O ano começou para valer depois do Carnaval, e tudo indica fortes turbulências à frente, de origens externas e internas.
No cenário internacional, entramos 2020 com as incertezas dos atritos entre Irã e EUA, que agora parecem distantes no passado. O surto do coronavírus é hoje a principal preocupação mundial, e seus efeitos já se manifestaram por aqui.
Do ponto de vista econômico, a disseminação do coronavírus é um choque negativo de demanda e oferta. Na demanda, o medo e as políticas necessárias para a contenção do vírus reduzem gastos das famílias e das empresas a curto prazo, sobretudo no setor de serviços e turismo.
Os gastos do governo tendem a aumentar —lembre-se do hospital que os chineses construíram em uma semana—, mas o efeito líquido da crise deve ser queda da demanda global no curto prazo.
Na oferta, o combate à disseminação da doença desacelerou ou mesmo parou a indústria em várias partes do mundo, criando problemas para cadeias produtivas baseadas em insumos importados. Isso reduz temporariamente a oferta mundial em vários setores.
Segundo manuais de economia, retração simultânea de demanda e oferta tem grande impacto negativo sobre renda e emprego, mas efeito indeterminado sobre preços. No mundo real, o impacto sobre a inflação global tende a ser negativo, dado que o mundo já estava desacelerando antes da crise atual.
Até agora as expectativas de mercado são de comportamento em “V” da economia mundial, puxada pela China. Segundo alguns grandes bancos internacionais, o crescimento chinês deve cair de 6% ao ano, no fim de 2019, para apenas 1%, neste trimestre.
Depois espera-se recuperação rápida por lá, com crescimento entre 7% e 9% no meio do ano e retorno à velocidade de 6% no fim de 2020.
A recuperação em “V” da economia chinesa é baseada na expectativa de rápida recomposição de estoques após a contenção do coronavírus, bem como nas políticas de estímulo que o governo de lá anunciou para o restante do ano.
Torço para que as expectativas de mercado estejam corretas, mas a disseminação do coronavírus pelo mundo indica que o problema pode durar mais tempo do que o esperado. A crise é temporária, mas o curto prazo pode ser longo o suficiente para ter efeitos significativos na economia.
Em paralelo aos problemas de fora, por aqui vivemos o risco de deterioração política e econômica nos próximos meses. Nosso PIB já deu sinais de desaceleração antes do surto do coronavírus, frustrando as expectativas “agora vai” do mercado.
Os recentes embates do governo com o Congresso também não contribuem para otimismo, dificultando o avanço de ações necessárias para aumentar nossa produtividade (reforma tributária) e aperfeiçoar o gasto público (reforma administrativa).
Hoje, nosso maior risco é andar para trás, com crise institucional e fiscal deflagrada pelo aumento concedido à PM de Minas Gerais, apoio velado do Planalto à insurgência de policiais em outros estados e novos flertes do clã Bolsonaro com o autoritarismo.
Para piorar, a equipe econômica se pintou no canto da sala com teto de gastos e meta de resultado primário. Pelas regras atuais, teremos novo corte de despesa pública em março, em uma economia sob risco de desaceleração.
Diante desse risco, não é surpresa que o Congresso tenha chamado para si a execução do gasto discricionário da União. Há excesso de papalvos do lado do governo.
Regra fiscal mal concebida faz o Executivo perder poder justamente quando tudo indica ser necessária ação do Executivo para atenuar a crise que se aproxima.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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