16 de agosto de 2019

Quando setembro chegar

Tudo indica fortes turbulências financeiras à frente com o fim das férias nos EUA

Nelson Barbosa


Apoiadores do candidato à Presidência Alberto Fernández em comício em Rosário, na Argentina. (Agustin Marcarian/Reuters)

Teremos um segundo semestre agitado na economia. O aumento das tensões entre Estados Unidos e China já derrubou as Bolsas mundiais, com sinais de recessão na Europa.

Aqui mais perto, a provável derrota de Macri gerou ataque especulativo à Argentina, com efeitos sobre o Brasil.

Tudo isso ainda em agosto, geralmente um mês mais calmo nos mercados, pois a maioria das pessoas do hemisfério Norte está em férias de verão.

Se você acha que calendário não importa, lembro que as crises financeiras de 1929 e 2008 ganharam força justamente na volta do verão nos EUA —a primeira em outubro, a segunda em setembro.

E, para não acharmos que isso é coisa de gringo, por aqui também respeitamos o verão, o período entre o Natal e o Carnaval. Nossas crises geralmente ganham força em março e abril, vide os golpes de 1964 e 2016 e a prisão política de Lula em 2018.

Mas voltemos aos dias de hoje. Faltam algumas semanas para o fim das férias nos EUA, e tudo indica fortes turbulências financeiras à frente.

Para nós, o efeito imediato dos últimos choques externos é a depreciação do real, como ocorreu nas últimas semanas.

Obviamente não ajuda que nossa economia também esteja em risco de recessão devido à herança de Temer, bem como que o governo Bolsonaro continue desorganizado entre declarações escatológicas do presidente e maluquices "anarcocapitalistas" de sua equipe econômica.

Em momentos de turbulência, o Banco Central deve atuar para reduzir a volatilidade do câmbio, mas sem se comprometer com um valor específico da taxa. Foi assim no passado e parece que será assim agora.

Nesta semana, o BC anunciou a venda de dólares no mercado à vista. Serão até US$ 550 milhões por dia, com limite inicial de US$ 3,8 bilhões.

O BC já fez esse tipo de operação antes, em 2009, quando também houve grande turbulência cambial.

Reservas internacionais estão aí para serem usadas. Do ponto de vista cambial, o que interessa é a posição líquida do BC, o volume de reservas menos o quanto o BC está vendido em dólares no mercado de crédito e derivativos.

Hoje, o BC tem US$ 386 bilhões em reservas, US$ 8 bilhões de outros créditos líquidos em dólares e US$ 68 bilhões de posição vendida em swaps cambiais. A posição líquida é, portanto, de US$ 326 bilhões.

Traduzindo do economês, se a taxa de câmbio sobe R$ 0,10, o BC ganha R$ 32,6 bilhões.

Na quarta (14), o BC anunciou que venderá parte de suas reservas, compensando isso com redução da posição vendida em swaps. A posição líquida permanecerá em US$ 326 bilhões.

A ação é neutra do ponto de vista cambial, mas o mesmo não acontece na dívida pública.

Quando o BC compra dólares, ele injeta reais na economia. Como o BC também tem meta de taxa de juro, esses reais devem ser retirados de circulação via venda de títulos públicos (operações compromissadas), aumentando a dívida bruta do governo.

O oposto acontece quando o BC vende dólares à vista, ou seja, reduzir reservas diminui a dívida pública bruta mesmo que a posição líquida do BC permaneça a mesma.

Como o governo enfrenta dificuldade para equilibrar seu Orçamento primário, hoje o crescimento da dívida bruta tem sido amenizado por saques antecipados de recursos dos bancos públicos (BNDES, Caixa e BB).

Por definição, essa fonte tem limite. Se e quando ele se esgotar, o governo poderá se ver tentado a torrar as reservas internacionais para controlar sua dívida bruta no curto prazo.

Quando saberemos o tamanho desse risco? Quando setembro chegar.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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