Maria Lúcia Fattorelli
O ministro Paulo Guedes (Economia), responsável pela reforma da Previdência. Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil |
Substituir a Previdência solidária, universal e sustentável, vigente desde a Constituição de 1988, por onerosa e arriscada capitalização que só favorece o setor financeiro, é o principal foco da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº 6/2019.
As inúmeras modificações pretendidas por essa PEC adiam, reduzem ou até suprimem direitos previdenciários e assistenciais e irão “economizar” R$ 1 trilhão para viabilizar a capitalização, como declarou o ministro Paulo Guedes (Economia): “Precisamos de R$ 1 trilhão para ter potência fiscal suficiente para pagar uma transição em direção ao regime de capitalização (...) Por isso que a gente precisa de R$ 1 trilhão”.
Dessa forma, o R$ 1 trilhão que será cortado mormente dos mais pobres irá financiar parte da transição para a capitalização, que tem dado errado mundo afora.
No importante estudo “Reversão da Privatização de Previdência: Questões chaves”, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) revelou que, de 30 países que optaram pela capitalização, 18 já se arrependeram e voltaram atrás, sobretudo devido ao elevadíssimo custo de transição, que criou forte pressão fiscal, inviável aos cofres públicos.
O estudo acrescenta que a capitalização apresentou alto custo administrativo; reduzidas taxas de retorno aos participantes condenados à miséria na velhice; destinação das contribuições para especulação financeira internacional e não em projetos nacionais de desenvolvimento; e transferência de todos os riscos demográficos e do próprio mercado financeiro para os participantes. Enfim, o único e grande beneficiário tem sido o setor financeiro, que recebe as contribuições, cobra taxas de administração exorbitantes e não se responsabiliza por qualquer benefício futuro, o que vai depender do mercado.
No Brasil, estudos que teriam embasado a PEC nº 6/2019 foram classificados como sigilosos e até hoje não foi revelado qual seria o custo de transição para a capitalização. No Chile, de acordo com o professor Andras Uthoff, esse custo foi de 136% do PIB, o que aqui significaria cerca de R$ 10 trilhões!
A capitalização sequer pode ser considerada “previdência”, já que corresponde a aplicação de alto risco e altíssimo custo —e não garante o pagamento de benefício futuro nem oferece proteção social.
Por outro lado, a Seguridade Social solidária, que conta com o amparo do Estado e financiamento compartilhado também por empresas e pessoas (art. 195 da Constituição) é o maior programa social do Brasil: além de garantir a aposentadoria, engloba cobertura para os eventos de vulnerabilidade, como doença, invalidez, morte, idade avançada, maternidade, desemprego, reclusão, viuvez e orfandade, além de benefícios assistenciais para os mais pobres. E tudo de forma universal; ou seja, todas as pessoas têm direito.
Esse sistema de proteção social tem sido altamente sustentável. De 1988 até 2015, as contribuições vinculadas à Seguridade Social foram mais que suficientes para cobrir tudo que se gastou com Previdência, saúde e assistência. E ainda sobraram dezenas de bilhões de reais anualmente, que foram desviados por meio da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e de outros mecanismos, principalmente para o pagamento de juros da chamada dívida pública.
De 1995 a 2014, produzimos mais de R$ 1 trilhão de superávit primário; ou seja, gastamos menos do que arrecadamos, sobra que também foi reservada para juros da chamada dívida pública.
De repente, entramos em “crise”: o PIB caiu 7% em 2015-2016; em vez do histórico superávit primário passamos ao déficit primário, e as contribuições já não foram mais suficientes para cobrir todo o gasto da Seguridade Social.
Essa inversão repentina não foi causada pelos fatores que produzem crise (quebra de bancos, como aconteceu nos Estados Unidos em 2008; quebra de safra; adoecimento da população ou guerra), mas pela insana política monetária.
Essa crise fabricada tem servido de justificativa para medidas que só favorecem o setor financeiro, a exemplo da capitalização.
Sobre a autora
Auditora fiscal aposentada da Receita Federal e coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.
Esse sistema de proteção social tem sido altamente sustentável. De 1988 até 2015, as contribuições vinculadas à Seguridade Social foram mais que suficientes para cobrir tudo que se gastou com Previdência, saúde e assistência. E ainda sobraram dezenas de bilhões de reais anualmente, que foram desviados por meio da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e de outros mecanismos, principalmente para o pagamento de juros da chamada dívida pública.
De 1995 a 2014, produzimos mais de R$ 1 trilhão de superávit primário; ou seja, gastamos menos do que arrecadamos, sobra que também foi reservada para juros da chamada dívida pública.
De repente, entramos em “crise”: o PIB caiu 7% em 2015-2016; em vez do histórico superávit primário passamos ao déficit primário, e as contribuições já não foram mais suficientes para cobrir todo o gasto da Seguridade Social.
Essa inversão repentina não foi causada pelos fatores que produzem crise (quebra de bancos, como aconteceu nos Estados Unidos em 2008; quebra de safra; adoecimento da população ou guerra), mas pela insana política monetária.
Essa crise fabricada tem servido de justificativa para medidas que só favorecem o setor financeiro, a exemplo da capitalização.
Sobre a autora
Auditora fiscal aposentada da Receita Federal e coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.
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