Laura Carvalho
Bandeira do Sistema Único de Saúde (SUS) hasteada ao lado da bandeira do Brasil em frente ao Ministério da Saúde, em Brasília. (Pedro Ladeira/Folhapress) |
Poucos brasileiros sabem que o Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que ousou levar assistência médica gratuita a toda a população”, esclareceu Drauzio Varella em sua excelente coluna no domingo (18).
Ao ressaltar o tremendo avanço civilizatório que representou a criação do SUS, Drauzio acabou colocando o dedo na ferida do debate sobre o tamanho do Estado brasileiro e a qualidade de nossos serviços públicos. Será que somos mesmo tão ineficientes quanto sugerem as comparações baseadas no tamanho de nossa carga tributária?
“Falamos com admiração dos sistemas de saúde da Suécia, da Noruega, da Alemanha, do Reino Unido, sem lembrar que são países pequenos, ricos (...). Sem menosprezá-los, garantir assistência médica a todos em lugares com essas características é brincadeira de criança perto do desafio de fazê-lo num país continental, com 210 milhões de habitantes, baixo nível educacional, pobreza, miséria e desigualdades regionais e sociais de dimensões das nossas”, completou dr. Drauzio.
Quando medida em relação ao PIB, a carga tributária brasileira chegou a 33,58% em 2018, nos colocando acima dos outros países da América Latina e muito próximos da média dos países da OCDE, que foi de 34,2% do PIB em 2017. O Reino Unido, por exemplo, arrecadou um pouco menos —33,3% do PIB— e certamente ofereceu serviços melhores à população.
São muitos os que utilizam esses números —em geral, sem nunca ter precisado usar um serviço público sequer— para afirmar que o Estado brasileiro drena um enorme volume de recursos da população sem oferecer nada em troca. Nesse caso, fixar um teto que impeça o aumento real dos gastos públicos —reajustando-os apenas pela inflação, como prevê a PEC 241/55— parece uma ótima saída para acabar com o desperdício. Se o PIB crescer e os gastos ficarem parados no mesmo lugar, reduziremos rapidamente o tamanho do Estado brasileiro para o de países como Colômbia, Equador e Peru.
Falta apenas combinar com o conjunto da sociedade, que em 1988 optou justamente por fugir à regra dos países com nível de renda similar ao nosso ao oferecer serviços públicos universais e gratuitos de saúde e educação e uma rede de proteção social em um país continental com 210 milhões de habitantes e níveis abissais de desigualdade.
Ninguém nega que haja ineficiências e distorções na forma como o Estado brasileiro organiza e realiza seus gastos, mas, se calculamos a arrecadação total de impostos em relação à população do país (em vez de como proporção do PIB), notamos que os países da OCDE têm, em média, a seu dispor, um valor 4,4 vezes maior de dólares do que o Brasil para gastar com cada habitante.
Segundo dados da OCDE, a carga tributária per capita brasileira era de US$ 3.209 em 2017, ante US$ 13.234 por habitante no Reino Unido, por exemplo. Na Noruega, esse valor chega a US$ 28.943.
É evidente que os salários de médicos e professores e outros custos associados à provisão de serviços públicos (que não incluem equipamentos e medicamentos importados, por exemplo) também são menores aqui. Mas não ao ponto de explicar uma diferença de tal magnitude.
O problema não é, portanto, o tamanho de nossa carga tributária, dada a nossa escolha quando da Constituinte por um Estado de bem-estar social, e sim sua distribuição injusta, que acaba praticamente anulando o efeito redutor de desigualdades dos gastos sociais e transferências —tema que, aliás, passa longe da atual discussão de reforma tributária no governo e no Congresso.
Como afirmou o próprio ministro Paulo Guedes nesta quarta-feira (21), o objetivo do governo não é “subir o teto de gastos”, é “quebrar o piso”. E, abaixo do piso, sabemos o que tem: a barbárie anunciada por Drauzio Varella.
Sobre o autor
Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".
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