Proposta de Bolsonaro reduzirá o teto de cobertura do INSS de R$ 5.839,45 para R$ 998 por mês
Nelson Barbosa
O presidente Jair Bolsonaro entrega ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, proposta da reforma da Previdência. Luis Macedo/Câmara dos Deputados. |
A PEC tem coisas positivas, como a adoção da idade mínima e o aumento progressivo das contribuições para a Previdência, sobretudo por parte de servidores com altos salários.
Também há pontos negativos, como regras de transição muito rápidas para a idade mínima e mudanças radicais na concessão de benefícios assistenciais aos mais pobres.
Em iniciativas dessa natureza, é normal que a PEC tenha exageros (bodes) para serem retirados na negociação com o Congresso.
Porém, o texto apresentado também tem coisas estranhas (jabutis), como a revogação da “PEC da bengala” (aposentadoria compulsória de servidores aos 75 anos). A oposição já identificou que isso pode permitir a Bolsonaro indicar mais nomes ao Supremo Tribunal Federal, um tema não exatamente fiscal.
Além de bodes e jabutis, a PEC do governo também inclui um cavalo de Troia, medida que parece uma coisa, mas é outra. Falo da criação da “nova Previdência” baseada na capitalização como opção ao sistema de repartição vigente hoje.
Segundo o artigo 201-A da PEC, o governo criará novo regime de aposentadoria, de caráter irreversível para quem aderir, com benefício definido pela poupança acumulada em contas individuais.
Haveria, então, duas opções ao trabalhador: capitalização ou repartição.
A ideia parece democrática, pois o trabalhador escolheria o regime. Porém, como o novo sistema também deve ter menores contribuições por parte das empresas, tudo indica que novos empregos serão oferecidos somente com capitalização.
Como sei disso? O próprio ministro da Economia já declarou que a capitalização será a porta de entrada para um novo regime trabalhista —a “carteira verde e amarela”— com menos direitos trabalhistas e redução de encargos previdenciários.
Precisa de mais evidência? Segundo o artigo 115, inciso VII, das disposições transitórias da PEC do governo, contribuições patronais deixam de ser obrigatórias no novo sistema.
Com isso, as empresas tenderão a oferecer novos empregos somente no regime de capitalização, bem como demitir quem está no regime antigo, para contratar no regime novo. Na prática, o trabalhador não terá escolha.
Ciente do tamanho da mudança proposta, a PEC do governo também prevê um mínimo de previdência por repartição no novo sistema, mediante a criação de “fundo solidário” para pagamento de piso previdenciário (artigo 115, inciso II). Qual é o valor proposto para esse piso? Um salário mínimo!
Traduzindo do economês, baseado nos valores de hoje, a “Nova Previdência” proposta por Bolsonaro reduzirá o teto de cobertura do INSS de R$ 5.839,45 para R$ 998 por mês. Mesmo quem defende a capitalização como substituto à repartição não ousou tamanho arrocho.
Na proposta do PDT, a ideia era reduzir o teto do INSS para R$ 4.000/mês. Na proposta dos “ex-tucanos sem partido”, liderados por Armínio Fraga, o teto cairia para R$ 3.800/mês. Bolsonaro quer mergulhar bem abaixo disso.
Seja na versão Bolsonaro, seja na versão PDT ou ex-tucana, sugiro deixar a questão da capitalização para outro momento e focar esforços em aperfeiçoar o regime de repartição que já temos, como fez a maioria dos países avançados do mundo.
Onde a capitalização substituiu a repartição (Chile), as aposentadorias se revelaram insuficientes, criando uma multidão de idosos pobres e demandas por nova reforma, para voltar ao regime solidário de repartição. Não precisamos criar novos problemas sociais, bastam os que já temos.
Sobre o autor
Porém, o texto apresentado também tem coisas estranhas (jabutis), como a revogação da “PEC da bengala” (aposentadoria compulsória de servidores aos 75 anos). A oposição já identificou que isso pode permitir a Bolsonaro indicar mais nomes ao Supremo Tribunal Federal, um tema não exatamente fiscal.
Além de bodes e jabutis, a PEC do governo também inclui um cavalo de Troia, medida que parece uma coisa, mas é outra. Falo da criação da “nova Previdência” baseada na capitalização como opção ao sistema de repartição vigente hoje.
Segundo o artigo 201-A da PEC, o governo criará novo regime de aposentadoria, de caráter irreversível para quem aderir, com benefício definido pela poupança acumulada em contas individuais.
Haveria, então, duas opções ao trabalhador: capitalização ou repartição.
A ideia parece democrática, pois o trabalhador escolheria o regime. Porém, como o novo sistema também deve ter menores contribuições por parte das empresas, tudo indica que novos empregos serão oferecidos somente com capitalização.
Como sei disso? O próprio ministro da Economia já declarou que a capitalização será a porta de entrada para um novo regime trabalhista —a “carteira verde e amarela”— com menos direitos trabalhistas e redução de encargos previdenciários.
Precisa de mais evidência? Segundo o artigo 115, inciso VII, das disposições transitórias da PEC do governo, contribuições patronais deixam de ser obrigatórias no novo sistema.
Com isso, as empresas tenderão a oferecer novos empregos somente no regime de capitalização, bem como demitir quem está no regime antigo, para contratar no regime novo. Na prática, o trabalhador não terá escolha.
Ciente do tamanho da mudança proposta, a PEC do governo também prevê um mínimo de previdência por repartição no novo sistema, mediante a criação de “fundo solidário” para pagamento de piso previdenciário (artigo 115, inciso II). Qual é o valor proposto para esse piso? Um salário mínimo!
Traduzindo do economês, baseado nos valores de hoje, a “Nova Previdência” proposta por Bolsonaro reduzirá o teto de cobertura do INSS de R$ 5.839,45 para R$ 998 por mês. Mesmo quem defende a capitalização como substituto à repartição não ousou tamanho arrocho.
Na proposta do PDT, a ideia era reduzir o teto do INSS para R$ 4.000/mês. Na proposta dos “ex-tucanos sem partido”, liderados por Armínio Fraga, o teto cairia para R$ 3.800/mês. Bolsonaro quer mergulhar bem abaixo disso.
Seja na versão Bolsonaro, seja na versão PDT ou ex-tucana, sugiro deixar a questão da capitalização para outro momento e focar esforços em aperfeiçoar o regime de repartição que já temos, como fez a maioria dos países avançados do mundo.
Onde a capitalização substituiu a repartição (Chile), as aposentadorias se revelaram insuficientes, criando uma multidão de idosos pobres e demandas por nova reforma, para voltar ao regime solidário de repartição. Não precisamos criar novos problemas sociais, bastam os que já temos.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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