As tarifas de Trump visam aumentar os lucros em alguns setores de corporações, em detrimento de outros. Os socialistas não têm nada a ver com essa disputa
Robert A. Blecker
Tradução / As políticas nacionalistas de comércio de Donald Trump, incluindo sua recente decisão de impor tarifas sobre o aço e o alumínio importados, provocaram um debate na esquerda. Durante anos, os progressistas argumentaram que a globalização neoliberal destrói empregos e piora a desigualdade nos EUA e em todo o mundo. Se isso for verdade, por que não faria sentido proteger as indústrias domésticas, como o aço e o alumínio, onde se perderam empregos? Apesar das muitas outras objeções a Trump, não seria de se esperar que os progressistas endossassem suas políticas nacionalistas, alegando que poderiam ajudar os operários industriais dos EUA a recuperar empregos e salários que foram perdidos?
Além disso, as operações de fabricação, como a produção de aço, simplesmente não precisam de tanta mão-de-obra quanto no passado. Trinta anos atrás, os EUA tinham cerca de 200.000 trabalhadores do aço que produziam aproximadamente 80 milhões de toneladas métricas de aço por ano. Nos últimos anos, aproximadamente o mesmo volume anual de aço foi produzido por cerca de 85.000 trabalhadores americanos, o que significa que a produtividade é mais que o dobro do que era então. A maior parte das perdas de empregos de longo prazo no setor siderúrgico foi causada, não por importações, mas pela tecnologia aprimorada (automação) e reestruturação da indústria (miniusinas que dependem de sucata reciclada em vez de minério de ferro) que levaram a essa duplicação da produtividade. Como resultado, restringir as importações pode trazer de volta apenas uma pequena fração dos empregos perdidos em épocas anteriores.
A crítica progressista da globalização e dos acordos comerciais recebeu, de fato, extensa validação em vários estudos recentes realizados por importantes economistas. David Autor e Daron Acemoglu do MIT (Massachusetts Institute of Technology), juntamente com uma série de coautores, encontraram fortes evidências estatísticas que confirmam que o "choque" do aumento das importações da China causou perdas maciças de empregos (até 2,4 milhões) e salários significativamente baixos para os trabalhadores dos EUA, especialmente aqueles com menos educação. Eles descobriram que as importações chinesas afetaram os trabalhadores, não apenas nas indústrias que competem diretamente com as importações, como também nos setores de serviços locais que atendem as comunidades impactadas pelas importações, bem como nas indústrias "emergentes" que fornecem insumos para as firmas que concorrem com as importações. As estimativas de Robert E. Scott, do Economic Policy Institute, mostram um deslocamento de trabalho ainda maior, devido a déficits comerciais mais altos dos EUA com o México e a China. Qualquer que sejam as estimativas, acredita-se que os defensores do livre comércio, que ignoram ou negam esses enormes custos sociais, obviamente puxaram para si mesmos a atual onda de reação contrária ao comércio.
Mas a economia mudou tanto desde o auge das indústrias de "chaminé" dos EUA que, hoje em dia, elevar as barreiras tarifárias não trará de volta a maioria dos empregos industriais que desapareceram nas últimas décadas. Para começar, os acordos comerciais são apenas um dos diversos fatores que impulsionam a globalização; reduções acentuadas no custo de transporte (carga em contêineres) e comunicações (tecnologia da informação), bem como o desenvolvimento econômico de outras nações (China, etc.) também são causas importantes e provavelmente não serão revertidas.
Além disso, as operações de fabricação, como a produção de aço, simplesmente não precisam de tanta mão-de-obra quanto no passado. Trinta anos atrás, os EUA tinham cerca de 200.000 trabalhadores do aço que produziam aproximadamente 80 milhões de toneladas métricas de aço por ano. Nos últimos anos, aproximadamente o mesmo volume anual de aço foi produzido por cerca de 85.000 trabalhadores americanos, o que significa que a produtividade é mais que o dobro do que era então. A maior parte das perdas de empregos de longo prazo no setor siderúrgico foi causada, não por importações, mas pela tecnologia aprimorada (automação) e reestruturação da indústria (miniusinas que dependem de sucata reciclada em vez de minério de ferro) que levaram a essa duplicação da produtividade. Como resultado, restringir as importações pode trazer de volta apenas uma pequena fração dos empregos perdidos em épocas anteriores.
Se os EUA banissem todas as importações de aço amanhã, a produção doméstica teria que aumentar cerca de um terço para atender à demanda atual. Mesmo que o emprego do aço aumentasse proporcionalmente (o que está longe de ser certo), o resultado seria apenas cerca de 28.000 novos empregos criados. Isso seria uma gota no balde em comparação com as perdas anteriores de empregos na indústria — mais de 100.000 desde o final dos anos 1980 e cerca de 500.000 desde meados dos anos 1960. Simplesmente, aumentar as tarifas do aço não fará o relógio voltar a uma época em que as siderúrgicas geravam muito mais empregos.
É verdade que o aço é um caso extremo a esse respeito — o comércio tem sido um fator maior na perda de empregos em outras indústrias, como vestuário e automóveis - mas é um setor em que a proteção tem menos probabilidade de trazer de volta a maioria dos empregos do passado.
Também é verdade que o mercado siderúrgico global sofre de excesso crônico de capacidade, devido em grande medida a enormes aumentos na capacidade de produção, em grande parte subsidiada, na China e em alguns outros países exportadores. A resultante pressão para baixo nos preços mundiais do aço colocou muitas siderúrgicas em risco, ou fora do mercado, nos Estados Unidos e em outras economias relativamente abertas. Mas com apenas pequenas quantidades de importações diretas de aço da China pelos EUA (menos de 3% das importações de aço em 2017, abaixo dos 6% em 2015 como resultado das tarifas existentes), as novas tarifas de Trump — a menos que ele emita isenções suficientes — cairão principalmente sobre economias como Canadá e União Europeia, que não subsidiam seu aço, além de alguns supostos "comerciantes desleais" de aço, como Rússia e Brasil. Na melhor das hipóteses, ameaçar esses países com tarifas pode induzi-los a participar de um esforço para negociar com a China para controlar o excesso de capacidade, conforme defendido por Robert E. Scott. Mas é uma maneira estranha de tratar amigos ou obter cooperação.
Uma não-estratégia
O governo Trump justificou suas tarifas de aço e alumínio usando uma relíquia da Guerra Fria: uma lei de 1962 que dá ao presidente autoridade quase ilimitada para impor tarifas por motivos de segurança nacional. Mas não há nenhum caso crível de que as indústrias americanas de aço e alumínio não possam fornecer o suficiente desses produtos para qualquer crise de segurança nacional concebível. Trump já concedeu exceções temporárias para o Canadá e o México (destinado a servir de moeda de troca para que aderissem às suas exigências na renegociação do NAFTA) e se ofereceu para isentar outros países em troca de concessões recíprocas. Se a revitalização da indústria siderúrgica do país é realmente um objetivo de segurança nacional, é difícil ver como as tarifas impostas ou retiradas com base no capricho presidencial e outras negociações encorajariam as siderúrgicas a fazer investimentos de longo prazo em novas instalações.
Por outro lado, é importante não dar muito crédito às previsões apocalípticas dos defensores do livre comércio que alertam que os aumentos induzidos por tarifas nos preços do aço destruirão um grande número de empregos em setores downstream que usam aço, como automóveis e construção. Embora seja verdade que há muito mais empregos nas indústrias downstream do que no próprio aço, o impacto dos preços mais altos do aço sobre o emprego nessas indústrias provavelmente será limitado e os preços, em qualquer caso, podem não subir tanto quanto sugere a tarifa de 25%. Alguns produtos downstream podem se tornar menos competitivos, levando ao aumento das importações em alguns setores. Mas se mais aço for produzido domesticamente, também haverá alguns empregos adicionais criados em indústrias que fornecem insumos para a produção de aço e aquelas que atendem comunidades locais onde as usinas siderúrgicas estão localizadas - e esses empregos compensarão algumas das possíveis perdas nos setores a jusante. Em última análise, o emprego nesses outros setores dependerá muito mais da demanda por seus produtos do que das mudanças nos custos do aço.
Outro resultado que está longe de ser certo é a perspectiva de uma "guerra comercial". Os defensores do livre comércio estão emitindo gritos histéricos de que as tarifas americanas de aço e alumínio levarão a uma retaliação massiva por parte de outros países. Tendo aprendido como funciona o sistema político dos EUA, os países estrangeiros estão ameaçando com impostos retaliatórios sobre as exportações dos EUA de estados politicamente sensíveis, como motocicletas do estado natal do presidente da Câmara Paul Ryan, Wisconsin, e bourbon do estado natal do líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, Kentucky. Mas, para fazer isso legalmente, esses países devem primeiro pedir à Organização Mundial do Comércio (OMC) que declare as tarifas dos EUA ilegais ou então se envolver em investigações de tarifas de salvaguarda, ambas as quais levam tempo. Os exportadores dos EUA podem eventualmente sofrer, especialmente se outros países impuserem tarifas sobre as principais exportações, como milho e aviões a jato. Mas até agora, as tarifas de Trump cobrem apenas uma pequena fração das importações dos EUA e ainda estamos muito longe de uma guerra comercial total.
A linha de fundo
No entanto, um efeito das tarifas é claro: na medida em que os preços do aço subirem, aumentarão as margens de lucro das siderúrgicas sediadas nos Estados Unidos — e essas empresas não terão obrigação de aumentar os salários de seus trabalhadores ou investir na expanção de instalações siderúrgicas domésticas. Não é de admirar que ex-executivos do aço, como o secretário de Comércio Wilbur Ross e o conselheiro de Trump, Dan DiMicco, estejam entusiasmados com as tarifas: seus amigos e comparsas colherão a maior parte dos ganhos. Enquanto isso, as empresas downstream que compram aço - incluindo empresas de construção e fabricantes de máquinas — enfrentarão custos mais altos do aço, o que pode reduzir suas margens de lucro. Esta é uma batalha entre interesses industriais rivais; os progressistas não deveriam tomar partido.
Além disso, as tarifas de Trump não são acompanhadas por nenhum tipo de estratégia de revitalização industrial ou desenvolvimento regional em áreas afetadas negativamente pelo comércio e offshoring. Além das tarifas, a única "estratégia" que o governo Trump oferece são taxas de impostos mais baixas para corporações e ricos, juntamente com a desregulamentação em todas as áreas concebíveis: normas trabalhistas, segurança do consumidor, proteção ambiental e assim por diante. Na melhor das hipóteses, esta é uma receita para a criação de um pequeno número de empregos de baixos salários em condições de trabalho inseguras e com efeitos colaterais destrutivos para o meio ambiente e a saúde.
Uma verdadeira revitalização industrial dos EUA exigiria exatamente o oposto das políticas domésticas do governo Trump. O governo teria que investir recursos significativos em pesquisa tecnológica, educação científica e treinamento de trabalhadores para desenvolver as indústrias do futuro. O país precisa de investimentos públicos maciços em infraestrutura, financiados por trilhões de dólares de gastos federais — e não enviar a conta aos governos estaduais e locais ou privatizando a infraestrutura como o governo Trump está propondo. Os EUA precisam enfrentar o aquecimento global desenvolvendo energia renovável, incluindo energia solar e eólica, para substituir os combustíveis baseados em carbono. Também precisa reverter a luta de classes que redistribuiu a renda para cima e concentrou o poder nas mãos dos bilionários. Juntos, esses tipos de políticas criariam muito mais empregos do que as tarifas de Trump - inclusive em setores como o aço, que forneceriam insumos essenciais.
Versões desse programa foram defendidas por uma série de economistas e comentaristas progressistas, incluindo o economista de Harvard Dani Rodrik, o ganhador do Prêmio Nobel Joseph Stiglitz e o jornalista econômico e professor da Brandeis, Robert Kuttner. Existem algumas diferenças: Kuttner está mais disposto a usar intervenções comerciais do que Stiglitz; Rodrik está em algum lugar no meio. Mas, na ausência de tal agenda política sendo adotada, os progressistas não deveriam fazer o jogo de Trump apoiando tarifas promulgadas com falsos fundamentos de segurança nacional em apoio a uma agenda política reacionária que é totalmente destrutiva dos interesses da classe trabalhadora.
Trump oferece a falsa esperança de que as barreiras comerciais para setores específicos, combinadas com cortes de impostos, desregulamentação e aumento da produção de combustíveis fósseis, irão rejuvenescer a indústria dos EUA e recriar o tipo de empregos industriais abundantes e bem remunerados que existiam no passado. Isso é simplesmente uma armadilha e uma ilusão, sem falar que é destrutivo para o planeta. Precisamos reescrever os acordos comerciais para que não privilegiem os direitos corporativos sobre os direitos trabalhistas e não dêem mais poder de monopólio a empresas que possuem patentes e direitos autorais. Precisamos adotar políticas monetárias que evitem que o dólar seja supervalorizado a ponto de agravar o déficit comercial.
Os progressistas não precisam amar o "livre comércio" ou abandonar suas críticas à globalização neoliberal. Mas eles não deveriam pensar que as tarifas de Trump são a resposta certa.
Colaborador
Robert A. Blecker é professor de economia na American University, Washington, D.C. e pesquisador associado do Economic Policy Institute.
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