13 de agosto de 2017

Alguém tem que tomar um lado

"Vários lados" não estão promovendo racismo e ódio. Um lado está. E o nosso é comprometido em pará-lo

Shuja Haider

Jacobin

Susan Melkisethian / Flickr

Tradução / Ontem, o ato da organização Unir a direita, em Charlottesville, Virginia, reuniu grupos de supremacia branca de todo o país para exibir seu volume, em ambos sentidos da palavra. Eles trajavam figuras ridículas a principio, vestidos em calças de sarja e camisas polos, brandindo velas de citronela e gritando estranhamente. Sua presença foi recebida por uma forte oposição, composta por representações locais de Black Lives Matters [Vidas Negras Importam], Socialistas Democratas da América, Trabalhadores Industriais do Mundo e outros grupos. Mas o ato seguiu para um caminho violento. Um jovem branco nacionalista chamado James Alex Fields Jr dirigiu sua Dodge Challenger prateada sobre a multidão de contra manifestantes, deixando muitos feridos e pelo menos uma jovem morta.

Pouco depois, o presidente Trump fez uma declaração de seu campo de golfe em New Jersey. “Condenamos, nos mais fortes termos possíveis, esta exibição flagrante de ódio, intolerância e violência de vários lados”, disse após acrescentar novamente “de vários lados”.

O termo “vários lados” parece descrever corretamente o sentido legitimo de vários observadores. Em um confronto entre racistas e antirracistas, cujas ações racistas resultam em mortos e feridos entre os antirracistas, a conta parece não bater quando se diz existirem múltiplos lados equivalentes. A reticência do presidente Trump traz um viés reacionário que não é surpresa. Mas sua retórica não é exclusiva – a grande mídia e intelectuais liberais já tinham estabelecido o precedente.

Na manhã anterior à manifestação, Mieky Eoyang, vice-presidente do Programa de Segurança Nacional da organização centrista Third Way, tuitou “Se os amigos de Bernie [Sanders] querem fazer um show de forças em defesa de valores progressivos, sábado em Charlottesville será um bom momento”.

Neera Tanden, presidente da organização liberal Centro para o Progresso Americano, se virou com desdém para a esquerda, mais tarde, no mesmo dia. “Temos verdadeiros fascistas marchando com tochas. Talvez cada um que esteja do lado progressivo deva se focar nos inimigos do progresso à nossa frente”, tuitou. “Estamos prontos para nos juntar a Neera”, disse em resposta um jovem ativista. A resposta de Tanden foi chamá-lo a condenar “aqueles da esquerda que desejam se juntar aos fascistas”.

Ao anoitecer, Sheyl Gay Stolberg, jornalista do New York Times que se reportava de Charlottesville, tinha tuitado “a extrema esquerda parece ter o mesmo ódio que a extrema direita”.

Esta falácia centrista apareceu anteriormente neste ano, em um artigo de James Wolcott na Vanity Fair, em que aponta o dedo para os chamados alt-left (extrema esquerda). Wolcott também direciona seus julgamentos a vários lados. Ele caracteriza o crescimento da esquerda radical e socialista, formalmente desprezada com um mais esclarecido apelido: amigos de Bernie, como algo mais sinistro. Existe um “parentesco”, alega, entre a extrema esquerda e a supremacia branca da ultra-direita. Elas são unidas pela “desilusão com a presidência de Obama, repúdio a Hillary Clinton, desgosto com identidades políticas e um desejo de mudança que irá abrir caminho para um futuro melhor”.

A tocha vem sendo levada por liberais centristas desde então. Apenas uma semana antes do ato da Unidos pela Direita, o periódico Atlantic publicou um artigo de Peter Beinart criticando o “Surgimento da Violência Esquerdista”. Beinart focou nos “antifa” que se refere a grupos táticos de ativistas de esquerda dedicados a defender a si mesmo e seus companheiros da violência fascista. “As pessoas que impedem republicanos de se reunirem em segurança nas ruas de Portland podem se considerar fortes adversários do autoritarismo crescente da direita americana” escreveu. “Na verdade, eles são os aliados mais indesejados”.

No dia anterior a manifestação, o Wall Street Journal publicou um extrato de um livro a ser lançado de Mark Lilla, The Once and Future Liberal, que sugere que os antirracistas de esquerda criaram uma força centrifuga, causando um movimento em espiral e dissipação em facções. Mesmo que levemos em conta sua complicada metáfora, que se baseia em um conceito inexistente para a física moderna, esta o leva a perigosas conclusões.

“Vidas Negras Importam é um exemplo escrito de como não construir solidariedade” Lilla escreve. “Não sou um motorista negro e nunca vou saber como é ser um. Se eu vou ser afetado por essa experiência, eu preciso de algum jeito de me identificar com ele, e cidadania é a única coisa que conheço que compartilhamos”.

Isso não é apenas um fracasso da imaginação, embora com certeza seja. É um fracasso moral e estratégico também. Oferece nenhuma distinção significativa da politica de Donald Trump, que, depois da violência em Charlottesville, tuitou: “Temos que lembrar a verdade: não importa nossa cor, credo, religião ou partido politico, somos PRIMEIRO TODOS AMERICANOS”.

A primeira declarada morta em Charlottesville foi Heather Heyer, uma advogada de 32 anos, que aparentava pela sua pagina no Facebook ser uma apoiadora de Bernie Sanders. “Se você não está indignado, você não está prestando atenção”, disse em sua ultima postagem. A mesquinharia de ridicularizar os ‘amigos de Bernie’ ou comparar a esquerda a ultradireita se torna ainda mais ofensivo a luz da coragem de Heather e da tragédia que se sucedeu. Olhando para circunstancias como estas e vendo “vários lados”, indistinguíveis uns dos outros, numa posição que a historia revelou nada além de covardia moral.

Esta posição é o objetivo do romance de Graham Greene, O Americano Tranquilo, que segue Thomas Fowler, um jornalista da colonial Vietnã dos anos 1950 e que se dedica a permanecer a qualquer situação. Seu amigo um agente disfarçado da CIA chamado Alden Pyle, que defende vários políticos centristas que chama de “Terceira Força” – que se opõe tanto ao comunismo quanto ao colonialismo, vendo-os como ameaças equivalentes. Quando Fowler descobre que Pyle estava envolvido em um ato de terrorismo em Saigon, detonando um carro bomba e matando civis, ele vai falar com um membro do partido comunista que conhece como Senhor Heng.

"Mais cedo ou mais tarde... alguém tem que tomar um lado - se este alguém quer se manter humano", Heng diz a ele.

O centrismo liberal tem que prestar atenção no mesmo aviso. A fim de rejeitar os equívocos de Trump sobre “vários lados”, nós temos que escolher um. Existe um lado que reivindica nossa humanidade comum e luta contra o fascismo, racismo e ódio. Foi representado em Charlottesville por grupos de esquerda que tomaram as ruas para enfrentar a ultradireita. O outro lado é aquele que levou vidas inocentes naquelas mesmas ruas. As apostas são altas e temos que escolher.

Colaborador

Shuja Haider é uma escritora e musicista que mora no Brooklyn e é editora da Viewpoint Magazine.

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