21 de fevereiro de 2015

O problema com Dijsselbloem

A carreira política do ministro das finanças holandês Jeroen Dijsselbloem mostra a virada à direita da social-democracia europeia.

Pepijn Brandon

Jacobin

Partij van de Arbeid / Flickr

Tradução / Desde o seu infame meio aperto de mão com o ministro das Finanças da Grécia Yanis Varoufakis, que Jeroen Dijsselbloem ministro das Finanças holandês e temporariamente presidente do Eurogrupo tem sido alvo de justificado desprezo. Mas com a chantagem ao governo grego, ele está a desfrutar agora do seu melhor momento.

Internacionalmente, Dijsselbloem tornou-se o sujeito de intermináveis piadas e caricaturas em que é retratado ou como o burocrata cinzento de roupa e gravata a ser ensinado pelo seu elegante e inteligente homólogo grego ou como chicote da Alemanha. Mas uma questão fica por responder no meio do jogo de poder entre o governo de esquerda grego e os duros neoliberais da União Europeia: por que é que Dijsselbloem trata esta questão de forma tão pessoal?

Embora insignificante de um ponto de vista psicológico, isto interessa em termos do conflito de interesses no coração da UE assim como na luta em desenvolvimento pela alma da esquerda europeia.

Toda a carreira política de Jeroen Dijsselbloem assinala-o como o típico representante da direita da social democracia. Aderiu ao Partido Trabalhista Holandês em 1985, no mesmo ano em que concluiu o ensino secundário. Foi o último ano em que o partido foi chefiado por Joop den Uyl, o icônico líder trabalhista que por duas vezes tentou e falhou em suster um governo de coligação com os democrata-cristãos mantendo o curso de esquerda do partido.

Um ano mais tarde, o dirigente sindicalista de direita Wim Kok assumiu o cargo. Kok foi o arquitecto da capitulação histórica do movimento sindical que lançou as bases para um quarto de século de “paz social” que acompanhou o desmantelamento daquilo que foi em tempos um exemplo de Estado-Providência.

Kok tornou-se uma figura emblemática para a Terceira Via e o “modelo pólder” dos Países Baixos, de cooperação entre funcionários partidários, sindicatos e empregadores foi aclamado por Bill Clinton e Tony Blair como o modelo do futuro. Durante os anos 90, ele chefiou dois governos neoliberais que supervisionaram privatizações em larga escala e profundos cortes sociais. Depois de ter deixado de ser primeiro ministro em 2002, Kok tornou-se uma figura poderosa no mundo dos negócios da Holanda, detendo comissariados da Royal Dutch Shell, do banco ING, do TNT Post privatizado e de numerosas outras empresas.

Este é o Partido Trabalhista onde Dijsselbloem esteve incondicionalmente, sem reservas. Nunca na sua carreira ele deteve posições significativas fora desse mundo estreito – Haia e a burocracia de Bruxelas. O seu longo, leal e rotineiro percurso através da política de compromisso e a microgestão neoliberal foram a preparação perfeita para a sua posição como ministro das finanças no atual governo de coligação em que o Partido Trabalhista é o parceiro subalterno do fervoroso adepto do mercado livre Partido do Povo pela Liberdade e Democracia.

A total devoção de Dijsselbloem pelo aparelho burocrático acabou por o meter em problemas legais. Desrespeitando uma ordem do tribunal, Dijsselbloem recusou reveler o nome da pessoa com quem o seu antecessor fez um duvidoso acordo fiscal. Numa altamente atípica Parceria Público-Privada, um informador anónimo ajudou a detetar evasores fiscais em troca de uma parte nos lucros. Por dar protecção a este informador e aos que fizeram o acordo com ele, Dijsselbloem viu no passado mês de novembro serem-lhe feitas acusações penais – o que é praticamente algo sem precedentes para um ministro holandês.

Como presidente do Eurogrupo, Dijsselbloem foi acusado de proteger interesses alemães. Dado o papel de liderança da Alemanha em fazer cumprir as imposições da troika e as fortes ligações económicas e políticas entre Haia e Berlim, há poucas dúvidas onde residem as lealdades de Dijsselbloem. No entanto, é interessante notar que os representantes alemães da UE expressaram algumas preocupações por Dijsselbloem estar ainda demasiado agarrado aos interesses holandeses. Dijsselbloem respondeu a estas críticas nos media holandeses dizendo que, na sua opinião, os interesses holandeses são os interesses da União Europeia.

Estes são conflitos diplomáticos relativamente menores numa relação Alemanha-Holanda que no global é claramente harmoniosa. No entanto, compreendendo a postura intransigente de Dijsselbloem, é importante notar que existe de facto um interesse especificamente holandês que ele represnta junto e em apoio às exigências alemãs.

Sendo um dos seis membros originais da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a antecessora da União Europeia, a Holanda foi sempre uma força pequena mas motriz por detrás da integração económica europeia. O seu interesse económico na expansão continuada da UE cresceu e não diminuiu. A Holanda é o segundo maior exportador na UE e mais de 50% das suas exportações e reexeportações ficam na UE.

Significativamente, os doze países da UE que entraram para a união desde 2004 formam os mercados de exportação que crescem mais rapidamente para os produtos manufacturados holandeses. Além do mais, os holandeses continuam a desempenhar um importante papel internacional na intermediação bancária e financeira, inclusive em relação à Grécia. Em 2011, o Departamento de Planeamento Central holandês calculou que a Holanda é responsável por 5 a 9% de empréstimos bilaterais à Grécia. Os maiores bancos holandeses e, sobretudo, o ING detêm para cima de três mil milhões de euros em obrigações gregas. Assim, Dijsselbloem não representa apenas as políticas de extorsão alemãs, mas também os interesses comerciais e financeiros da terra natal.

Tudo isto ajuda a explicar a avidez com que Dijsselbloem agarrou no chicote. Mas não responde à pergunta por que razão ele é tão azedo. Em comparação, Wolfgang Schäuble da Alemanha personifica a extrema arrogância e auto-confiança do poder, enquanto a chefe do FMI Christine Lagarde, aparentemente sem esforço, faz o papel do tubarão com um sorriso.

Abundam as explicações psicológicas baratas. Aqui um jovem e empertigado mestre em economia enfrentando alguém que podia facilmente ter sido o descontraído, intelectualmente superior e irritantemente popular professor catedrático devolvendo-lhe um parco artigo com um sorriso condescendente.

Mas há uma outra dimensão, mais política e importante para o futuro da esquerda na Europa e na Holanda. A promessa do governo do Syrisa representa tudo que a social-democracia do pós-guerra já não é nem pode voltar a ser. Subjacente à carreira de Dijsselbloem está a perspectiva que, na melhor das hipóteses, a política progressista contemporânea só pode ser uma variante da política conservadora com mais alguns ligeiros escrúpulos.

Enquanto permanecer desafiante e apesar das limitações da sua agenda de governo, Varoufakis representa uma alternativa a esta posição. A direita europeia detestará isto com brutalidade nua e crua. Mas é a social-democracia dominante que vai sentir mais directamente as repercussões eleitorais e por isso é mais amarga na sua resposta.

Para Dijsselbloem, é imperioso extinguir a promessa do Syrisa. É uma pré-condição para restaurar a estabilidade da UE que ele, o seu partido e as elites econômicas assim desejam. Mas é igualmente necessário para a continuação do progressivismo sem sonhos, empresarial, de terno e gravata de que nunca se afastou.

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