30 de março de 2016

A pauperização por trás da recuperação

O colapso de Dilma Rousseff, a Richard Nixon do Brasil

Nicholas Lemann

Dilma Rousseff, a Presidente do Brasil, e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Um escândalo envolvendo a presidência de Dilma Rousseff colocou em risco o futuro do pacto social do Brasil. Fotografia de Igo Estrela / Getty

Richard Nixon foi reeleito de maneira esmagadora em novembro de 1972 e renunciou em agosto de 1974. Dilma Rousseff, presidente do Brasil, parece estar seguindo o mesmo caminho: reeleita (não de maneira esmagadora) em outubro de 2014, ela corre tanto perigo um ano e meio depois que não parece que vai conseguir finalizar seu mandato. Esta semana, o maior partido em sua coalizão de governo, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, ou PMDB, votou para deixar o governo, que é o mais grave no que deve parecer uma série interminável de golpes.

A causa óbvia da queda de Nixon foi Watergate, e a causa óbvia de Rousseff é o escândalo Lava Jato. Em ambos os casos, o nome pode ser misterioso para os forasteiros. Lava jato significa lavagem de carros e refere-se a uma operação de lavagem de dinheiro de beira de estrada em Brasília que, quando exposta, forneceu a primeira olhada no que acabou por ser um sistema de corrupção quase abrangente. O promotor-chefe do governo, um jovem juiz chamado Sérgio Moro, de uma cidade provinciana no sul do Brasil, está agora investigando gigantes econômicos como a Petrobras, a companhia petrolífera estatal, e a indústria da construção, que tem estado especialmente ocupada no período que antecedeu aos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, no Rio de Janeiro. Todos os dias parecem trazer notícias de outro alto funcionário sob investigação, outro arranjo corrupto descoberto, outra concessão de imunidade em troca de informações.

Escândalos de corrupção são uma característica constante da política no Brasil. O governo tem um papel bem maior na economia do que costuma ter no mundo desenvolvido: há muito negócios controlados pelo Estado, outros subsidiados e outros protegidos legalmente de qualquer competição. Há um sistema parlamentar especialmente complexo e caótico – atualmente, mais de duas dezenas de partidos ocupam cadeiras no Congresso, o que significa que a única forma de conseguir um governo de coalizão é sob uma troca de favores, que muitas vezes é feita na distribuição de ministérios em troca de apoio. A razão pela qual Rousseff, uma burocrata de carreira que nunca havia concorredo a um cargo antes, foi eleita presidente em 2010 é que as pessoas que estavam na fila para o cargo antes dela foram derrubadas durante um escândalo anterior. Um de seus poucos pontos de discussão restantes em sua campanha para evitar o impeachment é que quase nenhum político brasileiro pode se sentir totalmente seguro se a investigação de Moro puder continuar indefinidamente.


Mesmo para os padrões brasileiros, porém, as coisas parecem ter saído do controle nos últimos anos. Por exemplo, os promotores recentemente acusaram João Santana, um dos consultores políticos de Dilma Rousseff e, portanto, apenas uma figura política de segunda ordem, de receber US$ 7,5 milhões em fundos desviados de propinas que grandes empresas pagaram ao governo em troca de contratos. Há agora quase duas dúzias de investigações separadas em andamento sob a ampla rubrica do escândalo da Lava Jato.

Parece improvável que a força motriz da megacorrupção tenha sido a ganância pessoal da austera presidente. Em vez disso, provavelmente foi uma combinação da atmosfera festiva produzida pelo boom econômico da década – em particular, os altos preços do petróleo e a perspectiva das Olimpíadas – e a inaptidão política de Dilma Rousseff. Sem o charme e a astúcia de seu predecessor e mentor, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma parece ter confiado mais em meios nada sutis para se manter no poder. Em particular, como uma esquerdista muito mais intelectualmente consistente do que Lula, Rousseff carece de seu estranho instinto para encontrar uma mistura de políticas que ao mesmo tempo tranquilizem as elites econômicas e proporcionem uma base política esmagadoramente pobre. A tentativa de Rousseff de trazer Lula de volta à política como seu chefe de gabinete parece ter tido dois propósitos: imunizá-lo da acusação e alistá-lo como lobista-chefe anti-impeachment, um papel para o qual ele é naturalmente adequado. A partir de agora, uma liminar impede a nomeação de Lula de avançar, e isso só aumenta a probabilidade de colapso do governo de Dilma Rousseff.

A revolta contra Rousseff é da classe média, em um país onde a classe média ainda não é maioria, como é nos Estados Unidos. Como tudo que acontece na política, trata-se de poder e política, além de corrupção. A mudança abrupta do Brasil da prosperidade para a recessão, causada em parte pela dramática queda nos preços do petróleo, impossibilitou que investidores e políticos continuassem a obter retornos econômicos espetaculares simultâneos. Agora eles são concorrentes, e o improvável consenso presidido por Lula, no qual ex-revolucionários e banqueiros pareciam coexistir felizes dentro de um governo governado por uma organização chamada Partido dos Trabalhadores, acabou.

Os verdadeiros perdedores na reformulação política que deve acontecer no Brasil não serão os políticos corruptos. As dezenas de milhões de beneficiários dos programas sociais criados nos governos de Lula e Dilma, como o Bolsa Família (doações em dinheiro para as famílias) e Minha Casa Minha Vida (habitação social), estão sob risco também. Estes programas são o coração do pacto social no Brasil, da mesma forma que a Segurança Social e Medicare são aqui. Será uma tragédia se, na corrida louca para formar uma nova coalizão política, ela (coalizão) se torne mais favorável aos negócios e deixe para trás o eleitorado.

Nicholas Lemann é redator da The New Yorker e professor da Escola de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é "Transaction Man: The Rise of the Deal and the Decline of the American Dream".

23 de março de 2016

Um golpe no Brasil?

A direita do Brasil está determinada a remover Dilma Rousseff do poder e estropiar todos os movimentos à sua esquerda.

Alfredo Saad Filho


Marcelo Camargo/Agência Brasil

Tradução / Frequentemente, o sistema político burguês entra em crise. O maquinário estatal estagnado e as aparências de alianças são feitos em pedaços, e as ferramentas de poder tornam-se perturbadoramente nuas. O Brasil está vivendo um desses momentos: é a terra dos sonhos para os cientistas sociais — um pesadelo para todos os outros.

Dilma Rousseff foi eleita presidente em 2010, com uma maioria de 56-44% contra o candidato de oposição da direita neoliberal (PSDB). Ela foi reeleita quatro anos mais tarde, com uma maioria diminuída, mas ainda convincente de 52-48%, ou uma diferença de 3,5 milhões de votos.

A segunda vitória de Dilma provocou pânico entre a oposição neoliberal e alinhada aos EUA. A quarta eleição consecutiva de um presidente filiado ao PT, um partido de centro-esquerda, foi uma má notícia para a oposição, entre outras razões, porque indicava que o fundador do PT, Luís Inácio Lula da Silva, poderia voltar em 2018. Lula foi presidente entre 2003 e 2010 e, quando deixou o cargo, seus índices de aprovação atingiam 90%, tornando-o o líder mais popular da história do Brasil.

Esta ameaça de continuidade sugeria que a oposição poderia ficar fora do governo federal por mais uma geração. Eles rejeitaram imediatamente o resultado da votação. Não havia, porém, indícios credíveis para tanto, mas isso não importava; resolveu-se que Dilma Rousseff seria derrubada por quaisquer meios necessários. Para entender o que aconteceu em seguida, devemos retornar a 2011.

Dilma herdou de Lula uma economia em expansão. Juntamente com a China e outros países de rendimento médio, o Brasil se recuperou vigorosamente após a crise global. Seu PIB cresceu 7,5% em 2010, taxa mais rápida em décadas, e as políticas econômicas híbridas de Lula, neoliberalismo associado ao neodesenvolvimentismo, pareciam ter atingido o equilíbrio perfeito: suficientemente ortodoxas para desfrutar da confiança dos grandes setores da burguesia interna e da classe trabalhadora formal e informal, e heterodoxas o suficiente para promover uma redistribuição de rendimento e privilégios recordes na história do Brasil.

Por exemplo, o salário mínimo real cresceu 70% e 21 milhões de empregos (principalmente de baixa remuneração) foram criados na década de 2000. A provisão social aumentou significativamente, incluindo o programa de transferência condicionada de renda, o mundialmente famoso Bolsa Família, e o governo apoiou uma expansão drástica do ensino superior, incluindo cotas para negros e alunos de escolas públicas.

Pela primeira vez, os pobres poderiam ter acesso à educação, bem como a empréstimos e créditos bancários. Eles continuaram os estudos, começaram a emprestar e a pegar dinheiro emprestado e a ocupar espaços que antes eram, literalmente, reservados apenas à classe média alta: aeroportos, shoppings, bancos, instalações privadas de saúde e as ruas, estas engarrafadas por carros baratos comprados em 72 parcelas facilitadas. O governo desfrutou de uma maioria confortável num congresso altamente fragmentado, e as lendárias competências políticas de Lula conseguiram manter a maioria da elite política ao seu lado.

Então, tudo começou a dar errado. Dilma Rousseff foi escolhida por Lula como sua sucessora. Ela era um par constante e uma gerente e executora competente. Além disso, ela foi a presidente do Brasil mais à esquerda desde João Goulart, que foi derrubado por um golpe militar em 1964. No entanto, ela não tinha antecedentes políticos e logo se tornou evidente que ela não tinha as qualidades essenciais para o trabalho.

Uma vez eleita, Dilma conduziu as políticas econômicas para mais longe do neoliberalismo. O governo interveio em vários setores, com a intenção de promover o investimento e a produção, e pressionou o sistema financeiro intensamente para reduzir as taxas de juros, o que reduziu os custos de crédito e o serviço da dívida do governo, liberando fundos para consumo e investimento. Um círculo virtuoso de crescimento e distribuição parecia possível.

Infelizmente, o governo calculou mal o impacto da duração da crise global. As economias dos EUA e da Europa estagnaram, o crescimento da China vacilou e os chamados superciclos das commodities desapareceram. O orçamento do Brasil foi arruinado. 

Pior ainda, os EUA, o Reino Unido, o Japão e a zona do euro introduziram políticas de flexibilização quantitativa que levaram à saída massiva de capitais para países de rendimento médio. O Brasil enfrentou um tsunami no câmbio, que sobrevalorizou a moeda e diminuiu a industrialização. A taxa de crescimento econômico caiu vertiginosamente.

O governo duplicou o seu intervencionismo através de investimento público, de empréstimos subsidiados e de deduções de impostos, o que devastou as contas públicas. Seu intervencionismo frenético e aparentemente aleatório assustou e afastou a burguesia interna: magnatas locais estavam felizes com o governo do PT, mas não quando gerido por uma ex-presa política que os rejeitou abertamente.

E sua antipatia não se restringia aos capitalistas: a presidenta tinha pouca inclinação para dialogar com movimentos sociais, organizações de esquerda, lobbies, partidos aliados, políticos eleitos ou com os seus próprios ministros. A economia estagnou e as alianças políticas de Dilma encolheram, em uma dança com movimentos rápidos e destrutivos. A oposição neoliberal se aproveitou da situação.

Durante anos, a oposição ao PT tem sido desordenada. O PSDB não tinha nada atraente para oferecer, enquanto (como é tradicional no Brasil) a maioria dos outros partidos reduzia-se a gangues de bandidos para extorquir o governo em ganho próprio. A situação era tão desesperadora que a grande mídia tomou abertamente o manto da oposição, conduzindo a agenda anti-PT e, literalmente, instruindo os políticos ao que deveria ser feito a seguir. Enquanto isso, a esquerda radical permaneceu pequena e relativamente impotente. Ela foi desprezada pelas ambições hegemônicas do PT.

A confluência de insatisfações se tornou uma força irresistível em 2013. A grande mídia é violentamente neoliberal e totalmente cruel: é como se a Fox News e seus clones dominassem toda a mídia dos EUA, incluindo todas as cadeias de televisão e os principais jornais. A classe média alta era seu alvo prestativo, visto que ela tinha razões econômicas, sociais e políticas para estar infeliz.

Os empregos da classe média alta estavam em declínio, com a diminuição de 4,3 milhões de postos que pagavam entre 5 e 10 salários mínimos na década de 2000. Enquanto isso, a burguesia estava indo bem e os pobres avançando rápido: até mesmo empregadas domésticas ganharam direitos trabalhistas. A classe média alta sentiu-se espremida economicamente e excluída dos seus espaços privilegiados. Ela também foi excluída do Estado.

Desde a eleição de Lula, a burocracia estatal tinha sido povoada por milhares de quadros nomeados pelo PT e pela esquerda, em detrimento de seus concorrentes da classe média alta: mais brancos, “mais educados” e, presumivelmente, mais merecedores. Manifestações de massa eclodiram pela primeira vez em junho de 2013, desencadeadas pela esquerda, contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo.

Essas manifestações foram esfriadas pela mídia e capturadas pela classe média alta e pela direita, que pressionaram o governo  —  porém, claramente, não o suficiente para motivá-lo a se salvar. As manifestações retornaram dois anos depois e, em seguida, em 2016.

Após a dizimação do aparelho do Estado pelas administrações neoliberais pré-Lula, o PT procurou reconstruir áreas selecionadas da burocracia. Entre elas, por motivos que Lula pode, em breve, ter bastante tempo para rever e se arrepender, a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF). Além disso, por motivos abertamente “democráticos”, porém provavelmente mais relacionados ao corporativismo e à capacidade da mídia em fazer ruídos amigáveis, a Polícia Federal e o MPF ganharam autonomia excessiva; a primeira através da má gestão, enquanto o último se tornou o quarto poder da República, separado e investigando o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

A abundância de candidatos qualificados em busca de empregos levou à colonização destes cargos bem remunerados por quadros de classe média alta. Eles estavam agora em uma posição constitucionalmente protegida e podiam cuspir no prato em que comeram, enquanto exigiam, através da mídia, outros recursos para espancar o resto do corpo do PT.

A corrupção foi o pretexto ideal. Desde que perdeu as primeiras eleições presidenciais democráticas, em 1989, o PT se direcionou constantemente em direção ao centro político. A fim de atrair a classe média alta e a burguesia interna, o PT neutralizou ou eliminou a ala esquerda do partido, desarmou os sindicatos e movimentos sociais, acolheu as políticas econômicas neoliberais adotadas pela administração anterior e impôs um conformismo severo que exterminou qualquer liderança alternativa.

Apenas o sol de Lula pode brilhar no partido; todo o resto foi incinerado. Esta estratégia acabou sendo bem-sucedida e, em 2002, o ‘Lulinha Paz e Amor’ foi eleito presidente (eu não estou brincando com você, leitor: este era um dos seus slogans de campanha).

Durante anos, o PT prosperou na oposição como o único partido político honesto do Brasil. Esta estratégia funcionou, mas tinha uma contradição letal: para vencer eleições caras, gerenciar o Executivo e construir uma maioria viável no congresso, o PT teria que começar a sujar as suas mãos. Não há outra maneira de “fazer” política na “democracia” brasileira.

Nós só precisamos de mais um elemento, e nossa mistura estará pronta para entrar em combustão. A Petrobras é a maior corporação do Brasil e uma das maiores empresas de petróleo do mundo. A empresa tem capacidade técnica e econômica considerável, e foi responsável pela descoberta, em 2006, do gigantesco “pré-sal” —  campos petrolíferos de águas profundas há centenas de milhas da costa brasileira. Dilma Rousseff, como ministra de Minas e Energia de Lula, foi responsável por definir os contratos de exploração nessas áreas, incluindo grandes privilégios para a Petrobras. A legislação que permitia isso foi vigorosamente contestada pelo PSDB, pela mídia, pelas principais empresas petrolíferas e pelo governo dos EUA.

Em 2014, Sergio Moro, um juiz até então desconhecido de Curitiba, a capital de um estado do sul do país, começou a investigar um doleiro envolvido em evasão fiscal. Este caso, acidentalmente, culminou em uma ameaça mortal contra o governo de Dilma Rousseff. O juiz Moro tem boa aparência, é bem educado, é branco e bem pago. Ele também é muito próximo do PSDB.

Sua Lava Jato, a operação revelou uma novela extraordinária de propina em grande escala, a pilhagem dos bens públicos e financiamento para os principais partidos políticos, centrada na relação entre a Petrobras e alguns dos seus principais fornecedores  —  precisamente os fiéis ao PT no petróleo, na construção naval e industrial. 

Foi a combinação perfeita e no momento certo. A causa do juiz Moro foi acolhida pela mídia, e ele gentilmente a conduziu para infligir o maior dano possível ao PT, enquanto protegia os outros partidos. Os políticos ligados ao PT e alguns dos empresários mais ricos do Brasil foram sumariamente presos, e permanecerão presos até que concordem com uma delação premiada implicando outros. A nova fase da Lava Jato será enredá-los e assim por diante. 

A operação está agora em sua 26ª fase; muitos já colaboraram, e aqueles que se recusaram a fazê-lo receberam longas penas de prisão, a fim de coagi-los a colaborar enquanto os seus recursos estão pendentes. A mídia transformou o juiz Moro em um herói, ele não pode fazer nada errado, e qualquer tentativa de contestar seus poderes são recebidas com escárnio ou pior. 

Ele é agora a pessoa mais poderosa da República, acima de Dilma, de Lula, dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado (ambos afundados na corrupção e outros escândalos), e até mesmo os juízes do Supremo Tribunal Federal têm sido silenciados ou apoiam a cruzada de Moro através do silêncio.

A Petrobras foi paralisada pelo escândalo, derrubando toda a cadeia de petróleo. O investimento privado entrou em colapso em função da incerteza política e da greve de investimento politicamente orientada contra o governo Dilma. O congresso se voltou contra o governo e o Poder Judiciário é esmagadoramente hostil.

Depois de anos de ataque, a mídia está tendo o prazer de ver Lula cair sob o rolo compressor da Lava Jato, mesmo com as alegações sendo muitas vezes absurdas: ele possui realmente um apartamento à beira-mar que sua família não usa, será o pequeno sítio realmente seu, terá pago pelo lago e pelas torres de telefone celular nas suas proximidades, e sobre aqueles pedalinhos? Não importa: em uma revelação de bravura e poder, Moro deteve Lula para interrogatório no dia 4 de março. Ele foi levado para o aeroporto de São Paulo e teria sido levado para Curitiba, mas o plano do juiz foi interrompido pelo medo das consequências políticas. Lula foi interrogado no aeroporto e, em seguida, liberado. Ele estava furioso.

A fim de reforçar seu governo em ruínas e proteger Lula da acusação, Dilma Rousseff nomeou Lula como Ministro da Casa Civil (espécie de chefe de gabinete do presidente que tem status ministerial e só pode ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal). A conspiração da direita passou dos limites. Moro (ilegalmente) divulgou uma gravação (ilegal) de uma conversa, pertencente à sua investigação, entre a presidenta Dilma e Lula. Uma vez convenientemente mal interpretado, o diálogo foi apresentado como “prova” de uma conspiração para proteger Lula da ambição de Moro em prendê-lo. 

Grandes massas de direita pertencentes à classe média alta saíram às ruas, furiosamente, em 13 de março. Cinco dias depois, a esquerda respondeu com manifestações não tão grandes contra o desdobramento do golpe. Enquanto isso, a nomeação de Lula foi suspensa por uma medida judicial, restaurada e suspensa novamente. O caso está agora no Supremo Tribunal Federal. No momento, ele não é ministro, e sua cabeça está em jogo. Moro pode prendê-lo sem aviso prévio.

Por que isso é um golpe? Porque, apesar do escrutínio agressivo, nenhum crime presidencial, que garantiria um processo de impeachment, surgiu. No entanto, a direita jogou toda sujeira para cima de Dilma Rousseff. Eles rejeitaram o resultado das eleições de 2014 e apelaram contra sua suposta violação de finanças de campanha, o que removeria do poder tanto Dilma quanto o vice-presidente Michel Temer, agora o líder eficaz da condução do impeachment (e, curiosamente, este caso, está parado). 

A direita iniciou, simultaneamente, os procedimentos de impeachment no Congresso. A mídia vem atacando o governo violentamente, os economistas neoliberais “imparciais” imploraram por uma nova administração “para restaurar a confiança do mercado” e, se necessário, a direita vai recorrer à violência nas ruas. Finalmente, a farsa judicial contra o PT está quebrando todas as regras da legalidade e ainda assim é aplaudida pela mídia, pela direita e até mesmo pelos juízes do Supremo Tribunal Federal.

Porém... o golpe de misericórdia está demorando. Antigamente, os militares já teriam se movido. Hoje em dia, os militares brasileiros são definidos mais pelo seu nacionalismo (um perigo para a ofensiva neoliberal) do que pela sua fé na direita e, de qualquer maneira, a União Soviética não existe mais. Ao abrigo do neoliberalismo, os golpes de Estado devem seguir as sutilezas legais, como foi demonstrado em Honduras, em 2009, e no Paraguai, em 2012.

O Brasil está propenso a juntar-se a eles, não apenas agora: grandes setores do capital querem restaurar a hegemonia do neoliberalismo; aqueles que uma vez apoiaram a estratégia nacional de desenvolvimento do PT abandonaram o governo, a mídia está uivando tão alto que se tornou impossível pensar com clareza e a maior parte da classe média alta caiu em um ódio fascista contra o PT, a esquerda, os pobres e os negros. 

Seu ódio desordenado tornou-se tão intenso que até mesmo os políticos do PSDB são vaiados em manifestações antigovernamentais. E, apesar do ataque implacável, a esquerda permanece razoavelmente forte, como foi demonstrado em 18 de março. A direita e a elite são poderosas e implacáveis — mas elas também têm medo das consequências de sua própria ousadia.

Não há nenhuma resolução simples para a crise política, econômica e social no Brasil. Dilma Rousseff perdeu o apoio político e a confiança do capital, e é suscetível de ser afastada do cargo nos próximos dias. No entanto, as tentativas de prender Lula poderiam ter implicações imprevisíveis e, mesmo que Dilma e Lula forem lançados para fora do mapa político, a hegemonia neoliberal renovada não pode automaticamente restaurar a estabilidade política ou o crescimento econômico, nem garantir a proeminência social que a classe média alta anseia.

Apesar do forte apoio da mídia ao golpe iminente, o PT, outros partidos de esquerda e muitos movimentos sociais radicais continuam fortes. Um novo ajuste é inevitável. Fique de olho.

Colaborador

Alfredo Saad-Filho é professor de Economia Política e Desenvolvimento Internacional no King’s College London. Seus livros incluem Value and Crisis: Essays on Labour, Money and Contemporary Capitalism.

É o socialismo democrático o sonho americano?

Each week, In Theory takes on a big idea in the news and explores it from a range of perspectives. This week, we’re talking about the rise of socialism.

John Bellamy Foster

The Washington Post

Ricky Carioti / The Washington Post

O rendimento nacional pode comparar-se a uma torta. Se de um ano para o seguinte a torta cresce, todos podem obter uma fatia maior. Ao contrário, se o tamanho da torta continua o mesmo, uma fatia maior para alguns só pode significar uma fatia menor para os outros.

Isto ajuda-nos a compreender o péssimo estado da economia dos EUA e o ímpeto ganho pela campanha eleitoral de Bernie Sanders, que se refere aos trabalhadores e às suas famílias. Durante décadas o crescimento da economia dos EUA estagnou e, década após década, verificava-se um menor ratio de crescimento. Nestas circunstâncias, o rápido incremento das receitas dos de cima – aqueles a quem Sanders gosta de chamar a "classe milionária" – dá-se à custa das receitas (a parte da torta) dos de baixo.

Os 400 multimilionários do país acumulam mais riqueza que metade dos rendimentos salariais dos de baixo; isto é, cerca de 1.350 milhão de pessoas. A parte dos salários no rendimento nacional foi caindo ao mesmo tempo que os rendimentos dos detentores de bens de produção iam subindo. Os trabalhos são mais precários. Muitas pessoas foram expulsas do mercado de trabalho. Ainda que o desemprego oficial tenha decrescido nos últimos cinco anos, torna-se difícil conseguir bons trabalhos com salários dignos. Cada vez há mais pessoas a cair na pobreza. A maioria dos estudantes no setor público está classificada como pobre ou quase pobre.

O establishment político, baseado no bipartidarismo dos partidos Democrata e Republicano menosprezou largamente a deterioração das condições de vida da maioria das pessoas. Visto que os pobres, incluindo os trabalhadores pobres são menos propensos a votar e têm pouca influência, pelo que são facilmente descartáveis. O dinheiro domina a todos os níveis a política nos EUA. A resolução do Supremo Tribunal de Justiça, Citizens United, que em 2010 abriu as portas às doações ilimitadas manchou irremediavelmente a imagem da democracia americana. Agora é normal ouvir-se, para citar a memorável frase dos economistas Paul Baran e Paul Sweezy de 1966, que os EUA são "democrata nas formas e plutocrata no conteúdo".

Nas penosas condições da situação política dos EUA como se explica o extraordinário fenômeno da campanha de Bernie Sanders para as eleições presidenciais? Sanders apresenta-se a si-mesmo como um socialista democrático na esteira da fase mais radical da administração de Franklin D. Roosevelt, que propôs uma Carta dos Direitos Econômicos para garantir o pleno emprego e a segurança econômica a todos os americanos.

Ao advogar um socialismo democrático, Sanders promoveu uma política pragmática de esquerda. As suas propostas incluem um forte incremento dos impostos para os milionários, gratuitidade para as mensalidades universitárias e um seguro de saúde de pagamento único, garantindo assistência médica a toda a população independentemente de ter ou não trabalho e dos seus recebimentos. Promove um programa de emprego em linha com o New Deal. Todas as suas propostas são realidades já conseguidas noutros países, particularmente na Escandinávia social-democrata, onde as pessoas têm melhores condições nos indicadores sociais. Apresentando as suas propostas como possíveis nos EUA, Sanders levou a ideia de socialismo – ainda que seja numa versão moderada – da marginalidade ao centro da cultura política dos EUA.

O mais notável do fenômeno Sanders é que apesar da implacável hostilidade dos guardiões do templo midiático (por exemplo, Adam Johnson em fair.org informava que o Washington Post publicou, em 8 de março, 16 histórias negativas sobre Bernie Sanders no espaço de 16 horas) continua a bater recordes de massas na sua campanha. Também obteve mais votos entre as pessoas com menos de 30 anos que Hillary Clinton e Trump juntos, o que aponta para uma menor influência dos grandes meios de comunicação na sociedade americana e um aumento da influência das redes sociais, pelo menos entre as pessoas mais jovens. Como informava David Auerbach: "As redes sociais permitiram aos partidários de Sanders reforçar a ideia de que a exclusão geral de Sanders por parte da grande mídia – inclusive em grande medida da mídia de esquerda – e permitiram, também, que Sanders sobrevivesse mesmo onde em 2008 se tinha afundado".

De tudo isto pode retirar-se uma importante lição, e essa é a da resiliência (capacidade de se sobrepor a acidentes, derrotas...) e capacidade de atração do socialismo com os seus valores de igualdade. O socialismo sempre fez parte da cultura americana. Sem dúvida que, hoje em dia, seria perturbador para o Partido Republicano inteirar-se que um dos escritores políticos favoritos de Lincoln foi Karl Marx, o correspondente europeu do jornal Horace Greeley, o New York Tribune.

Na visão de Sanders do socialismo democrático, uma sociedade que tem carência de igualdade básica e justiça para todas as pessoas não pode considerar-se como uma sociedade democrática em nenhum sentido. Uma democracia viva, real conduz ao socialismo. Para milhões de americanos de hoje, o que Sanders expressa com esta ideia de socialismo democrático é, nada mais nada menos que o sonho americano.

Sobre o autor

John Bellamy Foster is editor of Monthly Review, an independent socialist magazine, and co-author with Robert W. McChesney of “The Endless Crisis: How Monopoly-Finance Capital Produces Stagnation and Upheaval from the USA to China.”

A roupa suja da economia compartilhada

Empresas de economia compartilhada como Uber e Airbnb não estão ajudando as economias locais — elas estão apenas ajudando a si mesmas.

Tom Slee



Tradução / As empresas mais queridas da "economia da partilha" de Sillicon Valley, Uber e Airbnb, ganharam uma loucura de dinheiro em 2015. Tornando pequenos outros "unicórnios" (startups cujo valor atinge mil milhões de dólares), a Airbnb está agora avaliada em 25 mil milhões – rivaliza com as maiores cadeias de hotéis dos EUA – enquanto o mercado avalia a Uber em 65 mil milhões, semelhante às principais empresas de automóveis. Só no ano passado, a Airbnb angariou 1600 milhões, elevando o financiamento total a mais de 2 mil milhões, e a Uber angariou quase 5 mil milhões, para um total de mais de 6500 milhões de dólares.

Mas para além de angariar dinheiro, as duas empresas estiveram ocupadas com outras coisas. Em 2015 reforçaram o seu lóbi, relações públicas e mobilização de clientes para criar um quadro regulatório que vá ao encontro das necessidades do seu negócio. Uma das setas mais potentes na aljava do seu lóbi é que os legisladores e o público podem ser influenciados pela aparente inevitabilidade de um futuro guiado pela tecnologia: "Não se deixem ficar para trás!" é um apelo a que poucos podem resistir.

Apenas dois exemplos: em julho passado, quando a Uber esmagou o plano do mayor Bill de Blasio para limitar o número de carros nas ruas de Nova Iorque, e em outubro, quando a Airbnb combateu a Proposta F (uma iniciativa para restringir o arrendamento de casas de curta duração) em São Francisco, ultrapassando o número de anúncios televisivos num rácio de 100 para 1.

Mobilizar dinheiro e mobilizar votos andam de mão dada: os investidores só lucram se o quadro regulatório for alterado, não apenas para ser "tech-friendly", mas para apoiar os modelos de negócio específicos que empresas como a Uber e a Airbnb apresentam.

Mas a economia da partilha também mostra outra tática: tanto a Uber como a Airbnb continuam a ser empresas privadas, e nenhuma tem pressa em abrir o capital ao público. Ao adiarem as suas ofertas públicas iniciais (IPO), as empresas dão a si próprias flexibilidade máxima: não têm de agradar aos acionistas ou apresentar lucros a curto-prazo. Não publicam nenhum prospeto, não há auditorias independentes e não podemos verificar as suas contas.

A tática não é nova, mas na atual economia financiarizada ela cria uma tempestade perfeita de maus estímulos. Os investidores estão à procura de uma "saída" (uma IPO bem sucedida) para que possam fazer o encaixe; fortunas serão feitas ou perdidas dependendo da forma como serão reescritas leis em todo o mundo; e ao mesmo tempo, as empresas funcionam, nas palavras de Frank Pasquale, como "caixas negras”, por não terem de apresentar relatórios de atividade públicos e auditáveis.

Manter-se privado é apelativo em particular nos setores tecnológicos onde a competição é intensa e as expetativas altas. Olhemos para uma empresa como a Theranos, do setor privado de saúde. Angariou investimentos devido à sua tecnologia inovadora de análises ao sangue, mas foi logo posta sob pressão para provar que seria uma inovação decisiva.

Quando a sua tecnologia enfrentou problemas, simplesmente ocultaram-nos, recorrendo aos métodos tradicionais de análise de sangue para manter a imagem de sucesso. O site Ashley Madison é outro exemplo: criou milhares de contas falsas para parecer que homens estavam a conhecer mulheres através da sua plataforma. E vemos a posteriori que empresas como a WorldCom ou a Enron foram exemplos precoces desta prática comum.

Para resumir, há enormes recompensas para empresas que consigam fingir até alcançar os seus objetivos, e bancarrota para os que mostram honestamente a sua roupa suja. E as startups tecnológicas são as maiores fingidoras de todas.

Guerra de dados

As plataformas da economia da partilha são construídas através de uma combinação de algoritmos e grandes volumes de dados. Todas as viagens, todos os arrendamentos, todos os cliques são gravados; tal como as avaliações, pagamentos e outros dados. Quem põe a sua casa a arrendar no Airbnb é avaliado pelo tempo que demora a responder a pedidos, os condutores do Uber pelos trajetos que escolhem.

Mas os algoritmos e grandes volumes de dados não são apenas uma parte central do funcionamento das empresas, tornando-se também armas de relações públicas nas batalhas por mudanças nas leis. Já não precisamos das vossas regras velhas, dizem as empresas: a nossa informação fornece novos patamares de eficiência, conveniência e segurança.

A Uber e a Airbnb têm partilhado técnicas, aprendendo uma com a outra como usar os seus dados enquanto ferramenta de relações públicas.

A técnica mais simples é a divulgação seletiva de dados, escolhidos para destacar o lado positivo do seu negócio. Em 2014 a Uber causou impacto ao afirmar que os seus condutores em Nova Iorque estavam a ganhar a considerável soma de 90 mil dólares por ano. A notícia correu na imprensa de todos os EUA. A jornalista Alison Griswold fez uma busca infrutífera por este mítico “unicórnio Uber” e esse anúncio salarial já foi dissecado ao longo do tempo. Ainda assim, no ano seguinte esses 90 mil dólares anuais ainda eram apresentados pela empresa como sendo um facto.

Não era uma mentira direita, mas era concerteza altamente enganadora. A Uber escolheu a cidade: os condutores em Nova Iorque ganham bem mais que em qualquer outra cidade. Escolheu os condutores: os 90 mil dólares era uma média apenas daqueles motoristas que trabalhavam mais de 40 horas por semana (ou seja, alguns conduziam muito mais). E a Uber apresentou um número bruto: as despesas do motorista, como o seguro, combustível e manutenção foram completamente omitidas.

A Airbnb adotou a mesma técnica: quando confrontada com uma polémica num dos seus mercados, começaram a divulgar “relatórios de cidade”, como aquele que dizia dar “provas quantitativas de que os hospedeiros em Nova Iorque têm impacto positivo na comunidade”. O relatório tem apenas 300 palavras e nenhuma metodologia que suporte as suas conclusões, está cheio de factoides com ar credível como “A Airbnb apoiou 950 empregos nas zonas periféricas” ou “82% das casas Airbnb situam-se fora do centro de Manhattan”.

Os números são praticamente desprovidos de sentido – não se percebe o que significa “apoiou”, e quando o Procurador Geral de Nova Iorque conseguiu olhar para os dados da empresa, viu que afinal 97% do seu rendimento em toda a cidade vinha apenas de duas das suas cinco zonas (Manhattan e Brooklyn).

Mas apesar da falta de solidez das afirmações destas empresas, a sua utilização dos dados tem tido um grande sucesso. Gestores de alta potência tecnológica a debitarem números num tom confiante e credível, em cuidada linguagem de marketing, podem ir longe para criar aquela imagem de um irresistível futuro radiante. Quando a verdade vier ao de cima, o mal já estará feito.

Outra técnica é encomendar trabalhos a académicos (sem arbitragem, claro), cativando-os com a oferta de um acesso exclusivo aos dados internos da empresa. Elas são cuidadosas ao não influenciarem abertamente o investigador, mas o simples facto da colaboração e do acesso privilegiado aos dados sugere algo menos que neutralidade.

A Airbnb já usou muitas vezes esta tática para rebater os argumentos dos seus adversários sobre o impacto da empresa nos custos de habitação em algumas das cidades onde é mais contestada, como Los Angeles, e contrata nomes importantes como o antigo conselheiro económico da Casa Branca, Gene Sperling. A Uber encomendou ao economista de Princeton Alan Krueger um relatório sobre as condições de trabalho dos seus motoristas, em coautoria com o responsável da empresa pela política de investigação, Jonathan Hall. Tal como noutros relatórios da empresa sobre rendimento dos motoristas, o relatório Krueger-Hall não contém qualquer dado sobre as despesas dos condutores, alegando que esses dados não estão disponíveis.

Por vezes, estes relatórios são publicados na íntegra (mas sem os conjuntos de dados a acompanhá-los); noutras ocasiões o relatório é mantido em segredo e apenas é divulgado o comunicado à imprensa; por exemplo, um relatório de 2015 pelo professor da UBC Thomas Davidoff sobre o impacto da Airbnb nos preços das casas foi referido pelo Wall Street Journal e outros órgãos, mas nunca chegou a ser divulgado, e a empresa não respondeu aos meus pedidos de uma cópia. É difícil argumentar contra um relatório que não se pode ler.

Empresas como a Uber e Airbnb também dão impulso à sua imagem pública ao prometerem partilhar dados com as cidades. No início de 2015, a Uber juntou-se a Boston para partilhar alguns dados sobre as viagens “para resolver problemas”, e no fim do ano a Airbnb anunciou um “Pacto com a Comunidade”, comprometendo-se a fornecer relatórios sobre a sua atividade nas cidades onde tem presença significativa.

Mas as empresas da economia da partilha são seletivas em relação aos dados que partilham. A Airbnb pode oferecer-se para pagar impostos em vez dos seus hospedeiros em cidades onde o turismo é controverso, mas recusa-se a dizer onde estão as casas que anuncia. Isso torna impossível aos destinos turísticos mais populares limitar o arrendamento a turistas e equilibrar o impacto do turismo com outras preocupações em zonas sensíveis das suas cidades. Em janeiro a Uber foi multada por não entregar dados requeridos pela Comissão de Serviços Públicos da Califórnia.

Os dados a partilhar são cuidadosamente escolhidos. Em dezembro, a Airbnb tornou público um conjunto de dados sobre Nova Iorque, alguns dos quais descreviam o estado do negócio em 17 de novembro de 2015. Uma investigação feita por mim e Murray Cox mostrou que a Airbnb tinha selecionado bem os dados; a empresa retirou mais de mil anúncios do site nas vésperas desta data para ter a certeza de que pintava um quadro mais favorável. Ao início, a Airbnb negou ter feito tal coisa, sugerindo que as flutuações se deviam ao Halloween ou à maratona de Nova Iorque, mas mais recentemente admitiram a manobra.

Quando chega a altura de assumir a reponsabilidade, a Airbnb e a Uber escondem-se frequentemente atrás dos seus algoritmos. Por exemplo, a Uber tem conseguido criar a impressão que as suas políticas de aumento súbito de tarifas [“surge pricing”] são “apenas o bê-á-bá da Economia”, mas os investigadores Alex Rosenblat e Luke Stark mostraram como os seus algoritmos não refletem apenas o aumento da procura, fazendo também parte da gestão ativa do sistema por parte da Uber, apresentando uma “miragem de mercado”. O aumento súbito de tarifas faz parte do jogo do gato e do rato da Uber com os motoristas que querem maximizar o seu rendimento; estes recebem informação sobre as tarifas mas não sobre o número de clientes, a duração esperada desse aumento ou o número de outros carros a dirigirem-se para a zona onde esse aumento está a ocorrer.

Muitos chegaram à conclusão que “correr atrás do aumento” é perder pela certa. Será que os carros que os motoristas veem na sua app são mesmo carros da Uber e estarão mesmo livres? Rosenblat e Stark sugerem que não: que poderá ser (para citar um funcionário da Uber) “mais um efeito visual para informar que os colegas estão à procura de serviço”. Quanto dinheiro faz a Uber por estes aumentos súbitos de tarifas? Não há forma de saber.

Ambas as empresas escondem também os seus algoritmos de reputação baseados na avaliação dos utilizadores. A Uber diz sempre que os seus motoristas apenas são retirados em caso de más avaliações, mas há muitas notícias de executivos da Uber que despedem motoristas por razões pessoais e arbitrárias. E enquanto a Airbnb insiste que o sistema de avaliações mantêm a confiança da plataforma, muitos estudos demonstraram que as pessoas tendem a agradar dando notas altas nessas avaliações, assim servindo para encobrir a insatisfação dos clientes e criar uma falsa impressão de qualidade.

À medida que aumenta a pressão para uma IPO bem sucedida ao nível das atuais estimativas estratosféricas, tanto a Uber como a Airbnb sentirão a pressão para economizarem ainda mais na verdade nas suas apresentações públicas. Para contrariar o feitiço que a tecnologia sofisticada e a apresentação cuidada de dados parece lançar sobre os governos locais, precisamos perscrutar as caixas negras destas empresas.

Houve quem o conseguisse, e não é bonito. Amir Efrati, do Information, relatou que a Uber perdeu 1000 milhões no primeiro semestre de 2015 (a notícia é de leitura paga mas está aqui um resumo), e que o negócio atual depende não só de empurrar todo o risco para cada um dos motoristas, mas também de evitar impostos (nos países fora dos EUA) através de um dispositivo de subsidiárias na Holanda.

Boa parte do futuro da Uber depende do sucesso na China, onde está numa batalha desesperada (e até agora perdedora) com o concorrente chinês Didi Kuaidi para se tornar líder de mercado. O site de informação tecnológica Pando já revelou diversas vezes as frágeis bases em que assenta o discurso da Uber sobre o seu sucesso na China, onde a aldrabice generalizada por parte dos motoristas que inflacionam o número de viagens é um grave problema.

Outros, incluindo críticos e académicos, fizeram a sua própria recolha de dados para terem uma visão alternativa da economia da partilha. Para além das minhas tentativas, o Inside Airbnb de Murray Cox é uma fonte de dados valiosa e usada em muitas notícias sobre o tema. Cada vez mais os académicos estão a usar estas fontes de dados (para além das suas) para a sua investigação sobre o impacto da economia da partilha em cidades de todo o mundo.

Estudos académicos levam tempo a concluir, mas trazem novas e valiosas perspetivas. Por exemplo, um relatório da Harvard Business School argumenta que a plataforma Airbnb promove discriminação racial quotidiana; outro da Universidade de Boston mostra que as avaliações no Airbnb não têm correlação com outros padrões de qualidade; outros ainda defendem que o aumento súbito de tarifas da Uber não é tão transparente como parece. Os especialistas em Direito estarão mais a vontade para destrinçar o complexo conjunto de temáticas à volta da economia da partilha: Vanessa Katz tem um resumo formidavelmente claro acerca de muitos dos assuntos legais inerentes.

Estes investigadores e muitos outros estão a apontar as enormes lacunas nas histórias das empresas da economia da partilha, e há todos os motivos para acreditar que vem aí mais roupa suja.

As críticas com base em dados são parte do esforço de organização mais alargada por parte das comunidades afetadas pelas práticas de negócio de empresas como a Airbnb e a Uber. Os defensores de casas a preços comportáveis estão na linha da frente dos que questionam o impacto do Airbnb nas cidades; alianças como a Share Better em São Francisco e Nova Iorque têm feito lóbi e ação comunitária. Os próprios motoristas da Uber tentam melhorar as suas condições de trabalho (com algum sucesso, como a decisão de Seattle de autorizar a sua sindicalização), há fóruns online ativos no uberpeople.net e no Reddit, e tanto as greves de um dia como outros protestos estão a tornar-se mais comuns.

Os governos municipais também tomaram a iniciativa de enfrentar a Airbnb em cidades de turismo intensivo como Barcelona, onde a explosão da oferta de casas Airbnb levou ao medo da Disneyficação – uma cidade com muitas atrações mas sem habitantes. A nova edil de Barcelona, Ada Colau, é uma antiga ativista de esquerda pelo direito à habitação que endureceu a sua posição sobre arrendamento de curta duração, ameaçando multar a Airbnb se anunciar apartamentos não registados na autarquia.

As IPOs da Airbnb e Uber continuam a ser adiadas, permitindo às empresas funcionar com pouca transparência e muita impunidade. Mas elas vão acontecer, e nessa altura os debates sobre o papel da economia da partilha nas cidades irá intensificar-se. As empresas continuarão a usar os seus próprios dados para criar histórias de sucesso brilhantes, mas também estão a surgir novas narrativas – as que desafiam a visão de um inevitável futuro guiado pela Airbnb e a Uber.

Colaborador

O livro mais recente de Tom Slee, What’s Yours is Mine: Against the Sharing Economy, analisa profundamente o Uber, o Airbnb e a "economia compartilhada" que eles promovem.

22 de março de 2016

Socialismo não termina sempre em ditadura?

O socialismo é muitas vezes misturado com autoritarismo. Mas historicamente, socialistas tem estado entre os defensores mais convictos da democracia.

Joseph M. Schwartz


Ilustração por Phil Wrigglesworth / Jacobin

Tradução / Uma geração de estadunidenses foi ensinada que a Guerra Fria foi disputada entre a “Liberdade” e a “Tirania”, com o resultado decisivamente vencido a favor do capitalismo democrático. O socialismo, em todas as cores e formas, estava amarrado com os crimes da União Soviética e destinado à pilha de lixo das ideias ruins.

Ainda assim, muitos socialistas foram oponentes consistentes do autoritarismo tanto nas variedades de esquerda quanto de direita. O próprio Marx entendia que apenas pelo poder de seus números democráticos os trabalhadores poderiam criar uma sociedade socialista. Para esse fim, O Manifesto Comunista termina com um chamado de clarim para os trabalhadores vencerem a batalha pela democracia contra as forças aristocráticas e reacionárias.

Legiões de socialistas seguiram esse caminho, defendendo ardentemente direitos políticos e civis, enquanto também lutavam para democratizar o controle sobre a vida econômica e cultural através de direitos sociais expandidos e democracia no ambiente de trabalho. Apesar da afirmação comum de que “capitalismo igual a democracia”, os próprios capitalistas, na ausência de pressões de uma classe trabalhadora organizada, nunca apoiaram reformas democráticas. Enquanto o sufrágio universal para homens brancos chegou nos Estados Unidos no período Jacksoniano, socialistas europeus tiveram de lutar até o final do século 19 contra regimes capitalistas autoritários na Alemanha, França, Itália, e outros lugares para alcançar o voto para a classe trabalhadora e para os homens pobres. Os socialistas ganharam apoio popular como os mais consistentes apoiadores do sufrágio universal masculino – e eventualmente, feminino – assim como o direito legal de formar sindicatos e outras associações voluntárias.

Socialistas e seus aliados no movimento trabalhista também entenderam faz tempo que pessoas em um estado horrível de necessidade não podem ser pessoas livres. Assim, a tradição socialista é popularmente identificada fora dos Estados Unidos com a conquista da provisão pública de educação, saúde, creches e aposentadorias; e dentro dos Estados Unidos por apoiar muitas destas lutas.

Para muitos socialistas, o suporte às reformas democráticas era incondicional; mas eles também acreditavam que o poder de classe necessário para restringir o poder do Capital precisava ser aprofundado para que os trabalhadores pudessem controlar completamente seus destinos sociais e econômicos. Enquanto criticam o Capitalismo como anti-democrático, socialistas democráticos tem se oposto consistentemente a governos autoritários que se clamam socialistas.

Revolucionários como Rosa Luxemburgo e Victor Serge criticaram o governo soviético desde o início por banir partidos de oposição, eliminar experimentos em democracia no ambiente de trabalho e falhar em abraçar o pluralismo político e as liberdades civis. Se o Estado possui os meios de produção, a questão permanece: quão democrático é o Estado? Como Luxemburgo escreveu em seu panfleto de 1918 [3] sobre a Revolução Russa:

Sem eleições gerais, sem liberdade de imprensa, liberdade de expressão, liberdade de associação, sem a livre batalha de opiniões, a vida em cada instituição pública definha, se torna uma caricatura de si mesma, e a burocracia se eleva como o único fator decisivo.

Luxemburgo entendeu que a Comuna de Paris de 1871 [4], o breve experimento em democracia radical ao qual Marx e Engels se referiram como um verdadeiro governo da classe trabalhadora, tinha múltiplos partidos políticos em seu conselho municipal, sendo que apenas um estava afiliado à Associação Internacional dos Trabalhadores, de Marx. Fiéis a estes valores, socialistas, dissidentes comunistas, e sindicalistas independentes lideraram as rebeliões democráticas contra a liderança comunista na Alemanha Oriental em 1953, Hungria em 1956, e Polônia em 1956, 1968 e 1980. Socialistas democráticos também lideraram o breve mas extraordinário experimento do “Socialismo com uma face humana” sob o governo Dubček na Tchecoslováquia em 1968. Todas estas rebeliões foram esmagadas por tanques soviéticos.

A queda da União Soviética, porém, dificilmente significou que a democracia foi conquistada. Socialistas rejeitam a afirmação de que a democracia capitalista é completamente democrática [5]. De fato, os ricos tem abandonado seu compromisso até mesmo com uma democracia básica quando se sentem ameaçados por movimentos de trabalhadores.

A análise de Marx no 18 de Brumário [6] do apoio dos capitalistas franceses para o golpe de Luis Napoleão contra a Segunda República Francesa antecipa de forma arrepiante o apoio posterior ao Fascismo nos anos 30. Em ambos os casos, uma pequena-burguesia declinante, uma classe-média sitiada, e elites agrárias tradicionais ganharam o suporte dos capitalistas para frustrar a crescente militância da classe trabalhadora para derrubar governos democráticos.

Os regimes autoritários dos anos 70 e 80 na América Latina, da mesma forma, se basaram em apoio corporativo de natureza similar. Muito do prestígio da Esquerda europeia no pós-guerra e da esquerda Latinamericana atual vem deles terem sido os mais consistentes oponentes do Fascismo.

Os movimentos socialistas e anti-coloniais do Século 20 entendiam que os objetivos democráticos revolucionários de Igualdade, Liberdade e Fraternidade nunca seriam realizados se um poder econômico desigual pudesse ser transformado em poder político e se os trabalhadores fossem dominados pelo Capital. Socialistas lutam por democracia econômica por causa da crença radicalmente democrática de que “o que afeta a todos deveria ser decidido por todos.”

O argumento capitalista de que a escolha individual no mercado equivale a Liberdade mascara a realidade de que o Capitalismo é um sistema anti-democrático em que a maioria das pessoas gasta a maior parte da vida sendo “mandada” por alguém. Corporações são formas de ditaduras hierárquicas, já que aqueles que trabalham nelas não tem voz em como eles produzem, no que eles produzem, e em como os lucros que eles criam são utilizados. Democratas radicais acreditam que autoridade obrigatória (não apenas a lei, mas também o poder de determinar a divisão do trabalho na empresa) só é válida se cada membro da instituição afetado por suas práticas tem uma voz igual na tomada daquelas decisões.

Democratizar uma economia complexa provavelmente tomaria uma variedade de formas institucionais, variando de propriedades dos trabalhadores e cooperativas, até propriedade estatal de instituições financeiras e monopólios naturais (tais como telecomunicações e energia) – assim como também regulações internacionais de padrões de trabalho e ambientais.

A estrutura geral da Economia seria determinada através de políticas democráticas e não por burocratas estatais. Mas a questão permanece: como se mover para além da oligarquia capitalista rumo a democracia socialista? Pelo final dos anos 70, muitos socialistas democráticos reconheciam que a lucratividade corporativa tinha sido espremida pelas restrições que os movimentos trabalhistas, feministas, ambientalistas e antiracistas dos anos 60 haviam imposto sobre o Capital. Eles entendiam que os capitalistas iriam retaliar através de mobilização política, terceirizações e “greves de capital” [7]. Assim, por toda a Europa, socialistas pressionaram por reformas que pretendiam conquistar um controle público maior sobre os investimentos. O movimento trabalhista sueco abraçou o “Plano Meidner” [8], um programa que taxaria os lucros corporativos por um período de 25 anos para criar a propriedade pública das principais empresas. Uma coalizão socialista/comunista que elegeu François Mitterrand [9] para a presidência da França em 1981 nacionalizou 30% da indústria francesa e melhorou radicalmente os direitos de negociação coletiva.

Em resposta, os Capitais franceses e suecos investiram no estrangeiro ao invés de em seus países, criando uma recessão que interrompeu estes promissores movimentos na direção do Socialismo democrático. As políticas de Thatcher e Reagan, que inauguraram mais de trinta anos de des-sindicalização e cortes para a rede de segurança, confirmaram a previsão da Esquerda de que ou os Socialistas avançariam para além do Estado de Bem-Estar Social para o controle democrático sobre o Capital ou o poder capitalista erodiria os ganhos da Social-Democracia do Pós-Guerra [10].

Hoje, socialistas por todo o mundo encaram o assustador desafio sobre como reconstruir o poder político da classe trabalhadora com força suficiente para derrotar o consenso tanto dos conservadores quanto dos Social-Democratas de “Terceira-Via” [11] em favor da austeridade ditada pelas corporações.

Mas e os muitos governos no mundo em desenvolvimento que ainda chamam a si mesmos de socialistas, particularmente os Estados-de-um-partido-só? De muitas maneiras, Estados comunistas de um-partido-só tem mais em comum com os antigos Estados autoritários capitalistas “Desenvolvimentistas” – como a Prússia (hoje parte da Alemanha) e o Japão no final do século 19, e a Coreia do Sul e Taiwan no pós-guerra – do que com a visão do Socialismo Democrático. Estes governos priorizaram a industrialização liderada pelo Estado acima dos direitos democráticos, particularmente aqueles de um movimento trabalhista independente.

Nem Marx nem o Socialismo europeu clássico anteciparam que partidos socialistas revolucionários tomariam o poder mais facilmente em sociedades autocráticas, predominantemente agrárias. Em parte, estes partidos se baseavam em uma nascente classe trabalhadora radicalizada pela exploração nas mãos de Capital Estrangeiro. Mas na China e na Russia, os comunistas também chegaram ao poder por que a aristocracia e os senhores da guerra falharam em defender seus povos contra invasão – os exércitos de camponeses derrotados queriam paz e terra. A tradição marxista não tinha muito a dizer sobre como sociedades predominantemente agrárias e pós-coloniais poderiam se desenvolver de uma maneira igualitária e democrática. O que a História nos conta é que tentar forçar camponeses que acabaram de receber terras privadas por revolucionários comunistas, de volta para fazendas estatais coletivas resulta em guerras civis brutais que retrocedem os desenvolvimentos econômicos por décadas.

Reformas econômicas contemporâneas na China, Vietnã e Cuba favorecem uma Economia de Mercado mista com um papel significante para o capital estrangeiro e camponeses proprietários de terras. Mas elites de um-partido-só instituindo estes experimentos em pluralismo econômico tem quase sempre reprimido defensores de pluralismo político, liberdades civis e direitos trabalhistas. Apesar do assédio estatal contínuo, as crescentes lutas trabalhistas independentes em locais como China e Vietnã [12] podem reviver o papel da classe trabalhadora na promoção da democracia. É naqueles movimentos, não em governos autocráticos, que os socialistas colocam a sua solidariedade.

É claro, existe também uma rica história de experimentos em Socialismo Democrático no mundo em desenvolvimento, variando do governo da Unidade Popular de Salvador Allende no Chile nos anos 70 até os primeiros anos do governo de Michael Manley na Jamaica na mesma década. A “Onda Rosa” latinamericana na Bolivia, Venezuela, Equador e Brasil hoje representa diversos experimentos em desenvolvimento democrático – embora suas políticas de governo dependam mais da redistribuição de ganhos de exportação de produtos primários (também conhecidos como “commodities”) do que na reestruturação das relações de poder econômico. Mas o governo dos Estados Unidos e interesses capitalistas globais trabalham consistentemente para minar mesmo estes esforços modestos em democracia econômica.

A CIA e a Inteligência Britânica derrubaram o governo democraticamente eleito de Mohammad Mosaddegh no Irã em 1954 quando ele nacionalizou a British Oil. O FMI e o Banco Mundial cortaram o crédito para o Chile e a CIA ajudou ativamente no brutal golpe militar de Augusto Pinochet naquele país. De forma parecida, os Estados Unidos conspiraram com o FMI para estrangular a economia jamaicana na Era Manley.

A hostilidade capitalista com governos mesmo moderadamente reformistas no mundo em desenvolvimento não conhece limites. Os EUA derrubaram violentamente o governo de Jacobo Árbenz na Guatemala em 1954 e a presidência de Juan Bosch na República Dominicana em 1965 por que eles favoreceram modestas reformas agrárias. Para estudantes de História, a questão deveria ser não se o Socialismo necessariamente leva a ditadura, mas se um movimento socialista revivido pode superar a natureza oligárquica e anti-democrática do Capitalismo.

Colaborador

Joseph M. Schwartz is the national vice-chair of the Democratic Socialists of America, and professor of political science at Temple.

20 de março de 2016

Crises econômicas evidenciam reducionismo de modelos teóricos

Luiz Gonzaga Belluzzo
Pedro Paulo Zahluth Bastos

Folha de S.Paulo

RESUMO Em resposta a artigo de Carlos Eduardo Gonçalves e Marcos Lisboa publicado em 14/2, o texto é uma crítica ao apego de economistas neoclássicos a modelos teóricos que remetem ao reducionismo da física clássica. Prova de sua ineficiência, afirmam os autores, é que tais modelos se mostraram incapazes de prever a crise financeira de 2008.

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Em novembro de 2008, a rainha Elizabeth 2ª ousou fazer a pergunta que os sábios da London School of Economics não queriam ouvir: por que nenhum previu a crise financeira de 2008? A pergunta perturbava a ortodoxia neoclássica, e a comissão formada ofereceu à rainha uma resposta singela: houve uma falha coletiva de "imaginação" de economistas que viam árvores, mas não a floresta.

Mais singela foi a resposta do presidente do Banco Central dos EUA entre 1987 e 2006, Alan Greenspan. Em depoimento à comissão do Senado para investigar a crise, Greenspan admitiu que havia uma falha na "ideologia" e no "modelo" que usava para interpretar o mundo. Nada mal para quem se dedicara por anos à desmontagem dos controles à livre movimentação financeira alegando que os "agentes racionais" do mercado usavam os modelos econômicos corretos e asseguravam o melhor equilíbrio possível na determinação dos preços e na alocação dos recursos.

Não faltou imaginação à resposta do patrono da revolução neoclássica desde os anos 1970, Robert Lucas. Embora há anos defendesse que, se os agentes fossem racionais, usariam as teorias dele (Lucas) para entender a estrutura da economia e prever o futuro da melhor maneira possível, o patrono das "expectativas racionais" escreveu em artigo na revista "The Economist" em 2009: "A crise não foi prevista porque a teoria econômica prevê que estes eventos não podem ser previstos". Ou seja, por axioma (ou ideologia), os indivíduos são racionais, suas interações nos mercados são eficientes e, portanto, a crise que aconteceu não poderia ser prevista.

O argumento que a probabilidade do que ocorreu, como calculou o Goldman Sachs, era igual a de ganhar 22 vezes seguidas na loteria cobria de retórica cientificista o fracasso em prever, ao menos, o movimento do sistema no sentido da instabilidade e da crise. Não era por falta de experiência histórica: desde 1980, a desregulamentação financeira avançou e, com ela, a frequência e a intensidade de crises que supostamente ocorreriam apenas três vezes na vida do universo.

A cada crise, os economistas neoclássicos não jogaram fora modelos teóricos sobre os quais construíram tanto reputação acadêmica quanto laços rentáveis, bem documentados, com instituições financeiras e "think tanks" neoliberais. Eles simplesmente culparam alguns "desvios" da realidade em relação ao modelo (desvios esses, aliás, "descobertos" ex-post). O inferno é a realidade, não o modelo simplório.

Pior para os economistas neoclássicos é que, além das personagens simpáticas do filme "A Grande Aposta", não foram poucos os economistas heterodoxos que previram a crise financeira, embora nenhum super-homem o tenha feito com o nível de exatidão do agente representativo que povoa os modelos neoclássicos de equilíbrio geral. O que explica o fracasso da ortodoxia em ver a floresta?

Axioma
O principal elemento definidor da ortodoxia neoclássica é o axioma de indivíduos racionais e maximizadores de utilidade, que interagem em livre concorrência para alcançar um equilíbrio estável na circulação de bens e serviços. Embora este indivíduo seja um axioma teórico não observado na realidade, é com base na suposição de sua existência que os "desvios" observados na realidade podem atrasar o equilíbrio geral ou gerar equilíbrios sub-ótimos: não há imperfeição na realidade sem a perfeição subjacente ao modelo teórico.

A metafísica e a epistemologia da corrente dominante ocultam uma ontologia do econômico que postula certa concepção do modo de ser, uma visão da estrutura e das conexões da "economia de mercado". Para este paradigma, a "sociedade" onde se desenvolve a ação econômica é constituída pela mera agregação dos indivíduos, articulados entre si por nexos externos e não necessários ou estruturados pela sociedade.

Essa visão se inspirou no paradigma da física clássica. Explicamos melhor este ponto com a ajuda de Roy Bhaskar: se a concepção é atomística, então todas as causas devem ser extrínsecas. E se os sistemas não dispõem de uma estrutura intrínseca (isto é, esgotam-se nas propriedades atribuídas aos indivíduos que os compõem), toda ação deve se desenvolver pelo contato. Os indivíduos "atomizados" não são afetados pela ação e, portanto, ela deve se resumir à comunicação das propriedades a eles atribuídas.

Assim, os indivíduos maximizadores são partículas que jamais alteram suas propriedades na interação com as outras partículas carregadas de "racionalidade". Os fundamentos da teoria econômica dominante definem coerentemente o mercado como um ambiente comunicativo cuja função é a de promover de modo mais eficiente possível a circulação da informação relevante.

Essa ontologia tem uma expressão metafísica e outra epistemológica. A metafísica reivindica o caráter passivo e inerte da matéria e a causação é vista como um processo linear e unidirecional, externo e inconsistente com a geração do novo, ou seja, com a emergência que caracteriza a dinâmica dos sistemas complexos.

Na versão epistemológica, reduto preferido do positivismo, os fenômenos são apresentados como qualidades simples e independentes, apreendidas através da experiência sensível. Nesse caso, a causalidade é vista como a concomitância regular de eventos, que se expressa sob a forma de leis naturais, depois de processada pelo sujeito do conhecimento capaz, então, de prever efeitos no futuro.

Curioso é que, inspirada na física clássica, a ortodoxia neoclássica parou no tempo e não acompanhou a teoria dos sistemas complexos (ou do caos). A teoria da complexidade foi anunciada no final do século 19 por Henri Poincaré ao estudar a formação das órbitas dos planetas no Sistema Solar, mas foi redescoberta pelo meteorologista e matemático Edward Lorenz em 1960.

Lorenz descobriu que, com variações mínimas das condições iniciais (nunca capturadas precisamente pelos modelos), o tempo evoluiria de modo a tornar qualquer previsão inicial de pouco valor. Os erros e incertezas interagem, se multiplicam e formam processos cumulativos. A complexidade do sistema exigiria, mais do que uma previsão exata a partir de supostos iniciais irreais, que se proceda com base em um escrutínio profundo das condições iniciais e do modo como a estrutura do sistema vai se modificando, chegando por aproximações sucessivas aos cenários possíveis da evolução a partir de um arco inicial de trajetórias potenciais.

A irreversibilidade do tempo histórico e a dependência do sistema em relação à sua trajetória são elementos centrais da física do século 20. Em "Entre le Temps et l'Eternité" (entre o tempo e a eternidade), Ilya Prigogine e Isabelle Stengers mostram que as fenomenologias descritas pela termodinâmica, pela física das partículas e pela teoria da relatividade "não só afirmam a seta do tempo, mas também nos conduzem a compreender um mundo em evolução, um mundo onde a 'emergência do novo' reveste um significado irreversível (...) O ideal da razão suficiente supunha a possibilidade de definir a causa e o efeito, entre os quais uma lei de evolução estabeleceria uma equivalência reversível".

Ao manter o paradigma atomista, a ortodoxia neoclássica perde capacidade de explicar e, portanto, prever comportamentos emergentes de um sistema complexo como a economia capitalista. Em "Decoding Complexity" (decodificando a complexidade), James Glattfelder escreve com rigor: "A característica dos sistemas complexos é que o todo exibe propriedades que não podem ser deduzidas das partes individuais. Em suma, a teoria da complexidade trata de investigar como o comportamento macro decorre da interação entre os elementos do sistema".

Ao encontrar problemas de agregação insolúveis na tentativa de reduzir propriedades do sistema a propriedades dos indivíduos, a macroeconomia neoclássica reage não para incorporar a complexidade da realidade, mas para simplificar axiomas fundamentais ainda mais. Quando se demonstrou matematicamente que, dada a heterogeneidade dos indivíduos, não é possível prever o formato da função de demanda agregada e, muito menos, gerar uma função de demanda agregada com o formato propício para o equilíbrio maximizador, os neoclássicos preferiram a simplificação absurda: que o sistema pode ser modelado como se tivesse um único agente representativo que compra, vende, trabalha, contrata, consome e poupa, empresta e toma emprestado, que tem um único modelo sobre como a realidade funciona e que conhece a distribuição de probabilidade de todas as contingências futuras.

Inconsistências de agregação semelhantes para a teoria do capital ou para a curva de oferta agregada foram simplesmente desconsideradas. O método não trata da abstração da complexidade para reter seus aspectos essenciais, mas da eliminação da complexidade para manter a ficção reducionista e simplória do equilíbrio entre indivíduos maximizadores.

Juízos de valor
Tamanho apego da teoria neoclássica ao reducionismo da física clássica e ao axioma do indivíduo atomizado é impregnado por juízos de valor. Herda a previsão feita por Adam Smith e radicalizada pelo modelo de equilíbrio geral que, mantidos livres em sua interação, os indivíduos alcançariam um equilíbrio estável e maximizador, orientados pelo sistema de preços para alocar recursos escassos.

O indivíduo maximizador é tomado como um elemento natural e eterno cujas preferências mudam exogenamente ao sistema de interações. As interações têm sempre o mesmo modelo e não são afetadas pela irreversibilidade da história e por mudanças estruturais que caracterizam a complexidade social.

Tal complexidade é o principal elemento unificador das heterodoxias econômicas. Ao invés de reduzir a ação a um indivíduo representativo, os indivíduos são classificados e posicionados em uma estrutura que os divide como sujeitos sociais cuja harmonia não pode ser pressuposta: trabalhadores e capitalistas, empresários, banqueiros e rentistas. A estrutura é assimétrica pois certos indivíduos controlam a riqueza, mas é mutável e interage com estratégias de organizações empresariais, classes e grupos sociais, Estados e sistemas econômicos nacionais que têm poder desigual e que não podem ser previstas.

Instituições e convenções sociais podem conferir uma estabilidade transitória ao sistema, mas processos de causação cumulativa (feedbacks positivos) o afastam do equilíbrio e geram uma dinâmica instável, sujeita à irreversibilidade histórica. Assim, problemas de coordenação em condições de incerteza impedem a maximização no uso dos recursos ociosos e podem até mesmo provocar crises duradouras.

Concordamos com Marc Lavoie de que são pelo menos sete as falácias de composição que, como propriedades emergentes do sistema capitalista, a ortodoxia não é capaz de compreender e prever. O paradoxo da poupança é o mais conhecido: se todos os agentes buscarem poupar ao mesmo tempo, a queda de suas receitas frustra seus objetivos e pode provocar falências e até crises financeiras.

A recente adesão neoclássica à doutrina da austeridade expansionista mostra que pouco se aprendeu com a complexidade da crise financeira. No Brasil, a ideia de que o aumento da poupança pública animaria o gasto privado e geraria crescimento da arrecadação tributária estava na base da expectativa de mercado que a economia cresceria 0,8% em 2015, depois que Joaquim Levy anunciou seu programa. Já Levy previu que seu programa geraria uma "recessão de um trimestre", antes de persistir em um esforço fiscal que foi o dobro do que propusera, com resultados desastrosos.

Não há receita simples para o economista do século 21, mas Keynes propunha combinar os talentos complexos do "matemático, historiador, estadista e filósofo (na medida certa). Deve entender os aspectos simbólicos e falar com palavras correntes. Deve ser capaz de integrar o particular quando se refere ao geral e tocar o abstrato e o concreto com o mesmo voo do pensamento. Deve estudar o presente à luz do passado e tendo em vista o futuro. Nenhuma parte da natureza do homem deve ficar fora da sua análise. Deve ser simultaneamente desinteressado e pragmático: estar fora da realidade e ser incorruptível como um artista, estando embora, noutras ocasiões, tão perto da terra como um político".

Talvez seja uma receita para o economista do século 21, avessa aos que insistem em imitar os cientistas naturais dos séculos 17 a 19.

Sobre os autores

Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.

Pedro Paulo Zahluth Bastos é professor associado do Instituto de Economia da Unicamp.

19 de março de 2016

Crise do Estado no Brasil: Golpe frio

O Judiciário brasileiro está lançando uma caça às bruxas contra o ex-presidente Lula. Ela recebe apoio de extremistas de direita e manifestantes obstinados. Isso é perigoso para a democracia do país.

Jens Glüsing


Apoiadores de Lula no Brasil Foto: Nelson ALMEIDA/ AFP

O Poder Judiciário do Brasil infla a caça às bruxas sobre o Ex-Presidente Lula. O apoio é recebido por extremistas de direita e manifestantes de sempre. Eis o perigo para a democracia do País.
 
Os adversários de Lula alcançaram o que sua frágil sucessora não conseguiu desde a posse como Presidenta da República: unificaram a base do Partido dos Trabalhadores, de sindicatos e de movimento sociais.

Milhares de simpatizantes de Lula foram às ruas do País na noite da última sexta-feira contra a tentativa de remover a Presidenta da República de seu cargo por meio de um processo de crime de responsabilidade (impeachment). Na Avenida Paulista, o verdadeiro termômetro dos protestos, os manifestantes ocuparam onze quarteirões. Os manifestantes permaneceram pacíficos, Lula mostrou-se conciliador, não atacou a Justiça, e chamou ainda para o diálogo. Falas de ódio quase não foram ouvidas nas manifestações do Rio e de São Paulo.

Tudo muito diferente dos protestos em massa contra o governo do final de semana anterior, dos quais golpistas, radicais de direita e os manifestantes reacionários de sempre participaram ativamente. Ainda que estes grupos não sejam a maioria dos manifestantes, estes têm sido atraídos cada vez para os protestos contra o governo. Eis o que é preocupante para a ainda jovem democracia brasileira.

Pela primeira vez desde o fim da ditadura militar dos anos 80, uma autêntica crise de Estado ameaça o maior pais da América Latina; crise que pode comprometer todas as conquistas dos últimos trinta anos. Parte da oposição e do Poder Judiciário atiçam, em conjunto com o poderoso conglomerado de televisões TV Globo, uma verdadeira caça às bruxas contra o Ex-Presidente Lula.
 
Sérgio Moro, um ambicioso juiz de Curitiba, persegue claramente um único objetivo: por o Ex-Presidente atrás das grades. Moro dirige as investigações no escândalo de corrupção da estatal de petróleo, a Petrobras; investigações que resultaram no envolvimento de centenas de executivos, lobistas, políticos, entre os quais significativas figuras do Partido dos Trabalhadores.

Como um furacão, o juiz Moro varreu a elite política e econômica do Brasil, ao revelar desvios bilionários. Mais de cem suspeitos estão presos, a maioria sem julgamento. Muitos brasileiros celebram o juiz como um herói nacional.

Indícios frágeis

O sucesso subiu claramente à cabeça de Moro. O juiz faz política, que não é sua função. A divulgação de escutas telefônicas entre Lula e a Presidenta Dilma Rousseff poucas horas antes da nomeação de Lula como Ministro de Estado persegue apenas um objetivo político, e é extremamente contestada juridicamente, para dizer o mínimo.
 
Até o momento, Moro não conseguiu juntar uma acusação robusta contra Lula, apesar de dúzias de membros do Ministério Público e da Polícia Federal de Curitiba investigarem por meses as finanças e as relações pessoais do Ex-Presidente. Os indícios permanecem frágeis.

Lula não tem um centavo em contas na Suíça, como o poderoso Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Este é  acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. Tal fato não o impede, porém, de manter o controle sobre a comissão que será responsável pelo impeachment da Presidenta.
 
Em tal nobre comissão, possui assento Paulo Maluf, ex-Governador de São Paulo, que foi condenado por corrupção na França,  sem ter sido extraditado, já que é brasileiro nato.
 
Que referidas figuras detenham voto sobre o destino do cargo da Presidente, contra a qual até o momento nada foi provado, é um aspecto a comprometer a legitimidade de todo o processo de impeachment.
 
Os partidários de Lula advertem sobre um golpe frio contra a democracia brasileira. E esta preocupação não vem do nada.

17 de março de 2016

O coração do mundo

A Rota da Seda - do Mediterrâneo Oriental à costa do Pacífico da China - é mais uma vez o centro do mundo

Peter Frankopan


Em uma casa de chá na Cidade Velha de Kashgar, China, 2009. Kashgar, agora na Região Autônoma Uigur de Xinjiang, tem uma história antiga e rica e foi uma cidade importante nas rotas comerciais da seda. Foto de Michael Christopher Brown, Magnum

Impérios e reinos bem-sucedidos são bons em construir infraestrutura e aprimorar as melhores ideias. A inscrição ao longo da magnífica colunata acima do edifício James A Farley, no centro de Manhattan, o maior correio dos Estados Unidos, diz: "Na neve, nem o frio, nem a chuva, nem o calor e nem a escuridão da noite impedirão estes carteiros de completar suas rotas designadas". Heródoto escreveu as palavras há 2.500 anos, para descrever os antigos persas – que estavam sempre à procura de tecnologias e ideias inovadoras que facilitassem a administração do seu grande império. Receber mensagens de forma rápida e confiável de A para B no mundo antigo não era menos importante do que é hoje.

As comunicações instantâneas possibilitadas pelas recentes mudanças tecnológicas não devem nos tornar suscetíveis ao comentário sem fôlego sobre a globalização como algo novo. Por mais de dois milênios, notícias e informações, bens e produtos, ideias e crenças fluíram através de redes que ligam a costa do Pacífico da China às costas atlânticas do norte da África e da Europa, o Oceano Índico e o Golfo Pérsico com o Mediterrâneo e a Escandinávia. Desde o final do século 19, essas redes são conhecidas como Rotas da Seda.

Para a maioria, o nome evoca um ar exótico de um passado distante, mas não de uma história. A história das ideias não admitiu as Rotas da Seda, pois liga o passado ao presente em uma cadeia desde o politeísmo e a democracia na Grécia Antiga até a chegada do cristianismo na Europa, que levou ao Renascimento, abrindo caminho para o Iluminismo. O Iluminismo deu origem à democracia política e à revolução industrial, cuja culminação lógica são os EUA e seu credo de vida, liberdade e busca da felicidade. Os historiadores desafiam e reformulam seções individuais desta história; mas seus componentes essenciais e trajetória permanecem seguros.

Se a história, como diz o ditado, é escrita pelos vencedores, pode ser por isso que o mundo, especialmente o mundo do Mediterrâneo Oriental ao Oceano Pacífico, parece tão perturbadoramente difícil de entender.

Não é coincidência que a maior parte dos desafios e oportunidades ao nosso redor se reduza à antiga Rota da Seda. Estamos testemunhando o centro de gravidade do mundo retornar ao eixo em que girou por milênios. Quando vista do ponto de vista das Rotas da Seda, a narrativa familiar começa a estremecer, a própria história começa a mudar. Na verdade, para entender o mundo, o melhor lugar para se olhar não é no centro do Ocidente nem no coração do Oriente, mas na antiga Rota da Seda onde os dois se encontram.

As grandes religiões do mundo ganharam vida no Uzbequistão, Cazaquistão, Turcomenistão, assim como no Irã, Iraque, sul da Rússia e nos países do Levante e do Cáucaso. Aqui o judaísmo, o cristianismo, o islamismo, o budismo e o hinduísmo se acotovelaram, tomaram emprestado e competiram entre si. É aqui que os grupos linguísticos colidiram, onde as línguas indo-européias, semíticas e sino-tibetanas se agitaram ao lado das que falam altaico, turco e caucasiano. Aqui, grandes impérios surgiram e caíram, e os efeitos em cascata foram sentidos a milhares de quilômetros de distância.

As nações da Rota da Seda às vezes são chamadas de “países em desenvolvimento”, mas na verdade são alguns dos países mais desenvolvidos do mundo, a própria encruzilhada da civilização, em avançados estados de degradação. Esses países estão no centro dos assuntos globais: desde o início da história. Atravessando a espinha da Ásia, eles formam uma teia de conexões que se espalham em todas as direções, rotas pelas quais peregrinos e guerreiros, nômades e mercadores viajaram, mercadorias e produtos foram comprados e vendidos, e ideias trocadas, adaptadas e refinadas. Eles carregaram não apenas prosperidade, mas também morte e violência, doenças e desastres.

As Rotas da Seda são o sistema nervoso central do mundo, conectando povos e lugares distantes. Essas redes são invisíveis a olho nu – assim como as veias e artérias do corpo ficam sob a pele. Compreender a Rota da Seda e suas conexões fornece um corretivo essencial para narrativas estabelecidas do passado e muito mais. Compreender o papel da Ásia Central ajuda os desenvolvimentos a fazer mais sentido não apenas na Ásia, mas na Europa, nas Américas e na África. Permite-nos ver padrões e ligações, causas e efeitos que permanecem invisíveis se olharmos apenas para a Europa ou para a América do Norte.

Detalhe de um mapa náutico catalão representando a Ásia do século XIII com uma caravana a caminho de Cathay na rota da seda atravessada por Marco Polo. Foto por Leemage/Corbis

A maioria dos estudiosos negligenciou essas redes por três razões. Primeiro, eles desafiam a história familiar e triunfalista da ascensão do Ocidente. Em segundo lugar, os historiadores hoje trabalham em campos lotados e competitivos que exigem especializações cada vez mais estreitas e precisas. Dizer algo novo significa abrir um novo campo de investigação – o que exige virar uma pequena pedra, antes tida como sem importância, e avaliar o que está por baixo. Revolucionar a história em grande escala exige uma abordagem mais corajosa e ambiciosa.

Finalmente, há o simples fato de que a capacidade dos estudiosos ocidentais de seguir conexões históricas pode ser limitada pela falta de conhecimento das línguas da Ásia Central. Poucos estudantes (e estudiosos) são capazes de ler as línguas do Oriente em combinações que permitem que grandes intercâmbios sejam estudados em fontes primárias. Para aqueles que têm a sorte de poder estudar línguas clássicas, o latim é a pedra angular; O grego é estudado por um pequeno número de estudantes, o que significa que as joias da coroa do passado permanecem ignoradas e imperturbadas. A literatura grega medieval – como as histórias de Procópio, Anna Komnene ou George Akropolites – são conhecidas por poucos estudiosos ocidentais modernos. No entanto, são fontes inestimáveis para o império bizantino, que floresceu durante mil anos e está praticamente esquecido hoje.

O conhecimento acadêmico ocidental se sai ainda pior com o mundo eslavo. Obras gloriosas como The Russian Primary Chronicle (850-1110) e The Chronicle of Novgorod (1016-1471) são praticamente desconhecidas. O mesmo vale para as histórias, poemas e tratados filosóficos árabes, com as obras de Muqaddasī, Ibn Faḍlān e Mas''ūdī quase totalmente ignoradas. As grandes obras de poesia e prosa persas – como o épico Shāhnāma de Firdawsī ou o Ta'rīx-i Jahān-Gušā de Juvaynī, que relata a história dos mongóis – permanecem um mistério, enquanto textos em tâmil, hindi e chinês – como o Shi Ji, escrito há mais de dois mil anos por Sima Qian – não se sai melhor. E, no entanto, como o rei Wu-Ling, governante do estado de Zhao no norte da China e além, há mais de dois mil anos, era importante acompanhar os tempos: "[Um] talento para seguir os caminhos de ontem", ele declarou em 307 aC, "não é suficiente para melhorar o mundo de hoje." Nossos anúncios de televisão e comentaristas agora constantemente invocam o estado globalizado do mundo. Já passou da hora de repensar como olhamos para o passado.

*

Europe was irrelevant to global history until around 1500 AD. For all the resources enlisted in studying Athenian democracy and Greek art and architecture, the Greeks themselves looked only to the East. For the ancient Greeks, there was one enemy: Persia. When Alexander the Great set out to conquer the world, there was no question which direction he would turn. He had no interest whatsoever in the Mediterranean and what is now Italy, France, Germany and Britain – countries whose built environments owe a great deal to the presumed link with antiquity. All that mattered was taking control of the networks weaving across Asia: the Silk Roads.

The same was true of Rome. Courses on Julius Caesar’s invasion of Britain, the Asterix comic books and the film Gladiator (2000) give the misimpression that Rome’s centre of gravity lay in Europe. Instead, Rome looked to Africa and Asia – above all to Egypt, where the rich banks of the Nile produced crops that could feed an empire, and on the trade routes through the Persian Gulf, across the Indian Ocean, and overland across Asia. So extensive were connections between Rome and the East that the coinage of local rulers in the Indus Valley was soon being re-fashioned to look like and have the same denominations as those in Rome itself.

With peace and prosperity the staple of the empire, new elites began to satisfy their appetites for the fine things in life. None of them came from Europe. The luxuries that counted were all from the East, whether that meant spices and silks, or exotic sexual experiences. Not everyone approved. It was scandalous that women wore fabrics that showed their curves and left nothing to the imagination, wrote the prudish Seneca. Pliny lamented how much money was leaking out of the Roman economy – and into the hands of others, he noted: hundred of millions of sesterii, and all heading East. Recent coin finds suggest he was not far wrong.

Ideas flowed along the same trade routes as goods and commodities. Europeans think of Christianity as theirs, but the religion flowed out of Palestine once missionaries, after the time of Jesus, fanned out in all directions. In fact, Christianity spread quicker and took hold more effectively in Asia than in the Mediterranean and across Europe – not surprisingly, given that the religion was centred on Jerusalem and the Holy Land, and rose within the context and physical setting of the Middle East. Jesus’s teachings spread rapidly across Asia, quickly gaining followers as evangelists, preachers and merchants spread the message along the trade routes. It was not long before there were bishoprics dotted all over what is now Iran, Turkmenistan, Uzbekistan and even China – which had its first bishop in place before Britain. Until at least 1300, there were more Christians in Asia than in Europe. Then, and again now, Christianity is an Asian religion.

The rise of Islam in the seventh century brought change. The followers of Muhammad quickly recognised that the best path to conquest lay in securing the principal communication routes that crisscrossed Asia. The Arab armies proved singularly successful in taking control of these crucial networks, doing so first to protect existing gains, and then using them to fan out to extend their authority elsewhere. The first Muslims proved highly tolerant of other faiths, especially Christianity and Judaism, to the extent that Muhammad’s earliest successors not only took trouble to visit the Church of the Holy Sepulchre to pray at the site where Jesus Christ had been buried and rose from the dead, but they could also be found in tears when learning that Christians and Jews were converting to Islam. The first Muslims kept themselves to themselves, striking deals that guaranteed the safety of the ‘People of the Book’.

*

The early Muslim’s soft touch helps explain how they built a vast empire, spanning from Spain to the Himalayas, in just over half a century. The new world emerging in time became self-confident, tolerant – and extremely wealthy. Peace and prosperity brought economic growth as resources from all corners poured into the heart of the world. Trade flourished. Damascus (in modern Syria), Mosul and Samarra (in modern Iraq), Merv (modern Turkmenistan) and other cities boomed. A new capital was built as a trophy at the very centre of the mesh of connections, called the City of Peace. Today it is known as Baghdad.

Almost inconceivable wealth flowed into these cities. With no need to fund armies, expenditure went above all on luxuries. Central Asia, China, and India exported silks, ceramics, spices and textiles in vast quantities to keep up with the demands of the new rich. The appetites for luxuries catalysed a wave of advances in porcelain- and ceramics-production techniques. In China, kilns were developed in the 8th and 9th centuries that could fire 15,000 pieces at a time, all for export to the Persian Gulf and the cities of the Silk Roads.

But the profits made on the Silk Road were not all frittered away on whims and trophy assets. Funding flowed into the arts. From mosques to madrassas, from libraries to bathhouses, magnificent buildings arose. Scholars received patronage enabling extraordinary advances in sciences. Ibn Sīnā (better known as Avicenna), al-Bīrūnī, al-Khwārizmi and other scholars became giants of learning. A thousand years ago, the Oxfords and Cambridges, the Harvards and Yales were in Balkh, Bukhara, Herat and Samarkand, places now largely forgotten and confined to obscurity.

For a long time, much of Europe descended into a period so bleak it’s called the Dark Ages. For hundreds of years, little of note was produced. Europe was a cultural and intellectual backwater, a stagnation that perplexed Arabic writers. Once, the Greeks had been pioneers in mathematics, astronomy and science, they noted. Why had their intellectual life and scholarship all but collapsed? Some had little doubt what was to blame. The problem, suggested one Arab author, was religion. As soon as the Greeks and Romans had adopted Christianity, their appetite for knowledge had disappeared. Blind faith ‘effaced the signs of learning, eliminated its traces and destroyed its paths’. The fundamentalists were not Muslims, but Christians. The open, curious and generous were based in the East – not in Europe. As one author put it, when it came to writing about non-Islamic lands, ‘we did not enter them [in our book] because we see no use whatsoever in describing them’.

By the 9th century, Europe began to rise from the shadows. The stimulus came from the Silk Roads. An influx of silver from the East kick-started the European economies and prompted the development of distinctive and unique elite structures. Feudalism owed much to the way in which European societies controlled their assets – and to the ability of aristocrats to dominate the peasantry. The root cause of these techniques came from rising engagement with the wealth of the Arab world. Unable to offer much by way of trade, the Europeans turned to one plentiful commodity that could unlock waves of silver from the East: slaves. These were not brought from Africa, as happened after Columbus’s expeditions across the Atlantic, but from Ireland and Britain, and above all from the Slavonic populations of eastern and central Europe. Human trafficking in the early Middle Ages was fundamental to the rise of the West.

So too was the development of religious violence as a political tool. As is also obvious today, those who commit acts of terror while claiming to be doing God’s work find audiences equally receptive and horrified. This was nowhere better epitomised than by the Crusades, which saw large numbers of knights seeking to do their Christian duty, while at the same time doing well from establishing a colony to protect the Holy Land. Not all who took part were misty-eyed, or religiously minded. City states such as Pisa, Genoa and Venice kept a close eye on the bottom line, realising that there was much to be gained by securing a foothold in the Levant that gave them better access to the goods that were in growing demand back at home. Ultimately, devotion took second place to cold reality – for despite holding Jerusalem for the best part of a century, the Christians of Europe proved unwilling and unable to secure it properly, and withdrew from the Holy Land altogether. There were better and easier ways to tap into the Silk Roads than fighting for the benefits – as Marco Polo was quick to point out.

The burning desire to get closer to the source of India and China’s legendary riches spurred the age of European discovery. Christopher Columbus did not try to sail around the world to see if it was flat, or to find out what lay across a seemingly endless ocean: his journey intended to find a new route to Asia and a way to access trade networks that might bring untold riches to the rulers of Castille and Aragon in Spain. With Vasco da Gama setting out just five years later to achieve the same ends, the shape of the world changed dramatically: before the 1490s, countries such as Spain and Portugal, the Netherlands and Britain found themselves at the wrong end of the world; it was not long before they found themselves at its centre.

The rise of Western Europe into a group of powers controlling empires across the globe required multiple causes. These include increasing calorie consumption in different parts of the continent, fertility levels, environmental and climate change, sophistication of financial institutions and the exploitation of fortunate local circumstances. Importantly, however, the propensity for violence was also a key element to the success of Spain and Portugal, the Dutch Republic, France and Britain in ruling over land and sea. They refined their facility with violence in the incessant contest against one another for power within Europe. The rhythm of intra-European warfare was relentless, facilitating rapid advances in ballistics, firearms and weapons production. Not all the West’s conquests abroad resulted directly from the use of force: in some cases, such as in Bengal in the 1750s, local rulers hired Westerners as mercenaries, with disastrous long-term consequences when those recruited to help found it impossible to resist becoming masters.

That changed the balance of the Silk Roads, for colonies were seen as soft centres that could provide cash back to the capitals of Europe. Some resisted violently – above all in North America, where the impetus for independence came directly from the way in which other parts of the world were being treated. If Bengalis could be allowed to starve to death, reasoned the Founding Fathers in the United States, then why not those in other regions too? What good was it to be a colony if there was no representation in government back in London? It is no coincidence that tea from India being dumped into Boston harbour proved the symbolic start of the War of Independence: the Silk Roads loom large across all continents and in imaginations the world over.

In the 19th century, as rivalries between the great European powers sharpened, the spectre of control over the heart of Asia proved fiercest of all. British fears over Russian advances towards India, the jewel in the empire’s crown, made nerves jangle, as did the security of the crucially important Persian Gulf, through which large volumes of business and trade flowed back towards London. There was great concern about the way in which Britain was losing position in the East – coupled with the growing realisation that Britain had no cards left on the table to play. The build-up of pressure and the limitations of London’s options proved decisive in the decision to go to war in 1914. The assassination of Franz Ferdinand in Sarajevo provided the spark; but the tinder had been laid in Asia. If Britain failed to take up arms, reasoned senior diplomats in the weeks before the First World War began, it risked losing its empire.

The carnage of the Great War led directly to the next. Germany suffered acutely during and after the war from a lack of foodstuffs, something that made a great impression on a young solider named Adolf Hitler. Two decades on, as Europe lurched towards yet another major conflict, Hitler became obsessed by food supplies. It was essential, he told a League of Nations official in Danzig, for Germany to be able to feed itself. This was essential, he said, ‘so that no one is able to starve us again like in the last war’.

The solution lay in the East: on the steppes of Ukraine and southern Russia, home to wheat fields that were meant to serve as the grain basket of the Third Reich for centuries to come. This goal underpinned the invasion of the Soviet Union in the summer of 1941, with plans drawn up by German agronomists who divided the USSR into a ‘surplus’ zone that produced much, and a ‘deficit zone’ that only consumed – and was to be condemned to starvation. It did not take long before it became clear that things were going very wrong. Faced with severe food shortages, the decision was taken to start cutting calories in the rations of prisoners of war and inmates of detention camps that had been set up across Poland and elsewhere. Within weeks, it was decided to cut food supplies to a minimum – and to begin killing those who were too weak to work. Thus the Final Solution was born.

*

The story of the second half of the 20th century and the first 15 years of the 21st has seen the Silk Roads retain their centrality. Oil, described by one US diplomat in the 1940s as ‘the greatest single prize in all history’, is one reason behind the resilience of the Silk Roads. Another, however, was the Cold War, which prompted the US and the USSR to clash repeatedly across the countries of the Silk Roads, vying for position in Iran, Iraq, and Afghanistan, while attempting to improve ties with China, India, Pakistan, and Turkey.

Now, it is possible to follow the disastrous interventions since the attacks of 9/11 in Iraq and Afghanistan in greater detail than normally possible for such imperial initiatives. The accelerated declassification of documents by a US government keen to show it has nothing to hide, and the large-scale exposure of secret papers by both WikiLeaks and Edward Snowden, have made this scrutiny possible. A devastating picture has emerged of how bad decisions were made (albeit often under great pressure), as has a disjointed, often ignorant and, in aggregate, incoherent approach to Central Asia, the heart of the world.

As the world faces uncertainty and choices of massive import, it is worth reflecting on the shift of the centre of gravity back to its long-time home, the Silk Roads. One need only look as far as China’s signature foreign policy – the ‘One Belt, One Road’ initiative – to see just how high the cost is of ignoring the countries linking East and West. Turkmenistan, Uzbekistan, Kazakhstan, and Iran, as well as Russia, India, Pakistan, and Iraq, are rich in fossil fuels and minerals, while China dominates the world markets in rare earths – elements such as beryllium and dysprosium, which are essential for the manufacture of everything from laptops and smartphones to solar cells and batteries for hybrid cars. The countries that form part of the ‘One Road, One Belt’ initiative make up some two-thirds of the world’s population.

These states are today making ever closer ties – which include massive infrastructure projects, such as new deep-water ports, high-speed rail links, and new super-fast 3G networks, as well as oil and gas pipelines. But cooperation extends beyond this to educational projects and cultural initiatives that celebrate common histories and exchanges of the past. Many of those exchanges, of course, did not involve Europe or the West – and the ones that did were not always entirely positive in their impact. It is more important than ever, therefore, to understand the history of the Silk Roads and also to understand how our own past looks from this perspective. The results are often both illuminating and surprising.

As the Silk Roads rise again, it is time to look once more at history, and time for a new narrative of the world. Herodotus would have approved.

Sobre o autor

Peter Frankopan é o diretor do Oxford Centre for Byzantine Research e pesquisador sênior do Worcester College, Oxford. Ele é o autor de O coração do mundo: Uma nova história universal a partir da rota da seda: O encontro do oriente com o ocidente (2015). Ele mora em Oxford.

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