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3 de novembro de 2022

Sem enfrentar o capitalismo, a COP não pode nos salvar

Para enfrentar a catástrofe ecológica, a COP da próxima semana teria de enfrentar o sistema mundial de lucro a todo custo que nos prende ao desastre. Qualquer coisa menos é circo.

Chris Saltmarsh


As discussões da COP27 incluirão metas de descarbonização, adaptação e agricultura. As mais significativas serão as negociações sobre o financiamento climático. (Disse Sheasha/Reuters via Getty Images)

Tradução / Faz um ano que o mundo chegou para dominar as ruas de Glasgow para a COP26. Por duas semanas, a cidade escocesa foi o centro do global para lobistas ambientais, negociadores, políticos, ONGs e ativistas da justiça climática. Durante esses 14 dias, a COP26 também dominou a política do Reino Unido. Boris Johnson ainda era primeiro-ministro e o governo conservador procurou usar seu status de anfitrião para criar uma reputação ambientalista injustificada.

Este ano, a cúpula climática converge para o resort Sharm El-Sheikh, no Egito, apropriadamente quente, para a COP27. Doze meses se passaram e, embora muita coisa tenha mudado, algumas coisas permanecem as mesmas. Como em todas as reuniões recentes, a mídia e as ONGs se unem para exagerar seu significado. Um editorial do Observer proclama que a COP27 “representa uma de nossas últimas chances de evitar uma catástrofe global”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) insiste que é “nossa última chance de alcançar um futuro saudável para a humanidade”. Gordon Brown disse o mesmo sobre a COP15 em 2009.

Últimas chances

Quantas últimas chances podemos ter? Para muitos ao redor do mundo, essa convocatória quase inacreditável é perversa. Desde a cúpula de Glasgow, as inundações extremas no Paquistão constituíram uma crise humanitária. O furacão Ian causou estragos no Caribe e nos Estados do sul dos EUA, matando mais de 100 pessoas e causando bilhões de dólares em danos. Na Europa, um verão de ondas de calor quebrou recordes e matou milhares. Os efeitos devastadores das mudanças climáticas estão recaindo muito fortemente sobre nós. Nosso futuro é inevitavelmente catastrófico; a questão agora é até que ponto.

Então, o que a COP27 realmente pretende alcançar? A primeira coisa a entender é que nem todos as COPs são iguais. As principais cúpulas acontecem a cada cinco anos ou mais. A COP26 em Glasgow foi uma delas. O mesmo aconteceu com a COP15, em Copenhague, e a COP21 em Paris. É aqui que a verdadeira tomada de decisão acontece. O exemplo mais famoso é o Acordo de Paris em 2015. As cúpulas intermediárias como a COP27 tratam de relatar e discutir a implementação dos principais acordos.

As discussões da COP27 incluirão metas de descarbonização, adaptações necessárias e agricultura. As mais significativas serão as negociações sobre o financiamento climático. Adiada de reuniões anteriores, a questão dos pagamentos por perdas e danos – há muito demanda pelos países mais pobres que está encontrando resistência dos países ricos – provavelmente voltará à agenda.

Circo

Para sublinhar o status da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) como pouco mais do que um circo político anual, a cobertura da mídia do Reino Unido da cúpula foi dominada por histórias de quem irá ou não participar, em vez do que está na agenda. A pedido da ex-primeira-ministra Liz Truss, o rei Charles ficará em casa. Em vez disso, o novo monarca está sinalizando suas credenciais ambientalistas, frequentemente ostentadas, ao oferecer uma recepção para líderes políticos, representantes de empresas e ONGs a caminho do Egito.

O atual primeiro-ministro, Rishi Sunak, inicialmente desistiu de participar da COP27, provocando Alok Sharma, que ainda é o presidente do governo na COP26, mas recentemente rebaixado do Gabinete, a criticá-lo dizendo que estava “muito decepcionado”. Boris Johnson – como alguém que aproveita qualquer oportunidade para reforçar sua reputação ecológica – também planeja comparecer, inevitavelmente fazendo comparações com seu ex-chanceler. Essa reação interna dos conservadores, combinada com a condenação da mídia, forçou Sunak a dar meia-volta, anunciando que, de fato, irá ao Egito poucos dias antes do início da cúpula.

Sunak é um alvo fácil para o clima. Este é o homem que aceitou quase £ 150.000 de apoiadores ligados à indústria de petróleo e gás durante seu primeiro mandato na liderança do Partido Conservador. E enquanto ele rapidamente se moveu para reverter o impopular levantamento da proibição do fracking, a extensão das promessas climáticas de Sunak tem sido um slogan vazio e uma advertência contra a descarbonização “muito forte e rápido”. Uma visita oportunista e de última hora ao Egito não deve inspirar maior confiança em seu governo. Ao contrário do hype, a COP27 não é um grande evento na luta contra as mudanças climáticas. Para Sunak, é pouco mais do que uma cínica sessão de fotos projetada para manter a ilusão da ação climática dos conservadores.

Sem dentes

Isso se deve principalmente às falhas políticas da instituição e à impotência operacional. Já vimos que mesmo as ambições medíocres da UNFCCC não são sustentadas em seus processos. O Acordo de Paris comprometeu os Estados membros com a ambição de limitar o aumento da temperatura média global a 1,5° C. Antes da COP27, uma nova pesquisa sugere o que muitos de nós já sabíamos: não existe “nenhum caminho confiável” atualmente em vigor para atingir essa meta. Não há coordenação central e nenhum processo de aplicação das metas de descarbonização inteiramente voluntárias dos Estados. Assim como a COP26 foi amplamente condenada por não fazer progressos adequados, a COP27 continuará a tradição de fazer muito barulho sem avançar em nada concretamente.

O grande erro que muitos cometem é acreditar que as cúpulas da COP são para parar as mudanças climáticas. Eles não são. Se fosse esse o caso, a agenda seria claramente dominada por estratégias para eliminar rapidamente os combustíveis fósseis e os Estados teriam concordado há muito tempo em fornecer financiamento aos países mais pobres para fazê-lo. Em vez disso, sucessivas cúpulas priorizaram a defesa dos interesses dos países capitalistas mais ricos, enquanto negociavam o comércio e a criação de novos mercados de carbono lucrativos.

Qualquer COP capaz de instigar uma transição energética rápida, global e justa teria que se reorientar fundamentalmente para enfrentar o sistema mundial capitalista na raiz das crises ecológicas. Deve reconhecer que uma economia política global que coloca o lucro à frente de tudo nos aprisiona no desastre. Mas a UNFCCC foi concebida como parte de um conjunto fundamentalmente desigual de relações internacionais de poder, onde os ricos dominam os pobres. Assim como nas cúpulas anteriores, é certo que trabalhadores e ativistas façam exigências à COP27, para extrair todas as concessões que pudermos. No entanto, devemos deixar claro que as pessoas ali presentes simplesmente não estão preparados para fazer o que é realmente necessário.

Aqueles que estão interessados em justiça climática devem, em vez disso, derivar nossa esperança das lutas internacionalistas por uma ordem global equitativa baseada na paz e na justiça. Por exemplo, a recente vitória de Lula torna o Brasil o último país latino-americano a ficar vermelho, prometendo proteger a Amazônia após a destruição ecocída de Bolsonaro. Na Papua Ocidental, o movimento de libertação indígena continua a resistir à extração colonial, com a ambição de independência para abrir caminho para o primeiro “Estado Verde” do mundo.

Globalmente, estamos vendo um movimento trabalhista ressurgente tomando medidas industriais como parte da luta por uma nova economia. Enquanto os trabalhadores exigem melhores salários e condições em meio à crise inflacionária, seu poder industrial é a base de qualquer luta bem-sucedida pela transformação econômica e rápida descarbonização. A esperança não é encontrada nas salas de negociação esterilizadas da diplomacia internacional, mas nas solidariedades internacionais encontradas entre aqueles que lutam por um mundo melhor.

Colaborador

Chris Saltmarsh é cofundador do Labor for a Green New Deal. Seu primeiro livro é Burnt: Fighting for Climate Justice (Pluto Press, setembro de 2021).

14 de julho de 2022

Transporte público deve ser gratuito

A Espanha está fazendo viagens de trem de curtas e médias distância gratuitas de setembro até o final do ano. Para combater o aumento do custo de vida devido a inflação e as crises climáticas, devemos fazer o mesmo estendo-o para todos os transportes públicos e torná-lo permanente.

Chris Saltmarsh

Tribune

O pacote de viagem da Espanha será financiado por um imposto inesperado sobre bancos e empresas de energia, que deve arrecadar 7 bilhões de euros. (Sterling750 / Getty Images)

Tradução /  Em Julho de 2022, o presidente da Espanha, Pedro Sanchéz, anunciou um pacote de descontos de 100% do valor para bilhetes de trem referentes a trajetos de curta e média distância. Estas medidas tiveram início no 1º de setembro e vão até o fim do ano. Previamente, as viagens de curta e média distância já contavam com um desconto de 50%, mas, dessa vez, o governo foi mais além para encorajar o uso de transporte público ao invés de carros, enquanto o preço do combustível segue aumentando. A Ministra do Trabalho espera que tal projeto proporcione mais de 75 milhões de viagens de trem gratuitas.

Sanchéz, que também é secretário–geral do PSOE, partido de centro esquerda espanhol, anunciou os planos com uma retórica populista, afirmando que ele (próprio) irá trabalhar nesse abono para defender a classe trabalhadora do país. O pacote será financiado por um imposto inesperado sobre bancos e empresas de energia, que deverá levantar 7 bilhões de euros.

O plano político espanhol vai na esteira do sucesso da recente introdução na Alemanha de um passe de viagem de 9 euros em todo o país entre junho e agosto. Revelou-se, no primeiro mês, um significante aumento nas viagens de trem de 30 km, com movimentos ferroviários 42% maiores em junho de 2022 que em junho de 2019. As viagens de trem vem crescendo particularmente nos finais de semana. Tem havido também um impacto positivo para as viagens na estrada: menos carros desde o início deste plano e o congestionamento tem sido reduzido em 23 das 26 cidades alemãs.

Estas medidas foram pensadas no contexto mundial da crise do custo de moradia: a inflação está nas alturas e os preços estão subindo enquanto o salário real cai. Na Espanha, a inflação atingiu uma alta de 37 anos de 10,2% em junho. Embora a inflação da Alemanha tenha desacelerado para 8,2% no mesmo mês, sua taxa de 8,7% em maio foi a mais alta desde a década de 1970. No Reino Unido, entretanto, a inflação subiu para a máxima de 40 anos de 9,1% em maio, e o Banco da Inglaterra continua a prever que superará 11% no final deste ano.

O aumento dos preços na economia foram substancialmente impulsionados pelo aumento dos custos de combustível. No ano passado, os preços médios da gasolina no Reino Unido foram de 133,34 pound por litro. Na semana passada, o RAC informou que o preço era 191,43 pound por litro, marcando um aumento de 43,57 %. O preço do óleo diesel teve um aumento ainda mais expressivo. Qualquer benefício da redução do imposto por parte do governo de 5 pound por litro fora retirado.

Isto significa que, cada vez mais, locomover-se de carro está fora das possibilidades financeiras de muitas pessoas, que ainda precisam ir ao trabalho, às lojas ou visitar familiares e amigos. Sem nenhuma medida como a do transporte público gratuito, os preços extorsivos dos combustíveis impulsionarão o isolamento social e as dificuldades de acesso ao emprego – e também aumentam a fome consequentemente.

Mas assegurar a política de transportes gratuitos não é a única medida crucial direcionada para enfrentar a crise do custo de vida. No Reino Unido, o setor dos transportes é responsável por aproximadamente um terço das emissões de gases com efeito estufa. O sistema de transporte é dominado por carros particulares, um dos modos de transporte mais ineficientes, eles gastam, em média, 95% do tempo estacionados e ocupam enormes quantidades de espaço nas estradas em comparação com os ônibus.

Não podemos simplesmente substituir todo e qualquer carro movido a petróleo ou diesel por veículos elétricos, já que, para a sua fabricação requer-se recursos especiais, incluindo o uso de minerais de terras raras. Por outro lado, a crise ambiental exige uma mudança generalizada das formas de transporte poluentes, incluindo a aviação, responsável por cerca de 3,5% das emissões globais, para os transportes públicos de baixo carbono. Para realizar essas mudanças sociais urgentes do uso do transporte, as políticas de abonos significativos para o transporte público ou medidas para torná-lo gratuito são fundamentais.

Tornar o abono permanente

Atualmente, os planos de transporte espanhol e alemão trata-se de regimes de tempo limitado, que duram, respectivamente, até ao final do ano ou nos meses do verão. Mas estas não deveriam ser apenas medidas temporárias para restaurar a demanda das viagens de trens para níveis anteriormente considerados “normais”. A menos que as coisas mudem radicalmente para melhor, provavelmente estamos entrando numa “nova normalidade” onde o custo de vida será permanentemente mais caro e as emissões mudarão irreversivelmente o clima. Precisamos de soluções a longo prazo.

Como exemplo, temos a iniciativa da modalidade de cartão de trem para jovens no Reino Unido. O popular railcard 16 – 25 oferece um desconto de um terço dos bilhetes para aqueles dentro desta faixa etária, e, em 2019, o railcard 26 – 30 fora implementado, quebrando recordes de vendas no lançamento. A alta demanda por transporte público pode e deve ser ativada por preços permanentemente mais acessíveis.

Mas, ainda mesmo esta experiência está longe da perfeição. Muitos millennials já estão preocupados em como conseguirão viajar após o limite etário estabelecido – e ainda por cima, à medida que a disponibilidade de renda diminui, as desigualdades aumentam para os indivíduos da classe trabalhadora de todas as gerações, dispôr de transportes públicos enquanto um serviço básico universalmente acessível torna-se cada vez mais uma questão de bom–senso.

Da mesma forma, assegurar a gratuidade dos transportes públicos não deveria vir enquanto uma política isolada. Sem uma ampliação do projeto de reformas, será uma medida de difícil cumprimento e não conseguirá abordar questões estruturais da desigualdade e das alterações climáticas. A política de descontos da Espanha só foi possível graças ao fato da RENFE ser uma entidade pública empresarial. Assim, a política de transporte público gratuito será igualmente mais efetiva no Reino Unido se concebida conjuntamente a um sistema ferroviário de propriedade pública, no qual os lucros de acionistas privados não seja mais um condicionante.

Também precisamos de investimento em nossas redes para garantir que os trens e ônibus sejam rápidos e confortáveis, um processo que foi na direção oposta sob o atual governo conservador britânico. Além de cortar as rotas de ônibus pela metade, o sindicato de trabalhadores do transporte, RMT Rail, Maritime and Transport Workers destacou durante a atual disputa industrial que os cortes de financiamento do governo causarão superlotação, redução de serviços e acidentes mais graves.

Enquanto vivemos tempos de crises entrelaçadas e intersetoriais, a possibilidade de deslocar-se vem mudando a cada dia: a notícia de que o Aeroporto de Doncaster-Sheffield pode não ser mais viável comercialmente é apenas mais uma recente surpresa. O central não é avaliar a ocorrência de tais transformações, mas se estas serão entregues para o caos do mercado e empresas lucrativas ou se serão democraticamente repensadas para interesse dos trabalhadores e da grande maioria das pessoas – incorporando o transporte público gratuito numa revolução de transporte verde.

Coalaborador

Chris Saltmarshé cofundador do Labor for a Green New Deal.

17 de maio de 2022

A devastadora onda de calor do sul da Ásia é o novo normal

A Índia e o Paquistão experimentaram recentemente uma onda de calor tão devastadora que pássaros caíram mortos do céu. Se não pudermos quebrar a espiral da morte movida a combustíveis fósseis do capitalismo, mais cenas apocalípticas estão reservadas para nós muito em breve.

Chris Saltmarsh

Jacobin
Este abril foi o mais quente da Índia em 122 anos. (Sanchit Khanna / Hindustan Times via Getty Images)

Tradução / Viver a crise climática é ver as notícias de bandos de pássaros exaustos caindo do céu em meio à extrema onda de calor na Índia e testemunhar o tipo de imagem apocalíptica e distópica que muitos de nós já esperávamos. Conforme as fontes de água secam, os pássaros se desidratam e despencam diariamente.

Isso acontece apenas algumas semanas depois do último lembrete de que a mudança climática não é uma ameaça distante. Ela já está aqui e causa a morte e sofrimento não apenas de animais, mas de populações humanas de vastas áreas do planeta. Por volta de 1,5 bilhões de pessoas vivem em regiões que incluem a Índia, Paquistão e Sri Lanka, onde as temperaturas estão atingindo níveis recordes.

O último mês de abril foi o mais quente da Índia dos últimos 122 anos e o mais quente do Paquistão em 61 anos. Em Jacobabad a temperatura chegou próximo a 50 ºC com máximas acima de 30º durante a noite. O resultado foi de dezenas de mortes e certamente muitas outras irão acontecer, sem falar na subnotificação de casos.

Além das mortes trágicas, o calor extremo está causando estragos aos meios de vida. A agricultura no Paquistão e na Índia emprega 40% e 60% da força de trabalho, respectivamente. Isso significa que os choques climáticos têm um efeito desproporcional em trabalhadores do campo e que dependem intimamente do clima. Segundo reportagem do The Guardian, as colheitas de trigo caíram pela metade nas áreas mais atingidas. As condições de trabalho pioram conforme o mal desempenho, ao passo que os preços dos alimentos aumentam cada vez mais.

Ciclo vicioso

Isso não é mais novidade. É por causa da intensificação da mudança climática que as ondas de calor mataram pelo menos 6.500 pessoas na Índia desde 2010.

O subcontinente continuará entre os mais severamente atingidos. É nesse contexto que o governo da Índia garantiu o fim de emissões de dióxido de carbono até 2070, anúncio feito na cúpula da COP26 em Glasgow. Para um país que atualmente lida com tão graves efeitos da mudança climática, 50 anos parece muito tempo para aguentar os efeitos das contínuas emissões, e de fato é, mas a meta definida é reflexo do fracasso da classe política global em conter a crise.

A esquálida meta do Reino Unido de reduzir suas emissões até 2050 tem contribuído para definir um ritmo vagaroso para todos os outros países. Dado esse cenário, os detalhes do acordo da Índia, incluindo o plano de tornar 50% da planta energética renovável até 2030, parecem mais impressionantes. Contudo, qualquer ambição de descarbonizar em um médio prazo é debilitada por imperativos de curto prazo de aumentar o uso de combustíveis fósseis.

A demanda por eletricidade explodiu, visto que mais pessoas precisam usar ventiladores e ar condicionado por mais tempo. No momento, cerca de três quartos da energia da Índia provém do petróleo, do gás e do carvão. Tentou-se superar essa escassez com o cancelamento de viagens de trens postais e de passageiros para transportar mais carvão. Também aproveitaram a vantagem de baixa no preços do gás natural liquefeito (LNG) da Rússia, que, em meio à guerra, tem encontrado dificuldades para exportar para outros países.

A Índia encontra-se numa posição perversa onde, em meio ao calor extremo induzido pelas mudanças climáticas causadas pelo uso de combustíveis fósseis, a resposta racional é procurar urgentemente mais combustíveis fósseis, exacerbando, portanto, a crise e criando as condições para eventos ainda piores num futuro próximo. Ou seja: o ciclo vicioso continua.

Desigualdades climáticas

Isso enfatiza uma desigualdade global no coração da injustiça climática. Enquanto a classe capitalista do Norte Global organizou o planeta de acordo com seus interesses de impor um sistema econômico poluidor catastrófico para lucrar com ele, é a maior parte do mundo que se encontra presa num beco sem saída, navegando entre as fronteiras da atual crise climática.

A onda de calor na Índia também deixa claro as extremas desigualdades climáticas experienciadas entre as classes no interior das nações. As classes mais pobres são insuportavelmente mais afetadas na medida em que os trabalhadores rurais mal pagos têm prejuízos, sem acesso ao mínimo de recursos para ter condições de pagar por eletricidade ou equipamentos para diminuir a temperatura. A distribuição desigual de ar-condicionados é outro exemplo de adaptação climática para os ricos (eles mesmos tornando a crise pior) e aumentando sofrimento para os mais pobres.

Isso é exacerbado pela escassez de energia, o que tem resultado em interrupções no suprimento de energia que chegam a durar, na Índia, de 8 horas ao dia e mais de 12 horas no Paquistão. Isso significa longos períodos sem trégua de calor em seus piores momentos, sem falar em outros impedimentos como o acesso a outras necessidades, incluindo água.

Justiça climática global

Essa onda de calor extrema e letal é o exemplo mais recente dos efeitos das mudanças climáticas e que enfatiza a urgência de transformações econômicas. A descarbonização rápida e global se tornará mais e mais crítica, mas também a necessidade por uma transição planejada que repare as injustiças e desigualdades globais, ao invés de entrincheirá-las. O ímpeto por trás da rápida descarbonização — seja em nível local, nacional ou internacional — deveria ser proteger aqueles que estão no fio da navalha do aquecimento global.

Da mesma maneira, temos que empenhar esforços para destravar uma adaptação global justa aos impactos das mudanças climáticas. Lamentavelmente, temos visto emissões ao longo da história para saber com certeza que nós viveremos os efeitos delas nos próximos anos, ainda que interrompêssemos a extração de combustíveis fósseis imediatamente. Existem demandas para que ar condicionados sustentáveis sejam um direito universal garantido a todos que estão expostos ao risco de calor mortal. O mesmo é verdade para o acesso a comida, renda, moradia, saúde e outras necessidades básicas. Precisamos trabalhar numa adaptação para a maioria e não no lucro para poucos.

Para possibilitar uma transição energética e uma adaptação global justas, devemos criar as condições para uma economia política global na qual a obtenção de mais combustíveis fósseis não seja mais uma resposta automática para países como a Índia. Isso não quer dizer dar e receber lições de moral das elites ocidentais, mas fazer uma reorganização das instituições internacionais para desempoderar o capital e re-empoderar o trabalho global. Isso requer um investimento coordenado em novas infraestruturas e tecnologias, bem como novos sistemas de valor sustentados por um tratado de não-proliferação de combustíveis fósseis. Apenas por meio dessas transformações globais nós poderemos quebrar o motor movido a combustíveis fósseis na espiral de morte do capitalismo.

Sobre o autor

Chris Saltmarsh, é cofundador do Labor for a Green New Deal.

6 de agosto de 2021

É o capitalismo que está queimando o planeta, não as pessoas comuns

Nem todos os humanos são igualmente culpados no caos climático descrito no relatório do IPCC de segunda-feira. Identificar os ricos e poderosos como os principais culpados é a chave para impedir mais destruição.

Chris Saltmarsh


Incêndios florestais assolaram a região mediterrânea da Turquia em julho e agosto de 2021. (Felton Davis / Flickr)

Tradução / A cada sete ou oito anos, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC) publica seus últimos relatórios analisando a partir da ciência disponível o status das mudanças climáticas. O mais recente, o Sexto Relatório de Avaliação, foi publicado nesta semana em meio a uma variação de clima intensa e grandes inundações.

Estes relatórios parecem momentos marcantes na história das mudanças climáticas. Enquanto políticos, corporações e ativistas fazem um pouco ou nenhum progresso com seus argumentos, os cientistas atravessam tudo isso com uma imagem sóbria e objetiva de onde estamos e o que ainda precisamos fazer.

Quais as novidades?

Então, quais novas informações contidas no último relatório do IPCC que podem auxiliar no combate às mudanças climáticas? Fundamentalmente, não muitas. As emissões ainda estão aumentando e o planeta ainda está aquecendo. Ainda precisamos descarbonizar a economia com urgência.

As manchetes do Sexto Relatório de Avaliação se concentraram na meta amplamente alardeada de limitar os aumentos de temperatura média global para 1,5°C. Essa meta foi a pedra angular do Acordo de Paris e é defendida pelos especialistas que estudam o clima como o limite além do qual o aquecimento se torna inseguro. Na realidade, o alvo é claro: nós já atingimos a marca de 1,1 ou 1,2°C de aquecimento, e dificilmente nosso atual cenário climático pode ser considerado seguro.

Independente disso, a comunidade internacional se manteve coerente em torno de 1,5°C como uma ambição coletiva, para o bem ou para o mal. Uma das manchetes mais marcantes do relatório do IPCC foi que, em todos os cenários estudados, atingiremos esse nível em 2040. Esse ponto virá muito mais cedo (cerca de uma década a partir de agora) se não começarmos a reduzir as emissões rapidamente.

Quando atingirmos 1,5°C, veremos elevações do nível do mar entre dois e três metros. Casos de calor extremo serão cerca de quatro vezes mais prováveis. Chuvas fortes serão cerca de 10% mais intensas e 1,5 vezes mais prováveis. A questão, agora, é quando isso vai acontecer.

Se existe otimismo no relatório do IPCC, é que se zerarmos as emissões globalmente até 2050, existe uma boa chance de estabilizar as temperaturas em 1,5°C. Claro, a má notícia é que esta ainda seria uma opção muito mais perigosa do que o de hoje – e que o cenário otimista certamente não é o mais provável. O modelo de um cenário de emissões mais altas nos levaria a 1,9°C em 2040 (nesse ponto eu terei 46 anos), 3°C em 2060 (neste ponto, é improvável que eu ainda tenha me aposentado) e 5,7°C em 2100 (nesse ponto eu poderia ter 104, se o calor extremo não me matar primeiro).

Estes números mostram o que minha geração está enfrentando e enfrentará durante nossas vidas se não enfrentarmos a mudança climática, embora não seja nada que já não soubéssemos. António Guterres, o secretário geral das Nações Unidas, respondeu ao relatório mirando na indústria de combustíveis fósseis: “Este relatório deve soar como uma sentença de morte para os combustíveis fósseis e a base de carvão, antes que destruam nosso planeta.”

Isso se tornou uma evidência para todos que se preocupam com as mudanças climáticas, mas simplesmente fazer uma declaração como esta não é mais suficiente. Menos de três meses antes da tardia conferência COP26 em Glasgow, podemos dizer com clareza que esperamos que esta será diferente? As duas grandes conferências anteriores não produziram absolutamente nada: a COP15 de Copenhagen em 2009, e a COP21 em 2015 (o Acordo de Paris), que apenas comprometeu as nações com metas voluntárias de redução de emissões de carbono que garantissem cerca de 2,9°C de aquecimento, caso fossem alcançadas. Glasgow parece ser nada mais que outro fracasso.

Este relatório é tão rígido quanto qualquer outro, mas não nos dá nenhuma nova razão para acreditar que os processos internacionais estabelecidos e que os atuais governos estão preparados para coordenar a mudança econômica global de que precisamos com urgência. John Kerry, o enviado presidencial especial dos Estados Unidos para o clima, diz que Glasgow deve ser um “ponto de virada nesta crise”. Já ouvimos tudo isso antes. O único ponto de virada em que podemos apostar agora é o afastamento de uma economia política capitalista, que produziu e consolidou esta crise, e em direção a uma nova economia baseada na equidade, justiça e prosperidade compartilhada.

Culpe o capitalismo, não a “humanidade”

A pesquisa científica do Sexto Relatório de Avaliação é inquestionável, e a potência de suas implicações nos trazem o ímpeto para questionar a adequação de nosso sistema político e econômico. De qualquer forma, o relatório não vai além para discutir essa questão por si só. Na verdade, ao longo do relatório, podemos ver uma linguagem que funciona para defender o domínio da classe dominante.

A primeira declaração no “Resumo para Formuladores de Políticas” afirma que a mudança climática é “inequivocamente causada por atividades humanas”. A frase “mudança climática induzida pelo homem” aparece ao longo do relatório. A certeza da responsabilidade da humanidade pela crise climática, portanto, tornou-se uma manchete de destaque nas reportagens midiáticas, incluindo históricas publicações como BBC e The Guardian.

Ao contrário das avaliações do relatório do IPCC sobre o provável aumento no aquecimento, o calor extremo previsto e o aumento do nível do mar previsto, sugerir que a humanidade como um todo é a culpada não é uma afirmação com embasamento científico. É ideológica. Nesse caso, isola a classe dominante da culpa.

É improvável que estas sejam as intenções explícitas dos cientistas do IPCC. A tendência que se popularizou de falar sobre as mudanças climáticas causadas pelo homem é certamente uma resposta ao bem financiado negacionismo climático. No entanto, a negação climática não é mais o principal bloqueio – ao invés disso, é o atraso e a inação da classe capitalista.

São os capitalistas que lucram com a crise climática enquanto os mais pobres sofrem. É o sistema capitalista que coloca o lucro acima de tudo que bloqueia a descarbonização enquanto o mundo queima. Claro, é tecnicamente correto dizer que a mudança climática é induzida pelo homem. Pelo que eu sei, a classe capitalista é composta por humanos (a menos que David Icke saiba algo que nós não sabemos). Mas isso não significa que todos os humanos tenham desempenhado um papel na produção da crise.

É verdade que alguns de nós desfrutamos materialmente de recursos do capitalismo fóssil. É inevitável que a extração de combustível fóssil tenha sido a base da civilização moderna e proporcionado melhorias para muitos de nós. Mas a maioria também é explorada, alienada e marginalizada dentro desse sistema. Consumimos os produtos a base de carbono do capitalismo, mas não temos nenhuma palavra a dizer sobre as condições fundamentais de produção que estão levando nosso clima ao colapso.

O trabalhador que integra uma refinaria de petróleo não compartilha a culpa com o capitalista que os explora para lucrar com a produção de petróleo. As comunidades indígenas violentamente deslocadas de suas terras para abrir caminho para uma mina de carvão não compartilham a culpa com os governos que estão forçando esses projetos a seguirem adiante. Podemos também falar sobre mudanças climáticas causadas por mamíferos ou outros seres terrestres. Seria tão verdadeiro quanto, apenas em um nível ainda mais distante de abstração dos verdadeiros culpados.

É correto afirmar que a mudança climática não é necessariamente exclusiva do modo de produção capitalista. Para adentrar brevemente em uma contra-história, certamente é verdade que qualquer civilização humana que tivesse descoberto os combustíveis fósseis teria se aproveitado disso e inadvertidamente colocado as rodas da mudança climática em movimento. A malícia única do capitalismo, porém, está em sua incapacidade de reverter isso. Temos conhecimento sobre as causas e efeitos da mudança climática há décadas, mas a prioridade do capitalismo de maximizar os lucros de curto prazo exclui a necessidade de fazer a transição do nosso sistema energético.

Nós não somos equivalentemente responsáveis pelo colapso climático. Nossos comportamentos individuais, mesmo considerados em conjunto, não podem impulsionar uma descarbonização rápida sem planejar uma transformação da economia. Podemos escolher entrar em uma política climática insociável que coloca a humanidade como um todo sob risco enquanto ofusca a verdadeira causa da crise – ou podemos abraçar uma visão humanista e socialista de justiça climática que conta uma história do potencial humano e da possibilidade de um mundo melhor, aproveitando ao máximo o potencial para estabilizar o clima.

O mundo em 1,5°C
 
Se 1,5°C de aquecimento é o melhor nível em que podemos nos manter, e se, como nos diz o Sexto Relatório de Avaliação, tantas mudanças no clima são agora inevitáveis ​​e irreversíveis, então os atuais incêndios florestais na Grécia, Turquia e Argélia são apenas os indícios de um novo normal. Nesse contexto, precisamos destravar as melhores qualidades da humanidade, ao invés de focar no pior. Além de lutar contra cada etapa de agravamento do aquecimento, devemos também aceitar a permanência de um perigo climático pior do que aquele em que convivemos atualmente. É aqui que os princípios de solidariedade e justiça tornam-se cruciais.

Nossa missão primordial é limitar o aquecimento através da descarbonização o mais rápido e equitativamente possível. Devemos também considerar como nos adaptar a este novo clima. A esquerda e o movimento pelo clima devem exigir e integrar em nossa própria plataforma política, um programa com uma adaptação justa às mudanças climáticas. Precisamos ver edifícios e infraestrutura resistentes, defesas contra enchentes, planos de evacuação, serviços de emergência bem financiados, seguro garantido pelo Estado para cobrir perdas e danos e políticas para aceitar e apoiar refugiados. Estes não podem ser o ponto final da nossa ambição política ou servir de pretexto para abandonar a luta pela descarbonização, mas devem estar presentes em qualquer visão de justiça no mundo dos 1,5°C.

Como o relatório do IPCC esclarece, existem vários cenários em detrimento do aquecimento nas próximas décadas. Em alguns deles está implícito o fracasso dos governos e dos movimentos pelo clima em reduzir as emissões na escala de tempo necessária. Claro, nossa ambição deve ser capturar o poder do Estado e usá-lo para transformar a economia e fazer justiça. Nós devemos nos preparar para operar em cenários em que políticos mantém seu status quo e não descarbonizem, ou onde a descarbonização aconteça para benefício dos ricos, enquanto sacrificam os pobres e marginalizados. Nestes cenários de relativa derrota, temos que estar preparados para nos defender construindo poder e solidariedade em nossas comunidades. Devemos estar prontos e reunir forças para quando o Estado falhar em estabelecer sistemas robustos de distribuição de alimentos, abrigos de emergência e resgate.

É compreensível que em momentos como esse, quando os relatórios do IPCC são publicados em meio a um contexto extremo, implacável e devastador, nos levem a um sentimento coletivo de desespero, ansiedade e impotência. A integralidade da minha vida profissional, em boa parte dos cenários prováveis do IPCC, acontecerá no contexto de um planeta em aquecimento. Devemos reconhecer e respeitar estes sentimentos sem deixar se levar pelo desespero ou pela melancolia.

Apesar do que nos dizem a mídia, a classe dominante e até os cientistas, “nós” não somos os culpados pela crise climática. Mas os verdadeiros culpados não planejam fazer nada a respeito – então, depende de nós de qualquer maneira. Sabendo disso, podemos formar uma militância radical preparada para construir uma nova economia baseada na equidade, justiça e prosperidade para todos. Sabemos que teremos que conviver com o legado do capitalismo fóssil de qualquer maneira, mas podemos ter certeza de torná-lo uma página do passado.

Sobre o autor

Chris Saltmarsh é cofundador do Labor for a Green New Deal.

4 de janeiro de 2021

Como as empresas de combustíveis fósseis exploraram a pandemia

Enquanto a pandemia paralisa os movimentos ambientalistas que lutam contra a crise climática, os lobistas do petróleo e do gás têm aumentado seu acesso a subsídios públicos e se colocaram no centro dos planos de recuperação econômica.

Chris Saltmarsh 



Tradução / Em meio à dor e ao sofrimento causados ​​pela pandemia de Covid-19, a indústria de combustíveis fósseis tem feito forte lobby pela desregulamentação e sugado dinheiro público. A indústria sentiu os efeitos da paralisação econômica – as indústrias automotivas e de aviação de alto teor de carbono foram atingidas com aviões aterrados e fábricas fechadas e, em abril, o preço do petróleo ficou brevemente abaixo de US$ 0 – mas enquanto as mobilizações climáticas como greves de jovens e a Extinction Rebellion perdiam impulso, as empresas responsáveis ​​pela injustiça climática estavam se esforçando para fazer a pandemia trabalhar para elas.

A indústria de combustíveis fósseis já recebe um apoio considerável dos governos. No G20, o Reino Unido e a Rússia proporcionaram as mais diretas transferências de fundos e reduções e isenções de impostos e, apesar das campanhas de desinvestimento em combustíveis fósseis da última década com o objetivo de marginalizar a indústria na vida política, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Itália, Índia, África do Sul e Coreia do Sul aumentaram o financiamento público para combustíveis fósseis na forma de empréstimos, garantias e investimento estatal entre 2014 e 2018.

Para uma indústria movida por uma busca implacável de lucro, no entanto, e despreocupada com consequências devastadoras, mesmo isso não era suficiente. O recente relatório “Poluidores lucrando com resgates financeiros na pandemia” da Fossil Free Politics expôs a escala da influência da indústria de combustíveis fósseis nos planos de recuperação econômica em toda a Europa e sua captura de dinheiro público disponibilizado para manter setores-chave da economia de pé.

Na Itália, a empresa de infraestrutura de gás Snam e a lobista Confindustria publicaram em conjunto um relatório argumentando que o investimento em infraestrutura para a energia de combustíveis fósseis impulsionaria a recuperação econômica e a descarbonização. Suas recomendações incluíam direcionar metade dos investimentos até 2030 para combustíveis fósseis, especialmente gás. A Confidustria aproveitou a pandemia como uma oportunidade para fazer lobby pela simplificação dos procedimentos de avaliação de impacto ambiental também como parte do plano de recuperação.

Na França, as empresas de gás, incluindo Engie, GRTgas e Téréga, fizeram lobby contra regulamentações ambientais e climáticas, atrasando com sucesso a abolição de uma vantagem fiscal para o diesel não rodoviário.

Em Portugal, António Costa Silva, diretor executivo da empresa de combustíveis fósseis Partex, foi nomeado para redigir o plano de recuperação econômica do país. Ele já havia criticado o governo por bloquear a nova exploração de petróleo e gás no Algarve. O plano concedeu fundos de recuperação consideráveis ​​ao gás hidrogênio, combustível promovido como “limpo” pela indústria.

No nível da União Européia, o grupo de lobby BusinessEurope (assessorado pela Shell, BP, ExxonMobil e Total) escreveu ao Conselho Europeu em março exigindo desregulamentação e adiamentos de iniciativas que “aumentariam os custos para as empresas”. Os lobistas dos combustíveis fósseis se reuniram com funcionários de alto escalão 25 vezes entre 23 de março e 25 de maio, promovendo a desregulamentação e o apoio aos combustíveis fósseis antes do lançamento do Next Generation EU, o pacote de recuperação financeira relativo à Covid-19. Dos €750 bilhões do pacote, 30% foram destinados à ação climática, mas o lobby enfraqueceu efetivamente os critérios para o que é considerado “verde”. Há escopo para que fundos públicos sejam destinados à infraestrutura de gás associada a captura e armazenamento de carbono (ou CCS, da expressão em inglês carbon capture and storage), com lobistas ainda pressionando para que o gás natural seja considerado sustentável.

As instituições financeiras europeias há muito apoiam a expansão dos combustíveis fósseis, inclusive através da iniciativa “Projetos de Interesse Comum da Comissão Europeia”. A análise do Greenpeace mostra que, desde o início da pandemia, o Banco Central Europeu (BCE) injetou mais de €7,6 bilhões em combustíveis fósseis. O Programa de Compra de Emergência Pandêmica do BCE comprou dívida corporativa na forma de títulos, inclusive da Shell e da Total. Agora que o banco tem um interesse claro em obter seu dinheiro de volta, é incentivado a promover políticas que ajudem as empresas de combustíveis fósseis a serem lucrativas – e, portanto, a continuar extraindo. As decisões tomadas hoje em resposta à pandemia estão prendendo as economias a décadas de emissões futuras, bem quando precisamos começar a descarbonização.

Por que o capital fóssil teve tanto sucesso em tirar vantagem da pandemia? A indústria, ao longo de décadas, garantiu sua posição no centro da economia política global. No momento, permitir que empresas de combustíveis fósseis quebrem significaria permitir que o sistema de energia global entre em colapso. A indústria usa essa relação de dependência a seu favor em momentos de crise, pressionando por um ambiente regulatório enfraquecido com base na ideia de que seu próprio sucesso financeiro é indistinguível de um sucesso econômico mais amplo, ou “recuperação”, no caso.

Esse ciclo só pode se manter se a prioridade for a recuperação de um status quo doentio. O desespero para “voltar ao normal” após a turbulência da pandemia obscureceu o que “normal” representa – normalidade é a reprodução das mesmas condições que causaram a pandemia, e, em nossa experiência, ela é um desastre: desmatamento, pecuária, austeridade e privatização. A normalidade continua facilitando a extração de combustíveis fósseis, arrastando-nos cada vez mais para uma catástrofe climática. Ela significa deixar que as empresas privadas fujam da responsabilidade enquanto lucram com os danos aos trabalhadores e ao mundo.

A esquerda e o movimento climático precisam parar de desperdiçar as crises, porque a indústria de combustíveis fósseis certamente não o faz. Houve muitos apelos por “recuperação verde” ou “reconstruir melhor” durante a pandemia, mas nos faltou a estratégia militante, o poder das bases e a liderança política para realmente pressionar o governo.

Haverá cada vez mais crises nas próximas décadas – pandemias, choques climáticos ou outras coisas. É hora de usá-las para expor a culpabilidade da indústria de combustíveis fósseis na produção dessas crises. É hora de usarmos nosso poder para forçar um ajuste de contas em que rompamos nossa dependência dos combustíveis fósseis com uma transformação que rapidamente se descarboniza e coloca a economia nas mãos do público.Quando os lobistas dos combustíveis fósseis pedem a desregulamentação, nós devemos exigir que os ativos de combustíveis fósseis sejam nacionalizados para acelerar o desmantelamento da indústria. Quando os lobistas dos combustíveis fósseis pedem dinheiro público, nós devemos exigir que esses fundos sejam investidos em um programa de novos empregos verdes que atravesse toda a economia e em um setor público forte para realizar a transição energética vital para manter nosso planeta vivo.

Sobre o autor

Chris Saltmarsh é cofundador do Labor for a Green New Deal.

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