6 de abril de 2019

"Quando acabaremos com a guerra humana?"

Allen Ginsberg morreu neste dia em 1997. Embora conhecido por sua poesia Beat, ele também foi indelevelmente moldado pela política de esquerda.

Arvind Dilawar

Jacobin

Allen Ginsberg posa para uma foto no Lincoln Park durante a Convenção Nacional Democrata em agosto de 1968 em Chicago, Illinois. Arquivos Michael Ochs / Getty

Tradução / Allen Ginsberg tinha trinta anos em 1956, trabalhava com pesquisas de marketing e morava em Berkeley, na Califórnia. Nascido em Nova Jersey, o futuro poeta beat viajou mais longe do que só atravessar o país para chegar à Califórnia. Em 1953, ele deixou a cidade de Nova York, onde frequentou a Universidade de Columbia, fez paradas em Washington D.C., Miami, Havana e Guanajuato, no México, antes de chegar a São Francisco em 1954 e se mudar para Berkeley no ano seguinte. A viagem lhe deu uma visão ampla dos Estados Unidos, tanto interna quanto externamente, que ele canalizou em seu poema “América”, de 1956.

Em “América”, o poeta criticou o clima político que prevalecia enquanto expunha suas próprias crenças. O poema oscila entre a acusação violenta e a confissão sem remorso – “América, quando acabaremos com a guerra humana?”; “América, fico sentimental em relação aos Wooblies/ América, eu era comunista quando criança e não me arrependo.”[1] Jonah Raskin, um dos biógrafos de Ginsberg, chama “América” de “provavelmente o mais eficaz dos poemas abertamente políticos que [Ginsberg] escreveu no despertar de Uivo.”

Apenas três meses antes, Ginsberg havia lido “Uivo” pela primeira vez, estreando em uma carreira que lhe renderia o National Book Award, a Medalha Robert Frost e um American Book Award. Durante todo esse tempo – na verdade, desde sua infância até sua morte – o poeta foi moldado pela política de esquerda.

“Eu era comunista”

Ginsberg nasceu em Newark em 1926, filho de uma mãe e um pai, descritos por ele, respectivamente, como comunista e socialista. Sua mãe, Naomi, deixou a Rússia após a Revolução de 1905 e emigrou para os Estados Unidos, onde conheceu Louis, um poeta e professor. A família era tão progressista que, quando foi para a Universidade de Columbia em 1943, queria se tornar um advogado trabalhista.

Durante a graduação, Ginsberg lutou contra a política de sua infância. Parte disso envolvia reconhecer suas ambições como poeta, em vez de advogado, mas também foi uma influência dos reacionários que encontrou nas salas de aula de Columbia. Não apenas a universidade era geralmente conservadora – “ser radical estava fora de moda entre o corpo docente na década de 1940”, escreve Raskin – mas o mentor de Ginsberg, o professor de inglês Lionel Trilling, era odiosamente anticomunista. Um radical na década de 1930, Trilling mudou de lado, atacando o “liberalismo” – segundo ele, outro nome para o marxismo e o comunismo – com declarações bombásticas como “quando um homem começa a cortejar o ideal liberal-democrático, é um sinal ou início de um colapso espiritual em seu trabalho.” Embora a influência de seu mentor tenha complicado sua visão política, isso não levou o poeta a abandonar completamente suas crenças, mesclando leituras de Marx e Lenin com T.S. Eliot – um dos favoritos de Trilling.

Os homens que Ginsberg conheceu nas ruas de Manhattan eram, de certa forma, iguais aos professores de Columbia. Em 1944, ele fez amizade com Jack Kerouac, William Burroughs e Lucien Carr, todos cínicos sobre o socialismo, se não abertamente anticomunistas. Os três tiveram um impacto enorme em Ginsberg. Foi na companhia deles que o poeta abraçou abertamente sua homossexualidade, começou a desenvolver seu estilo único de escrita e passou a celebrar alternativas à sociedade americana dominante que na época eram agressivamente ignoradas, se não ativamente malditas. Mas, assim como Trilling, eles também confundiram a política de Ginsberg. “Há apenas um homem que pode ser mais chato do que um comunista”, escreveu Ginsberg em 1944. “Este homem já foi comunista e se lamenta por isso”.

Infelizmente, o senso de identidade de Ginsberg nessa época também estava se deteriorando rapidamente. Ele estava lendo o fascista Oswald Spengler e assumindo uma postura racista e sexista. Apesar de vir de uma família judia, ele escreveu grafites antissemitas em sua sala de aula e foi expulso por isso. Finalmente voltou e se formou no final de 1948, mas passou os quatro anos seguintes se debatendo, sendo preso e passando uma temporada como paciente no Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York. Depois de liberado, trabalhou com pesquisas de marketing e tentou namorar mulheres. Ele também perdeu o funeral de sua mãe, que estava internada há anos.

Com muito pouco a perder, Ginsberg decidiu fazer sua viagem para o oeste depois de ler um artigo na Harper’s ridicularizando São Francisco por sua “Nova Cultura de Sexo e Anarquia”.

O poeta Beat

Das épicas lutas trabalhistas da década de 1930 à cena de arte boêmia e contemporânea, em 1954 São Francisco era um modelo de radicalismo. Ginsberg assistiu a filmes iconoclastas como Rebelde sem causa e O selvagem, desfrutou da liberação sexual e fez amizade com poetas locais que eram tanto artísticos quanto políticos – de Kenneth Rexroth e Gary Snyder, ambos membros do Industrial Workes of the World, a Lawrence Ferlinghetti, o poeta anarquista fundador da City Lights Bookstore e editor de seu livro de estreia, Uivo e outros poemas.

A influência desse novo ambiente, junto com a escalada da Guerra Fria, transpareceu na poesia de Ginsberg ­– incluindo “Uivo”, que ele escreveu entre 1955 e 1956. Os anos anteriores à obra mais conhecida do poeta testemunharam não apenas a ascensão repressiva do macarthismo, mas o início do primeiro conflito internacional abertamente anticomunista do país, a Guerra da Coréia. À medida que a Guerra Fria continuava a atingir novos patamares apocalípticos e a contracultura florescia como resposta, “Uivo” assumiu um significado maior. Ginsberg parecia presciente nas linhas em que descreve seus “hipsters com cabeça de anjo”:[2]

que desapareceram nos vulcões do México nada deixando além da
sombra de suas calças rancheiras e a lava e a cinza da poesia
espalhadas pela lareira Chicago,
que reapareceram na Costa oeste investigando o FBI de barba e
bermudas com grande olhos pacifistas e sensuais em suas peles
morenas, distribuindo folhetos ininteligíveis,
que apagaram cigarros acesos em seus braços protestando contra o
nevoeiro narcótico de tabaco do Capitalismo,
que distribuíram panfletos supercomunistas em Union Square, chorando
e despindo-se enquanto as sirenes de Los Alamos os afugentavam
gemendo mais alto que eles e gemiam pela Wall Street e também
gemia a balsa de Staten Island...


Ginsberg fez sua primeira leitura de “Uivo” na Galeria Six, em São Francisco, em 7 de outubro de 1955. Agora, este momento é amplamente considerado o lançamento de sua carreira, onde ganhou atenção, aclamação e até mesmo o desprezo de alguns por ser uma das figuras mais proeminentes da Geração Beat, um movimento literário que rejeitou o materialismo e a formalismo dos Estados Unidos pós-guerra em favor da espiritualidade e da experimentação.

Aplicou o estilo único que desenvolveu em “Uivo” a outros temas, incluindo a morte de sua mãe em “Kaddish” e a política contemporânea em “América”. Da mesma forma, a política que evocou em “Uivo” encontra ressonâncias até os dias de hoje. Embora seja franco sobre suas opiniões políticas em “América”, ele é mais sutil no “Kaddish”. Dedicado a sua mãe, a comunista que fugiu de uma revolução fracassada na Rússia para morrer institucionalizada nos Estados Unidos; o poema mistura o pessoal e o político:[3]

Sonhando de novo através da vida, Teu tempo – e o meu
acelerando-se rumo ao Apocalipse,
o momento final – a flor queimando no Dia – e o que virá
depois, olhando a mente que por sua vez enxergou
uma cidade americana num relance, e o grande sonho
de Mim ou China ou você ou uma
Rússia fantasma ou uma cama desfeita que nunca existiu
– como um poema escuro – que escapou de volta para
o Esquecimento.

Me sinto sentimental em relação aos Wooblies

Ao longo de sua vida, Ginsberg continuaria a ser um crítico da sociedade e política estadunidenses. Ele acreditava que as coisas horríveis que muitos americanos criticavam sobre a União Soviética – o conformismo, a polícia secreta, os gulags – faziam também parte de sua realidade. E, em 1965, ele aprendeu que algumas das coisas que mais odiava em seu país aconteciam igualmente nos países comunistas, quando foi deportado de Cuba e da Tchecoslováquia por lutar pelos direitos homossexuais e ser considerado um “degenerado”.

Mesmo assim, o poeta nunca se tornou reacionário. Ele visitou Saigon em 1963 e entendeu que foi o imperialismo dos Estados Unidos no cada vez mais reacionário Vietnã do Sul que levou ao poder o autocrático Ngo Dinh Diem. Pelo resto de sua vida, ele permaneceu um crítico ferrenho do imperialismo dos EUA, quer isso significasse se opor ao Xá do Irã ou aos Contras na Nicarágua. Até um ano antes de sua morte em 1997, ele condenava amplamente a intromissão dos Estados Unidos na Ásia, no Oriente Médio e na América Latina.

A condenação de Ginsberg às maquinações internacionais dos Estados Unidos combinava com seu ativismo doméstico. Ele desempenhou um papel de liderança na Convenção Nacional Democrata de Chicago em 1968, onde tentou acalmar uma polícia furiosa, antes dele mesmo ser atacado com gás lacrimogêneo. Em 1978, foi preso por bloquear um trem que prestava serviços a uma instalação de produção de armas nucleares em Denver. Aos 62 anos, ele conseguiu se envolver no motim de Tompkins Square Park de 1988, em Nova York.

Allen Ginsberg queria algo diferente para seu país. Ele vagamente descreve isso como uma “mudança para o socialismo cooperativo” e o “abandono do próprio dinheiro”. Talvez seu poema “América” pinte a imagem mais clara de qual era a sociedade que ele gostaria. Generosa, livre e em transformação:[4]

América quando é que você será angelical?
Quando você tirará a roupa?
Quando você se olhará para através do túmulo?

Sobre o autor

Arvind Dilawar é um escritor e editor cujo trabalho apareceu na Newsweek, no Guardian, na Al Jazeera e em outros lugares.

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