Élida Graziane, Leonardo Ribeiro e Fábio Terra
Valor Econômico
— Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo |
O desafio das finanças públicas brasileiras é grande: resguardar sustentabilidade fiscal e, ao mesmo tempo, efetivar no ciclo orçamentário a Constituição de 1988.
Nesse contexto, apenas impor um limite para as despesas primárias, como fez a Emenda 95/2016, é opção ruim. O teto não enfrenta fragilidades tributárias, não baliza despesas financeiras, também não orienta para onde as finanças públicas devem rumar no médio prazo, nem fornece instrumentos auxiliares à gestão fiscal.
Este artigo sugere uma lógica e dois instrumentos para aperfeiçoar o regime fiscal brasileiro, de modo a conciliar efetividade da Constituição e “controlabilidade” dos recursos públicos.
Nesse contexto, apenas impor um limite para as despesas primárias, como fez a Emenda 95/2016, é opção ruim. O teto não enfrenta fragilidades tributárias, não baliza despesas financeiras, também não orienta para onde as finanças públicas devem rumar no médio prazo, nem fornece instrumentos auxiliares à gestão fiscal.
Este artigo sugere uma lógica e dois instrumentos para aperfeiçoar o regime fiscal brasileiro, de modo a conciliar efetividade da Constituição e “controlabilidade” dos recursos públicos.
Em primeiro lugar, regime fiscal, de fato, constitucionalmente adequado demanda um sistema tributário progressivo e simples, assim como balizas de transparência e razoabilidade para a gestão das despesas financeiras. Mais ainda, é preciso estabelecer plano fiscal de médio prazo, que seria o ponto para o qual as finanças públicas devem rumar. Tudo isso estaria sujeito às referências de limites de dívidas consolidada e mobiliária, já exigidas pela CF.
Para se alcançar tal ponto de chegada, deve haver também meta operacional na forma de limite de gastos, mas diferente do Teto, que assumiu a falsa premissa de que a Constituição não cabe no orçamento. Esse limite de gastos precisa 1- efetivar o texto constitucional conforme o planejamento setorial das políticas públicas, 2- ser realista, 3- ter válvulas de escape claras, 4- proteger investimentos públicos e 5- ser gradualista no ajuste fiscal. Não é tarefa fácil. Mas, a solução fácil, o Teto, é inexequível.
Sabe-se que um regime fiscal constitucionalmente adequado requer ainda instrumentos que racionalizem e deem previsibilidade à meta operacional. Assim, sugerem-se dois: o “spending review” e o “forward guidance”.
O instrumento para monitorar e melhorar a ordenação de prioridades das contas públicas é o “spending review”. É uma ferramenta já adotada em países da OCDE, como Austrália, Reino Unido, Estados Unidos e Holanda. O “spending review” é processo institucional, transparente e coordenado de revisar programas governamentais, em esforço de controle que retroalimenta o planejamento orçamentário. Sua base racional é a avaliação sistemática do gasto público, gerando economia que abre espaço para novos programas e para a gestão do equilíbrio intertemporal do ciclo orçamentário e da dívida pública.
Por um lado, busca-se a eficiência técnica com reformas que tragam melhores serviços públicos com o mesmo ou menor custo. Por outro lado, persegue-se a otimização alocativa via a melhor combinação dos recursos empregados.
Nota-se que o “spending review” pressupõe uma gestão pública comprometida com custos e resultados (metas financeiras e físicas), a partir do sistemático gerenciamento de programas para fins de “efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”, tal como exigido pelo art. 165, §10 da CF.
Para se alcançar tal ponto de chegada, deve haver também meta operacional na forma de limite de gastos, mas diferente do Teto, que assumiu a falsa premissa de que a Constituição não cabe no orçamento. Esse limite de gastos precisa 1- efetivar o texto constitucional conforme o planejamento setorial das políticas públicas, 2- ser realista, 3- ter válvulas de escape claras, 4- proteger investimentos públicos e 5- ser gradualista no ajuste fiscal. Não é tarefa fácil. Mas, a solução fácil, o Teto, é inexequível.
Sabe-se que um regime fiscal constitucionalmente adequado requer ainda instrumentos que racionalizem e deem previsibilidade à meta operacional. Assim, sugerem-se dois: o “spending review” e o “forward guidance”.
O instrumento para monitorar e melhorar a ordenação de prioridades das contas públicas é o “spending review”. É uma ferramenta já adotada em países da OCDE, como Austrália, Reino Unido, Estados Unidos e Holanda. O “spending review” é processo institucional, transparente e coordenado de revisar programas governamentais, em esforço de controle que retroalimenta o planejamento orçamentário. Sua base racional é a avaliação sistemática do gasto público, gerando economia que abre espaço para novos programas e para a gestão do equilíbrio intertemporal do ciclo orçamentário e da dívida pública.
Por um lado, busca-se a eficiência técnica com reformas que tragam melhores serviços públicos com o mesmo ou menor custo. Por outro lado, persegue-se a otimização alocativa via a melhor combinação dos recursos empregados.
Nota-se que o “spending review” pressupõe uma gestão pública comprometida com custos e resultados (metas financeiras e físicas), a partir do sistemático gerenciamento de programas para fins de “efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”, tal como exigido pelo art. 165, §10 da CF.
Todos os agentes envolvidos na condução das políticas públicas são incentivados a apresentar e executar propostas que façam mais eficiente o gasto público, assim como a demonstrar os resultados dos programas governamentais. Tenha-se claro que o serviço público é intensivo em mão de obra e o desempenho dos servidores públicos é essencial na aferição da qualidade dos gastos. Um desempenho recorrentemente insuficiente gera demissão dos servidores, nos moldes do art. 41 da CF, mas, claro, com transparência e proteção contra patrimonialismo.
A experiência internacional também ensina que os objetivos e os critérios do “spending review” devem ser transparentes e divulgados em relatórios, apreciados pela academia e instituições independentes. O governo é incentivado a interagir com a sociedade para melhorar o custo e os resultados da prestação de serviços públicos.
Nesse sistema de revisão de gastos, as despesas obrigatórias que amparam o cumprimento da Constituição teriam maior eficiência. Monitorar e avaliar o executado vis-à-vis o planejado guarda consonância com o art. 74, incisos I e II da CF, o que permite reordenar as prioridades, ressignificando o gasto obrigatório não como perene no tempo, mas como aquele que admite ajuste para uma mais efetiva entrega à sociedade.
Vale lembrar que o Teto não garante per se eficiência e equidade ao gasto público, na medida em que apenas tende a achatar despesas discricionárias, sem avaliar dinamicamente os resultados das despesas obrigatórias (primárias e financeiras) e dos gastos tributários.
Outro instrumento para melhorar o processo de eleição de prioridades alocativas é o “forward guidance”. Essa ferramenta foi adotada na política monetária pós-crise de 2008, como meio de os bancos centrais conduzirem as expectativas sobre o futuro dos juros básicos. Embora vindo da política monetária, o “forward guidance” pode ser aplicado à política fiscal, até porque corresponde, na prática, aos princípios da motivação e do planejamento.
Na verdade, o Tesouro Nacional já usa esse instrumento informalmente nos Planos Anuais de Financiamento, que trazem, por exemplo, intervalo esperado para a dívida pública. Porém, por ser informal, a ferramenta não cria enforcement. Oficializando-o, o Tesouro anuncia o que pretende fazer para primeiro alcançar sua meta operacional e então atingir sua referência fiscal de médio prazo.
Faz-se “forward guidance” por anúncios, quantitativos, qualitativos, temporais e “state-contingent”. Essas formas podem se misturar e o desafio do instrumento é ser crível, não apenas nos anúncios, mas na capacidade de os executar. Um enforcement bastante rígido decorre da junção dos parâmetros quantitativo e temporal. Uma forma branda é a qualitativa state-contingent, que informaria, por exemplo, que a dívida pode crescer enquanto houver recessão.
Os resultados do “forward guidance”, ainda que na política monetária, indicam redução dos juros longos, afeitos à política fiscal. O prêmio pago na ponta longa da dívida pública corresponde à expectativa dos vários riscos percebidos quando se emprestam recursos ao governo. Por meio do “forward guidance”, as autoridades balizam essas expectativas, buscando conduzi-las racional e legitimamente.
Enfim, o teto arbitrou como problemáticas as despesas primárias que efetivam os direitos fundamentais da CF, mas manteve intactas as opções de tributação e as despesas financeiras.
Formar um regime fiscal constitucionalmente adequado exige revisão do Teto e sua substituição por arcabouço melhor, que absorva instrumentos como “spending review” e “forward guidance”. Afinal, a lógica é que as finanças públicas resguardem, de fato e de direito, vida digna aos brasileiros.
Élida Graziane Pinto é professora da FGV e Procuradora do MPC-SP.
Leonardo Ribeiro é economista e Analista do Senado Federal.
Fábio Terra é professor da UFABC e do PPGE-UFU.
A experiência internacional também ensina que os objetivos e os critérios do “spending review” devem ser transparentes e divulgados em relatórios, apreciados pela academia e instituições independentes. O governo é incentivado a interagir com a sociedade para melhorar o custo e os resultados da prestação de serviços públicos.
Nesse sistema de revisão de gastos, as despesas obrigatórias que amparam o cumprimento da Constituição teriam maior eficiência. Monitorar e avaliar o executado vis-à-vis o planejado guarda consonância com o art. 74, incisos I e II da CF, o que permite reordenar as prioridades, ressignificando o gasto obrigatório não como perene no tempo, mas como aquele que admite ajuste para uma mais efetiva entrega à sociedade.
Vale lembrar que o Teto não garante per se eficiência e equidade ao gasto público, na medida em que apenas tende a achatar despesas discricionárias, sem avaliar dinamicamente os resultados das despesas obrigatórias (primárias e financeiras) e dos gastos tributários.
Outro instrumento para melhorar o processo de eleição de prioridades alocativas é o “forward guidance”. Essa ferramenta foi adotada na política monetária pós-crise de 2008, como meio de os bancos centrais conduzirem as expectativas sobre o futuro dos juros básicos. Embora vindo da política monetária, o “forward guidance” pode ser aplicado à política fiscal, até porque corresponde, na prática, aos princípios da motivação e do planejamento.
Na verdade, o Tesouro Nacional já usa esse instrumento informalmente nos Planos Anuais de Financiamento, que trazem, por exemplo, intervalo esperado para a dívida pública. Porém, por ser informal, a ferramenta não cria enforcement. Oficializando-o, o Tesouro anuncia o que pretende fazer para primeiro alcançar sua meta operacional e então atingir sua referência fiscal de médio prazo.
Faz-se “forward guidance” por anúncios, quantitativos, qualitativos, temporais e “state-contingent”. Essas formas podem se misturar e o desafio do instrumento é ser crível, não apenas nos anúncios, mas na capacidade de os executar. Um enforcement bastante rígido decorre da junção dos parâmetros quantitativo e temporal. Uma forma branda é a qualitativa state-contingent, que informaria, por exemplo, que a dívida pode crescer enquanto houver recessão.
Os resultados do “forward guidance”, ainda que na política monetária, indicam redução dos juros longos, afeitos à política fiscal. O prêmio pago na ponta longa da dívida pública corresponde à expectativa dos vários riscos percebidos quando se emprestam recursos ao governo. Por meio do “forward guidance”, as autoridades balizam essas expectativas, buscando conduzi-las racional e legitimamente.
Enfim, o teto arbitrou como problemáticas as despesas primárias que efetivam os direitos fundamentais da CF, mas manteve intactas as opções de tributação e as despesas financeiras.
Formar um regime fiscal constitucionalmente adequado exige revisão do Teto e sua substituição por arcabouço melhor, que absorva instrumentos como “spending review” e “forward guidance”. Afinal, a lógica é que as finanças públicas resguardem, de fato e de direito, vida digna aos brasileiros.
Élida Graziane Pinto é professora da FGV e Procuradora do MPC-SP.
Leonardo Ribeiro é economista e Analista do Senado Federal.
Fábio Terra é professor da UFABC e do PPGE-UFU.
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