Uma entrevista com
Tariq Ali
Tradução / O processo eleitoral britânico começou dia 6 de novembro, e os britânicos irão às urnas em 12 de dezembro – um calendário político miseravelmente concentrado, embora intenso, especialmente se comparado às aparentemente intermináveis campanhas norte-americanas. Os conservadores, o Partido Brexit e os Democratas Liberais, estão tentando focar a campanha no Brexit, enquanto a campanha do Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn concentra-se em reverter a longa noite da austeridade.
Boris Johnson lançou sua campanha no jornal conservador Daily Telegraph, comparando Jeremy Corbyn a Joseph Stalin: “a tragédia do moderno Partido Trabalhista sob Jeremy Corbyn é que eles detestam o lucro visceralmente... eles apontam seus dedos para indivíduos com um prazer e uma vingança nunca vistos desde os gulags de Stalin”. Enquanto isso, Corbyn iniciou sua campanha falando apaixonadamente sobre a necessidade de investir 400 bilhões de dólares para confrontar as crises gêmeas da emergência climática e privação social.
Para discutir os primeiros dias de campanha eleitoral, e as dinâmicas da resposta da esquerda às políticas de extremo centro britânicas, Susi Weissman da Jacobin Radio conversou com Tariq Ali.
Suzi Weissman
Você pode nos dar uma ideia sobre o programa de Corbyn? No que são focados os pontos chave de sua campanha, o que ele pretende realizar e de quem ele está tentando ganhar?
Tariq Ali
O programa Corbyn é explicitamente uma quebra com o capitalismo neoliberal, e uma reversão à social-democracia – social-democracia bastante tradicional. Dado o mundo que vivemos, o que ele está propondo soa ultrarradical, apesar de que a norma quarenta anos atrás.
O programa propões grandes gastos com infraestrutura e moradia social, e o cancelamento de mensalidades para o ensino superior. O que está acontecendo nas universidades é terrível: muitos não podem ir à universidade pois não conseguem pagar as mensalidades, que, aliás, não foi a inovação do Partido Conservador: foram introduzidas por Tony Blair e seu chanceler, Gordon Brown, ambos políticos trabalhistas de direita. Corbyn afirma que essas taxas serão canceladas e a educação superior será gratuita novamente.
Muito mais dinheiro poderia ser direcionado ao sistema educacional em geral. Há um debate agora sobre cobrar impostos das escolas particulares – atualmente, elas são considerados instituições de caridade e, portanto, não pagam impostos. Então, haverá resistência.
O trabalhismo também visa direcionar fundos ao National Health Service (NHS – Sistema Nacional de Saúde), onde foi, novamente, Blair quem iniciou o processo de privatização, depois aprofundado pelos conservadores. Enquanto isso, Boris Johnson agora está dizendo que fará acordo econômico com Trump e os Estados Unidos. Em sua última visita ao Reino Unido, Trump disse publicamente que a Grã-Bretanha precisa remover toda a regulamentação do serviço de saúde – caso contrário, nenhum acordo.
Portanto, o Trabalhismo tem colocado uma grande ênfase no simples retorno do setor público e do serviço de saúde ao que costumava ser. Ligado a isso, está o mais recente anúncio de Corbyn, não apenas para voltar ao normal, mas para criar uma empresa farmacêutica estatal que reduziria o custo dos medicamentos, ajudaria o serviço de saúde e poderia acabar com todas as cobranças de receitas médicas.
Suzi Weissman
Seria uma empresa de genéricos nacionalizada?
Tariq Ali
Sim, seria criada pelo estado para produzir medicamentos baratos. O objetivo de criar uma empresa farmacêutica estatal é produzir medicamentos genéricos e destruir o domínio que a Grande Indústria Farmacêutica atualmente possui sobre o serviço de saúde; certos medicamentos são tão caros que o serviço de saúde simplesmente não pode pagar por eles. Considero uma inovação muito radical, pois aqueles que criaram o serviço de saúde – [Clement] Attlee e Nye Bevan [em 1946] – falharam erroneamente neste ponto. Será uma jogada bastante popular.
Tudo isso é extremamente importante. Mas o que realmente assusta os governantes deste país é que Corbyn deixou bem claro que ele nunca pressionará o gatilho nuclear por conta própria. Ele disse que não faria e, por isso, foi atacado.
Corbyn deveria ter dito que, de fato, nenhum governo britânico pode pressionar o gatilho nuclear de qualquer jeito – esta é uma decisão tomada pelos Estados Unidos e, seja como for, a Grã-Bretanha não possui nenhuma arma nuclear independente. Os submarinos que carregam os mísseis não podem usá-los sem a permissão prévia dos Estados Unidos: isso é um fato. Portanto, essa noção de que a Grã-Bretanha é independente é uma besteirada, e não vai mudar – e provavelmente ficará é pior se houver um Brexit.
Suzi Weissman
Em seu livro de 2015, apropriadamente chamado The Extreme Center [O Extremo Centro], você descreveu as forças neoliberais hegemônicas. Mas agora, esse centro aparentemente estável e forte está sob ataque em quase todos os lugares. Joseph Stiglitz, economista vencedor do Prêmio Nobel, escreveu recentemente um artigo dizendo que o mantra do neoliberalismo – que a privatização levará a padrões de vida mais altos em todos os lugares – se provou falso. A evidência é que, durante quarenta anos, o neoliberalismo não fez o que prometeu fazer. Apenas criou redistribuição da riqueza de baixo para cima e desigualdade crescente. À luz desses problemas, os principais beneficiários politicamente têm sido, em grande parte, a direita autoritária populista. Hoje, porém, também existem forças de esquerda populares, como Sanders nos Estados Unidos e Corbyn no Reino Unido. Como você vê essas dinâmicas se desenrolando no Reino Unido?
Tariq Ali
Dois pontos têm que ser levantados. O ataque ao extremo-centro veio tanto da esquerda quanto da direita. Por detrás de Corbyn, por exemplo, está a insurreição política dos jovens que ocuparam o Partido Trabalhista e o tornaram o que é hoje. Para dar um exemplo da mudança que eles trouxeram: existe um distrito eleitoral nos arredores de Londres chamado Chingford, que costumava ser muito de direita. Norman Tebbit, um dos colaboradores mais próximos da Margaret Thatcher, foi eleito por lá, e essa cadeira parlamentar agora é ocupada por Iain Duncan Smith, um conservador de extremista que apresenta idéias assustadoras sobre bem-estar social e assim por diante.
Com a onda de apoio nas últimas eleições, os trabalhistas chegaram perto de ganhar Chingford, por pouco não ganharam o distrito. Agora, com uma nova candidata, uma jovem bengali chamada Faiza Shaheen, os trabalhistas estão realmente mirando nessa vitória. No fim de semana passado – o primeiro final de semana da campanha eleitoral – quinhentos membros do Partido Trabalhista estavam nas ruas em campanha eleitoral, batendo nas portas.
O trabalhismo agora tem uma equipe bem organizada e bem treinada de – em grande parte, jovens – ativistas que têm como alvo distritos eleitorais onde a diferença foi pequena nas últimas eleições. Por outro lado, os Conservadores, cuja idade média está agora acima dos 60 anos, quase não têm jovens em suas fileiras e tiveram que contratar uma empresa para conduzir sua campanha. Eles privatizaram a eleição. Alguma empresa de relações públicas será treinada para difamar Corbyn e atacar o Partido Trabalhista. Basta um único desafio inteligente a esses idiotas terceirizados que não serão capazes de dar respostas. É em grande parte por causa desse contraste importante entre as duas partes que Corbyn está subindo nas pesquisas, mesmo na primeira semana da campanha.
Mas, voltando ao seu ponto, além de Corbyn e Sanders, tem sido em grande parte a direita que vem atacando o centro: Salvini na Itália, Le Pen na França, o AfD [Alternative für Deutschland] na Alemanha. Isso é perturbador, e ninguém pode sugerir que esse desenvolvimento tenha sido provocado pela esquerda – foi provocado pelas políticas do extremo-centro.
Portanto, nem tudo são boas notícias, mas provam o ponto de Stiglitz que o neoliberalismo falhou, e os últimos quarenta anos têm sido, de muitas maneiras, um desastre. Muitos de nós dizíamos isso, desde o início do projeto neoliberal.
Olhe para o fracasso de [Michelle] Bachelet, ex-presidente do Chile do partido socialista e política de extremo-centro por excelência. Ela teve dois mandatos e falhou inteiramente em alterar a infraestrutura social e política deixada por Pinochet, que, além de fascista, também apoiava firmemente o neoliberalismo. O Chile foi o primeiro país que eles decidiram usar como uma cobaia para o projeto neoliberal.
Suzi Weissman
E se você olhar alguns dos incríveis cartazes das manifestações no Chile, um deles dizia que o neoliberalismo começou no Chile e seria enterrado no Chile.
Tariq Ali
Sim, fantástico! E em Beirute, o slogan mais popular nas ruas – cantado por muçulmanos, cristãos, pessoas de todas as seitas e facções diferentes – é direcionado aos políticos: “Vocês são todos iguais” – significando vocês são todos ladrões, criam suas próprias oligarquias, não fazem nada por nós. O elemento de classe nesse movimento secular tem sido extremamente forte.
Argentina também é um caso interessante. Eles pensaram que haviam derrotado a esquerda ali – sim, é uma esquerda problemática – mas o deus neoliberal elogiado pelo Economist, pelo Financial Times e pelo Wall Street Journal está desmoralizado novamente. Os peronistas venceram as eleições e houve celebrações nas ruas.
Portanto, é um sistema muito volátil. O capitalismo global – seus governantes, diretores e gerentes – falhou completamente em entender que a quebra em Wall Street de 2008 foi um evento decisivo na recente economia política. Acharam que poderiam ignorá-lo e continuar como antes. O que estamos vendo agora em todo o mundo é que, politicamente, é muito difícil fazer isso. Então você tem o Guardian, um jornal ambíguo, cujos colunistas atacaram Corbyn violentamente, agora apoiam o Trabalhismo de Corbyn nas eleições, porque perceberam, como dizem, que a Grã-Bretanha necessita de mudanças radicais.
Suzi Weissman
Isso é incrível, e também parece que o Financial Times está basicamente apoiando o Partido Trabalhista.
Tariq Ali
O Financial Times vê a disputa como uma escolha entre um Brexit de Johnson e Corbyn – e concluem que Corbyn é o mal menor. Essa é efetivamente a linha deles. Mas é a mudança no Guardian que considero mais importante, porque este é um jornal que muitas pessoas da esquerda leem.
Suzi Weissman
Existe o perigo de Corbyn falhar em atender às necessidades da antiga classe trabalhadora industrial, que foi deixada para trás na política global (e muitas vezes acabou se alinhou com a extrema direita populista)? Isso é parte do problema nos Estados Unidos. Trump foi para o Kentucky e disse: “Vamos trazer carvão de volta”.
Tariq Ali
Não, esse não é o caso na Grã-Bretanha. De fato, o problema de Corbyn é que ele lidera um partido dividido no Brexit. O próprio Corbyn assumiu a posição de defender os interesses de todos os eleitores do Partido Trabalhista, o que não é fácil.
Os discursos de campanha que ele fez na parte norte do país, onde houve um forte voto pelo Brexit, foram cuidadosamente direcionados às necessidades da classe trabalhadora. E Corbyn disse publicamente, muitas vezes, tanto no sudeste do país quanto no norte, que o ponto principal não é necessariamente “Sair ou Permanecer” [na União Européia], mas criar uma Grã-Bretanha que deixe para trás o neoliberalismo e garanta às pessoas um melhor padrão de vida, uma Grã-Bretanha com mais espírito comunitário.
Portanto, a mensagem da campanha nessa frente é muito clara, dizendo que queremos uma Grã-Bretanha diferente e acreditamos que o único partido político que pode entregá-la é o trabalhista – um ponto que não acho que seja contestado por ninguém. Até Tom Watson – o vice-líder trabalhista, de extremo-centro, que tentou sabotar Corbyn por anos, mas acabou de se aposentar da política e ao fazê-lo, para ser justo, não atacou Corbyn. Disse que está saindo por motivos pessoais, não políticos, e que deseja que o Partido Trabalhista vença – ao contrário de outros ex-parlamentares [da direita trabalhista], que estão pedindo aos eleitores que votem no Partido Conservador.
É o que está acontecendo durante a campanha até agora. Os encontros têm sido sido grandes, o clima é bom entre os filiados trabalhistas e os que fazem todo o trabalho duro, e o primeiro vídeo da campanha do Labour foi visto por mais de 3 milhões de pessoas poucas horas depois de ser lançado on-line. Estou bastante confiante, na verdade – embora seja difícil prever – que o Partido Trabalhista será o maior partido do Parlamento, ou próximo disso. E os líderes do Partido Nacional Escocês (SNP) confirmaram publicamente seu apoio à formação de um governo trabalhista de minoria, caso os trabalhistas precisem. Ou seja, eles não se juntarão ao governo, mas o apoiarão de fora para permitir que se forma governo, o que é ótimo, na verdade.
Suzi Weissman
Parece que a Grã-Bretanha está sofrendo de “Brexhaustion” [cansaço do Brexi] de uma maneira semelhante à dos EUA sofrendo um trauma de Trump: com essas questões dominando o ciclo de notícias, todo o ar é sugado para fora da política. E parece que Corbyn atingiu a nota certa, primeiro explicando que o que eles são a favor é um melhor padrão de vida para todos, mas também falando sobre os programas que tem a oferecer, em vez de apenas falar sobre o acordo de Johnson. Eu me perguntava como isso funciona no Reino Unido. As pessoas no norte da Inglaterra ainda estão focadas apenas no Brexit, ou querem seguir em frente?
Tariq Ali
O clima geral é que as pessoas querem seguir em frente. Se Boris Johnson tivesse feito um acordo suave sobre o Brexit e seguisse em frente, poderíamos ter uma campanha completamente travada sobre as questões reais. Em vez disso, de maneira inteligente, ele está dizendo: se você quer um Brexit, terá que votar em mim.
Por outro lado, ontem, em Telford, perguntaram a Corbyn se o novo acordo [que os trabalhistas negociariam com a União Européia] manteria a livre circulação de pessoas nos mesmos termos, e ele deu uma resposta muito clara, que gostaria de ler para você: “Quero que nossos jovens cresçam em um mundo onde eles podem viajar, onde eles podem experimentar outras sociedades, podem dar sua contribuição lá. E sabe o que mais? Isso enriquece a vida deles e enriquece a vida de todos nós, por isso quero garantir que todos os cidadãos da União Europeia permaneçam aqui, possam vir aqui, e ficaremos felizes em trabalhar com eles, assim como, de fato, muitos britânicos fizeram suas casas em outras partes da Europa, fazendo contribuições igualmente valiosas para as sociedades em que foram morar. ”
Suzi Weissman
Parece provável que nem os trabalhistas nem os conservadores conseguirão fazer uma maioria absoluta nas eleições e, portanto, terão que encontrar aliados para formar um governo. Se o SNP está disposto a trabalhar com os trabalhistas, e quanto aos Conservadores trabalharem com os Lib Dems [Liberais Democratas]? E que impacto você acha que o Partido Brexit de Nigel Farage terá nessa eleição?
Tariq Ali
O SNP deixou claro que apoiará o Partido Trabalhista no Parlamento para formar um governo. Com sua líder de direita, Jo Swinson, os Lib Dems descartaram qualquer apoio aos trabalhistas. Swinson é completamente hostil a Corbyn, porque diz que ele é um risco à segurança – que ele é anti-guerra. Ela realmente disse isso. É bem possível que os Lib Dems apoiem um novo governo conservador se Boris tiver o maior número de votos no Parlamento, porque já o fizeram antes. E Swinson era membro da última coalizão Liberal-Conservadora. Mas vamos torcer para que isso não aconteça, porque se o Partido Trabalhista for o maior partido do Parlamento, acho que eles poderão formar um governo com o apoio do SNP. Pelo menos, é nisso que estamos apostando e esperando.
Suzi Weissman
Parece que Corbyn conseguiu articular melhor uma posição que preenche um pouco a divisão entre trabalhistas que saíram do partido e os que permaneceram. Você acha que irá funcionar?
Tariq Ali
Estou moderadamente otimista de que os trabalhistas serão o maior partido. A saída de Tom Watson pode ser a primeira de muitas: me disseram que planejam que um deputado trabalhista de direita diferente deixe o partido a cada semana ou a cada mês. Mas minha pergunta para esses caras é a seguinte: há uma longa tradição de ratos deixando o navio afundando, mas e se o navio não afundar, mas realmente flutuar melhor depois que eles forem embora?
Boris Johnson lançou sua campanha no jornal conservador Daily Telegraph, comparando Jeremy Corbyn a Joseph Stalin: “a tragédia do moderno Partido Trabalhista sob Jeremy Corbyn é que eles detestam o lucro visceralmente... eles apontam seus dedos para indivíduos com um prazer e uma vingança nunca vistos desde os gulags de Stalin”. Enquanto isso, Corbyn iniciou sua campanha falando apaixonadamente sobre a necessidade de investir 400 bilhões de dólares para confrontar as crises gêmeas da emergência climática e privação social.
Para discutir os primeiros dias de campanha eleitoral, e as dinâmicas da resposta da esquerda às políticas de extremo centro britânicas, Susi Weissman da Jacobin Radio conversou com Tariq Ali.
Suzi Weissman
Você pode nos dar uma ideia sobre o programa de Corbyn? No que são focados os pontos chave de sua campanha, o que ele pretende realizar e de quem ele está tentando ganhar?
Tariq Ali
O programa Corbyn é explicitamente uma quebra com o capitalismo neoliberal, e uma reversão à social-democracia – social-democracia bastante tradicional. Dado o mundo que vivemos, o que ele está propondo soa ultrarradical, apesar de que a norma quarenta anos atrás.
O programa propões grandes gastos com infraestrutura e moradia social, e o cancelamento de mensalidades para o ensino superior. O que está acontecendo nas universidades é terrível: muitos não podem ir à universidade pois não conseguem pagar as mensalidades, que, aliás, não foi a inovação do Partido Conservador: foram introduzidas por Tony Blair e seu chanceler, Gordon Brown, ambos políticos trabalhistas de direita. Corbyn afirma que essas taxas serão canceladas e a educação superior será gratuita novamente.
Muito mais dinheiro poderia ser direcionado ao sistema educacional em geral. Há um debate agora sobre cobrar impostos das escolas particulares – atualmente, elas são considerados instituições de caridade e, portanto, não pagam impostos. Então, haverá resistência.
O trabalhismo também visa direcionar fundos ao National Health Service (NHS – Sistema Nacional de Saúde), onde foi, novamente, Blair quem iniciou o processo de privatização, depois aprofundado pelos conservadores. Enquanto isso, Boris Johnson agora está dizendo que fará acordo econômico com Trump e os Estados Unidos. Em sua última visita ao Reino Unido, Trump disse publicamente que a Grã-Bretanha precisa remover toda a regulamentação do serviço de saúde – caso contrário, nenhum acordo.
Portanto, o Trabalhismo tem colocado uma grande ênfase no simples retorno do setor público e do serviço de saúde ao que costumava ser. Ligado a isso, está o mais recente anúncio de Corbyn, não apenas para voltar ao normal, mas para criar uma empresa farmacêutica estatal que reduziria o custo dos medicamentos, ajudaria o serviço de saúde e poderia acabar com todas as cobranças de receitas médicas.
Suzi Weissman
Seria uma empresa de genéricos nacionalizada?
Tariq Ali
Sim, seria criada pelo estado para produzir medicamentos baratos. O objetivo de criar uma empresa farmacêutica estatal é produzir medicamentos genéricos e destruir o domínio que a Grande Indústria Farmacêutica atualmente possui sobre o serviço de saúde; certos medicamentos são tão caros que o serviço de saúde simplesmente não pode pagar por eles. Considero uma inovação muito radical, pois aqueles que criaram o serviço de saúde – [Clement] Attlee e Nye Bevan [em 1946] – falharam erroneamente neste ponto. Será uma jogada bastante popular.
Tudo isso é extremamente importante. Mas o que realmente assusta os governantes deste país é que Corbyn deixou bem claro que ele nunca pressionará o gatilho nuclear por conta própria. Ele disse que não faria e, por isso, foi atacado.
Corbyn deveria ter dito que, de fato, nenhum governo britânico pode pressionar o gatilho nuclear de qualquer jeito – esta é uma decisão tomada pelos Estados Unidos e, seja como for, a Grã-Bretanha não possui nenhuma arma nuclear independente. Os submarinos que carregam os mísseis não podem usá-los sem a permissão prévia dos Estados Unidos: isso é um fato. Portanto, essa noção de que a Grã-Bretanha é independente é uma besteirada, e não vai mudar – e provavelmente ficará é pior se houver um Brexit.
Suzi Weissman
Em seu livro de 2015, apropriadamente chamado The Extreme Center [O Extremo Centro], você descreveu as forças neoliberais hegemônicas. Mas agora, esse centro aparentemente estável e forte está sob ataque em quase todos os lugares. Joseph Stiglitz, economista vencedor do Prêmio Nobel, escreveu recentemente um artigo dizendo que o mantra do neoliberalismo – que a privatização levará a padrões de vida mais altos em todos os lugares – se provou falso. A evidência é que, durante quarenta anos, o neoliberalismo não fez o que prometeu fazer. Apenas criou redistribuição da riqueza de baixo para cima e desigualdade crescente. À luz desses problemas, os principais beneficiários politicamente têm sido, em grande parte, a direita autoritária populista. Hoje, porém, também existem forças de esquerda populares, como Sanders nos Estados Unidos e Corbyn no Reino Unido. Como você vê essas dinâmicas se desenrolando no Reino Unido?
Tariq Ali
Dois pontos têm que ser levantados. O ataque ao extremo-centro veio tanto da esquerda quanto da direita. Por detrás de Corbyn, por exemplo, está a insurreição política dos jovens que ocuparam o Partido Trabalhista e o tornaram o que é hoje. Para dar um exemplo da mudança que eles trouxeram: existe um distrito eleitoral nos arredores de Londres chamado Chingford, que costumava ser muito de direita. Norman Tebbit, um dos colaboradores mais próximos da Margaret Thatcher, foi eleito por lá, e essa cadeira parlamentar agora é ocupada por Iain Duncan Smith, um conservador de extremista que apresenta idéias assustadoras sobre bem-estar social e assim por diante.
Com a onda de apoio nas últimas eleições, os trabalhistas chegaram perto de ganhar Chingford, por pouco não ganharam o distrito. Agora, com uma nova candidata, uma jovem bengali chamada Faiza Shaheen, os trabalhistas estão realmente mirando nessa vitória. No fim de semana passado – o primeiro final de semana da campanha eleitoral – quinhentos membros do Partido Trabalhista estavam nas ruas em campanha eleitoral, batendo nas portas.
O trabalhismo agora tem uma equipe bem organizada e bem treinada de – em grande parte, jovens – ativistas que têm como alvo distritos eleitorais onde a diferença foi pequena nas últimas eleições. Por outro lado, os Conservadores, cuja idade média está agora acima dos 60 anos, quase não têm jovens em suas fileiras e tiveram que contratar uma empresa para conduzir sua campanha. Eles privatizaram a eleição. Alguma empresa de relações públicas será treinada para difamar Corbyn e atacar o Partido Trabalhista. Basta um único desafio inteligente a esses idiotas terceirizados que não serão capazes de dar respostas. É em grande parte por causa desse contraste importante entre as duas partes que Corbyn está subindo nas pesquisas, mesmo na primeira semana da campanha.
Mas, voltando ao seu ponto, além de Corbyn e Sanders, tem sido em grande parte a direita que vem atacando o centro: Salvini na Itália, Le Pen na França, o AfD [Alternative für Deutschland] na Alemanha. Isso é perturbador, e ninguém pode sugerir que esse desenvolvimento tenha sido provocado pela esquerda – foi provocado pelas políticas do extremo-centro.
Portanto, nem tudo são boas notícias, mas provam o ponto de Stiglitz que o neoliberalismo falhou, e os últimos quarenta anos têm sido, de muitas maneiras, um desastre. Muitos de nós dizíamos isso, desde o início do projeto neoliberal.
Olhe para o fracasso de [Michelle] Bachelet, ex-presidente do Chile do partido socialista e política de extremo-centro por excelência. Ela teve dois mandatos e falhou inteiramente em alterar a infraestrutura social e política deixada por Pinochet, que, além de fascista, também apoiava firmemente o neoliberalismo. O Chile foi o primeiro país que eles decidiram usar como uma cobaia para o projeto neoliberal.
Suzi Weissman
E se você olhar alguns dos incríveis cartazes das manifestações no Chile, um deles dizia que o neoliberalismo começou no Chile e seria enterrado no Chile.
Tariq Ali
Sim, fantástico! E em Beirute, o slogan mais popular nas ruas – cantado por muçulmanos, cristãos, pessoas de todas as seitas e facções diferentes – é direcionado aos políticos: “Vocês são todos iguais” – significando vocês são todos ladrões, criam suas próprias oligarquias, não fazem nada por nós. O elemento de classe nesse movimento secular tem sido extremamente forte.
Argentina também é um caso interessante. Eles pensaram que haviam derrotado a esquerda ali – sim, é uma esquerda problemática – mas o deus neoliberal elogiado pelo Economist, pelo Financial Times e pelo Wall Street Journal está desmoralizado novamente. Os peronistas venceram as eleições e houve celebrações nas ruas.
Portanto, é um sistema muito volátil. O capitalismo global – seus governantes, diretores e gerentes – falhou completamente em entender que a quebra em Wall Street de 2008 foi um evento decisivo na recente economia política. Acharam que poderiam ignorá-lo e continuar como antes. O que estamos vendo agora em todo o mundo é que, politicamente, é muito difícil fazer isso. Então você tem o Guardian, um jornal ambíguo, cujos colunistas atacaram Corbyn violentamente, agora apoiam o Trabalhismo de Corbyn nas eleições, porque perceberam, como dizem, que a Grã-Bretanha necessita de mudanças radicais.
Suzi Weissman
Isso é incrível, e também parece que o Financial Times está basicamente apoiando o Partido Trabalhista.
Tariq Ali
O Financial Times vê a disputa como uma escolha entre um Brexit de Johnson e Corbyn – e concluem que Corbyn é o mal menor. Essa é efetivamente a linha deles. Mas é a mudança no Guardian que considero mais importante, porque este é um jornal que muitas pessoas da esquerda leem.
Suzi Weissman
Existe o perigo de Corbyn falhar em atender às necessidades da antiga classe trabalhadora industrial, que foi deixada para trás na política global (e muitas vezes acabou se alinhou com a extrema direita populista)? Isso é parte do problema nos Estados Unidos. Trump foi para o Kentucky e disse: “Vamos trazer carvão de volta”.
Tariq Ali
Não, esse não é o caso na Grã-Bretanha. De fato, o problema de Corbyn é que ele lidera um partido dividido no Brexit. O próprio Corbyn assumiu a posição de defender os interesses de todos os eleitores do Partido Trabalhista, o que não é fácil.
Os discursos de campanha que ele fez na parte norte do país, onde houve um forte voto pelo Brexit, foram cuidadosamente direcionados às necessidades da classe trabalhadora. E Corbyn disse publicamente, muitas vezes, tanto no sudeste do país quanto no norte, que o ponto principal não é necessariamente “Sair ou Permanecer” [na União Européia], mas criar uma Grã-Bretanha que deixe para trás o neoliberalismo e garanta às pessoas um melhor padrão de vida, uma Grã-Bretanha com mais espírito comunitário.
Portanto, a mensagem da campanha nessa frente é muito clara, dizendo que queremos uma Grã-Bretanha diferente e acreditamos que o único partido político que pode entregá-la é o trabalhista – um ponto que não acho que seja contestado por ninguém. Até Tom Watson – o vice-líder trabalhista, de extremo-centro, que tentou sabotar Corbyn por anos, mas acabou de se aposentar da política e ao fazê-lo, para ser justo, não atacou Corbyn. Disse que está saindo por motivos pessoais, não políticos, e que deseja que o Partido Trabalhista vença – ao contrário de outros ex-parlamentares [da direita trabalhista], que estão pedindo aos eleitores que votem no Partido Conservador.
É o que está acontecendo durante a campanha até agora. Os encontros têm sido sido grandes, o clima é bom entre os filiados trabalhistas e os que fazem todo o trabalho duro, e o primeiro vídeo da campanha do Labour foi visto por mais de 3 milhões de pessoas poucas horas depois de ser lançado on-line. Estou bastante confiante, na verdade – embora seja difícil prever – que o Partido Trabalhista será o maior partido do Parlamento, ou próximo disso. E os líderes do Partido Nacional Escocês (SNP) confirmaram publicamente seu apoio à formação de um governo trabalhista de minoria, caso os trabalhistas precisem. Ou seja, eles não se juntarão ao governo, mas o apoiarão de fora para permitir que se forma governo, o que é ótimo, na verdade.
Suzi Weissman
Parece que a Grã-Bretanha está sofrendo de “Brexhaustion” [cansaço do Brexi] de uma maneira semelhante à dos EUA sofrendo um trauma de Trump: com essas questões dominando o ciclo de notícias, todo o ar é sugado para fora da política. E parece que Corbyn atingiu a nota certa, primeiro explicando que o que eles são a favor é um melhor padrão de vida para todos, mas também falando sobre os programas que tem a oferecer, em vez de apenas falar sobre o acordo de Johnson. Eu me perguntava como isso funciona no Reino Unido. As pessoas no norte da Inglaterra ainda estão focadas apenas no Brexit, ou querem seguir em frente?
Tariq Ali
O clima geral é que as pessoas querem seguir em frente. Se Boris Johnson tivesse feito um acordo suave sobre o Brexit e seguisse em frente, poderíamos ter uma campanha completamente travada sobre as questões reais. Em vez disso, de maneira inteligente, ele está dizendo: se você quer um Brexit, terá que votar em mim.
Por outro lado, ontem, em Telford, perguntaram a Corbyn se o novo acordo [que os trabalhistas negociariam com a União Européia] manteria a livre circulação de pessoas nos mesmos termos, e ele deu uma resposta muito clara, que gostaria de ler para você: “Quero que nossos jovens cresçam em um mundo onde eles podem viajar, onde eles podem experimentar outras sociedades, podem dar sua contribuição lá. E sabe o que mais? Isso enriquece a vida deles e enriquece a vida de todos nós, por isso quero garantir que todos os cidadãos da União Europeia permaneçam aqui, possam vir aqui, e ficaremos felizes em trabalhar com eles, assim como, de fato, muitos britânicos fizeram suas casas em outras partes da Europa, fazendo contribuições igualmente valiosas para as sociedades em que foram morar. ”
Suzi Weissman
Parece provável que nem os trabalhistas nem os conservadores conseguirão fazer uma maioria absoluta nas eleições e, portanto, terão que encontrar aliados para formar um governo. Se o SNP está disposto a trabalhar com os trabalhistas, e quanto aos Conservadores trabalharem com os Lib Dems [Liberais Democratas]? E que impacto você acha que o Partido Brexit de Nigel Farage terá nessa eleição?
Tariq Ali
O SNP deixou claro que apoiará o Partido Trabalhista no Parlamento para formar um governo. Com sua líder de direita, Jo Swinson, os Lib Dems descartaram qualquer apoio aos trabalhistas. Swinson é completamente hostil a Corbyn, porque diz que ele é um risco à segurança – que ele é anti-guerra. Ela realmente disse isso. É bem possível que os Lib Dems apoiem um novo governo conservador se Boris tiver o maior número de votos no Parlamento, porque já o fizeram antes. E Swinson era membro da última coalizão Liberal-Conservadora. Mas vamos torcer para que isso não aconteça, porque se o Partido Trabalhista for o maior partido do Parlamento, acho que eles poderão formar um governo com o apoio do SNP. Pelo menos, é nisso que estamos apostando e esperando.
Suzi Weissman
Parece que Corbyn conseguiu articular melhor uma posição que preenche um pouco a divisão entre trabalhistas que saíram do partido e os que permaneceram. Você acha que irá funcionar?
Tariq Ali
Estou moderadamente otimista de que os trabalhistas serão o maior partido. A saída de Tom Watson pode ser a primeira de muitas: me disseram que planejam que um deputado trabalhista de direita diferente deixe o partido a cada semana ou a cada mês. Mas minha pergunta para esses caras é a seguinte: há uma longa tradição de ratos deixando o navio afundando, mas e se o navio não afundar, mas realmente flutuar melhor depois que eles forem embora?
Sobre o entrevistado
Tariq Ali é Editor da New Left Review.
Sobre a entrevistadora
Tariq Ali é Editor da New Left Review.
Sobre a entrevistadora
Suzi Weissman é a autora de "Victor Serge: A Political Biography".
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