Marta Fana
Tradução / Em 9 de maio de 1978, os italianos acordaram com a notícia triste do assassinato do ex-primeiro-ministro democrata cristão Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. Na mesma manhã, na pequena cidade siciliana de Cinisi, a polícia encontrou o corpo de Giuseppe “Peppino” Impastato, um jovem militante anti-máfia assassinado pela Cosa Nostra – a máfia siciliana.
Impastato é homenageado todos os anos como um exemplo da luta dos jovens italianos contra o que já foi a organização criminosa mais poderosa do país (e assim permanece na própria Sicília). A versão oficial apresenta isso como uma história apartidária que envolve divisões políticas, embora a lápide do próprio Impastato o lembre como um “militante revolucionário e comunista morto pela máfia democrata-cristã”.
O esquecimento do caráter político das figuras que combateram a máfia ao longo dos anos se tornou um dos pilares da memória pública. É adequado para aqueles que querem relegar essa luta a um assunto meramente judicial – defender a legalidade – e ignorar a questão social por trás dela. No entanto, se por mais de um século a máfia travou uma guerra contra camponeses rebeldes e trabalhadores agrícolas, militantes comunistas e socialistas, sindicalistas e parlamentares comunistas , a resistência contra o seu controle é igualmente política.
Desde a última década do século XIX, a luta contra a máfia tem sido uma luta contra o poder tanto das classes dominantes quanto de seus aliados; na verdade, a própria máfia, ao longo do tempo, fundiu as duas categorias.
Esta é uma história siciliana, mas também um espelho da história nacional italiana e dos massacres ordenados pelo estado. Aqueles que dirigiram esses crimes permanecem impunes. No entanto, eles pertencem exatamente ao bloco de poder burguês que há tanto tempo usa grupos armados, fascistas e a máfia para executar suas ordens.
Batalhas antecipadas
Diversos estudos demonstram que a máfia surgiu nas últimas décadas do século XIX como uma organização para proteger os lucros que o crescimento do comércio de frutas cítricas (e de suas exportações) trouxe aos latifondisti (grandes proprietários). As gangues da máfia defendiam os lucros não apenas dos limões e laranjas, mas também do enxofre, pois os proprietários das minas buscavam proteção organizada.
Os gabellotti – empresários que alugavam e administravam as propriedades dos grandes latifundiários – também eram mafiosos ou ligados à máfia. Eles eram ladeados pelos campieri, uma força policial privada que mantinha a ordem nas fazendas, como uma espécie de ancestral dos caporali (chefes de gangues de trabalho) – figuras que controlavam a força de trabalho pela repressão violenta.
Isso levou à resistência dos trabalhadores, como foi o caso da Fasci dei Lavoratori (Ligas dos Trabalhadores), também conhecida como Fasci Siciliani (Ligas da Sicília), um movimento popular que se desenvolveu entre 1891 e 1894 antes de ser reprimido pelo Exército Real sob o comando do primeiro ministro Francesco Crispi, bem como pela máfia.
Estes Fasci surgiram como uma resposta das classes subordinadas, uma vez que os proprietários de terras da Sicília descarregaram os custos da crise agrícola sobre os diaristas e mineiros. Oficialmente fundado por Giuseppe de Felice Giuffrida em 1º de maio de 1891, estes Fasci foram organizados em seções territoriais em nível provincial. Eles tinham uma abordagem explicitamente socialista, ao contrário das várias outras ligas que surgiram em outras regiões , que foram fortemente influenciadas pelo anarquismo.
O movimento de trabalhadores agrícolas, trabalhadores das minas de enxofre e camponeses exigia melhores condições de trabalho, o dia de trabalho mais curto, maiores salários e a redução das tarefas gratuitas que eram obrigados a servir aos proprietários de terras ou aos gabellotti que administravam as fazendas. Mas eles também queriam uma reforma agrária que redistribuisse a propriedade da terra.
Eram, por definição, contra a máfia, porque lutavam tanto por status quanto em oposição à opressão econômica e militar imposta pelos mafiosos.
Resumindo esta posição, os Estatutos do Fascio de Santo Stefano Quisquina proibiam aos membros de “serem associados a todos aqueles que traíram os objetivos do Fascio… ou aqueles que são conhecidos como vagabundos, mafiosos e homens envolvidos em transações criminosas ”.
Esses Fasci fizeram um dos primeiros grandes movimentos na Itália, como disse Antonio Labriola, um dos primeiros e maiores estudiosos do marxismo na Itália; foi o segundo grande movimento da massa proletária que surgiu na Itália depois de 1888-1891.
Escrevendo em 1893, um ano antes do governo eliminar o Fasci pela força, Labriola expressou um poderoso otimismo da vontade, acrescentando que “o movimento siciliano nunca deve desaparecer”.
Infelizmente, o movimento foi realmente quebrado. Mas não morreu completamente – porque a luta pela terra e a libertação das classes trabalhadoras, assim como a inspiração socialista do movimento (mais tarde também comunista) estava destinada a ter uma longa história na Sicília. Na verdade, foi graças à “longa onda” do movimento pela terra e por uma reforma agrária democrática que o Partido Comunista Italiano (PCI) conseguiu construir apoio na ilha e se tornar um partido de massas no final da Segunda Guerra Mundial.
Nas eleições regionais de 20 de abril de 1947, o bloco popular comunista e socialista obteve 29,13% dos votos, contra 20,52% dos democrata-cristãos. As camadas populares se organizaram, lutaram e votaram contra o bloco de poder do qual a máfia fazia parte.
Um banho de sangue anti-esquerda
No entanto eles enfrentaram uma repressão brutal. Já nos primeiros meses de 1947, antes da eleição, a máfia assassinou Nunzio Sansone (fundador e secretário da câmara do trabalho em Villabate), e Leonardo Savia – como Sansone, um comunista na linha de frente na luta pela reforma agrária. Os mafiosos também mataram os ativistas Accursio Miraglia e Pietro Macchiarella.
Depois que os sicilianos deram seu veredicto nas urnas, mostrando que não seriam intimidados, a máfia respondeu com um massacre em Portella della Ginestra,em 1º de maio de 1947. No comício para marcar o Dia Internacional dos Trabalhadores na pequena comuna siciliana, rajadas de metralhadora mataram onze pessoas e deixaram quase cem feridos.
Este foi um momento decisivo na história da Itália, pois mostrou as forças por trás do bloco governista que tomou forma nos anos do pós-guerra. Os democrata-cristãos governavam a Itália em conjunto com partidos conservadores, e em aliança entre a burguesia industrial do Norte e os proprietários do sul – um pacto do qual a máfia agora fazia parte.
Nesse ambiente, os comunistas e os socialistas eram o inimigo número um. E o ministro do Interior em 1947 era Mario Scelba, um anticomunista por excelência, que reprimiu de forma sangrenta o movimento operário tanto nos anos imediatamente posteriores ao pós-guerra como nos anos 60.
A visão anticomunista das autoridades italianas e sicilianas ressoou nas palavras do outro grande aliado do bloco governante: a Igreja Católica conservadora e anticomunista.
O esquecimento do caráter político das figuras que combateram a máfia ao longo dos anos se tornou um dos pilares da memória pública. É adequado para aqueles que querem relegar essa luta a um assunto meramente judicial – defender a legalidade – e ignorar a questão social por trás dela. No entanto, se por mais de um século a máfia travou uma guerra contra camponeses rebeldes e trabalhadores agrícolas, militantes comunistas e socialistas, sindicalistas e parlamentares comunistas , a resistência contra o seu controle é igualmente política.
Desde a última década do século XIX, a luta contra a máfia tem sido uma luta contra o poder tanto das classes dominantes quanto de seus aliados; na verdade, a própria máfia, ao longo do tempo, fundiu as duas categorias.
Esta é uma história siciliana, mas também um espelho da história nacional italiana e dos massacres ordenados pelo estado. Aqueles que dirigiram esses crimes permanecem impunes. No entanto, eles pertencem exatamente ao bloco de poder burguês que há tanto tempo usa grupos armados, fascistas e a máfia para executar suas ordens.
Batalhas antecipadas
Diversos estudos demonstram que a máfia surgiu nas últimas décadas do século XIX como uma organização para proteger os lucros que o crescimento do comércio de frutas cítricas (e de suas exportações) trouxe aos latifondisti (grandes proprietários). As gangues da máfia defendiam os lucros não apenas dos limões e laranjas, mas também do enxofre, pois os proprietários das minas buscavam proteção organizada.
Os gabellotti – empresários que alugavam e administravam as propriedades dos grandes latifundiários – também eram mafiosos ou ligados à máfia. Eles eram ladeados pelos campieri, uma força policial privada que mantinha a ordem nas fazendas, como uma espécie de ancestral dos caporali (chefes de gangues de trabalho) – figuras que controlavam a força de trabalho pela repressão violenta.
Isso levou à resistência dos trabalhadores, como foi o caso da Fasci dei Lavoratori (Ligas dos Trabalhadores), também conhecida como Fasci Siciliani (Ligas da Sicília), um movimento popular que se desenvolveu entre 1891 e 1894 antes de ser reprimido pelo Exército Real sob o comando do primeiro ministro Francesco Crispi, bem como pela máfia.
Estes Fasci surgiram como uma resposta das classes subordinadas, uma vez que os proprietários de terras da Sicília descarregaram os custos da crise agrícola sobre os diaristas e mineiros. Oficialmente fundado por Giuseppe de Felice Giuffrida em 1º de maio de 1891, estes Fasci foram organizados em seções territoriais em nível provincial. Eles tinham uma abordagem explicitamente socialista, ao contrário das várias outras ligas que surgiram em outras regiões , que foram fortemente influenciadas pelo anarquismo.
O movimento de trabalhadores agrícolas, trabalhadores das minas de enxofre e camponeses exigia melhores condições de trabalho, o dia de trabalho mais curto, maiores salários e a redução das tarefas gratuitas que eram obrigados a servir aos proprietários de terras ou aos gabellotti que administravam as fazendas. Mas eles também queriam uma reforma agrária que redistribuisse a propriedade da terra.
Eram, por definição, contra a máfia, porque lutavam tanto por status quanto em oposição à opressão econômica e militar imposta pelos mafiosos.
Resumindo esta posição, os Estatutos do Fascio de Santo Stefano Quisquina proibiam aos membros de “serem associados a todos aqueles que traíram os objetivos do Fascio… ou aqueles que são conhecidos como vagabundos, mafiosos e homens envolvidos em transações criminosas ”.
Esses Fasci fizeram um dos primeiros grandes movimentos na Itália, como disse Antonio Labriola, um dos primeiros e maiores estudiosos do marxismo na Itália; foi o segundo grande movimento da massa proletária que surgiu na Itália depois de 1888-1891.
Escrevendo em 1893, um ano antes do governo eliminar o Fasci pela força, Labriola expressou um poderoso otimismo da vontade, acrescentando que “o movimento siciliano nunca deve desaparecer”.
Infelizmente, o movimento foi realmente quebrado. Mas não morreu completamente – porque a luta pela terra e a libertação das classes trabalhadoras, assim como a inspiração socialista do movimento (mais tarde também comunista) estava destinada a ter uma longa história na Sicília. Na verdade, foi graças à “longa onda” do movimento pela terra e por uma reforma agrária democrática que o Partido Comunista Italiano (PCI) conseguiu construir apoio na ilha e se tornar um partido de massas no final da Segunda Guerra Mundial.
Nas eleições regionais de 20 de abril de 1947, o bloco popular comunista e socialista obteve 29,13% dos votos, contra 20,52% dos democrata-cristãos. As camadas populares se organizaram, lutaram e votaram contra o bloco de poder do qual a máfia fazia parte.
Um banho de sangue anti-esquerda
No entanto eles enfrentaram uma repressão brutal. Já nos primeiros meses de 1947, antes da eleição, a máfia assassinou Nunzio Sansone (fundador e secretário da câmara do trabalho em Villabate), e Leonardo Savia – como Sansone, um comunista na linha de frente na luta pela reforma agrária. Os mafiosos também mataram os ativistas Accursio Miraglia e Pietro Macchiarella.
Depois que os sicilianos deram seu veredicto nas urnas, mostrando que não seriam intimidados, a máfia respondeu com um massacre em Portella della Ginestra,em 1º de maio de 1947. No comício para marcar o Dia Internacional dos Trabalhadores na pequena comuna siciliana, rajadas de metralhadora mataram onze pessoas e deixaram quase cem feridos.
Este foi um momento decisivo na história da Itália, pois mostrou as forças por trás do bloco governista que tomou forma nos anos do pós-guerra. Os democrata-cristãos governavam a Itália em conjunto com partidos conservadores, e em aliança entre a burguesia industrial do Norte e os proprietários do sul – um pacto do qual a máfia agora fazia parte.
Nesse ambiente, os comunistas e os socialistas eram o inimigo número um. E o ministro do Interior em 1947 era Mario Scelba, um anticomunista por excelência, que reprimiu de forma sangrenta o movimento operário tanto nos anos imediatamente posteriores ao pós-guerra como nos anos 60.
A visão anticomunista das autoridades italianas e sicilianas ressoou nas palavras do outro grande aliado do bloco governante: a Igreja Católica conservadora e anticomunista.
O então cardeal de Palermo, Ernesto Ruffini pressionou o governo democrata- cristão de Alcide de Gasperi a banir os comunistas, após garantir sua excomunhão pela própria Igreja.
A repressão continuou nos anos seguintes, colhendo novas vítimas entre s socialistas e comunistas de Placido Rizzotto e Salvatore Carnevale. Essa repressão estava também ligada ao destino do movimento camponês e à questão não resolvida do Sul – a luta de classes fora das fábricas. Nestes anos, a esquerda teve que entender essa relação entre o proletariado e a luta de classes, entre organização e alianças de classe, de modo a ter um caminho a seguir.
Um movimento político
Talvez isso tenha sido melhor expresso nos textos de Raniero Panzieri coletados em “L’alternativa socialista: scritti scelti 1944-1956”. Na época, ele era um líder do Partido Socialista Italiano; mais tarde foi um dos fundadores do trabalhismo. Enviado pelo seu partido para a Sicília em 1949, ele criticava o fracasso da esquerda em entender a situação:
A repressão continuou nos anos seguintes, colhendo novas vítimas entre s socialistas e comunistas de Placido Rizzotto e Salvatore Carnevale. Essa repressão estava também ligada ao destino do movimento camponês e à questão não resolvida do Sul – a luta de classes fora das fábricas. Nestes anos, a esquerda teve que entender essa relação entre o proletariado e a luta de classes, entre organização e alianças de classe, de modo a ter um caminho a seguir.
Um movimento político
Talvez isso tenha sido melhor expresso nos textos de Raniero Panzieri coletados em “L’alternativa socialista: scritti scelti 1944-1956”. Na época, ele era um líder do Partido Socialista Italiano; mais tarde foi um dos fundadores do trabalhismo. Enviado pelo seu partido para a Sicília em 1949, ele criticava o fracasso da esquerda em entender a situação:
“Muitos camaradas... pensam que o movimento camponês e, em particular, as ocupações de terra são um movimento “espontâneo”, ou seja, um movimento puramente econômico. Acho que precisamos ser claros: politicamente, o movimento camponês é uma tentativa de revolução democrática. Mas, neste nível, está longe de ser um movimento espontâneo e econômico. Avança formas políticas e ideológicas e objetivos não menos que econômicos, por exemplo através da demanda por novas formas de governo local, justiça administrativa e tributária diferente, elevando o nível cultural, etc.”
De fato, as demandas sociais do movimento eram o oposto das estruturas de poder cristãs e democráticas estabelecidas, baseadas na chantagem, na especulação e no privilégio. Buscando proteger esse poder, as forças reacionárias trabalharam para impedir que os comunistas e os socialistas fossem eleitos nas municipalidades e governos municipais. Eles foram repetidamente impedidos de apresentar candidaturas, pela intimidação e assassinato daqueles que teimosamente trabalharam para transformar a Sicília e suas várias localidades em uma terra de democracia.
Houve avanços excepcionais, como se vê no relato de Vera Pegna, uma jovem que se mudou para a Sicília e se juntou ao PCI em Palermo. Embora parecesse que as demandas urgentes da ação cotidiana eram a única necessidade real, ela estudou o “Manifesto Comunista”, de Marx e Engels, e “Que fazer?”, de Lênin – era necessário que qualquer militante que se juntasse às fileiras do partido desenvolvesse uma fundamentação teórica sólida.
O centro de sua atividade era Caccamo, uma das cidades em que a máfia havia impedido os comunistas de participar das eleições locais. Ela desafiou o poder do chefe da máfia Panzesca, e quando os comunistas ficaram em pé na votação de 1962, elegeram quatro representantes. Mas este foi um sucesso relativo e raro. Logo depois Pegna deixou a ilha, abalada pelas ameaças da máfia e pela sensação de isolamento.
De fato, a máfia nunca havia deixado de atacar os sindicalistas de origem comunista e socialista. Se nas eleições regionais de 1955 os partidos que compunham o Bloco do Povo ficaram em listas separadas pela primeira vez desde antes do fascismo, e apresentaram candidatos, durante a campanha eles mantiveram uma frente comum contra a máfia. Afinal de contas, no início daquele ano, a máfia havia matado vários militantes, incluindo Salvatore Carnevale, um trabalhador nas minas de enxofre, que também era um dirigente do sindicato CGIL. As autoridades democrata-cristãs não compareceram ao seu funeral, mas os trabalhadores da mineração e da fazenda apareceram em massa.
Panzieri, que se tornou secretário regional do Partido Socialista, convocou uma manifestação em massa para homenagear o companheiro assassinado. Líderes políticos regionais e nacionais compareceram no vilarejo de Sciara: do então secretário regional da CGIL, Pio La Torre, ao secretário Pompeo Colajanni do PCI de Palermo e ao deputado socialista Sandro Pertini (mais tarde presidente da República), que encerraram a manifestação com um apelo à classe e especialmente aos jovens: “Da sua morte devemos dar um exemplo e uma inspiração. E o exemplo que ele deixou é de lealdade à classe trabalhadora e ao partido”.
Panzieri enfatizou a conexão íntima entre todas as lutas de classes contra o bloco burguês-mafioso:
Salvatore Carnevale nasceu para testemunhar, através da sua luta e da sua vida, o irresistível despertar das forças camponesas determinadas a afirmar a sua presença, os seus direitos históricos, os seus direitos humanos neste país contra o sórdido e desumano domínio dos proprietários de terras, dos barões, dos mafiosos e do crime.
A queda do movimento
Entre 1946 e 1956 cerca de 274.000 pessoas migraram da Sicília para o norte da Itália ou para o exterior; eram parte de uma população não muito superior a 4 milhões; foram seguidos por outros 352.000 na década seguinte.
A maioria tornou-se trabalhadores precários nas indústrias do Norte, onde a sua luta continua em todos os locais, dentro e fora da fábrica. No entanto, essa experiência pode enriquecer os debates contemporâneos sobre a luta de classes e a migração.
Naquelas décadas houve o crescimento econômico que seguiu a reconstrução do pós-guerra, com acelerado desenvolvimento industrial no sul e não apenas no norte. Ao lado disso, do desenvolvimento intensivo de capital, houve um grande crescimento na terceirização de empreendimentos pelo estado, desde a recuperação de terras para a agricultura até a expansão da infraestrutura da região.
Isso trouxe lucros consideráveis tanto para os proprietários de terras quanto para a burguesia urbana da qual a própria máfia fazia parte. Um órgão público projetado para colocar bilhões e financiar o desenvolvimento do Sul, o “Cassa per il Mezzogiorno”, permitiu que a máfia acumulasse lucros e capital, tornando-se uma potência econômica que em breve também se deslocaria para as regiões do Norte com oportunidades ainda maiores. O que se seguiu foram décadas de guerras sangrentas entre clãs da máfia em que ninguém foi poupado – culminando com o assassinato do general carabinieri [polícia militar] Carlo Alberto dalla Chiesa em 1982 e dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino em 1992. A máfia atacou os comunistas e também o sistema legal.
Exemplo disto foi Peppino Impastato, o militante assassinado em 1978, que era um jovem comunista ativo na esquerda dos anos 1960 e 1970. Ele apoiou as lutas dos trabalhadores rurais e desempregados. Mas acima de tudo era uma voz desafiadora de protesto contra a expropriação da terra dos camponeses para construir a terceira pista do aeroporto de Palermo. Essa era a principal base de poder do chefe da máfia Cinisi, Gaetano Badalamenti, cujo controle do aeroporto garantia um fluxo considerável de drogas. Peppino relatou de forma irreverente sobre esses acontecimentos nos protestos de rua e pelo rádio através da emissora que fundou, a Radio Aut.
Sob ordens de Badalamenti, Peppino foi morto em uma explosão. Para esconder a mão da máfia no assassinato, os investigadores e a imprensa alegaram que Peppino havia acidentalmente se matado enquanto organizava um ataque terrorista. Naqueles anos, era uma prática comum jogar a culpa por bombas e massacres sobre o inimigo político interno, os comunistas. Mas o assassinato foi ordenado pelos poderes locais. Somente na década de 1990 o caso Impastato finalmente se abriu novamente, com as acusações feitas contra Badalamenti e seu braço direito Palazzotto, presos pelo assassinato em 2002.
Em 1982, alguns meses antes do assassinato do chefe de polícia Dalla Chiesa, outra figura importante na luta contra a máfia também foi assassinada: o parlamentar comunista Pio La Torre, que havia sido líder da CGIL na Sicília, na década de 1950 e um militante incansável na luta pela terra. La Torre tinha perspicazmente detectado linhas de falha na máfia como um sistema organizado de poder e acumulação de capital.
Foi por causa de sua proposta – que mais tarde se tornou lei – que a máfia foi reconhecida como uma organização criminosa e portanto punida não apenas com a prisão de seus membros, mas pelo confisco de seus bens – imóveis, empresas e terras agrícolas. Para o comunista, atacar o coração deste negócio – parte do capitalismo – exigia um ataque ao seu poder de acumular e seu controle e propriedade do capital.
Mais de três décadas se passaram desde que a lei foi introduzida, e a máfia ainda não está morta. Provou-se capaz de se transformar e entrar no labirinto interno do capitalismo italiano, com base no vasto poder econômico que acumulou. A Cosa Nostra não usa mais armas quase tanto quanto antes. Mas permanece no controle.
A queda do movimento
Entre 1946 e 1956 cerca de 274.000 pessoas migraram da Sicília para o norte da Itália ou para o exterior; eram parte de uma população não muito superior a 4 milhões; foram seguidos por outros 352.000 na década seguinte.
A maioria tornou-se trabalhadores precários nas indústrias do Norte, onde a sua luta continua em todos os locais, dentro e fora da fábrica. No entanto, essa experiência pode enriquecer os debates contemporâneos sobre a luta de classes e a migração.
Naquelas décadas houve o crescimento econômico que seguiu a reconstrução do pós-guerra, com acelerado desenvolvimento industrial no sul e não apenas no norte. Ao lado disso, do desenvolvimento intensivo de capital, houve um grande crescimento na terceirização de empreendimentos pelo estado, desde a recuperação de terras para a agricultura até a expansão da infraestrutura da região.
Isso trouxe lucros consideráveis tanto para os proprietários de terras quanto para a burguesia urbana da qual a própria máfia fazia parte. Um órgão público projetado para colocar bilhões e financiar o desenvolvimento do Sul, o “Cassa per il Mezzogiorno”, permitiu que a máfia acumulasse lucros e capital, tornando-se uma potência econômica que em breve também se deslocaria para as regiões do Norte com oportunidades ainda maiores. O que se seguiu foram décadas de guerras sangrentas entre clãs da máfia em que ninguém foi poupado – culminando com o assassinato do general carabinieri [polícia militar] Carlo Alberto dalla Chiesa em 1982 e dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino em 1992. A máfia atacou os comunistas e também o sistema legal.
Exemplo disto foi Peppino Impastato, o militante assassinado em 1978, que era um jovem comunista ativo na esquerda dos anos 1960 e 1970. Ele apoiou as lutas dos trabalhadores rurais e desempregados. Mas acima de tudo era uma voz desafiadora de protesto contra a expropriação da terra dos camponeses para construir a terceira pista do aeroporto de Palermo. Essa era a principal base de poder do chefe da máfia Cinisi, Gaetano Badalamenti, cujo controle do aeroporto garantia um fluxo considerável de drogas. Peppino relatou de forma irreverente sobre esses acontecimentos nos protestos de rua e pelo rádio através da emissora que fundou, a Radio Aut.
Sob ordens de Badalamenti, Peppino foi morto em uma explosão. Para esconder a mão da máfia no assassinato, os investigadores e a imprensa alegaram que Peppino havia acidentalmente se matado enquanto organizava um ataque terrorista. Naqueles anos, era uma prática comum jogar a culpa por bombas e massacres sobre o inimigo político interno, os comunistas. Mas o assassinato foi ordenado pelos poderes locais. Somente na década de 1990 o caso Impastato finalmente se abriu novamente, com as acusações feitas contra Badalamenti e seu braço direito Palazzotto, presos pelo assassinato em 2002.
Em 1982, alguns meses antes do assassinato do chefe de polícia Dalla Chiesa, outra figura importante na luta contra a máfia também foi assassinada: o parlamentar comunista Pio La Torre, que havia sido líder da CGIL na Sicília, na década de 1950 e um militante incansável na luta pela terra. La Torre tinha perspicazmente detectado linhas de falha na máfia como um sistema organizado de poder e acumulação de capital.
Foi por causa de sua proposta – que mais tarde se tornou lei – que a máfia foi reconhecida como uma organização criminosa e portanto punida não apenas com a prisão de seus membros, mas pelo confisco de seus bens – imóveis, empresas e terras agrícolas. Para o comunista, atacar o coração deste negócio – parte do capitalismo – exigia um ataque ao seu poder de acumular e seu controle e propriedade do capital.
Mais de três décadas se passaram desde que a lei foi introduzida, e a máfia ainda não está morta. Provou-se capaz de se transformar e entrar no labirinto interno do capitalismo italiano, com base no vasto poder econômico que acumulou. A Cosa Nostra não usa mais armas quase tanto quanto antes. Mas permanece no controle.
Sobre o autor
Marta Fana é autora de "Non è lavoro, è sfruttamento" ("Não é trabalho, é exploração").
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