parte integrante da «terra de Israel», e comporta-se aí a seu bel-prazer: até este momento foram aí instalados 600 000 colonos israelitas judeus… e ainda não acabou!
É isso o sionismo de hoje? Não! — responderão os meus amigos da esquerda sionista, que não pára de encolher, e dirão que é necessário pôr fim à dinâmica da colonização sionista, que um pequeno e estreito Estado palestino deve ser constituído ao lado do Estado do Israel, que o objectivo do sionismo era fundar um Estado onde os judeus exercessem a soberania sobre si próprios e não conquistar na sua totalidade a «antiga pátria». E o mais perigoso de tudo isso, aos seus olhos: a anexação dos territórios ocupados constitui uma ameaça para Israel enquanto Estado judaico.
Eis chegado o momento de explicar a V. Exª porque lhe escrevo, e porque me defino como não sionista, ou anti-sionista, sem no entanto me tornar antijudeu. O seu partido político reclama-se da «República», e por isso presumo que seja um republicano fervente. Não sei se para sua surpresa, eu também sou. Por conseguinte, sendo democrata e republicano, eu não posso, como fazem todos os sionistas sem excepção, tanto de direita como de esquerda, apoiar um Estado judaico. O Ministério do Interior israelita recenseia 75% dos seus cidadãos como judeus, 21% como muçulmanos e cristãos árabes e 4% como «outros» (sic). Ora, segundo o espírito das suas leis, Israel não pertence ao conjunto dos Israelitas, mas sim aos judeus do mundo inteiro que não têm intenção de para aí ir viver. Assim, por exemplo, Israel pertence muito mais a Bernard Henry-Lévy e a Alain Finkielkraut do que aos meus estudantes palestino-israelitas que se exprimem em hebraico, às vezes melhor do que eu próprio! Israel também tem a esperança de que um dia virá em que todas as pessoas do CRIF2 e os seus «apoiantes» para aí emigrarão! Conheço até franceses anti-semitas encantados com essa perspectiva! Em contrapartida, já se ouviu dois ministros israelitas, próximos de Benjamin Netanyahu, emitir a ideia de que é necessário incentivar a «transferência» dos israelitas árabes, sem que ninguém tenha pedido que eles se demitam das suas funções.
É por isso, Sr. Presidente, que eu não posso ser sionista. Sou um cidadão que deseja que o Estado no qual vive seja uma República israelita e não um Estado comunitário judaico. Descendente de judeus que tantas discriminações sofreram, não quero viver num Estado que, pela sua autodefinição, faz de mim um cidadão dotado de privilégios. Em seu entender, Sr. Presidente, isso faz de mim um anti-semita?
Tradução / Ao começar a ler o seu discurso sobre a comemoração da rusga do Vélodrome d'hiver, senti por si gratidão. Com efeito, tendo em vista uma longa tradição de dirigentes políticos, tanto de direita como de esquerda, que no passado e no presente eludiram a participação e a responsabilidade da França na deportação das pessoas de origem judaica para os campos da morte, V. Exª tomou uma posição clara e isenta de ambiguidade: sim, a França é responsável pela deportação, sim, houve efectivamente um anti-semitismo em França, antes e após a Segunda Guerra Mundial. Sim, é necessário continuar a combater todas as formas de racismo. Vi estas posições como estando em continuidade com a sua corajosa declaração feita na Argélia, segundo a qual o colonialismo constitui um crime contra a humanidade.
Para ser completamente franco, fiquei um tanto aborrecido pelo facto de V. Exª ter convidado Benjamin Netanyahu, que inegavelmente tem de ser incluído na categoria dos opressores e por conseguinte não pode arvorar-se em representante das vítimas de ontem. É certo que conheço há muito a impossibilidade de separar a memória da política. Talvez esteja V. Exª a empregar uma estratégia sofisticada, ainda não revelada, visando contribuir para a realização de um compromisso justo no Médio Oriente?
Deixei de compreender V. Exª quando durante o seu discurso declarou que «O anti-sionismo… é a forma reinventada do anti-semitismo.»
Esta declaração tinha por objectivo agradar ao seu convidado, ou é pura e simplesmente uma marca de incultura política? O antigo estudante de filosofia, o assistente de Paul Ricœur leu assim tão poucos livros de história ao ponto de ignorar que muitos judeus, ou descendentes de filiação judaica, sempre se opuseram ao sionismo sem, no entanto, serem anti-semitas? Refiro-me aqui a quase todos os antigos grandes rabinos, mas também às tomadas de posição de uma parte do judaísmo ortodoxo contemporâneo. Tenho igualmente na memória personalidades como Marek Edelman, um dos dirigentes sobreviventes da insurreição do gueto de Varsóvia, ou ainda os comunistas de origem judaica, resistentes do grupo Manouchian, que pereceram. Penso também no meu amigo e professor, Pierre Vidal-Naquet, e em outros grandes historiadores ou sociólogos como Eric Hobsbawm e Maxime Rodinson, cujos escritos e lembrança me são caros, ou ainda em Edgar Morin. Por último, interrogo-me se, sinceramente, espera dos palestinos que não sejam anti-sionistas!
Suponho, contudo, que V. Exª não aprecia particularmente as pessoas de esquerda, nem, talvez, os palestinos; por isso, sabendo que trabalhou no banco Rothschild, apresento aqui uma citação de Nathan Rothschild, presidente da união das sinagogas da Grã-Bretanha e primeiro judeu a ser nomeado Lorde no Reino Unido, tendo-se tornado igualmente governador do seu banco. Numa carta dirigida em 1903 a Theodor Herzl, o talentoso banqueiro escreve: «Digo-lhe com toda a franqueza: tremo à ideia da fundação de uma colónia judaica no pleno sentido do termo. Tal colónia tornar-se-ia um gueto, com todos os preconceitos de um gueto. Um pequeno, muito pequeno, Estado judaico, devoto e não liberal, que rejeitará o Cristão e o estrangeiro.» Rothschild talvez se tenha enganado na sua profecia, mas, no entanto, uma coisa é certa: não era anti-semita!
Houve, e há, evidentemente, anti-sionistas que também são anti-semitas, mas estou igualmente certo de que há anti-semitas entre os apologistas do sionismo. Posso também assegurar-lhe que muitos sionistas são racistas cuja estrutura mental não difere da de perfeitos judeófobos: procuram sem descanso um ADN judaico (até na universidade onde eu ensino).
Para clarificar o que é um ponto de vista anti-sionista, importa, contudo, começar por assentar na definição, ou pelo menos numa série de características do conceito de «sionismo»; vou fazê-lo o mais resumidamente possível.
Em primeiro lugar, o sionismo não é o judaísmo, contra o qual constitui até uma revolta radical. Ao longo dos séculos, os judeus devotos alimentaram um profundo fervor em relação à sua terra santa, mais particularmente em relação a Jerusalém, mas ativeram-se ao preceito talmúdico que lhes prescrevia que não emigrassem colectivamente para aí antes da vinda do Messias. Com efeito, a terra não pertence aos judeus, mas sim a Deus. Deus deu e Deus retomou, e quando quiser enviará o Messias para restituir. Quando o sionismo apareceu, retirou do seu trono o «Todo Poderoso» para o substituir pelo sujeito humano activo.
Cada um de nós pode pronunciar-se sobre o ponto de saber se o projecto de criar um Estado judaico exclusivo num pedaço de território maioritariamente povoado de Árabes é uma ideia moral. Em 1917, a Palestina contava 700 000 muçulmanos e cristãos árabes e cerca de 60 000 judeus, metade dos quais se opunham ao sionismo. Até então as massas do povo yiddish, querendo fugir aos pogrons do Império Russo, tinham preferido emigrar para o continente americano, que dois milhões efectivamente alcançaram, escapando assim às perseguições nazis (e às do regime de Vichy).
Em 1948, havia na Palestina 650 000 judeus e 1,3 milhões de muçulmanos e cristãos árabes, 700 000 dos quais se tornaram refugiados: foi sobre estas bases demográficas que nasceu o Estado do Israel. Apesar disso, e no contexto do extermínio dos judeus da Europa, muitos anti-sionistas chegaram à conclusão de que, se não se quiser criar novas tragédias, convém considerar o Estado do Israel como um facto consumado irreversível. Uma criança nascida de uma violação tem claramente o direito de viver, mas que acontece se esta criança seguir os passos do pai?
E chegou o ano de 1967: desde então Israel reina sobre 5,5 milhões de Palestinos, privados de direitos cívicos, políticos e sociais. São sujeitos por Israel a um controlo militar: uma parte deles numa espécie de «reserva de índios» na Margem Ocidental, enquanto outros estão fechados numa «reserva de arame farpado» em Gaza (70% destes são refugiados ou descendentes de refugiados). Israel, que nunca pára de proclamar o seu desejo de paz, considera os territórios conquistados em 1967 como fazendo parte integrante da «terra de Israel», e comporta-se aí a seu bel-prazer: até este momento foram aí instalados 600 000 colonos israelitas judeus… e ainda não acabou!
É isso o sionismo de hoje? Não! — responderão os meus amigos da esquerda sionista, que não pára de encolher, e dirão que é necessário pôr fim à dinâmica da colonização sionista, que um pequeno e estreito Estado palestino deve ser constituído ao lado do Estado do Israel, que o objectivo do sionismo era fundar um Estado onde os judeus exercessem a soberania sobre si próprios e não conquistar na sua totalidade a «antiga pátria». E o mais perigoso de tudo isso, aos seus olhos: a anexação dos territórios ocupados constitui uma ameaça para Israel enquanto Estado judaico.
Eis chegado o momento de explicar a V. Exª porque lhe escrevo, e porque me defino como não sionista, ou anti-sionista, sem no entanto me tornar antijudeu. O seu partido político reclama-se da «República», e por isso presumo que seja um republicano fervente. Não sei se para sua surpresa, eu também sou. Por conseguinte, sendo democrata e republicano, eu não posso, como fazem todos os sionistas sem excepção, tanto de direita como de esquerda, apoiar um Estado judaico. O Ministério do Interior israelita recenseia 75% dos seus cidadãos como judeus, 21% como muçulmanos e cristãos árabes e 4% como «outros» (sic). Ora, segundo o espírito das suas leis, Israel não pertence ao conjunto dos Israelitas, mas sim aos judeus do mundo inteiro que não têm intenção de para aí ir viver. Assim, por exemplo, Israel pertence muito mais a Bernard Henry-Lévy e a Alain Finkielkraut do que aos meus estudantes palestino-israelitas que se exprimem em hebraico, às vezes melhor do que eu próprio! Israel também tem a esperança de que um dia virá em que todas as pessoas do CRIF2 e os seus «apoiantes» para aí emigrarão! Conheço até franceses anti-semitas encantados com essa perspectiva! Em contrapartida, já se ouviu dois ministros israelitas, próximos de Benjamin Netanyahu, emitir a ideia de que é necessário incentivar a «transferência» dos israelitas árabes, sem que ninguém tenha pedido que eles se demitam das suas funções.
É por isso, Sr. Presidente, que eu não posso ser sionista. Sou um cidadão que deseja que o Estado no qual vive seja uma República israelita e não um Estado comunitário judaico. Descendente de judeus que tantas discriminações sofreram, não quero viver num Estado que, pela sua autodefinição, faz de mim um cidadão dotado de privilégios. Em seu entender, Sr. Presidente, isso faz de mim um anti-semita?
Republicado da Verso.
Colaboradores
Shlomo Sand é um historiador israelense e autor de vários livros sobre Israel. Atualmente, ele leciona história contemporânea na Universidade de Tel Aviv.
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