John Bellamy Foster, Brett Clark e Hannah Holleman
Volume 71, Issue 09 (February 2020) |
Tradução / A "viragem para o indígena" na teoria social, ao longo das últimas décadas, associada à crítica do colonialismo de povoamento branco, reintroduziu temas há muito presentes na teoria marxiana, mas de formas muitas vezes surpreendentemente divorciadas da crítica de Karl Marx ao capitalismo, ao colonialismo e ao imperialismo (1). Parte da razão para esta desconexão é que as atuais discussões sobre o colonialismo de povoamento branco evoluíram a partir das tradições da teoria cultural pós-modernista e pós-colonialista, que estão distantes do materialismo histórico (2). No entanto, uma explicação mais profunda para o abismo entre o atual trabalho académico sobre o colonialismo de povoamento branco e o marxismo está associada às alegações de alguns críticos de esquerda de que o trabalho de Marx é caracterizado pelo seguinte: (1) um desenvolvimentismo grosseiro e determinismo económico; (2) uma postura pró-colonialista; (3) uma conceção teleológica do progresso; e (4) um prometeísmo ou produtivismo extremo em relação ao ambiente (3). Tais acusações são frequentemente utilizadas para apodar o materialismo histórico de irrelevante senão mesmo hostil às lutas e perspetivas indígenas contemporâneas.
Na sua obra Red Skin, White Masks, Glen Sean Coulthard fornece uma visão mais matizada da relação de Marx com os indígenas, incluindo a crítica feita por aquele à "chamada acumulação primitiva". Coulthard insiste em que "o quadro teórico de Marx" a este respeito pode ser visto como extremamente "relevante para uma compreensão abrangente do colonialismo de povoamento branco e da resistência indígena", mas que isto requer que o materialismo histórico clássico "seja transformado em diálogo com o pensamento e práticas críticas dos próprios povos indígenas". Especificamente, procura transcender o que considera ser a visão errada de Marx (1) de que tais expropriações se limitam às fases formativas do capitalismo, em vez de constituírem um processo contínuo; (2) de que existe uma lógica desenvolvimentista unilinear a ser equiparada ao progresso; e (3) de que o ambiente deve ser tratado como constituindo um dom gratuito, de tal forma que a terra não é vista como explorada, apenas as pessoas o sendo (4).
Levando estas críticas a sério, voltamos aos fundamentos clássicos da teoria marxiana a fim de determinar onde - se em algum lugar - a análise correu mal, o que pode ser útil derivar dela, e como construir (ou reconstruir) uma crítica marxiana ao colonialismo relevante para as lutas contemporâneas. Através desta avaliação, acreditamos, os pontos fortes do argumento histórico-materialista clássico tornar-se-ão evidentes.
O regresso a Marx como ponto de partida é crucial para desenvolver uma crítica materialista do capitalismo e do colonialismo. No entanto, não existe, no materialismo histórico, uma tal coisa como uma ortodoxia fixa. Pelo contrário, o marxismo desde o início tem sido moldado por tradições revolucionárias vernaculares. Como uma filosofia de práxis orientada não apenas para compreender o mundo mas também para o mudar, o materialismo histórico pode muito menos dar-se ao luxo de ser supra-histórico ou negligenciar as lições das lutas nacionais e populares (5). "Ortodoxia" no Marxismo, como Georg Lukács famoso disse, "refere-se exclusivamente ao método" (6). É assim o método materialista, histórico e dialético do Marxismo clássico que constitui o ponto de partida necessário para se envolver na crítica do colonialismo, incluindo o colonialismo dos colonos, hoje em dia.
Colonialismo e expropriação
Coulthard afirma, na sua obra Red Skin, White Masks, que a teoria de Marx da expropriação como condição histórica do desenvolvimento capitalista está principalmente preocupada com "a separação perpétua dos trabalhadores dos meios de produção" e não com a relação colonial em e por si mesma. Da mesma forma, é-nos dito que a discussão de Marx sobre "A Teoria Moderna do Colonialismo" no último capítulo do volume I de O Capital, foi dedicada simplesmente a estabelecer a sua teoria do trabalho assalariado e do capital, apontando para a necessidade do capital retirar trabalhadores da terra, indicando uma falta de preocupação geral com o colonialismo. Partindo destas críticas, Coulthard sugere que a crítica deve passar de um enfoque principalmente na relação capital para um enfoque que também destaque a relação colonial, ultrapassando assim a unilateralidade de Marx a este respeito.[7]
No entanto, no capítulo 31 de O Capital, "A Génese do Capitalista Industrial", Marx já aponta para a necessidade de considerar a relação colonial como subjacente à relação capital. De facto, ele é absolutamente claro sobre esta questão:
Na sua obra Red Skin, White Masks, Glen Sean Coulthard fornece uma visão mais matizada da relação de Marx com os indígenas, incluindo a crítica feita por aquele à "chamada acumulação primitiva". Coulthard insiste em que "o quadro teórico de Marx" a este respeito pode ser visto como extremamente "relevante para uma compreensão abrangente do colonialismo de povoamento branco e da resistência indígena", mas que isto requer que o materialismo histórico clássico "seja transformado em diálogo com o pensamento e práticas críticas dos próprios povos indígenas". Especificamente, procura transcender o que considera ser a visão errada de Marx (1) de que tais expropriações se limitam às fases formativas do capitalismo, em vez de constituírem um processo contínuo; (2) de que existe uma lógica desenvolvimentista unilinear a ser equiparada ao progresso; e (3) de que o ambiente deve ser tratado como constituindo um dom gratuito, de tal forma que a terra não é vista como explorada, apenas as pessoas o sendo (4).
Levando estas críticas a sério, voltamos aos fundamentos clássicos da teoria marxiana a fim de determinar onde - se em algum lugar - a análise correu mal, o que pode ser útil derivar dela, e como construir (ou reconstruir) uma crítica marxiana ao colonialismo relevante para as lutas contemporâneas. Através desta avaliação, acreditamos, os pontos fortes do argumento histórico-materialista clássico tornar-se-ão evidentes.
O regresso a Marx como ponto de partida é crucial para desenvolver uma crítica materialista do capitalismo e do colonialismo. No entanto, não existe, no materialismo histórico, uma tal coisa como uma ortodoxia fixa. Pelo contrário, o marxismo desde o início tem sido moldado por tradições revolucionárias vernaculares. Como uma filosofia de práxis orientada não apenas para compreender o mundo mas também para o mudar, o materialismo histórico pode muito menos dar-se ao luxo de ser supra-histórico ou negligenciar as lições das lutas nacionais e populares (5). "Ortodoxia" no Marxismo, como Georg Lukács famoso disse, "refere-se exclusivamente ao método" (6). É assim o método materialista, histórico e dialético do Marxismo clássico que constitui o ponto de partida necessário para se envolver na crítica do colonialismo, incluindo o colonialismo dos colonos, hoje em dia.
Colonialismo e expropriação
Coulthard afirma, na sua obra Red Skin, White Masks, que a teoria de Marx da expropriação como condição histórica do desenvolvimento capitalista está principalmente preocupada com "a separação perpétua dos trabalhadores dos meios de produção" e não com a relação colonial em e por si mesma. Da mesma forma, é-nos dito que a discussão de Marx sobre "A Teoria Moderna do Colonialismo" no último capítulo do volume I de O Capital, foi dedicada simplesmente a estabelecer a sua teoria do trabalho assalariado e do capital, apontando para a necessidade do capital retirar trabalhadores da terra, indicando uma falta de preocupação geral com o colonialismo. Partindo destas críticas, Coulthard sugere que a crítica deve passar de um enfoque principalmente na relação capital para um enfoque que também destaque a relação colonial, ultrapassando assim a unilateralidade de Marx a este respeito.[7]
No entanto, no capítulo 31 de O Capital, "A Génese do Capitalista Industrial", Marx já aponta para a necessidade de considerar a relação colonial como subjacente à relação capital. De facto, ele é absolutamente claro sobre esta questão:
A descoberta de ouro e prata na América, a extirpação, escravização e sepultamento em minas da população indígena daquele continente, o início da conquista e pilhagem da Índia, e a conversão de África numa reserva para a caça comercial de peles negras, são tudo coisas que caracterizam o início da era da produção capitalista. Estes procedimentos idílicos são os principais momentos da acumulação primitiva.[8]
Assim, para Marx, não são as várias vedações dos baldios (“enclosures of the commons”) em Inglaterra, discutidos nos primeiros capítulos da parte VIII de O Capital sobre "a chamada acumulação primitiva", que constituíram os principais momentos de expropriação primária e a génese do capitalista industrial, mas sim a pilhagem do mundo inteiro fora da Europa, centrada na "extirpação, escravização e sepultamento em minas da população indígena", englobando o roubo dos metais preciosos, das terras, e dos corpos dos indígenas[9]. Além disso, as colónias inglesas de povoamento branco recebem críticas específicas pelos horrores que infligiram:
O tratamento da população indígena foi, evidentemente, o mais assustador nas colónias de plantação criadas exclusivamente para o comércio de exportação, como as Índias Ocidentais, e em países ricos e bem povoados, como o México e a Índia, que foram entregues à pilhagem. Mas mesmo nas colónias propriamente ditas [ou, colónias de povoamento - colono/a espanhol significa colonizador] o carácter cristão da acumulação primitiva não foi desmentido. Em 1703 esses sóbrios expoentes do protestantismo, os puritanos da Nova Inglaterra, por decretos da sua assembleia, fixaram um prémio de £40 por cada escalpe índio e por cada pele-vermelha capturado; em 1720, foi fixado um prémio de £100 por cada escalpe; em 1744, após a baía de Massachusetts ter proclamado uma certa tribo como rebelde, foram fixados os seguintes preços: para um escalpe masculino de 12 anos ou mais, £100 em nova moeda, para um prisioneiro masculino £105, para mulheres e crianças prisioneiras £50, para os escalpes de mulheres e crianças £50. Algumas décadas mais tarde, o sistema colonial tomou a sua vingança sobre os descendentes dos piedosos pais peregrinos, que, entretanto, se tinham tornado sediciosos. Por instigação inglesa, e por dinheiro inglês, eles foram machadados pelos peles-vermelhas. O Parlamento britânico proclamou os cães de caça e o escalpe como «meios que Deus e a Natureza tinham provido à sua mão».[10]
Não escapou a Marx que o preço dos escalpes era equivalente ao preço dos prisioneiros, o que significa que o objetivo era o genocídio, não a escravatura. Desta forma, Marx salientou que o principal objetivo nas colónias de povoamento inglesas na América do Norte era a "extirpação" absoluta da população indígena. De facto, como William Howitt explicou na sua obra Colonization and Christianity: A Popular History of the Treatment of the Natives by the Europeans in All Their Colonies (1838), que Marx estudou pela primeira vez em 1851, o nascente colonialismo de povoamento branco dos Estados Unidos da América visava o extermínio e a remoção das tribos nativas norte-americanas. Aqui, Howitt citou a declaração do abade Raynal de que o objetivo dos ingleses e franceses era "extirpar" os nativos norte-americanos (11). Howitt também descreveu "as campanhas de extermínio do General Jackson", citando a declaração de Andrew Jackson em 27 de março de 1814, durante a sua campanha militar contra as tribos do sul, de que estava "determinado a exterminá-las". Os povos indígenas norte-americanos, observou Howitt, "foram levados ao monturo, ou à aniquilação". Escrevendo na altura do Trilho das Lágrimas e da remoção maciça dos indígenas norte-americanos do sudeste, Howitt concluiu com as palavras
Nada poderá impedir a expatriação final destas tribos do sul: devem passar o Mississippi até que a população branca esteja suficientemente engrossada para lhes exigir que atravessem o Missouri; restarão então apenas duas barreiras entre elas e a aniquilação - as Montanhas Rochosas e o Oceano Pacífico. Sempre que ouvimos falar agora dessas tribos, é de algum novo ato de agressão contra elas - alguma nova expulsão de uma parte delas - e de índios melancólicos que se deslocam em direção aos campos selvagens do oeste.[12]
Durante o tempo em que escrevia O Capital, o livro de Howitt foi a principal fonte de Marx sobre o tratamento colonial não só dos índios norte-americanos mas também das populações indígenas em todo o mundo. No entanto, ao mesmo tempo em que encontrou Howitt, Marx também estudou a History of the Conquest of Mexico (1843) e a History of the Conquest of Peru (1847), de William Prescott, bem como The African Slave Trade and Its Remedy (1840), de Thomas Fowell Buxton, juntamente com várias obras sobre a Índia (13). Na década de 1850, analisou de perto as Lectures on Colonization and Colonies de Herman Merivale (1841) (14). Em 1853, leu a History of Java de Thomas Stamford Raffles (1817), na qual Howitt também tinha confiado para o seu tratamento de Java (15). Seguiram-se estudos de numerosas obras adicionais sobre a escravatura, referidas em O Capital.
Colonization and Christianity de Howitt tinha mais de quinhentas páginas e incluía capítulos separados sobre o tratamento dos indígenas pelas potências coloniais em várias regiões do mundo, com doze capítulos dedicados à forma como os espanhóis e portugueses se conduziam em relação às populações nativas no Novo Mundo, três aos colonos de povoamento ingleses e aos indígenas na América do Norte, dois sobre "O tratamento dos índios nos Estados Unidos", cinco sobre os ingleses na Índia, um sobre os ingleses na colónia do Cabo na África do Sul, um sobre os holandeses na Índia e Indonésia (Java) e os holandeses na Austrália e nas ilhas do Pacífico, e um sobre os franceses nas suas colónias. Tudo dito, Colonization and Christianity foi o maior compêndio sobre as atrocidades globais do colonialismo escrito no seu tempo, contendo detalhes copiosos, muitas vezes apoiando-se em relatórios comerciais e governamentais. Como Marx escreveu: "W. Howitt, um homem especializado em ser cristão, diz sobre o sistema colonial cristão, 'As barbaridades e ultrajes desesperados da chamada raça cristã, em todas as regiões do mundo, e sobre todos os povos que eles foram capazes de subjugar, não devem ser paralelos aos de qualquer outra raça, por mais ferozes que sejam, por mais sem instrução, e por mais imprudentes que sejam a misericórdia e a vergonha, em qualquer época da terra'" (16).
Dado que Marx estava preocupado com o papel que a expropriação colonial de terras e povos indígenas desempenhou na génese do capitalista industrial, concentrou o seu tratamento particularmente nos holandeses e nos ingleses, como os dois países que tinham liderado o desenvolvimento do capitalismo industrial. Com respeito aos holandeses, Marx observou que, em 1648, no auge do seu poder, a Holanda tinha o controlo quase total do comércio das Índias orientais. Em O Capital, ele concentrou-se particularmente no papel holandês em Java, conforme detalhado pela História de Raffles (baseando-se, no entanto, principalmente em passagens que tinham sido destacadas em Colonization and Christianity de Howitt). Aqui foi cuidadosamente retratado o papel dos "ladrões de homens" organizados, constituídos por "o ladrão, o intérprete e o vendedor", todos sistematicamente empenhados em "roubar homens" que eram depois acorrentados à força, escondidos em prisões secretas e arrastados para os navios de escravos expetantes. Como Marx observou, "Banjuwangi, uma província de Java, contava mais de 80.000 habitantes em 1750 e apenas 18.000 em 1811. Isso", exclamou ele em amarga ironia, "é comércio pacífico!" Com base na sua expropriação colonial, argumentou Marx, o "capital total" da República Holandesa subiu ao ponto de, em meados do século XVII, ultrapassar provavelmente o de toda a restante Europa reunida (17).
Mas a barbaridade colonial do capitalismo holandês haveria de ser ultrapassada em escala, nos séculos XVIII e XIX, pelos ingleses. Marx, seguindo Howitt, explicou que o governador britânico da Companhia das Índias Orientais insistiu no seu "monopólio exclusivo" no comércio do chá, bem como no comércio com a China e a Europa. Mas os oficiais mais favorecidos da Companhia conseguiram controlar os monopólios do sal, do ópio, noz de areca e outras mercadorias, dominando o comércio costeiro. "Grandes fortunas surgiram como cogumelos num dia", com base em algumas das formas mais viciosas de expropriação nesse período (18). Confiando em Howitt como sua fonte, Marx escreveu: "Entre 1769 e 1770 os ingleses criaram um surto de fome ao comprarem todo o arroz e recusarem-se a vendê-lo novamente, exceto a preços fabulosos" (19). Numa nota de rodapé, acrescentou: "Só na província de Orissa, no ano de 1866, mais de um milhão de hindus morreram de fome. No entanto, foi feita uma tentativa de enriquecer o tesouro [colonial] indiano através do preço a que os meios de subsistência eram vendidos ao povo faminto" (20).
O saque foi enorme. "Os tesouros capturados fora da Europa por pilhagem indisfarçada, escravidão e assassinato", escreveu Marx, "fluíram de volta para o país-mãe". O sistema colonial "proclamou a obtenção de lucro como o derradeiro e único propósito da Humanidade". O comércio de escravos, em particular, haveria de desempenhar um papel central na industrialização da Inglaterra e no crescimento da produção de algodão. Contando os navios de escravos que navegavam no comércio de Liverpool nos anos que antecederam a Revolução Industrial, Marx observou: "Em 1730 Liverpool empregava 15 navios no comércio de escravos; em 1751, 53; em 1760, 74; em 1770, 96; e em 1792, 132" (21).
Marx termina o seu capítulo sobre "A génese do capitalista industrial" com a afirmação de que "se o dinheiro, segundo Augier, ‘vem ao mundo com uma mancha de sangue congénita numa face’, o capital vem pingando da cabeça aos pés, de todos os poros, com sangue e sujidade" (22). Ao ler esta passagem, é impossível não pensar também na conclusão de Colonization and Chistianity de Howitt, que tinha influenciado Marx a um grau tão extraordinário:
Colonization and Christianity de Howitt tinha mais de quinhentas páginas e incluía capítulos separados sobre o tratamento dos indígenas pelas potências coloniais em várias regiões do mundo, com doze capítulos dedicados à forma como os espanhóis e portugueses se conduziam em relação às populações nativas no Novo Mundo, três aos colonos de povoamento ingleses e aos indígenas na América do Norte, dois sobre "O tratamento dos índios nos Estados Unidos", cinco sobre os ingleses na Índia, um sobre os ingleses na colónia do Cabo na África do Sul, um sobre os holandeses na Índia e Indonésia (Java) e os holandeses na Austrália e nas ilhas do Pacífico, e um sobre os franceses nas suas colónias. Tudo dito, Colonization and Christianity foi o maior compêndio sobre as atrocidades globais do colonialismo escrito no seu tempo, contendo detalhes copiosos, muitas vezes apoiando-se em relatórios comerciais e governamentais. Como Marx escreveu: "W. Howitt, um homem especializado em ser cristão, diz sobre o sistema colonial cristão, 'As barbaridades e ultrajes desesperados da chamada raça cristã, em todas as regiões do mundo, e sobre todos os povos que eles foram capazes de subjugar, não devem ser paralelos aos de qualquer outra raça, por mais ferozes que sejam, por mais sem instrução, e por mais imprudentes que sejam a misericórdia e a vergonha, em qualquer época da terra'" (16).
Dado que Marx estava preocupado com o papel que a expropriação colonial de terras e povos indígenas desempenhou na génese do capitalista industrial, concentrou o seu tratamento particularmente nos holandeses e nos ingleses, como os dois países que tinham liderado o desenvolvimento do capitalismo industrial. Com respeito aos holandeses, Marx observou que, em 1648, no auge do seu poder, a Holanda tinha o controlo quase total do comércio das Índias orientais. Em O Capital, ele concentrou-se particularmente no papel holandês em Java, conforme detalhado pela História de Raffles (baseando-se, no entanto, principalmente em passagens que tinham sido destacadas em Colonization and Christianity de Howitt). Aqui foi cuidadosamente retratado o papel dos "ladrões de homens" organizados, constituídos por "o ladrão, o intérprete e o vendedor", todos sistematicamente empenhados em "roubar homens" que eram depois acorrentados à força, escondidos em prisões secretas e arrastados para os navios de escravos expetantes. Como Marx observou, "Banjuwangi, uma província de Java, contava mais de 80.000 habitantes em 1750 e apenas 18.000 em 1811. Isso", exclamou ele em amarga ironia, "é comércio pacífico!" Com base na sua expropriação colonial, argumentou Marx, o "capital total" da República Holandesa subiu ao ponto de, em meados do século XVII, ultrapassar provavelmente o de toda a restante Europa reunida (17).
Mas a barbaridade colonial do capitalismo holandês haveria de ser ultrapassada em escala, nos séculos XVIII e XIX, pelos ingleses. Marx, seguindo Howitt, explicou que o governador britânico da Companhia das Índias Orientais insistiu no seu "monopólio exclusivo" no comércio do chá, bem como no comércio com a China e a Europa. Mas os oficiais mais favorecidos da Companhia conseguiram controlar os monopólios do sal, do ópio, noz de areca e outras mercadorias, dominando o comércio costeiro. "Grandes fortunas surgiram como cogumelos num dia", com base em algumas das formas mais viciosas de expropriação nesse período (18). Confiando em Howitt como sua fonte, Marx escreveu: "Entre 1769 e 1770 os ingleses criaram um surto de fome ao comprarem todo o arroz e recusarem-se a vendê-lo novamente, exceto a preços fabulosos" (19). Numa nota de rodapé, acrescentou: "Só na província de Orissa, no ano de 1866, mais de um milhão de hindus morreram de fome. No entanto, foi feita uma tentativa de enriquecer o tesouro [colonial] indiano através do preço a que os meios de subsistência eram vendidos ao povo faminto" (20).
O saque foi enorme. "Os tesouros capturados fora da Europa por pilhagem indisfarçada, escravidão e assassinato", escreveu Marx, "fluíram de volta para o país-mãe". O sistema colonial "proclamou a obtenção de lucro como o derradeiro e único propósito da Humanidade". O comércio de escravos, em particular, haveria de desempenhar um papel central na industrialização da Inglaterra e no crescimento da produção de algodão. Contando os navios de escravos que navegavam no comércio de Liverpool nos anos que antecederam a Revolução Industrial, Marx observou: "Em 1730 Liverpool empregava 15 navios no comércio de escravos; em 1751, 53; em 1760, 74; em 1770, 96; e em 1792, 132" (21).
Marx termina o seu capítulo sobre "A génese do capitalista industrial" com a afirmação de que "se o dinheiro, segundo Augier, ‘vem ao mundo com uma mancha de sangue congénita numa face’, o capital vem pingando da cabeça aos pés, de todos os poros, com sangue e sujidade" (22). Ao ler esta passagem, é impossível não pensar também na conclusão de Colonization and Chistianity de Howitt, que tinha influenciado Marx a um grau tão extraordinário:
Não bastava que as terras de todas as regiões recentemente descobertas fossem apreendidas por fraude ou violência; não bastava que os seus legítimos habitantes fossem assassinados ou escravizados; que os vícios odiosos das pessoas que se proclamam a si próprias seguidoras do mais puro dos seres fossem vertidos como uma peste nestes novos países. Não bastava que milhões sobre milhões de seres pacíficos fossem exterminados pelo fogo, pela espada, por fardos pesados, pela violência primária, por minas perniciosas e severidades inabituais - por cães, por caçadores de homens, e pelo luto e o desespero - ainda se queria que um único crime coroador colocasse os feitos dos europeus para além de toda a rivalidade na causa do mal,- e essa abominação insuperável foi encontrada no comércio de escravos. Tinham conquistado quase todos os outros países, mas não tinham podido conquistar as tórridas regiões de África. Não podiam confiscar a terra, mas confiscaram o povo... Por isso, determinaram imolá-los nas sepulturas dos já perecidos americanos. Derramar sangue sobre sangue, empilhar ossos sobre ossos e maldições sobre maldições. Que ideia esta! - os europeus de pé, com o chicote da escravatura nas mãos, postados sobre os ossos de milhões exterminados num hemisfério, observando, com olhos sem remorsos, as suas vítimas arrastadas de um outro hemisfério, lavrando, não com o seu suor, mas com o sangue do seu coração, o solo que é, de facto, o pó de gerações de vítimas assassinadas... Toda a história da colonização europeia é feita de uma única peça.[23]
Para além da extirpação e da escravização, a crítica de Marx centrou-se no extenso roubo que caracterizou a expropriação primária subjacente à acumulação de capital na era mercantilista e para além dela, que foi central para o desenvolvimento do capitalismo. Esta expropriação foi realizada nas colónias de povoamento branco através do genocídio da população indígena e da importação de escravos. Assim, surgiu aquilo a que Coulthard chamou uma "expropriação estruturada" (24). À medida que as populações indígenas eram retiradas, e que estes territórios se enchiam de imigrantes/colonos brancos, o problema para o capital acabou por se tornar, também, o da expropriação dos próprios colonos.
Assim, em relação às colónias de povoamento branco - desde que os habitantes indígenas originais do solo tivessem sido aniquilados ou expatriados - surgiu um debate, em que tomaram parte todos os economistas políticos clássicos ingleses, sobre os efeitos prejudiciais para o capital de uma elevada relação terra/população. Este estado de subpopulação em relação à terra, e, portanto, a relativa abundância desta última, encorajou o trabalho direto do solo por uma classe de pequenos agricultores composta pelos imigrantes que chegavam, bloqueando assim o desenvolvimento de um proletariado sem propriedade, necessário para a industrialização capitalista (25).
Marx concentrou-se aqui no trabalho de Edward Gibbon Wakefield e outros defensores da "colonização sistemática" nas colónias de povoamento branco inglesas (principalmente os Estados Unidos da América, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia). Wakefield insistiu na necessidade de o Estado gerar preços elevados da terra através da venda de terras estatais e da especulação fundiária, de modo a excluir as novas vagas de colonos imigrantes de se deslocarem imediatamente para a fronteira e se estabelecerem como agricultores de subsistência ou pequenos proprietários, forçando-os antes a ocupar a posição de proletários (26). O facto de os indígenas quase não contarem em tais debates entre os economistas políticos clássicos sobre as colónias de povoamento inglesas foi um reflexo da circunstância de, na década de 1830, a remoção dos nativos americanos da terra ser vista como estando já amplamente realizada na América do Norte, embora tenha continuado a avançar com cada movimento em direção ao ocidente; enquanto o mesmo processo de remoção das populações aborígenes estava também bem avançado na Austrália e na Nova Zelândia (27).
Foi neste contexto da "teoria moderna do colonialismo" defendida por Wakefield e da Economia Política do colonialismo de povoamento que Marx haveria de declarar, na página de fecho do volume I de O Capital:
Assim, em relação às colónias de povoamento branco - desde que os habitantes indígenas originais do solo tivessem sido aniquilados ou expatriados - surgiu um debate, em que tomaram parte todos os economistas políticos clássicos ingleses, sobre os efeitos prejudiciais para o capital de uma elevada relação terra/população. Este estado de subpopulação em relação à terra, e, portanto, a relativa abundância desta última, encorajou o trabalho direto do solo por uma classe de pequenos agricultores composta pelos imigrantes que chegavam, bloqueando assim o desenvolvimento de um proletariado sem propriedade, necessário para a industrialização capitalista (25).
Marx concentrou-se aqui no trabalho de Edward Gibbon Wakefield e outros defensores da "colonização sistemática" nas colónias de povoamento branco inglesas (principalmente os Estados Unidos da América, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia). Wakefield insistiu na necessidade de o Estado gerar preços elevados da terra através da venda de terras estatais e da especulação fundiária, de modo a excluir as novas vagas de colonos imigrantes de se deslocarem imediatamente para a fronteira e se estabelecerem como agricultores de subsistência ou pequenos proprietários, forçando-os antes a ocupar a posição de proletários (26). O facto de os indígenas quase não contarem em tais debates entre os economistas políticos clássicos sobre as colónias de povoamento inglesas foi um reflexo da circunstância de, na década de 1830, a remoção dos nativos americanos da terra ser vista como estando já amplamente realizada na América do Norte, embora tenha continuado a avançar com cada movimento em direção ao ocidente; enquanto o mesmo processo de remoção das populações aborígenes estava também bem avançado na Austrália e na Nova Zelândia (27).
Foi neste contexto da "teoria moderna do colonialismo" defendida por Wakefield e da Economia Política do colonialismo de povoamento que Marx haveria de declarar, na página de fecho do volume I de O Capital:
Não estamos aqui preocupados [neste ponto lógico da discussão] com a condição das colónias. A única coisa que nos interessa aqui é o segredo descoberto no Novo Mundo pela Economia Política do Velho Mundo, e por ela proclamado em voz alta: que o modo capitalista de produção e acumulação, e, portanto, também a propriedade privada capitalista, têm por sua condição fundamental a aniquilação dessa propriedade privada que repousa sobre o trabalho do próprio indivíduo; por outras palavras, a expropriação do trabalhador.[28]
Isto não deve ser lido, como Coulthard compreensivelmente faz, como significando que Marx não estava de facto preocupado com as realidades das instituições coloniais e com o tratamento das populações indígenas, uma vez que os seus outros escritos, incluindo o próprio O Capital, desmentiram uma tal interpretação (29). Pelo contrário, a crítica de Marx, baseada em Wakefield, sugeriu que a remoção da população indígena da terra, a ser substituída por pequenos agricultores, conduziria eventualmente, nas colónias de povoamento branco, à expropriação progressiva também dos pequenos agricultores, como condição da génese do capitalismo industrial.
As investigações de Marx sobre as economias naturais indígenas
De facto, a abordagem de Marx ao colonialismo e às populações indígenas foi muito além da análise dos seus contemporâneos, incluindo Howitt, que estava principalmente preocupado com a questão moral do impacto "cristão" dos colonizadores ocidentais sobre os indígenas. Marx, por contraste, estava muito mais profundamente interessado nas formas de propriedade, produção, intercâmbio, género, língua e cultura material que tinham caracterizado as nações indígenas em todo o mundo antes da colonização. Assim, em relação às Américas, as suas investigações foram principalmente dedicadas à natureza das sociedades indígenas pré-colombianas. Isto era evidente pela importância que a descrição de Prescott da economia Inca em History of the Conquest of Peru assumiu no pensamento de Marx, que ele continuamente referiu, nos Grundrisse e em O Capital, como representando a categoria crucial da "economia natural", ou seja, uma economia desenvolvida, em grande parte comunal, pré-intercâmbio ou não-mercantil (30). Sob os Incas, um indivíduo "não tinha poder para alienar ou aumentar os seus bens" com respeito à terra, que era comunalmente detida e redistribuída todos os anos (31). Numa discussão sobre sociedades geradoras de excedentes, Marx haveria de referir-se, no volume III de O Capital, ao "comunismo artificialmente desenvolvido dos peruanos [Incas]" (32).
Embora tenha sido frequentemente sugerido que Marx e Engels demonstraram uma perspetiva desenvolvimentista unilinear que via o capitalismo como desempenhando um papel historicamente progressivo, se bem que violento, na sua relação com as sociedades não capitalistas, e assim nas suas imposições coloniais sobre "os povos sem história [escrita]", tais visões ambivalentes com respeito ao colonialismo não se estenderam para além da sua década trintagenária. No final da década de 1850 e antes de Marx escrever O Capital, houve uma mudança decisiva de ênfase, nos seus escritos e nos de Engels, para a defesa das lutas indígenas anticoloniais, exibindo uma forte preocupação e um reconhecimento da importância duradoura das formações culturais/modos de produção não-capitalistas. Grande parte do impulso para esta mudança de perspetiva foi o crescimento das guerras de resistência anticolonial emanadas das próprias populações indígenas, nomeadamente a revolta argelina contra o colonialismo de povoamento francês, liderada por Emir Abdelkader, nas décadas de 1830 e 40; a Rebelião Taiping de 1850-64; o "motim indiano" ou aquilo a que Marx chamou a "Revolta Cipaia" de 1857-59; a luta nacionalista na Irlanda liderada pelos fenianos nos anos 1860 e seguintes; e a Guerra Zulu contra os britânicos em 1879. Em cada um destes casos, Marx e Engels haveriam de tomar o partido das forças anticoloniais indígenas.
Com certeza, num artigo de 1853 sobre "Os resultados futuros do domínio britânico na Índia" para o New York Daily Tribune, o Marx de trinta e cinco anos, imbuído de um otimismo revolucionário, tinha apresentado o colonialismo britânico, à moda hegeliana, como uma "ferramenta inconsciente da história", representando, ainda que de forma contraditória, um movimento de avanço universal dentro da história em geral. No entanto, as suas críticas ao colonialismo permaneceram agudas: "A profunda hipocrisia e a barbárie inerente à civilização burguesa", escreveu ele, "aparece revelada diante dos nossos olhos, virando-se de sua casa, onde assume uma forma respeitável, para as colónias, onde se apresentai nua". A mudança das condições históricas, para além disso, haveria de permitir que a crítica revolucionária global do colonialismo, por parte de Marx, surgisse a pleno vapor apenas quatro anos mais tarde. Em 1857, numa resposta contundente ao colonialismo britânico, à luz do que foi chamado a Primeira Guerra de Independência da Índia, Marx apoiou a guerra pela "independência nacional" organizada pela "liga revolucionária" que procurava expulsar os britânicos da Índia. O domínio colonial britânico, argumentou, baseava-se "no princípio da dissolução da nacionalidade" através da destruição forçada, bem como de outros meios. A partir daí, a ênfase da sua análise foi diretamente centrada no retrocesso e não no progresso "inconsciente" associado ao domínio colonial europeu (33).
Nos seus últimos anos, Marx pôs de lado os trabalhos sobre os volumes II e III de O Capital, não só devido a esta identificação direta com as revoltas indígenas, mas também devido à enorme urgência com que abordou o estudo das sociedades não capitalistas e das formas de propriedade. Para Marx, a publicação de A Origem das Espécies de Charles Darwin e a correspondente ascensão de estudos antropológicos debruçados sobre as culturas tradicionais indígenas e a pré-história humana, representando o que tem sido chamado uma "revolução no tempo etnológico", levantou a questão de uma crítica mais completa, mais revolucionária, da sociedade capitalista. Abriu o potencial de todo um novo entendimento radical do mundo, com o qual se pode mudá-lo (34). Foi neste período que aprendeu russo para estudar a literatura populista daquele país e a obshchina ou mir, a comuna da aldeia camponesa. Após a publicação do volume I de O Capital, Marx também expandiu os seus estudos ecológicos, principalmente em relação à agricultura (35). Cada vez mais, porém, o seu tempo foi ocupado pelas pesquisas quase desesperadas representadas pelos seus enormes Cadernos Etnológicos (36). Para Marx, estes estudos incluíam pistas não só em relação ao passado, mas também ao futuro.
Os Cadernos Etnológicos de Marx continham extratos (e interpolações) dos trabalhos antropológicos de Lewis Henry Morgan, John Budd Phear, Henry Sumner Maine e John Lubbock, extraídos no período de 1880 a 1882. Em 1879, ele também tomou extratos dos estudos etnológicos do jovem sociólogo russo Maxim Kovalevsky - que o próprio Marx tinha influenciado - de um manuscrito de livro intitulado Propriedade Comunal de Terras: As Causas, Curso e Consequências da sua Dissolução, que o autor lhe tinha enviado. Juntamente com estes estudos, Marx encheu os seus cadernos de apontamentos com investigações sobre a comuna russa, a história indiana e a história mundial. (As notas de Marx de 1880-81 sobre história mundial, das obras de Carlo Giuseppe Guglielmo Botta e Friedrich Christoph Schlosser, compostas por quatro cadernos de notas, têm cerca de 1.700 páginas) (37). Em 1880-81, ele retirou passagens do livro de James William B. Money Java: Or, How to Manage a Colony (1861). Marx e Engels também estudaram The Native Races of the Pacific States of North America (cinco volumes), de Hubert Howe Bancroft, com particular atenção às tribos do sudeste do Alasca e do noroeste do Pacífico (38).
Marx retirou extensos extratos interpolados da obra-prima A Sociedade Primitiva de Lewis Morgan, que se baseou nos estudos deste último sobre os nativos americanos dos Estados Unidos (e particularmente os iroqueses, sobre os quais Morgan tinha escrito uma obra anterior, League of the Ho-De’-No-Sau-Nee, or Iroquois) (39). Mais tarde, Engels compôs a sua obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884) com base em A Sociedade Primitiva de Morgan, nas notas de Marx sobre Morgan e outras fontes (40). Ao estudar o trabalho de Morgan, Marx - como é indicado pelas suas linhas verticais existentes nas páginas dos seus cadernos de notas, enfatizando passagens particulares – centrou-se, antes de mais nada, em: (1) a comunidade comunal, consanguínea (baseada no parentesco), incluindo a sua base nos gens ou clã, a sua forma democrática e a relativa igualdade das mulheres; e (2) as formas de propriedade comunal associadas, constituindo a economia natural com o seu comércio não mercantil. Marx também prestou atenção às culturas e formas de agricultura (41). "Todos os membros dos gens iroqueses", escreveu ele, recorrendo a Morgan, eram "pessoalmente livres, vinculados a defender a liberdade uns dos outros" (42).
Como escreveu Franklin Rosemont em "Karl Marx and the Iroquois",
As investigações de Marx sobre as economias naturais indígenas
De facto, a abordagem de Marx ao colonialismo e às populações indígenas foi muito além da análise dos seus contemporâneos, incluindo Howitt, que estava principalmente preocupado com a questão moral do impacto "cristão" dos colonizadores ocidentais sobre os indígenas. Marx, por contraste, estava muito mais profundamente interessado nas formas de propriedade, produção, intercâmbio, género, língua e cultura material que tinham caracterizado as nações indígenas em todo o mundo antes da colonização. Assim, em relação às Américas, as suas investigações foram principalmente dedicadas à natureza das sociedades indígenas pré-colombianas. Isto era evidente pela importância que a descrição de Prescott da economia Inca em History of the Conquest of Peru assumiu no pensamento de Marx, que ele continuamente referiu, nos Grundrisse e em O Capital, como representando a categoria crucial da "economia natural", ou seja, uma economia desenvolvida, em grande parte comunal, pré-intercâmbio ou não-mercantil (30). Sob os Incas, um indivíduo "não tinha poder para alienar ou aumentar os seus bens" com respeito à terra, que era comunalmente detida e redistribuída todos os anos (31). Numa discussão sobre sociedades geradoras de excedentes, Marx haveria de referir-se, no volume III de O Capital, ao "comunismo artificialmente desenvolvido dos peruanos [Incas]" (32).
Embora tenha sido frequentemente sugerido que Marx e Engels demonstraram uma perspetiva desenvolvimentista unilinear que via o capitalismo como desempenhando um papel historicamente progressivo, se bem que violento, na sua relação com as sociedades não capitalistas, e assim nas suas imposições coloniais sobre "os povos sem história [escrita]", tais visões ambivalentes com respeito ao colonialismo não se estenderam para além da sua década trintagenária. No final da década de 1850 e antes de Marx escrever O Capital, houve uma mudança decisiva de ênfase, nos seus escritos e nos de Engels, para a defesa das lutas indígenas anticoloniais, exibindo uma forte preocupação e um reconhecimento da importância duradoura das formações culturais/modos de produção não-capitalistas. Grande parte do impulso para esta mudança de perspetiva foi o crescimento das guerras de resistência anticolonial emanadas das próprias populações indígenas, nomeadamente a revolta argelina contra o colonialismo de povoamento francês, liderada por Emir Abdelkader, nas décadas de 1830 e 40; a Rebelião Taiping de 1850-64; o "motim indiano" ou aquilo a que Marx chamou a "Revolta Cipaia" de 1857-59; a luta nacionalista na Irlanda liderada pelos fenianos nos anos 1860 e seguintes; e a Guerra Zulu contra os britânicos em 1879. Em cada um destes casos, Marx e Engels haveriam de tomar o partido das forças anticoloniais indígenas.
Com certeza, num artigo de 1853 sobre "Os resultados futuros do domínio britânico na Índia" para o New York Daily Tribune, o Marx de trinta e cinco anos, imbuído de um otimismo revolucionário, tinha apresentado o colonialismo britânico, à moda hegeliana, como uma "ferramenta inconsciente da história", representando, ainda que de forma contraditória, um movimento de avanço universal dentro da história em geral. No entanto, as suas críticas ao colonialismo permaneceram agudas: "A profunda hipocrisia e a barbárie inerente à civilização burguesa", escreveu ele, "aparece revelada diante dos nossos olhos, virando-se de sua casa, onde assume uma forma respeitável, para as colónias, onde se apresentai nua". A mudança das condições históricas, para além disso, haveria de permitir que a crítica revolucionária global do colonialismo, por parte de Marx, surgisse a pleno vapor apenas quatro anos mais tarde. Em 1857, numa resposta contundente ao colonialismo britânico, à luz do que foi chamado a Primeira Guerra de Independência da Índia, Marx apoiou a guerra pela "independência nacional" organizada pela "liga revolucionária" que procurava expulsar os britânicos da Índia. O domínio colonial britânico, argumentou, baseava-se "no princípio da dissolução da nacionalidade" através da destruição forçada, bem como de outros meios. A partir daí, a ênfase da sua análise foi diretamente centrada no retrocesso e não no progresso "inconsciente" associado ao domínio colonial europeu (33).
Nos seus últimos anos, Marx pôs de lado os trabalhos sobre os volumes II e III de O Capital, não só devido a esta identificação direta com as revoltas indígenas, mas também devido à enorme urgência com que abordou o estudo das sociedades não capitalistas e das formas de propriedade. Para Marx, a publicação de A Origem das Espécies de Charles Darwin e a correspondente ascensão de estudos antropológicos debruçados sobre as culturas tradicionais indígenas e a pré-história humana, representando o que tem sido chamado uma "revolução no tempo etnológico", levantou a questão de uma crítica mais completa, mais revolucionária, da sociedade capitalista. Abriu o potencial de todo um novo entendimento radical do mundo, com o qual se pode mudá-lo (34). Foi neste período que aprendeu russo para estudar a literatura populista daquele país e a obshchina ou mir, a comuna da aldeia camponesa. Após a publicação do volume I de O Capital, Marx também expandiu os seus estudos ecológicos, principalmente em relação à agricultura (35). Cada vez mais, porém, o seu tempo foi ocupado pelas pesquisas quase desesperadas representadas pelos seus enormes Cadernos Etnológicos (36). Para Marx, estes estudos incluíam pistas não só em relação ao passado, mas também ao futuro.
Os Cadernos Etnológicos de Marx continham extratos (e interpolações) dos trabalhos antropológicos de Lewis Henry Morgan, John Budd Phear, Henry Sumner Maine e John Lubbock, extraídos no período de 1880 a 1882. Em 1879, ele também tomou extratos dos estudos etnológicos do jovem sociólogo russo Maxim Kovalevsky - que o próprio Marx tinha influenciado - de um manuscrito de livro intitulado Propriedade Comunal de Terras: As Causas, Curso e Consequências da sua Dissolução, que o autor lhe tinha enviado. Juntamente com estes estudos, Marx encheu os seus cadernos de apontamentos com investigações sobre a comuna russa, a história indiana e a história mundial. (As notas de Marx de 1880-81 sobre história mundial, das obras de Carlo Giuseppe Guglielmo Botta e Friedrich Christoph Schlosser, compostas por quatro cadernos de notas, têm cerca de 1.700 páginas) (37). Em 1880-81, ele retirou passagens do livro de James William B. Money Java: Or, How to Manage a Colony (1861). Marx e Engels também estudaram The Native Races of the Pacific States of North America (cinco volumes), de Hubert Howe Bancroft, com particular atenção às tribos do sudeste do Alasca e do noroeste do Pacífico (38).
Marx retirou extensos extratos interpolados da obra-prima A Sociedade Primitiva de Lewis Morgan, que se baseou nos estudos deste último sobre os nativos americanos dos Estados Unidos (e particularmente os iroqueses, sobre os quais Morgan tinha escrito uma obra anterior, League of the Ho-De’-No-Sau-Nee, or Iroquois) (39). Mais tarde, Engels compôs a sua obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884) com base em A Sociedade Primitiva de Morgan, nas notas de Marx sobre Morgan e outras fontes (40). Ao estudar o trabalho de Morgan, Marx - como é indicado pelas suas linhas verticais existentes nas páginas dos seus cadernos de notas, enfatizando passagens particulares – centrou-se, antes de mais nada, em: (1) a comunidade comunal, consanguínea (baseada no parentesco), incluindo a sua base nos gens ou clã, a sua forma democrática e a relativa igualdade das mulheres; e (2) as formas de propriedade comunal associadas, constituindo a economia natural com o seu comércio não mercantil. Marx também prestou atenção às culturas e formas de agricultura (41). "Todos os membros dos gens iroqueses", escreveu ele, recorrendo a Morgan, eram "pessoalmente livres, vinculados a defender a liberdade uns dos outros" (42).
Como escreveu Franklin Rosemont em "Karl Marx and the Iroquois",
Página após página, Marx destaca passagens extremamente afastadas do que são normalmente considerados como os "temas padrão" do seu trabalho. Assim, encontramo-lo invocando a casa em forma de sino das tribos costeiras da Venezuela; o fabrico de cintos iroqueses "com fio fino feito de filamentos de olmo e casca de tília"; "a lenda peruana de Manco Capac e Mama Ocllo, filhos do sol"; os costumes do enterro dos Tuscarora; a crença Shawnee na metempsicose; "literatura não escrita de mitos, lendas e tradições"; as ciências incipientes dos índios da aldeia do Sudoeste; o Popul Vuh, livro sagrado do antigo Quiche Maya; o uso de porcos-espinhos em ornamentação; jogos indígenas e "danças [como] forma de culto.[43]
Além de notas copiosas sobre os Iroqueses, tiradas de Morgan, Marx também tomou notas detalhadas sobre os Delaware, Mohegan, Cree, Shawnee, Creek, Chickasaw, Choctaw, Cherokee, Seminole, Dakota, Pawnee, Fox, Blackfoot e muitas outras tribos. Estava, em todos estes casos, interessado na "prática das artes" pelas várias tribos/nações indígenas americanas (44). Marx evitou uma noção estritamente unilinear de desenvolvimento evolutivo. De facto, os seus estudos centraram-se constantemente na reconstituição de antigas formas de sociedades indígenas, e não-capitalistas, a um nível histórico mais elevado, ajudado pela persistência de culturas/formas culturais anteriores (45). "O relato vivo de Morgan sobre os Iroqueses", escreve Rosemont, "deu-lhe [Marx] uma consciência viva da atualidade dos povos indígenas, e talvez mesmo um vislumbre da possibilidade, até então nem sonhada, de que tais povos poderiam dar as suas próprias contribuições para a luta global pela emancipação humana" (46).
De facto, Marx ficou encantado com a afirmação de Morgan de que os antigos gens, como exemplificado pelos iroqueses, continham o núcleo comunal a reproduzir num plano superior da sociedade associativa do futuro. Nas palavras de Morgan, tal como foram retiradas e enfatizadas por Marx: "Será [um plano superior da sociedade] um renascimento, de uma forma mais elevada, da liberdade, igualdade e fraternidade dos antigos gentes [sociedade comunal de parentesco]" (47). Isto assemelhava-se ao ponto de vista anterior de Marx, conforme declarado numa carta de 1868 a Engels, de que era necessário "olhar para além da Idade Média para a idade primitiva de cada povo - e isto corresponde à tendência socialista, embora estes homens eruditos [Georg Ludwig von Mauer, conhecido pelos seus estudos da sociedade comunal alemã primitiva, e Jakob Grimm, o filólogo e historiador cultural] não façam ideia de que elas [as formas comunais "primitivas"] estão ligados a ela [a tendência socialista]. E ficam então surpreendidos ao descobrir o que é mais recente no que é mais antigo" (48).
A mesma lógica histórica geral está presente nos excertos de Marx sobre as culturas indígenas na América Latina, retirados da obra Propriedade Comunal de Terras de Kovalevsky. Aqui, Marx estava particularmente interessado na produção comunitária indígena, na desintegração desta sob a influência dos espanhóis e nas formas subsequentes de dominação colonial (49). Assim, nas suas notas sobre o tratamento colonial espanhol dos indígenas americanos, Marx registou (o sublinhado, neste caso, representa as suas inserções): "A política espanhola original de extermínio do pele-vermelha. Após a pilhagem do ouro, etc., que encontraram, os índios são condenados a trabalhar nas minas. Com o declínio do valor do ouro e da prata, os espanhóis voltam-se para a agricultura, transformam os índios em escravos para cultivar terra para eles" (50).
Uma pesquisa semelhante sobre os efeitos da colonização nas formas comunais de produção pode ser vista nas notas e escritos de Marx em relação à Argélia e à Índia. Nos seus extratos interpolados de Kovalevsky sobre a Argélia, Marx (via Kovalevsky) observou que "séculos de domínio árabe, turco, finalmente francês, excepto no período mais recente... foram incapazes de quebrar a organização consanguínea [baseada no parentesco] e os princípios da indivisibilidade e inalienabilidade da propriedade da terra" (51). Não obstante,
De facto, Marx ficou encantado com a afirmação de Morgan de que os antigos gens, como exemplificado pelos iroqueses, continham o núcleo comunal a reproduzir num plano superior da sociedade associativa do futuro. Nas palavras de Morgan, tal como foram retiradas e enfatizadas por Marx: "Será [um plano superior da sociedade] um renascimento, de uma forma mais elevada, da liberdade, igualdade e fraternidade dos antigos gentes [sociedade comunal de parentesco]" (47). Isto assemelhava-se ao ponto de vista anterior de Marx, conforme declarado numa carta de 1868 a Engels, de que era necessário "olhar para além da Idade Média para a idade primitiva de cada povo - e isto corresponde à tendência socialista, embora estes homens eruditos [Georg Ludwig von Mauer, conhecido pelos seus estudos da sociedade comunal alemã primitiva, e Jakob Grimm, o filólogo e historiador cultural] não façam ideia de que elas [as formas comunais "primitivas"] estão ligados a ela [a tendência socialista]. E ficam então surpreendidos ao descobrir o que é mais recente no que é mais antigo" (48).
A mesma lógica histórica geral está presente nos excertos de Marx sobre as culturas indígenas na América Latina, retirados da obra Propriedade Comunal de Terras de Kovalevsky. Aqui, Marx estava particularmente interessado na produção comunitária indígena, na desintegração desta sob a influência dos espanhóis e nas formas subsequentes de dominação colonial (49). Assim, nas suas notas sobre o tratamento colonial espanhol dos indígenas americanos, Marx registou (o sublinhado, neste caso, representa as suas inserções): "A política espanhola original de extermínio do pele-vermelha. Após a pilhagem do ouro, etc., que encontraram, os índios são condenados a trabalhar nas minas. Com o declínio do valor do ouro e da prata, os espanhóis voltam-se para a agricultura, transformam os índios em escravos para cultivar terra para eles" (50).
Uma pesquisa semelhante sobre os efeitos da colonização nas formas comunais de produção pode ser vista nas notas e escritos de Marx em relação à Argélia e à Índia. Nos seus extratos interpolados de Kovalevsky sobre a Argélia, Marx (via Kovalevsky) observou que "séculos de domínio árabe, turco, finalmente francês, excepto no período mais recente... foram incapazes de quebrar a organização consanguínea [baseada no parentesco] e os princípios da indivisibilidade e inalienabilidade da propriedade da terra" (51). Não obstante,
A primeira preocupação dos franceses após a conquista de uma parte da Argélia foi declarar a maior parte do território conquistado como propriedade do governo (francês)... Louis-Philippe, como sucessor do Imã... agarra não só a propriedade dominial [propriedades fundiárias], mas também todas as terras não lavradas, incluindo as pastagens comunitárias, florestas e terras não cultivadas.... Deste modo: por um lado os antigos proprietários de terras comunitárias <são> pressionados para a posição de ocupantes temporários de terras do governo; por outro lado <há> roubo pela força de partes significativas do território ocupadas pelos clãs, e colocação sobre as mesmas de colonos europeus.... As terras comunitárias - sob Louis Philippe - foram colocadas à livre disposição da administração civil-militar estabelecida na colónia.[52]
A expropriação francesa das terras comunais foi oficializada pela infame lei de 1873, "que tinha finalmente estabelecido a propriedade privada de terras; todos os árabes podiam agora dispor livremente da parcela de terra que lhes fora reservada como propriedade privada; o resultado será: a expropriação do solo da população nativa por colonos e especuladores europeus". Não havia dúvidas para Marx ou Kovalevsky de que isto constituía "roubo directo!” Marx escreve nas suas notas: "A expropriação dos árabes pretendida pela lei": 1) a fim de proporcionar aos franceses o máximo de terra possível; 2) arrancando os árabes da sua ligação natural ao solo para quebrar a última força das uniões de clãs, dissolvendo-as assim, e, por este modo, prevenir qualquer perigo de rebelião" (53).
Kovalevsky e Marx argumentaram que, para confiscar as terras comunitárias dos argelinos e transformá-las em propriedade privada, o governo francês promoveu a ideia de que o monarca ou estado colonial era o legítimo herdeiro de todas as terras comunitárias, bem como das florestas e terras não cultivadas - uma política também adotada pelos ingleses na Índia e muito favoravelmente propagada por James Mill, com cujo trabalho Marx estava bem familiarizado (54).
Numa tentativa de restaurar a sua saúde, Marx passou dois meses em Argel em 1882, o ano anterior à sua morte e apenas alguns anos depois de ter recolhido os seus extratos de Kovalevsky sobre a Argélia. Nas suas cartas à sua filha Laura Lafargue, assinalou a sua admiração pelos muçulmanos argelinos pela "igualdade absoluta nas suas relações sociais.... No entanto, eles correrão à sua ruína SEM UM MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO" (55).
Nos extractos de Marx de Kovalevsky, encontramos também a observação de que em Punjab, no norte da Índia, "por 'hipoteca' ou 'alienação,' - sancionada por lei - o governo inglês trabalha na dissolução... da propriedade colectiva dos camponeses, na sua expropriação final, na evolução das terras comunais para a propriedade privada do usurário" (56). Comentando (via Kovalevsky) o "roubo da propriedade comunal e privada dos camponeses", Marx observou nos seus cadernos de extratos que isto levou a "toda uma série de revoltas locais dos camponeses contra os 'senhorios'" (57).
Reflectindo sobre a política colonial inglesa na Índia, Marx escreveu nos seus "Rascunhos de Cartas a Vera Zasulich" que "a supressão da propriedade comunal da terra não foi mais do que um acto de vandalismo inglês que levou a população indígena para trás em vez de para a frente" (58). Os ingleses, reconheceu ele, deviam ser distinguidos de todos os anteriores ocupantes da Índia por não terem mantido a irrigação, os canais, as barragens, os reservatórios, os sistemas de drenagem, as unidades de armazenamento de cereais e outras infra-estruturas públicas, preparando assim o terreno para a fome maciça. Nas suas notas de 1867 de um relatório especial sobre a fome em Orissa, concluído para a Câmara dos Comuns, Marx sublinhou que "a tendência de um cultivo crescente" tinha resultado na "desnudação das florestas naturais", tornando "as estações mais severas, e as cheias mais rápidas e extensas" (59).
Em todos os seus vários tratamentos das economias naturais e formações culturais indígenas – de forma mais dramática na importância futura dada à comuna camponesa russa ou obshchina - Marx via invariavelmente tais sociedades indígenas e não-capitalistas como reflexo de uma longa luta pelo desenvolvimento humano livre, que incluía a luta pela sobrevivência das sociedades indígenas e o controlo sobre as suas próprias terras e vidas.
Baseando-se nos Espectros de Marx de Jacques Derrida e, desta forma, indirectamente em Marx, Gerald Vizenor sublinhou o conceito de sobrevivência perante o terror e o genocídio como sendo exemplar da experiência indígena. "A sobrevivência nativa é um sentimento ativo de presença sobre a ausência... As histórias de sobrevivência são renúncias de domínio, detrações, intromissões, os sentimentos insuportáveis da tragédia e o legado da vítimização... É uma resistência activa e repúdio" (60).
O marxismo e o indígena
A maioria das críticas ao marxismo pela sua falta de apreciação das culturas e lutas indígenas não são específicas, meramente atribuindo ao materialismo histórico um determinismo económico e tecnológico, um compromisso acrítico com o desenvolvimentismo, uma promoção extrema de uma produção cada vez mais volumosa acima de tudo (isto é, produtivismo), e uma ênfase no proletariado à custa dos camponeses e dos indígenas. Embora estas sejam, definitivamente, características de certas tradições marxistas, algumas das quais desempenharam mesmo papéis dominantes, dificilmente caraterizam o pensamento de Marx ou de Engels, bem como o de tradições revolucionárias críticas do marxismo de uma forma mais geral.
Com certeza, Engels adoptou uma posição algo trágica em relação às comunidades indígenas, elogiando-as ainda mais do que Marx, enquanto, por vezes, escrevia como se o seu desaparecimento fosse inevitável devido às fraquezas da forma tribal de sociedade que estava presa dentro das suas próprias limitações e tinha de dar lugar a outras formas de organização cultural, como já manifestado de forma contraditória na Confederação Iroquesa (61). Em contraste, a abordagem mais matizada de Marx era tanto mais questionadora das culturas indígenas - por exemplo, exibindo reservas em relação às reivindicações de plena igualdade de género entre os iroqueses – como, ao mesmo tempo, mais aberta à ideia de que as culturas indígenas poderiam persistir e reconstituir-se através de lutas históricas (62). No entanto, a maior parte dos escritos de Marx a este respeito, incluindo os seus Cadernos Etnológicos, permaneceram desconhecidos, e foi a abordagem trágica de Engels que prevaleceu na Segunda Internacional, no trabalho de alguns dos herdeiros de Marx, como Paul Lafargue, Karl Kautsky e Georgi Plekhanov, mas de uma forma muito mais tecnologicamente determinista e rigidamente desenvolvimentista do que se pode atribuir a Engels (muito menos a Marx) (63). Ainda assim, nenhum destes epígonos é hoje considerado exemplar do pensamento marxista clássico. De um significado muito mais duradouro são as fortes defesas feitas por Rosa Luxemburgo das economias indígenas e naturais, a insistência de V. I. Lenine na autodeterminação nacional de todos os povos, e a rica tecelagem conjunta de marxismo e indigenismo urdida por José Carlos Mariátegui - tudo isto apontando para uma crítica mais profunda do desenvolvimento capitalista eurocêntrico (64).
Não só o marxismo inspirou movimentos de libertação nacional em toda a periferia da economia mundial capitalista, mas a partir dos anos 1950 e estendendo-se até aos anos 1970, houve grandes tentativas de integrar a teoria marxista com as lutas indígenas americanas no trabalho de figuras como Eleanor Burke Leacock, Patricia Albers, Bruce Johansen, Roberto Maestas, Lawrence David Weiss, Howard Adams, e outros (65). Como Johansen enfatizou, o próprio marxismo, devido ao estudo de Marx e Engels sobre os iroqueses, via Morgan, deve muito às culturas indígenas (66). Mais recentemente, o Movimento Rumo ao Socialismo da Revolução Boliviana retirou grande parte da sua vitalidade de uma tradição revolucionária vernacular enraizada tanto no marxismo como no indigenismo (67).
Atualmente, há um novo florescimento de trabalho resultante das tradições marxistas e indígenas revolucionárias. O trabalho revolucionário de Coulthard em Red Skin, White Masks forja uma rica síntese entre Marx, Frantz Fanon e perspectivas indígenas na sua rejeição radical da "política colonial de reconhecimento". A brilhante descrição feita por Allan Greer das formas de propriedade nativa americana e da despossessão colonial ocorrida no início da América do Norte moderna, na sua obra Property and Dispossession, está organicamente ligada à investigação de figuras como Morgan, Marx e Engels (68). Roxanne Dunbar-Ortiz oferece uma análise marxista-indígena de como a fundação dos Estados Unidos da América e a sua contínua expansão está enraizada na "ideologia da supremacia branca, na prática generalizada da escravatura africana, e numa política de genocídio e roubo de terras" (69). Em The Apocalypse of Settler Colonialism, Gerald Horne explica como o genocídio dos povos indígenas e o não menos horrível desenvolvimento da escravatura proprietária (“chattel slavery”) se entrelaçaram na ascensão do sistema de dominação mundial do capitalismo. Nick Estes fornece uma história notável dos séculos de resistência indígena e persistência revolucionária, "escavando" como a toupeira de Marx, como parte do "movimento mais longo da história" (70). É de notar que a crítica generalizada hoje feita ao colonialismo de povoamento foi precedida por tratamentos marxianos do assunto dentro da teoria do imperialismo, no trabalho de pensadores como Marx, Engels, Luxemburgo, Arghiri Emmanuel, Harry Magdoff, Dunbar-Ortiz e Moshé Machover (71).
Em todas estas obras, decorrentes do materialismo histórico, há uma ênfase na expropriação/despossessão forçada de culturas indígenas como um processo contínuo - um processo em que o colonialismo, em vez de ser simplesmente um elemento do passado, continua a ser parte integrante da dominação capitalista dos povos e da terra. Deste fluxo resulta uma resistência irreprimível que assume muitas formas diferentes, mas que, no entanto, se recusa a diminuir.
Conclusão: A revolução anticolonial/anticapitalista
Em Red Skins, White Masks, Coulthard argumenta "com respeito a Marx que três questões devem ser abordadas no seu trabalho para tornar os seus escritos sobre o colonialismo relevantes para a análise da relação entre os povos indígenas e as políticas liberais dos colonos". Primeiro, "a tese de Marx sobre a acumulação primitiva deve ser despojada do seu carácter temporal", que a limita às fases iniciais da formação capitalista. Segundo, o argumento de Marx "tem de ser despojado do seu carácter normativo desenvolvimentista". Terceiro, a abordagem marxista ao capitalismo colonial deve ser despojada da sua associação exclusiva com a força e a violência, sendo vista mais em termos da "capacidade do sistema para produzir formas de vida que façam com que as hierarquias constitutivas do colonizador pareçam naturais" (72). As três questões de Coulthard são de facto condições para qualquer tipo de análise histórico-materialista viável das experiências indígenas nos contextos coloniais (ou mais amplamente coloniais e pós-coloniais) do colonizador. A argumentação anteriormente exposta deveria sugerir que a chamada reconstrução e recuperação da teoria marxiana clássica já está a ter lugar (73).
A este respeito, é importante notar, tal como foi demonstrado por estudos recentes, que Marx não tinha "uma tese sobre a acumulação primitiva" como tal, mas sim uma crítica ao que ele chamou "o conto infantil" da acumulação primária baseada na abstinência, que caracterizava a economia burguesa, que ele substituiu com o conceito de expropriação (74). A conceção de Marx de expropriação também não foi fixada temporalmente. Pelo contrário, a expropriação foi vista como produzindo e reproduzindo continuamente as condições de fundo em que o capital operava. Assim, ao discutir o processo de expropriação na parte VIII do volume I de O Capital, no capítulo "A Assim Chamada Acumulação Primitiva", Marx referiu-se não só ao passado distante mas também àquilo que, para ele, era o presente como história: as vedações (“enclosures”) na Escócia em 1814-48, iniciados pela Duquesa de Sutherland; a conversão de pastagens de ovelhas em florestas de veados (sem as árvores) na década de 1860 em Inglaterra, e a fome na província de Orissa, Índia, em 1866, resultante do domínio inglês (75). Esta expropriação não foi, de modo algum, considerada como confinada à era pré-industrial ou à era industrial precoce.
Mais importante foi a rejeição, por parte de Marx, de uma perspetiva simples e unilinear, "normativamente desenvolvimentista", no que diz respeito à colonização. Na sua análise das populações indígenas nas Américas, em África e na Ásia, particularmente a partir do final da década de 1850, ele mergulhou continuamente nas formas de propriedade comunal e nas bases culturais e linguísticas destas sociedades, com a ideia de que a história não era simplesmente linear. Para ele, o colonialismo em si era algo secundário, porque as formas culturais e de propriedade indígenas permaneciam historicamente vivas. Foi nesta base que Marx e Engels, a partir do final da sua década trintagenária, tomaram o partido das várias revoltas dos povos indígenas em todo o mundo, defendendo as suas revoluções e reconhecendo que estas representavam algo de vital em ternos culturais e em termos de comunidade humana e formas de propriedade, que ia contra a economia de mercadorias do capitalismo. Apesar da tendência de Marx e Engels para um certo "desenvolvimentismo normativo", nos seus vinte e tantos anos, o terreno tinha claramente mudado para eles, bem antes de chegarem aos quarenta anos.
Como Engels escreveu em 1890, a original conceção materialista da história foi alargada, nos posteriores escritos de Marx e nos seus próprios escritos, uma vez que foi reconhecido que "toda a história deve ser estudada de novo". Isto incluía a história do mundo não europeu. Nas palavras do sociólogo Michael R. Krätke,
Kovalevsky e Marx argumentaram que, para confiscar as terras comunitárias dos argelinos e transformá-las em propriedade privada, o governo francês promoveu a ideia de que o monarca ou estado colonial era o legítimo herdeiro de todas as terras comunitárias, bem como das florestas e terras não cultivadas - uma política também adotada pelos ingleses na Índia e muito favoravelmente propagada por James Mill, com cujo trabalho Marx estava bem familiarizado (54).
Numa tentativa de restaurar a sua saúde, Marx passou dois meses em Argel em 1882, o ano anterior à sua morte e apenas alguns anos depois de ter recolhido os seus extratos de Kovalevsky sobre a Argélia. Nas suas cartas à sua filha Laura Lafargue, assinalou a sua admiração pelos muçulmanos argelinos pela "igualdade absoluta nas suas relações sociais.... No entanto, eles correrão à sua ruína SEM UM MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO" (55).
Nos extractos de Marx de Kovalevsky, encontramos também a observação de que em Punjab, no norte da Índia, "por 'hipoteca' ou 'alienação,' - sancionada por lei - o governo inglês trabalha na dissolução... da propriedade colectiva dos camponeses, na sua expropriação final, na evolução das terras comunais para a propriedade privada do usurário" (56). Comentando (via Kovalevsky) o "roubo da propriedade comunal e privada dos camponeses", Marx observou nos seus cadernos de extratos que isto levou a "toda uma série de revoltas locais dos camponeses contra os 'senhorios'" (57).
Reflectindo sobre a política colonial inglesa na Índia, Marx escreveu nos seus "Rascunhos de Cartas a Vera Zasulich" que "a supressão da propriedade comunal da terra não foi mais do que um acto de vandalismo inglês que levou a população indígena para trás em vez de para a frente" (58). Os ingleses, reconheceu ele, deviam ser distinguidos de todos os anteriores ocupantes da Índia por não terem mantido a irrigação, os canais, as barragens, os reservatórios, os sistemas de drenagem, as unidades de armazenamento de cereais e outras infra-estruturas públicas, preparando assim o terreno para a fome maciça. Nas suas notas de 1867 de um relatório especial sobre a fome em Orissa, concluído para a Câmara dos Comuns, Marx sublinhou que "a tendência de um cultivo crescente" tinha resultado na "desnudação das florestas naturais", tornando "as estações mais severas, e as cheias mais rápidas e extensas" (59).
Em todos os seus vários tratamentos das economias naturais e formações culturais indígenas – de forma mais dramática na importância futura dada à comuna camponesa russa ou obshchina - Marx via invariavelmente tais sociedades indígenas e não-capitalistas como reflexo de uma longa luta pelo desenvolvimento humano livre, que incluía a luta pela sobrevivência das sociedades indígenas e o controlo sobre as suas próprias terras e vidas.
Baseando-se nos Espectros de Marx de Jacques Derrida e, desta forma, indirectamente em Marx, Gerald Vizenor sublinhou o conceito de sobrevivência perante o terror e o genocídio como sendo exemplar da experiência indígena. "A sobrevivência nativa é um sentimento ativo de presença sobre a ausência... As histórias de sobrevivência são renúncias de domínio, detrações, intromissões, os sentimentos insuportáveis da tragédia e o legado da vítimização... É uma resistência activa e repúdio" (60).
O marxismo e o indígena
A maioria das críticas ao marxismo pela sua falta de apreciação das culturas e lutas indígenas não são específicas, meramente atribuindo ao materialismo histórico um determinismo económico e tecnológico, um compromisso acrítico com o desenvolvimentismo, uma promoção extrema de uma produção cada vez mais volumosa acima de tudo (isto é, produtivismo), e uma ênfase no proletariado à custa dos camponeses e dos indígenas. Embora estas sejam, definitivamente, características de certas tradições marxistas, algumas das quais desempenharam mesmo papéis dominantes, dificilmente caraterizam o pensamento de Marx ou de Engels, bem como o de tradições revolucionárias críticas do marxismo de uma forma mais geral.
Com certeza, Engels adoptou uma posição algo trágica em relação às comunidades indígenas, elogiando-as ainda mais do que Marx, enquanto, por vezes, escrevia como se o seu desaparecimento fosse inevitável devido às fraquezas da forma tribal de sociedade que estava presa dentro das suas próprias limitações e tinha de dar lugar a outras formas de organização cultural, como já manifestado de forma contraditória na Confederação Iroquesa (61). Em contraste, a abordagem mais matizada de Marx era tanto mais questionadora das culturas indígenas - por exemplo, exibindo reservas em relação às reivindicações de plena igualdade de género entre os iroqueses – como, ao mesmo tempo, mais aberta à ideia de que as culturas indígenas poderiam persistir e reconstituir-se através de lutas históricas (62). No entanto, a maior parte dos escritos de Marx a este respeito, incluindo os seus Cadernos Etnológicos, permaneceram desconhecidos, e foi a abordagem trágica de Engels que prevaleceu na Segunda Internacional, no trabalho de alguns dos herdeiros de Marx, como Paul Lafargue, Karl Kautsky e Georgi Plekhanov, mas de uma forma muito mais tecnologicamente determinista e rigidamente desenvolvimentista do que se pode atribuir a Engels (muito menos a Marx) (63). Ainda assim, nenhum destes epígonos é hoje considerado exemplar do pensamento marxista clássico. De um significado muito mais duradouro são as fortes defesas feitas por Rosa Luxemburgo das economias indígenas e naturais, a insistência de V. I. Lenine na autodeterminação nacional de todos os povos, e a rica tecelagem conjunta de marxismo e indigenismo urdida por José Carlos Mariátegui - tudo isto apontando para uma crítica mais profunda do desenvolvimento capitalista eurocêntrico (64).
Não só o marxismo inspirou movimentos de libertação nacional em toda a periferia da economia mundial capitalista, mas a partir dos anos 1950 e estendendo-se até aos anos 1970, houve grandes tentativas de integrar a teoria marxista com as lutas indígenas americanas no trabalho de figuras como Eleanor Burke Leacock, Patricia Albers, Bruce Johansen, Roberto Maestas, Lawrence David Weiss, Howard Adams, e outros (65). Como Johansen enfatizou, o próprio marxismo, devido ao estudo de Marx e Engels sobre os iroqueses, via Morgan, deve muito às culturas indígenas (66). Mais recentemente, o Movimento Rumo ao Socialismo da Revolução Boliviana retirou grande parte da sua vitalidade de uma tradição revolucionária vernacular enraizada tanto no marxismo como no indigenismo (67).
Atualmente, há um novo florescimento de trabalho resultante das tradições marxistas e indígenas revolucionárias. O trabalho revolucionário de Coulthard em Red Skin, White Masks forja uma rica síntese entre Marx, Frantz Fanon e perspectivas indígenas na sua rejeição radical da "política colonial de reconhecimento". A brilhante descrição feita por Allan Greer das formas de propriedade nativa americana e da despossessão colonial ocorrida no início da América do Norte moderna, na sua obra Property and Dispossession, está organicamente ligada à investigação de figuras como Morgan, Marx e Engels (68). Roxanne Dunbar-Ortiz oferece uma análise marxista-indígena de como a fundação dos Estados Unidos da América e a sua contínua expansão está enraizada na "ideologia da supremacia branca, na prática generalizada da escravatura africana, e numa política de genocídio e roubo de terras" (69). Em The Apocalypse of Settler Colonialism, Gerald Horne explica como o genocídio dos povos indígenas e o não menos horrível desenvolvimento da escravatura proprietária (“chattel slavery”) se entrelaçaram na ascensão do sistema de dominação mundial do capitalismo. Nick Estes fornece uma história notável dos séculos de resistência indígena e persistência revolucionária, "escavando" como a toupeira de Marx, como parte do "movimento mais longo da história" (70). É de notar que a crítica generalizada hoje feita ao colonialismo de povoamento foi precedida por tratamentos marxianos do assunto dentro da teoria do imperialismo, no trabalho de pensadores como Marx, Engels, Luxemburgo, Arghiri Emmanuel, Harry Magdoff, Dunbar-Ortiz e Moshé Machover (71).
Em todas estas obras, decorrentes do materialismo histórico, há uma ênfase na expropriação/despossessão forçada de culturas indígenas como um processo contínuo - um processo em que o colonialismo, em vez de ser simplesmente um elemento do passado, continua a ser parte integrante da dominação capitalista dos povos e da terra. Deste fluxo resulta uma resistência irreprimível que assume muitas formas diferentes, mas que, no entanto, se recusa a diminuir.
Conclusão: A revolução anticolonial/anticapitalista
Em Red Skins, White Masks, Coulthard argumenta "com respeito a Marx que três questões devem ser abordadas no seu trabalho para tornar os seus escritos sobre o colonialismo relevantes para a análise da relação entre os povos indígenas e as políticas liberais dos colonos". Primeiro, "a tese de Marx sobre a acumulação primitiva deve ser despojada do seu carácter temporal", que a limita às fases iniciais da formação capitalista. Segundo, o argumento de Marx "tem de ser despojado do seu carácter normativo desenvolvimentista". Terceiro, a abordagem marxista ao capitalismo colonial deve ser despojada da sua associação exclusiva com a força e a violência, sendo vista mais em termos da "capacidade do sistema para produzir formas de vida que façam com que as hierarquias constitutivas do colonizador pareçam naturais" (72). As três questões de Coulthard são de facto condições para qualquer tipo de análise histórico-materialista viável das experiências indígenas nos contextos coloniais (ou mais amplamente coloniais e pós-coloniais) do colonizador. A argumentação anteriormente exposta deveria sugerir que a chamada reconstrução e recuperação da teoria marxiana clássica já está a ter lugar (73).
A este respeito, é importante notar, tal como foi demonstrado por estudos recentes, que Marx não tinha "uma tese sobre a acumulação primitiva" como tal, mas sim uma crítica ao que ele chamou "o conto infantil" da acumulação primária baseada na abstinência, que caracterizava a economia burguesa, que ele substituiu com o conceito de expropriação (74). A conceção de Marx de expropriação também não foi fixada temporalmente. Pelo contrário, a expropriação foi vista como produzindo e reproduzindo continuamente as condições de fundo em que o capital operava. Assim, ao discutir o processo de expropriação na parte VIII do volume I de O Capital, no capítulo "A Assim Chamada Acumulação Primitiva", Marx referiu-se não só ao passado distante mas também àquilo que, para ele, era o presente como história: as vedações (“enclosures”) na Escócia em 1814-48, iniciados pela Duquesa de Sutherland; a conversão de pastagens de ovelhas em florestas de veados (sem as árvores) na década de 1860 em Inglaterra, e a fome na província de Orissa, Índia, em 1866, resultante do domínio inglês (75). Esta expropriação não foi, de modo algum, considerada como confinada à era pré-industrial ou à era industrial precoce.
Mais importante foi a rejeição, por parte de Marx, de uma perspetiva simples e unilinear, "normativamente desenvolvimentista", no que diz respeito à colonização. Na sua análise das populações indígenas nas Américas, em África e na Ásia, particularmente a partir do final da década de 1850, ele mergulhou continuamente nas formas de propriedade comunal e nas bases culturais e linguísticas destas sociedades, com a ideia de que a história não era simplesmente linear. Para ele, o colonialismo em si era algo secundário, porque as formas culturais e de propriedade indígenas permaneciam historicamente vivas. Foi nesta base que Marx e Engels, a partir do final da sua década trintagenária, tomaram o partido das várias revoltas dos povos indígenas em todo o mundo, defendendo as suas revoluções e reconhecendo que estas representavam algo de vital em ternos culturais e em termos de comunidade humana e formas de propriedade, que ia contra a economia de mercadorias do capitalismo. Apesar da tendência de Marx e Engels para um certo "desenvolvimentismo normativo", nos seus vinte e tantos anos, o terreno tinha claramente mudado para eles, bem antes de chegarem aos quarenta anos.
Como Engels escreveu em 1890, a original conceção materialista da história foi alargada, nos posteriores escritos de Marx e nos seus próprios escritos, uma vez que foi reconhecido que "toda a história deve ser estudada de novo". Isto incluía a história do mundo não europeu. Nas palavras do sociólogo Michael R. Krätke,
Marx não deu lugar ao eurocentrismo; não considerou a história mundial, de forma alguma, como sinónimo de "história europeia"... Estudou a história da Ásia Menor, do Próximo Oriente e do Médio Oriente, do mundo islâmico, das Américas e da Ásia (com três centros de atenção: Índia, China e Ásia Central)... Estudou a história colonial das mais importantes potências coloniais e, na verdade, também a história dos países colonizados pelos europeus (América do Norte, América Latina, Indonésia, Norte de África).[76]
Em todo este trabalho, Marx afastou-se de uma perspetiva eurocêntrica e desenvolvimentista. A sua preocupação com o colonialismo de povoamento chegou até à história e cultura das sociedades indígenas, identificando-se com a sua resistência, e vendo no seu passado (e presente) a possibilidade de um futuro mundial mais vasto.
A questão de como a relação colonial, uma vez implantada, se reforça ideologicamente através da "sua capacidade de produzir formas de vida que fazem as hierarquias constitutivas do colonialismo de povoamento parecerem naturais" é um domínio em que Fanon, como diz Coulthard, é um guia mais útil do que Marx (77). No entanto, pode bem dizer-se que existe apenas uma curta distância entre as denúncias furiosas de Marx, através de Kovalevsky, da "desavergonhada!" manipulação e desreconhecimento da lei islâmica, por parte do colonizador francês, para justificar a expropriação da terra de “comuna clânica" do povo argelino, até à acerada insistência de Fanon - com toda a força da luta de libertação nacional argelina dos anos 1950 por trás de si (e com Hegel e Marx nos seus lábios) - numa alteridade revolucionária de reconhecimento:
“Peço que me tomem em consideração com base no meu desejo. Não estou apenas aqui-agora, encerrado em coisidade. Desejo outro lugar e outra coisa que isto. Exijo que seja tomada em consideração a minha atividade contraditória na medida em que procuro algo mais do que a vida, na medida em que luto pelo nascimento de um mundo humano, por outras palavras, um mundo de reconhecimentos recíprocos.
Aquele que está relutante em reconhecer-me está contra mim. Numa luta feroz, estou disposto a sentir o estremecimento da morte, a extinção irreversível, mas também a possibilidade da impossibilidade” (78).
Notas:
1 Kerstin Knopf, “The Turn Toward the Indigenous”, American Studies 60, n.º 2/3 (2016): pp. 179–20.
2 Ver Sagar Sanyal, “Marxism and Post-Colonial Theory”, Marxist Left Review 18 (2019).
3 Ver, por exemplo, os ensaios contidos em Ward Churchill, ed., Marxism and Native Americans (Boston: South End, 1999); Russell Lawrence Barsh, “Contemporary Marxist Theory and Native American Reality”, American Indian Quarterly 12, n.º 3 (Summer 1988): pp. 187–211; Glen Sean Coulthard, Red Skins, White Masks: Rejecting the Colonial Politics of Recognition (Minneapolis: University of Minnesota Press, 2014), pp. 9–10.
4 Coulthard, Red Skin, White Masks, pp. 6–15. Para uma resposta muito extensa à noção de que a terra foi tomada simplesmente como uma "dádiva gratuita", não relacionada com a exploração/expropriação, na teoria marxiana, ver John Bellamy Foster e Brett Clark, The Robbery of Nature (New York: Monthly Review Press, 2020).
5 Sobre a advertência de Marx contra o tratamento do materialismo histórico como "supra-histórico", ver Karl Marx, “A Letter to the Editorial Board of Otechestvennye Zapiski”, in Late Marx and the Russian Road, ed. Teodor Shanin (New York: Monthly Review Press, 1983), p. 136.
6 Georg Lukács, History and Class Consciousness (Cambridge, MA: MIT Press, 1968), p. 1.
7 Coulthard, Red Skin, White Masks, pp. 9–11.
8 Karl Marx, Capital, vol. 1 (London: Penguin, 1976), p. 915, sublinhado nosso.
9 Marx, Capital, vol. 1, 871, 915; John Bellamy Foster e Brett Clark, “The Expropriation of Nature”, Monthly Review 69, n.º 10 (2018): pp. 1–27.
10 Marx, Capital, vol. 1, pp. 917–18; William Howitt, Colonization and Christianity: A Popular History of the Treatment of the Natives by Europeans in All Their Colonies (London: Longman, Orme, Brown, Green, and Longmans, 1838), pp. 346–49, 378–79. Tal como Marx, Engels utilizou o termo colónias propriamente ditas para se referir a "países ocupados por uma população europeia", em particular os Estados Unidos da América, o Canadá, a Austrália e a colónia do Cabo na África do Sul - uma categoria para a qual o termo colonialismo de povoamento (”settler colonialism”) é agora frequentemente utilizado. Engels indicou também que as colónias de colonos brancos seriam as primeiras a tornar-se independentes da mãe-pátria. Ver Karl Marx e Friedrich Engels, Collected Works (New York: International Publishers, 1975), vol. 46, p. 322.
11 Howitt, Colonization and Christianity, pp. 403–5.
12 Howitt, Colonization and Christianity, pp. 403–4, 414. A "remoção" dos nativos americanos, escreveu Merivale no seu capítulo sobre "Raças Selvagens", representando o ponto de vista do colonialismo de povoamento branco, "é... inevitavelmente, apenas um remédio temporário para males permanentes, e deve ser permanentemente repetido". Herman Merivale, Lectures on Colonization and Colonies (London: Longman, Orme, Brown, Green, and Longmans, 1841), pp. 508–9 - as citações aqui são da segunda edição de 1861, reimpressa pela Oxford University Press em 1928.
13 William H. Prescott, History of the Conquest of Mexico/History of the Conquest of Peru (New York: Modern Library, sem data [originalmente publicado separadamente em 1843/1847]); Thomas Fowell Buxton, The African Slave Trade and Its Remedy (London: John Murray, 1840); Hal Draper, ed., The Marx-Engels Glossary (New York: Schocken, 1986), pp. 36, 167.
14 Karl Marx, Grundrisse (London: Penguin, 1973), p. 833.
15 Sir Thomas Stamford Raffles, The History of Java (em dois volumes), 2nd ed. (London; John Murray, 1830).
16 Marx, Capital, vol. 1, 916.
17 Marx, Capital, vol. 1, pp. 916, 918; Raffles, History of Java, vol. 2, pp. xcvi–civ; Howitt, Colonization and Christianity, pp. 194–201. Em O Capital, Marx parece ter-se baseado no tratamento dado por Howitt à colonização dos holandeses em Java - que se baseia em History of Java de Raffles - e não diretamente na obra de Raffles (que Marx tinha lido), uma vez que todos os factos a que se refere são citados em Howitt e com uma linguagem semelhante.
18 Para uma história crítica da Companhia Britânica das Índias Orientais, ver Ramkrishna Mukherjee, The Rise and Fall of the East India Company (New York: Monthly Review Press, 1974).
19 Marx, Capital, vol. 1, p. 917; Howitt, Colonization and Christianity, pp. 255–56, 268–71.
20 Marx, Capital, vol. 1, p. 917; Karl Marx e Friedrich Engels, Marx/Engels Gesamtausgabe (MEGA), IV, 18 (Berlin: Walter de Gruyter, 2019), pp. 670–74, 731; Mike Davis, Late Victorian Holocausts (London: Verso, 2001).
21 Marx, Capital, vol. 1, pp. 918, 924–25; ver também, Sven Beckert, Empire of Cotton (New York: Vintage, 2014).
22 Marx, Capital, vol. 1, pp. 925–26.
23 Howitt, Colonization and Christianity, pp. 501–3.
24 Coulthard, Red Skin, White Masks, p. 7.
25 Ver Donald Winch, Classical Political Economy and Colonies (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1965); A. G. L. Shaw, Great Britain and the Colonies (London: Methuen and Co., 1970).
26 Merivale, Lectures on Colonization and Colonies, pp. 387–89; Edward Gibbon Wakefield, ed., A View of the Art of Colonization (Oxford: Oxford University Press, 1814); Edward Gibbon Wakefield, ed., England and America (New York: Harper and Brothers, 1834).
27 “Aboriginal Timeline”, New South Wales Government; Moshé Machover chama a isto "colonização por exclusão" para sublinhar os efeitos sobre os indígenas. Ver Moshé Machover, “Colonialism and the Natives”, Weekly Worker 1087 (2015).
28 Marx, Capital, vol. 1, p. 940.
29 Coulthard, Red Skin, White Masks, pp. 10–11.
30 “A luta contra a economia natural" é o título de um capítulo de A Acumulação do Capital, de Rosa Luxemburgo, que desenvolve argumentos a respeito da colonização das economias naturais por Marx e Maxim Kovalevsky. Ver Rosa Luxemburg, The Accumulation of Capital (New York: Monthly Review Press, 1951), pp. 368–85. Sobre o conceito de economia natural em Marx e Luxemburgo, ver Scott Cook, Understanding Commodity Economies (New York: Rowman and Littlefield, 2004), pp. 114, 130–31, 151.
31 Prescott, History of the Conquest of Mexico/History of the Conquest of Peru, pp. 756–57.
32 Karl Marx, Capital, vol. 2 (London: Penguin, 1978), pp. 196, 226; Marx, Capital, vol. 3, (London: Penguin, 1981), p. 1017.
33 Sunti Kumar Ghosh, “Marx on India”, Monthly Review 35, n.º 8 (January 1984): 39–53; Karl Marx e Friedrich Engels, The First Indian War of Independence, 1857–1859 (Moscow: Progress Publishers, 1968), pp. 20, 35, 47, 92–93, 140; Karl Marx, Notes on Indian History (664–1858) (Moscow: Progress Publishers, sem data), p. 150; Marx e Engels, Collected Works, vol. 18, pp. 60–70, 212–13; Friedrich Engels, The Origin of the Family, Private Property, and the State (New York: International Publishers, 1970), pp. 159–60. Ver também Kenzo Mohri, “Marx and ‘Underdevelopment'”, Monthly Review 30, n.º 11 (April 1979): pp. 32–42; Horace B. Davis, Nationalism and Socialism (New York: Monthly Review Press, 1967), pp. 63–69; John Bellamy Foster, “Marx and Internationalism”, Monthly Review 52, n.º 3 (July–August 2000): pp. 11–13; Umberto Melotti, Marx and the Third World (London: Macmillan Press, 1977); Eric. R. Wolf, Europe and the People Without History (Berkeley: University of California Press, 1982). Embora Engels, na sua década dos vinte anos, visse a invasão francesa da Argélia como conducente ao progresso da civilização, afastou-se desta posição no final dos seus trinta anos, elogiando Abdelkader no seu artigo de 1857 para a New American Cyclopedia e argumentando que a "supremacia francesa" na Argélia era "ilusória" face à independência e resistência dos argelinos. Marx e Engels, Collected Works, vol. 18, pp. 60–70. O conceito de Marx de um modo de produção asiático, termo que abandonou depois de 1859, baseava-se em escritos político-económicos clássicos anteriores de James Mill, John Stuart Mill e Richard Jones, que acabaram por evoluir para uma teoria complexa da especificidade dos modos de produção na Ásia, em particular na Índia, transcendendo a noção anterior de que estas sociedades se caracterizavam pela estagnação. Além disso, a própria ideia de um modo de produção asiático, tal como desenvolvida por Marx, afastava-se de qualquer teoria unilinear do desenvolvimento, levantando a questão de caminhos alternativos. Ver Krader, The Asian Mode of Production, pp. 5–7, 183, 292; John Bellamy Foster e Hannah Holleman, “Weber and the Environment”, American Journal of Sociology 117, n.º 8 (2012): pp. 1640–41.
34 Sobre "a revolução no tempo etnológico", ver Thomas Trautmann, Lewis Henry Morgan and the Invention of Kinship (Berkeley: University of California Press, 1987), pp. 35, 197, 220, 227, 264; John Bellamy Foster, Marx’s Ecology (New York: Monthly Review Press, 2000), pp. 212–21. Sobre a resposta do próprio Marx à revolução no tempo etnológico, ver Marx e Engels, Collected Works, vol. 42, p. 557.
35 Ver Kohei Saito, Karl Marx’s Ecosocialism (New York: Monthly Review Press, 2017).
36 Karl Marx, Ethnological Notebooks, ed. Lawrence Krader (Assen, Netherlands: Van Gorcum and Co., 1974). Grande parte do que constituía os cadernos etnológicos de Marx está ainda por publicar.
37 Karl Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky,” apêndice a Lawrence Krader, The Asiatic Mode of Production (Assen, Netherlands: Van Gorcum and Co., 1975); Peter Hudis, “Marx Among the Muslims”, Capitalism Nature Socialism 15, n.º 4 (2004): p. 58; Michael R. Krätke “Marx and World History”, International Review of Social History 63 (2018): pp. 91–125. O título da obra de Kovalevsky utilizado no presente texto segue a tradução feita em James D. White, Karl Marx and the Origins of Dialectical Materialism (New York: St. Martin’s, 1996), p. 260. Ver também L. S. Gamayunov e R. A. Ulyanovsky, The Work of the Russian Sociologist M. M. Kovalevsky, “Communal Landholding, the Causes, Ways and Consequences of Its Disintegration”, and K. Marx’s Criticism of the Work (Moscow: Oriental Literature Publishing House, 1960).
38 Kevin B. Anderson, Marx at the Margins (Chicago: University of Chicago Press, 2010), pp. 218–19. Marx, Ethnological Notebooks, pp. 183, 431; Marx e Engels, Collected Works, vol. 46, pp. 394–95; Hubert Howe Bancroft, The Native Races of the Pacific States of North America (cinco volumes, 1875), ver especialmente vol. 1, p. 109; Engels, The Origin of the Family, Private Property and the State, p. 218.
39 Lewis Henry Morgan, Ancient Society (New York: World Publishing Co., 1963); Lewis Henry Morgan, League of the Iroquois (New York: Carol Communications, 1962). Em League of the Iroquois, Morgan escreveu: "Não é um pequeno crime contra a humanidade apoderar-se das lareiras e dos bens de toda uma comunidade, sem um equivalente e sem a sua vontade", referindo-se ao facto de a Ogden Land Company se ter apoderado das terras dos iroqueses.
40 Engels, The Origin of the Family, Private Property, and the State, pp. 71–73.
41 Lawrence Krader, introdução a Ethnological Notebooks, por Karl Marx, pp. 24–28.
42 Marx, Ethnological Notebooks, p. 150. Como Marx observou aqui, os iroqueses chamavam-se a si próprios "Povo da Casa Longa" (168).
43 Franklin Rosemont, “Karl Marx and the Iroquois”, in Arsenal: Surrealist Subversion, por Nelson Algren et al. (Chicago: Black Swan, 1989), p. 205.
44 Marx, Ethnological Notebooks, pp. 174–86.
45 Krader, introdução a Ethnological Notebooks, p. 14.
46 Rosemont, “Karl Marx and the Iroquois”, p. 207.
47 Marx, Ethnological Notebooks, 139.
48 Marx and Engels, Collected Works, vol. 42, 557–59.
49 A extensa correspondência de Marx com Kovalevsky foi queimada pelo amigo de Kovalevsky, o economista I. I. Ivanyukov, a quem tinham sido confiadas enquanto Kovalevsky estava numa viagem ao estrangeiro. Ivanyukov entrou em pânico, receando que a sua casa fosse revistada pela polícia e destruíu as cartas - um receio que se revelou exagerado. White, Karl Marx and the Intellectual Origins of Dialectical Materialism, p. 262.
50 Marx citado em Kevin Anderson, Marx at the Margins, p. 221.
51 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, p. 400.
52 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, pp. 406–7. Itálicos e parênteses como no original.
53 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, pp. 411–12.
54 Draper, ed., The Marx-Engels Glossary, p. 142. Sobre as visões distorcidas de James Mill sobre a Índia, ver Mukherjee, The Rise and Fall of the East India Company.
55 Karl Marx para Laura Lafargue, 13 de abril, 1882, Collected Works, vol. 46, p. 242; Hudis, “Marx Among the Muslims”, p. 67; Raya Dunayevskaya, Rosa Luxemburg, Women’s Liberation, and Marx’s Philosophy of Revolution (Urbana, IL: University of Illinois Press, 1991), p. 191.
56 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, p. 410.
57 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, p. 387.
58 Karl Marx, “Draft Letters to Vera Zasulich”, in Late Marx and the Russian Road, p. 118.
59 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, p. 387; Marx e Engels, The First Indian War of Independence, pp. 34–35; Marx e Engels, MEGA, IV, 18, pp. 670–74; Marx, Capital, vol. 1, p. 650; Marx e Engels, Collected Works, vol. 46, pp. 63–64.
60 Gerald Vizenor, “Aesthetics of Survivance,” in Survivance: Narratives of Native Presence, ed. Gerald Vizenor (Lincoln: University of Nebraska Press, 2008), pp. 1, 11, 20–21; James Mackay, “Ghosts in the Gaps”, in Survivance, pp. 256–57; Jacques Derrida, Spectres of Marx (London: Routledge, 2006), pp. xviii. A questão da sobrevivência aponta para a realidade do culturicídio das nações indígenas, um processo que anda de mãos dadas com o genocídio e persiste como parte de uma colonização contínua. Ver especialmente James V. Fenelon, Culturicide, Resistance, and Survival of the Lakota (“Sioux Nation”) (New York: Garland, 1998).
61 Ver Engels, The Origin of the Family, Private Property, and the State, pp. 159–60; David Bedford e Danielle Irving, The Tragedy of Progress: Marxism, Modernity and the Aboriginal Question (Halifax, Nova Scotia: Fernwood, 2001), pp. 76–78. Em princípio, havia muito pouca diferença entre os pontos de vista de Marx e Engels, ambos esperavam a resistência, a sobrevivência e a reconstituição das culturas comunais indígenas.
62 Anderson, Marx at the Margins, pp. 201–2, 226–30; Dunayevskaya, Rosa Luxemburg, Women’s Liberation, and Marx’s Philosophy of Revolution, pp. 180–83; Rosemont, “Karl Marx and the Iroquois”, pp. 205–6.
63 Maurice Bloch, Marxism and Anthropology (Oxford: Oxford University Press, 1983), 99–107.
64 Luxemburg, The Accumulation of Capital, 368–85; V. I. Lenin, The Right of Nations to Self-Determination (Moscow: Progress Publishers, 1975); José Carlos Mariátegui, José Carlos Mariátegui: An Anthology, ed. Harry E. Vanden e Marc Becker (New York: Monthly Review Press, 2011); Samir Amin, Eurocentrism (New York: Monthly Review Press, 2009).
65 Eleanor Leacock, introdução a Morgan, Ancient Society, pp. Ii–Ixx; Leacock, Myths of Male Dominance (New York: Monthly Review Press, 1982); Patricia C. Albers, “Autonomy and Dependency in the Lives of Dakota Women”, Review of Radical Political Economics 17, n.º 3 (1985): pp. 109–34; Bruce Johansen e Roberto Maestas, Wasi’chu: The Continuing Indian Wars (New York: Monthly Review Press, 1979); Lawrence David Weiss, The Development of Capitalism in the Navajo Nation: A Political-Economic History (Minneapolis: MEP Publications, 1984); Howard Adams, Prison of Grass (Saskatoon: Fifth House, 1989); Bedford e Irving, The Tragedy of Progress. Para contribuições recentes relacionadas com o capitalismo racial e o colonialismo de povoamento, ver Roxanne Dunbar-Ortiz, An Indigenous Peoples’ History of America (Boston: Beacon, 2014); Gerald Horne, The Apocalypse of Settler Colonialism (New York: Monthly Review Press, 2018). Sobre o ressurgimento dos estudos marxianos sobre os nativos americanos na antropologia entre os anos 1950 e 70, ver Patricia C. Albers, “Labor and Exchange in American Indian History” in A Companion to American Indian History, ed. Philip J. Deloria e Neal Salisbury (Oxford: Blackwell, 2004), pp. 269–86; Samuel W. Rose, “Marxism and Mode of Production in the Anthropology of Native North America”, Focaal Blog, November 17, 2015
66 Johansen, Wasi’chu, p. 33.
67 Álvaro García Linera, “Indianismo and Marxism: The Missed Encounter of Two Revolutionary Principles”, MR Online, January 31, 2008.
68 Allan Greer, Property and Dispossession: Natives, Empires and Land in Early Modern America (Cambridge: Cambridge University Press, 2018).
69 Dunbar-Ortiz, An Indigenous Peoples’ History of America, 2; Gerald Horne, The Apocalypse of Settler Colonialism, 7–18.
70 Nick Estes, Our History Is the Future: Standing Rock versus the Dakota Access Pipeline, and the Long Tradition of Indigenous Resistance (New York: Verso, 2019), 18.
71 Arghiri Emmanuel, “White Settler Colonialism and the Myth of Investment Imperialism”, New Left Review 73 (1972): pp. 35–57; Harry Magdoff, Imperialism: From the Colonial Age to the Present (New York: Monthly Review Press, 1978), pp. 19–20; Roxanne Dunbar-Ortiz, “Aboriginal People and Imperialism in the Western Hemisphere”, Monthly Review 44, n.º 4 (September 1992): pp. 1–13; Machover, “Colonialism and the Natives.”
72 Coulthard, Red Skin, White Masks, pp. 151–52.
73 Isto relaciona-se também com uma quarta questão que Coulthard levanta relativamente a Marx e à ecologia. Aqui, ele refere-se (embora reconhecendo interpretações divergentes) à noção de que "as perspectivas de Marx sobre a natureza aderiam a uma racionalidade instrumental que não atribuía qualquer valor intrínseco à terra ou à própria natureza e que isso o levou subsequentemente a defender acriticamente uma ideologia de produtivismo e progresso económico insustentável". Coulthard, Red Skin, White Masks, pp. 13-14. No entanto, a investigação em ecologia marxiana, pelo menos nos últimos vinte anos, desmentiu definitivamente esses mitos errados sobre a teoria de Marx, o que levou a que grande parte da melhor teoria e prática de trabalho marxiano esteja a seguir na mesma direção que o próprio Coulthard. Sobre esta questão, ver Paul Burkett, Marx and Nature (Nova Iorque: St. Martin's, 1999); Foster, Marx's Ecology; John Bellamy Foster, Brett Clark e Richard York, The Ecological Rift (New Iorque: Monthly Review Press, 2010); Saito, Karl Marx's Ecosocialism; Hannah Holleman, Dust Bowls of Empire (New Haven: Yale University Press, 2018); e Foster e Clark, The Robbery of Nature.
74 Marx, Capital, vol. 1, pp. 871, 874. Marx referiu-se à "chamada acumulação primária", sublinhando que não se tratava de acumulação de todo, mas de expropriação de títulos ou reivindicações de terras, propriedades e mesmo corpos - isto é, roubo. Também não devia ser vista como "primitiva" - uma tradução incorrecta, melhor traduzida como primária. Ver John Bellamy Foster, Brett Clark e Hannah Holleman, “Capitalism and Robbery”, Monthly Review 71, n.º 7 (December 2019): pp. 1–5.
75 Marx, Capital, vol. 1, pp. 891–92, 894, 917.
76 Krätke, “Marx and World History”, p. 104.
77 Coulthard, Red Skin, White Masks, p. 152.
78 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, p. 407; Frantz Fanon, Black Skin, White Masks (New York: Grove, 2008), pp. 191–98. A passagem de Fanon é retirada da secção intitulada "O homem negro e Hegel". A epígrafe que abre o capítulo seguinte é de Marx.
A questão de como a relação colonial, uma vez implantada, se reforça ideologicamente através da "sua capacidade de produzir formas de vida que fazem as hierarquias constitutivas do colonialismo de povoamento parecerem naturais" é um domínio em que Fanon, como diz Coulthard, é um guia mais útil do que Marx (77). No entanto, pode bem dizer-se que existe apenas uma curta distância entre as denúncias furiosas de Marx, através de Kovalevsky, da "desavergonhada!" manipulação e desreconhecimento da lei islâmica, por parte do colonizador francês, para justificar a expropriação da terra de “comuna clânica" do povo argelino, até à acerada insistência de Fanon - com toda a força da luta de libertação nacional argelina dos anos 1950 por trás de si (e com Hegel e Marx nos seus lábios) - numa alteridade revolucionária de reconhecimento:
“Peço que me tomem em consideração com base no meu desejo. Não estou apenas aqui-agora, encerrado em coisidade. Desejo outro lugar e outra coisa que isto. Exijo que seja tomada em consideração a minha atividade contraditória na medida em que procuro algo mais do que a vida, na medida em que luto pelo nascimento de um mundo humano, por outras palavras, um mundo de reconhecimentos recíprocos.
Aquele que está relutante em reconhecer-me está contra mim. Numa luta feroz, estou disposto a sentir o estremecimento da morte, a extinção irreversível, mas também a possibilidade da impossibilidade” (78).
Notas:
1 Kerstin Knopf, “The Turn Toward the Indigenous”, American Studies 60, n.º 2/3 (2016): pp. 179–20.
2 Ver Sagar Sanyal, “Marxism and Post-Colonial Theory”, Marxist Left Review 18 (2019).
3 Ver, por exemplo, os ensaios contidos em Ward Churchill, ed., Marxism and Native Americans (Boston: South End, 1999); Russell Lawrence Barsh, “Contemporary Marxist Theory and Native American Reality”, American Indian Quarterly 12, n.º 3 (Summer 1988): pp. 187–211; Glen Sean Coulthard, Red Skins, White Masks: Rejecting the Colonial Politics of Recognition (Minneapolis: University of Minnesota Press, 2014), pp. 9–10.
4 Coulthard, Red Skin, White Masks, pp. 6–15. Para uma resposta muito extensa à noção de que a terra foi tomada simplesmente como uma "dádiva gratuita", não relacionada com a exploração/expropriação, na teoria marxiana, ver John Bellamy Foster e Brett Clark, The Robbery of Nature (New York: Monthly Review Press, 2020).
5 Sobre a advertência de Marx contra o tratamento do materialismo histórico como "supra-histórico", ver Karl Marx, “A Letter to the Editorial Board of Otechestvennye Zapiski”, in Late Marx and the Russian Road, ed. Teodor Shanin (New York: Monthly Review Press, 1983), p. 136.
6 Georg Lukács, History and Class Consciousness (Cambridge, MA: MIT Press, 1968), p. 1.
7 Coulthard, Red Skin, White Masks, pp. 9–11.
8 Karl Marx, Capital, vol. 1 (London: Penguin, 1976), p. 915, sublinhado nosso.
9 Marx, Capital, vol. 1, 871, 915; John Bellamy Foster e Brett Clark, “The Expropriation of Nature”, Monthly Review 69, n.º 10 (2018): pp. 1–27.
10 Marx, Capital, vol. 1, pp. 917–18; William Howitt, Colonization and Christianity: A Popular History of the Treatment of the Natives by Europeans in All Their Colonies (London: Longman, Orme, Brown, Green, and Longmans, 1838), pp. 346–49, 378–79. Tal como Marx, Engels utilizou o termo colónias propriamente ditas para se referir a "países ocupados por uma população europeia", em particular os Estados Unidos da América, o Canadá, a Austrália e a colónia do Cabo na África do Sul - uma categoria para a qual o termo colonialismo de povoamento (”settler colonialism”) é agora frequentemente utilizado. Engels indicou também que as colónias de colonos brancos seriam as primeiras a tornar-se independentes da mãe-pátria. Ver Karl Marx e Friedrich Engels, Collected Works (New York: International Publishers, 1975), vol. 46, p. 322.
11 Howitt, Colonization and Christianity, pp. 403–5.
12 Howitt, Colonization and Christianity, pp. 403–4, 414. A "remoção" dos nativos americanos, escreveu Merivale no seu capítulo sobre "Raças Selvagens", representando o ponto de vista do colonialismo de povoamento branco, "é... inevitavelmente, apenas um remédio temporário para males permanentes, e deve ser permanentemente repetido". Herman Merivale, Lectures on Colonization and Colonies (London: Longman, Orme, Brown, Green, and Longmans, 1841), pp. 508–9 - as citações aqui são da segunda edição de 1861, reimpressa pela Oxford University Press em 1928.
13 William H. Prescott, History of the Conquest of Mexico/History of the Conquest of Peru (New York: Modern Library, sem data [originalmente publicado separadamente em 1843/1847]); Thomas Fowell Buxton, The African Slave Trade and Its Remedy (London: John Murray, 1840); Hal Draper, ed., The Marx-Engels Glossary (New York: Schocken, 1986), pp. 36, 167.
14 Karl Marx, Grundrisse (London: Penguin, 1973), p. 833.
15 Sir Thomas Stamford Raffles, The History of Java (em dois volumes), 2nd ed. (London; John Murray, 1830).
16 Marx, Capital, vol. 1, 916.
17 Marx, Capital, vol. 1, pp. 916, 918; Raffles, History of Java, vol. 2, pp. xcvi–civ; Howitt, Colonization and Christianity, pp. 194–201. Em O Capital, Marx parece ter-se baseado no tratamento dado por Howitt à colonização dos holandeses em Java - que se baseia em History of Java de Raffles - e não diretamente na obra de Raffles (que Marx tinha lido), uma vez que todos os factos a que se refere são citados em Howitt e com uma linguagem semelhante.
18 Para uma história crítica da Companhia Britânica das Índias Orientais, ver Ramkrishna Mukherjee, The Rise and Fall of the East India Company (New York: Monthly Review Press, 1974).
19 Marx, Capital, vol. 1, p. 917; Howitt, Colonization and Christianity, pp. 255–56, 268–71.
20 Marx, Capital, vol. 1, p. 917; Karl Marx e Friedrich Engels, Marx/Engels Gesamtausgabe (MEGA), IV, 18 (Berlin: Walter de Gruyter, 2019), pp. 670–74, 731; Mike Davis, Late Victorian Holocausts (London: Verso, 2001).
21 Marx, Capital, vol. 1, pp. 918, 924–25; ver também, Sven Beckert, Empire of Cotton (New York: Vintage, 2014).
22 Marx, Capital, vol. 1, pp. 925–26.
23 Howitt, Colonization and Christianity, pp. 501–3.
24 Coulthard, Red Skin, White Masks, p. 7.
25 Ver Donald Winch, Classical Political Economy and Colonies (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1965); A. G. L. Shaw, Great Britain and the Colonies (London: Methuen and Co., 1970).
26 Merivale, Lectures on Colonization and Colonies, pp. 387–89; Edward Gibbon Wakefield, ed., A View of the Art of Colonization (Oxford: Oxford University Press, 1814); Edward Gibbon Wakefield, ed., England and America (New York: Harper and Brothers, 1834).
27 “Aboriginal Timeline”, New South Wales Government; Moshé Machover chama a isto "colonização por exclusão" para sublinhar os efeitos sobre os indígenas. Ver Moshé Machover, “Colonialism and the Natives”, Weekly Worker 1087 (2015).
28 Marx, Capital, vol. 1, p. 940.
29 Coulthard, Red Skin, White Masks, pp. 10–11.
30 “A luta contra a economia natural" é o título de um capítulo de A Acumulação do Capital, de Rosa Luxemburgo, que desenvolve argumentos a respeito da colonização das economias naturais por Marx e Maxim Kovalevsky. Ver Rosa Luxemburg, The Accumulation of Capital (New York: Monthly Review Press, 1951), pp. 368–85. Sobre o conceito de economia natural em Marx e Luxemburgo, ver Scott Cook, Understanding Commodity Economies (New York: Rowman and Littlefield, 2004), pp. 114, 130–31, 151.
31 Prescott, History of the Conquest of Mexico/History of the Conquest of Peru, pp. 756–57.
32 Karl Marx, Capital, vol. 2 (London: Penguin, 1978), pp. 196, 226; Marx, Capital, vol. 3, (London: Penguin, 1981), p. 1017.
33 Sunti Kumar Ghosh, “Marx on India”, Monthly Review 35, n.º 8 (January 1984): 39–53; Karl Marx e Friedrich Engels, The First Indian War of Independence, 1857–1859 (Moscow: Progress Publishers, 1968), pp. 20, 35, 47, 92–93, 140; Karl Marx, Notes on Indian History (664–1858) (Moscow: Progress Publishers, sem data), p. 150; Marx e Engels, Collected Works, vol. 18, pp. 60–70, 212–13; Friedrich Engels, The Origin of the Family, Private Property, and the State (New York: International Publishers, 1970), pp. 159–60. Ver também Kenzo Mohri, “Marx and ‘Underdevelopment'”, Monthly Review 30, n.º 11 (April 1979): pp. 32–42; Horace B. Davis, Nationalism and Socialism (New York: Monthly Review Press, 1967), pp. 63–69; John Bellamy Foster, “Marx and Internationalism”, Monthly Review 52, n.º 3 (July–August 2000): pp. 11–13; Umberto Melotti, Marx and the Third World (London: Macmillan Press, 1977); Eric. R. Wolf, Europe and the People Without History (Berkeley: University of California Press, 1982). Embora Engels, na sua década dos vinte anos, visse a invasão francesa da Argélia como conducente ao progresso da civilização, afastou-se desta posição no final dos seus trinta anos, elogiando Abdelkader no seu artigo de 1857 para a New American Cyclopedia e argumentando que a "supremacia francesa" na Argélia era "ilusória" face à independência e resistência dos argelinos. Marx e Engels, Collected Works, vol. 18, pp. 60–70. O conceito de Marx de um modo de produção asiático, termo que abandonou depois de 1859, baseava-se em escritos político-económicos clássicos anteriores de James Mill, John Stuart Mill e Richard Jones, que acabaram por evoluir para uma teoria complexa da especificidade dos modos de produção na Ásia, em particular na Índia, transcendendo a noção anterior de que estas sociedades se caracterizavam pela estagnação. Além disso, a própria ideia de um modo de produção asiático, tal como desenvolvida por Marx, afastava-se de qualquer teoria unilinear do desenvolvimento, levantando a questão de caminhos alternativos. Ver Krader, The Asian Mode of Production, pp. 5–7, 183, 292; John Bellamy Foster e Hannah Holleman, “Weber and the Environment”, American Journal of Sociology 117, n.º 8 (2012): pp. 1640–41.
34 Sobre "a revolução no tempo etnológico", ver Thomas Trautmann, Lewis Henry Morgan and the Invention of Kinship (Berkeley: University of California Press, 1987), pp. 35, 197, 220, 227, 264; John Bellamy Foster, Marx’s Ecology (New York: Monthly Review Press, 2000), pp. 212–21. Sobre a resposta do próprio Marx à revolução no tempo etnológico, ver Marx e Engels, Collected Works, vol. 42, p. 557.
35 Ver Kohei Saito, Karl Marx’s Ecosocialism (New York: Monthly Review Press, 2017).
36 Karl Marx, Ethnological Notebooks, ed. Lawrence Krader (Assen, Netherlands: Van Gorcum and Co., 1974). Grande parte do que constituía os cadernos etnológicos de Marx está ainda por publicar.
37 Karl Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky,” apêndice a Lawrence Krader, The Asiatic Mode of Production (Assen, Netherlands: Van Gorcum and Co., 1975); Peter Hudis, “Marx Among the Muslims”, Capitalism Nature Socialism 15, n.º 4 (2004): p. 58; Michael R. Krätke “Marx and World History”, International Review of Social History 63 (2018): pp. 91–125. O título da obra de Kovalevsky utilizado no presente texto segue a tradução feita em James D. White, Karl Marx and the Origins of Dialectical Materialism (New York: St. Martin’s, 1996), p. 260. Ver também L. S. Gamayunov e R. A. Ulyanovsky, The Work of the Russian Sociologist M. M. Kovalevsky, “Communal Landholding, the Causes, Ways and Consequences of Its Disintegration”, and K. Marx’s Criticism of the Work (Moscow: Oriental Literature Publishing House, 1960).
38 Kevin B. Anderson, Marx at the Margins (Chicago: University of Chicago Press, 2010), pp. 218–19. Marx, Ethnological Notebooks, pp. 183, 431; Marx e Engels, Collected Works, vol. 46, pp. 394–95; Hubert Howe Bancroft, The Native Races of the Pacific States of North America (cinco volumes, 1875), ver especialmente vol. 1, p. 109; Engels, The Origin of the Family, Private Property and the State, p. 218.
39 Lewis Henry Morgan, Ancient Society (New York: World Publishing Co., 1963); Lewis Henry Morgan, League of the Iroquois (New York: Carol Communications, 1962). Em League of the Iroquois, Morgan escreveu: "Não é um pequeno crime contra a humanidade apoderar-se das lareiras e dos bens de toda uma comunidade, sem um equivalente e sem a sua vontade", referindo-se ao facto de a Ogden Land Company se ter apoderado das terras dos iroqueses.
40 Engels, The Origin of the Family, Private Property, and the State, pp. 71–73.
41 Lawrence Krader, introdução a Ethnological Notebooks, por Karl Marx, pp. 24–28.
42 Marx, Ethnological Notebooks, p. 150. Como Marx observou aqui, os iroqueses chamavam-se a si próprios "Povo da Casa Longa" (168).
43 Franklin Rosemont, “Karl Marx and the Iroquois”, in Arsenal: Surrealist Subversion, por Nelson Algren et al. (Chicago: Black Swan, 1989), p. 205.
44 Marx, Ethnological Notebooks, pp. 174–86.
45 Krader, introdução a Ethnological Notebooks, p. 14.
46 Rosemont, “Karl Marx and the Iroquois”, p. 207.
47 Marx, Ethnological Notebooks, 139.
48 Marx and Engels, Collected Works, vol. 42, 557–59.
49 A extensa correspondência de Marx com Kovalevsky foi queimada pelo amigo de Kovalevsky, o economista I. I. Ivanyukov, a quem tinham sido confiadas enquanto Kovalevsky estava numa viagem ao estrangeiro. Ivanyukov entrou em pânico, receando que a sua casa fosse revistada pela polícia e destruíu as cartas - um receio que se revelou exagerado. White, Karl Marx and the Intellectual Origins of Dialectical Materialism, p. 262.
50 Marx citado em Kevin Anderson, Marx at the Margins, p. 221.
51 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, p. 400.
52 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, pp. 406–7. Itálicos e parênteses como no original.
53 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, pp. 411–12.
54 Draper, ed., The Marx-Engels Glossary, p. 142. Sobre as visões distorcidas de James Mill sobre a Índia, ver Mukherjee, The Rise and Fall of the East India Company.
55 Karl Marx para Laura Lafargue, 13 de abril, 1882, Collected Works, vol. 46, p. 242; Hudis, “Marx Among the Muslims”, p. 67; Raya Dunayevskaya, Rosa Luxemburg, Women’s Liberation, and Marx’s Philosophy of Revolution (Urbana, IL: University of Illinois Press, 1991), p. 191.
56 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, p. 410.
57 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, p. 387.
58 Karl Marx, “Draft Letters to Vera Zasulich”, in Late Marx and the Russian Road, p. 118.
59 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, p. 387; Marx e Engels, The First Indian War of Independence, pp. 34–35; Marx e Engels, MEGA, IV, 18, pp. 670–74; Marx, Capital, vol. 1, p. 650; Marx e Engels, Collected Works, vol. 46, pp. 63–64.
60 Gerald Vizenor, “Aesthetics of Survivance,” in Survivance: Narratives of Native Presence, ed. Gerald Vizenor (Lincoln: University of Nebraska Press, 2008), pp. 1, 11, 20–21; James Mackay, “Ghosts in the Gaps”, in Survivance, pp. 256–57; Jacques Derrida, Spectres of Marx (London: Routledge, 2006), pp. xviii. A questão da sobrevivência aponta para a realidade do culturicídio das nações indígenas, um processo que anda de mãos dadas com o genocídio e persiste como parte de uma colonização contínua. Ver especialmente James V. Fenelon, Culturicide, Resistance, and Survival of the Lakota (“Sioux Nation”) (New York: Garland, 1998).
61 Ver Engels, The Origin of the Family, Private Property, and the State, pp. 159–60; David Bedford e Danielle Irving, The Tragedy of Progress: Marxism, Modernity and the Aboriginal Question (Halifax, Nova Scotia: Fernwood, 2001), pp. 76–78. Em princípio, havia muito pouca diferença entre os pontos de vista de Marx e Engels, ambos esperavam a resistência, a sobrevivência e a reconstituição das culturas comunais indígenas.
62 Anderson, Marx at the Margins, pp. 201–2, 226–30; Dunayevskaya, Rosa Luxemburg, Women’s Liberation, and Marx’s Philosophy of Revolution, pp. 180–83; Rosemont, “Karl Marx and the Iroquois”, pp. 205–6.
63 Maurice Bloch, Marxism and Anthropology (Oxford: Oxford University Press, 1983), 99–107.
64 Luxemburg, The Accumulation of Capital, 368–85; V. I. Lenin, The Right of Nations to Self-Determination (Moscow: Progress Publishers, 1975); José Carlos Mariátegui, José Carlos Mariátegui: An Anthology, ed. Harry E. Vanden e Marc Becker (New York: Monthly Review Press, 2011); Samir Amin, Eurocentrism (New York: Monthly Review Press, 2009).
65 Eleanor Leacock, introdução a Morgan, Ancient Society, pp. Ii–Ixx; Leacock, Myths of Male Dominance (New York: Monthly Review Press, 1982); Patricia C. Albers, “Autonomy and Dependency in the Lives of Dakota Women”, Review of Radical Political Economics 17, n.º 3 (1985): pp. 109–34; Bruce Johansen e Roberto Maestas, Wasi’chu: The Continuing Indian Wars (New York: Monthly Review Press, 1979); Lawrence David Weiss, The Development of Capitalism in the Navajo Nation: A Political-Economic History (Minneapolis: MEP Publications, 1984); Howard Adams, Prison of Grass (Saskatoon: Fifth House, 1989); Bedford e Irving, The Tragedy of Progress. Para contribuições recentes relacionadas com o capitalismo racial e o colonialismo de povoamento, ver Roxanne Dunbar-Ortiz, An Indigenous Peoples’ History of America (Boston: Beacon, 2014); Gerald Horne, The Apocalypse of Settler Colonialism (New York: Monthly Review Press, 2018). Sobre o ressurgimento dos estudos marxianos sobre os nativos americanos na antropologia entre os anos 1950 e 70, ver Patricia C. Albers, “Labor and Exchange in American Indian History” in A Companion to American Indian History, ed. Philip J. Deloria e Neal Salisbury (Oxford: Blackwell, 2004), pp. 269–86; Samuel W. Rose, “Marxism and Mode of Production in the Anthropology of Native North America”, Focaal Blog, November 17, 2015
66 Johansen, Wasi’chu, p. 33.
67 Álvaro García Linera, “Indianismo and Marxism: The Missed Encounter of Two Revolutionary Principles”, MR Online, January 31, 2008.
68 Allan Greer, Property and Dispossession: Natives, Empires and Land in Early Modern America (Cambridge: Cambridge University Press, 2018).
69 Dunbar-Ortiz, An Indigenous Peoples’ History of America, 2; Gerald Horne, The Apocalypse of Settler Colonialism, 7–18.
70 Nick Estes, Our History Is the Future: Standing Rock versus the Dakota Access Pipeline, and the Long Tradition of Indigenous Resistance (New York: Verso, 2019), 18.
71 Arghiri Emmanuel, “White Settler Colonialism and the Myth of Investment Imperialism”, New Left Review 73 (1972): pp. 35–57; Harry Magdoff, Imperialism: From the Colonial Age to the Present (New York: Monthly Review Press, 1978), pp. 19–20; Roxanne Dunbar-Ortiz, “Aboriginal People and Imperialism in the Western Hemisphere”, Monthly Review 44, n.º 4 (September 1992): pp. 1–13; Machover, “Colonialism and the Natives.”
72 Coulthard, Red Skin, White Masks, pp. 151–52.
73 Isto relaciona-se também com uma quarta questão que Coulthard levanta relativamente a Marx e à ecologia. Aqui, ele refere-se (embora reconhecendo interpretações divergentes) à noção de que "as perspectivas de Marx sobre a natureza aderiam a uma racionalidade instrumental que não atribuía qualquer valor intrínseco à terra ou à própria natureza e que isso o levou subsequentemente a defender acriticamente uma ideologia de produtivismo e progresso económico insustentável". Coulthard, Red Skin, White Masks, pp. 13-14. No entanto, a investigação em ecologia marxiana, pelo menos nos últimos vinte anos, desmentiu definitivamente esses mitos errados sobre a teoria de Marx, o que levou a que grande parte da melhor teoria e prática de trabalho marxiano esteja a seguir na mesma direção que o próprio Coulthard. Sobre esta questão, ver Paul Burkett, Marx and Nature (Nova Iorque: St. Martin's, 1999); Foster, Marx's Ecology; John Bellamy Foster, Brett Clark e Richard York, The Ecological Rift (New Iorque: Monthly Review Press, 2010); Saito, Karl Marx's Ecosocialism; Hannah Holleman, Dust Bowls of Empire (New Haven: Yale University Press, 2018); e Foster e Clark, The Robbery of Nature.
74 Marx, Capital, vol. 1, pp. 871, 874. Marx referiu-se à "chamada acumulação primária", sublinhando que não se tratava de acumulação de todo, mas de expropriação de títulos ou reivindicações de terras, propriedades e mesmo corpos - isto é, roubo. Também não devia ser vista como "primitiva" - uma tradução incorrecta, melhor traduzida como primária. Ver John Bellamy Foster, Brett Clark e Hannah Holleman, “Capitalism and Robbery”, Monthly Review 71, n.º 7 (December 2019): pp. 1–5.
75 Marx, Capital, vol. 1, pp. 891–92, 894, 917.
76 Krätke, “Marx and World History”, p. 104.
77 Coulthard, Red Skin, White Masks, p. 152.
78 Marx, “Excerpts from M. M. Kovalevsky”, p. 407; Frantz Fanon, Black Skin, White Masks (New York: Grove, 2008), pp. 191–98. A passagem de Fanon é retirada da secção intitulada "O homem negro e Hegel". A epígrafe que abre o capítulo seguinte é de Marx.
John Bellamy Foster é editor da Monthly Review e professor de sociologia na University of Oregon. Brett Clark é editor associado da Monthly Review e professor de sociologia na University of Utah. Hannah Holleman é diretora da Monthly Review Foundation e professora associada de sociologia no Amherst College.
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