18 de julho de 2017

Soltar os trolls

Israel está armando as mídias sociais para travar uma guerra de propaganda contra o BDS.

Michael Bueckert


Hamza Butt / Flickr

Tradução / Na cidade de Nova York em Junho de 2017, o ministro israelense de assuntos estratégicos, Gilad Erdan, falou para uma multidão que celebrava o quinquagésimo aniversário da anexação do Leste de Jerusalém. Dirigindo-se a um público de maioria Judia estado-unidense, ele declarou que “nossos números de celular são a arma número um contra nós”.

Com a crescente visibilidade da solidariedade à Palestina e, especialmente, o crescente movimento de boicote, desinvestimento e sanções (BDS), agentes pró-Israel tem pintado um quadro da mídia social como um campo de batalha, no qual a disseminação de “mentiras” contra Israel é tratada como uma ameaça séria, comparável a mísseis do Hamas. Para enfrentar esse desafio, Erdan anunciou uma nova iniciativa à qual ele se referiu como uma “Redoma de Ferro da Verdade” – um aplicativo – que promete interceptar e neutralizar conteúdo ofensivo.

Com o aplicativo móvel e a plataforma online Act. IL, Israel visa recrutar uma máfia de ativistas desocupados e trolls para juntar-se à sua guerra contras a formas mais traiçoeiras de violência: tweets e posts de Facebook pró-Palestina.

Aos usuários do aplicativo, são dadas rápidas missões diárias que eles completam por pontos, conquistando seu espaço entre os melhores. As missões incluem “linkar” e comentar em posts específicos do Facebook, retweetar contas pró-Israel e assinar petições. Isso fornece aos usuários comentários sugeridos que eles podem copiar e colar para inundar os fóruns de discussão, e vídeos e desenhos satíricos que são compartilháveis (se causam constrangimento).

Desta maneira, o aplicativo identifica e direciona usuários em massa a engajar-se em propaganda online, seja afirmando sentimentos pró-Israel e “revelando” um caráter supostamente terrorista dos boicotadores. Conteúdo “incitador” é identificado com a ajuda das Forças de Defesa Israelenses e do Shin Bet, revelando a colaboração estreita com as forças militares e de segurança israelenses, mas os usuários também podem sugerir posts específicos a serem tomados como alvos.

Com essa tecnologia, é dado a Israel o poder de conduzir o discurso online, tomando comando direito de seu exército de guerreiros voluntários da internet e os implantando onde bem entenderem. São os amigos de Israel, no entanto – uma rede diversa de agentes não ligados ao estado dispostos a colaborar com o avanço dos objetivos do estado – que tornam isso possível.

Tecnologia e Estado

O aplicativo Act.IL é o produto de esforços deliberados do Estado de Israel, em colaboração com universidades, ONG’s estado-unidenses e o setor tecnológico de Israel, de desenvolver uma infraestrutura incubadora de tecnologias anti-BDS.

Uma característica, nos últimos anos, tem sido o surgimento de “hackatonas” anti-BDS, eventos de vários dias que são, geralmente, sediados em universidades israelenses em conjunto com think tanks pró-Israel e grupos apoiadores, como o Instituto Reut e StandWithUs. Esses são eventos competitivos, com quantias consideráveis de dinheiro em prêmios, onde times de estudantes de ensino médio ou universitários israelenses e estrangeiros se juntam para desenvolver novos algoritmos e aplicativos, com o objetivo de identificar e responder a conteúdo anti-Israel nas redes sociais de forma mais eficiente.

Estes eventos têm atraído o interesse de uma gama de corpos influentes, incluindo o ministro de relações estratégicas de Israel e a Organização Sionista Mundial.

No último mês de Março, o ministério israelense de relações estrangeiras realizou a sua própria hackatona em conjunto com a Israeli Hub, ela própria, uma incubadora patrocinada pelo ministério, que é administrada por voluntários internacionais que desenvolvem ferramentas para combater a “incitação” contra Israel. O ministério começou a renomear essas iniciativas como “diplomacia algorítmica”.

O aplicativo Act.IL é, com certeza, o produto mais bem-sucedido a nascer desses esforços. É a forma mais recente de um projeto – também batizado Act.IL – com base no Centro Interdisciplinar de Herliya (IDC), uma universidade privada próxima a Tel Aviv. Durante os ataques a Gaza na operação Pilar de Defesa em 2012 e a operação Fronteira de Proteção em 2014, estudantes do IDC formaram uma sala de guerra com usuários voluntários das redes sociais para coordenar respostas à cobertura negativa.

O modelo fez tanto sucesso que o seu fundador, Yarden Ben-Yosef, o transformou em um novo programa acadêmico. Na grade de Diplomacia Pública do IDC, os estudantes trabalham como “estagiários” da Act.IL e são premiados com bolsas pela criação de conteúdo anti-BDS. A grade contém “salas de situação virtual”, nas quais os estudantes são treinados via exercícios simulados a conduzir voluntários a partir de seus computadores. Em um vídeo da grade, o som de tiros é sobrepostos à imagem de estudantes digitando, enquanto a imagem que diz “Israel está sob ataque nas redes sociais” pisca na tela.

O IDC já começou a replicar esse modelo nos EUA, abrindo uma “sala de situação virtual” em Boston, que é supervisada por uma equipe do IDC e operada por estudantes que recebem bolsas por seu trabalho. Presumivelmente, a introdução do aplicativo Act.IL ajudaram essas salas de guerra a gerenciar grandes números de voluntários.

Ambos, o aplicativo Act.IL e o programa de Diplomacia Pública no IDC são financiados por dois grupos lobistas pró-Israel estado-unidenses, o Conselho Israelense-Americano (IAC) e a Força Tática Macabeia. O IAC foi formado em consequência da invasão do Líbano em 2006; descrita como “soldados israelenses”, seu braço político são os responsáveis por trás de esforços legislativos recentes de cercear o direito ao boicote a Israel. A Força Tática Macabeia é um grupo formado em 2015 para combater a BDS em campi estado-unidenses, liderada pelo ex-diretor executivo dos Cristãos Unidos por Israel. Ambas as organizações são majoritariamente financiadas pelo mega-doador Sheldon Adelson, um notório crítico da solução de dois estados que tem chamado os palestinos de “um povo inventado”.

O último parceiro do aplicativo Act.IL é o ministério de relações estratégicas, que é, também, o principal corpo estatal responsável por combater a assim chamada “deslegitimação”. Ele financia diretamente grupos pró-Israel internacionalmente por suas iniciativas de combate à BDS.

Impulsionar start-ups por Israel é apenas parte do histórico do ministério, uma vez que suas operações confidenciais alegadamente incluem financiamento de companhias de tecnologia israelense para desenvolver “iniciativas digitais com objetivo de compilar informações de grupos ativistas e combater seus esforços”, e outras “operações obscuras” contra ativistas da BDS. Em Israel, o ministério planeja criar uma base de dados de cidadão israelenses que apoiam os boicotes. Em seu caráter secreto, o ministério é remanescente do Departamento de Informação do apartheid sul-africano, que foi formado em 1961 para realizar uma guerra propagandística secreta pelo mundo, empregando jornalistas e criando grupos de fachada e revistas falsas para afetar a opinião pública.

O ministério fez do aplicativo Act.IL um aspecto central de sua recente campanha e tem promovido o aplicativo, publicando uma série de artigos como “conteúdo patrocinado” no YNet News, no Jerusalem Post e no Times of Israel. De fato, a maior parte do que sabemos sobre o aplicativo vem de fontes que colaboraram com o ministério.

Militarismo digital

À primeira vista, as estruturas narrativas por trás do aplicativo parecem contraditórias.

No nível básico da experiência do usuário, o aplicativo transforma debates nas redes sociais sobre Israel – que são, geralmente, uma experiência insuportável – em uma forma de jogo, que incentiva os usuários a competir por mais pontos e distintivos. As missões, por si, são simples de realizar; a ideia básica em um dos vídeos promocionais do aplicativo é a de que você pode defender Israel “da forma mais fácil”, trivializando a função “ativista” do aplicativo.

No entanto, esse formato lúdico desmente os altos riscos que estão implicados. O próprio aplicativo usa retórica militar, e ministros israelenses têm caracterizado a atividade da BDS como “a nova face do terrorismo”. Nesse contexto, o aplicativo pode, muito dificilmente, ser visto como apenas um jogo; na verdade, ele transforma a atividade online numa arma, dirigindo uma massa de ativistas a se juntar contra um sentimento pró-Palestina, com o auxílio das IDF e forças de segurança.

Nesse aplicativo, é fácil ver como “simples práticas nas redes sociais são conscritas e, os usuários, recrutados para o projeto militar do estado,” um processo que Kuntsman e Stein descreveram como “militarismo digital”. De certa forma, a fachada de jogo eletrônico facilita esse processo de recrutamento ao criar uma experiência confortável e familiar aos usuários.

Coreografando a internet

Apesar da pesada promoção do aplicativo, há indicações que sugerem que ele não tem recebido muita adesão; minha própria desanimada experimentação me levou ao 382o lugar entre os “melhores ativistas” de Julho. Ele pode até mesmo ser dominado por ativistas pagos, em vez de usuários casuais.

Não obstante, por consolidar e dirigir tráfego global em direção a conteúdo local específico, o aplicativo poderia ter um impacto real em certas instâncias. Uma vez que a atividade instigada pelo aplicativo é feita sem marca ou identificação, pode criar a falsa impressão de um consenso orgânico sobre uma questão. Aos observadores, isso é presumido como atividade online espontânea de indivíduos interessados, não o trabalho de ativistas altamente motivados cuja ação coletiva é coreografada por agentes estatais e da comunidade.

Por fim, no entanto, a visão de mundo estratégica por trás do aplicativo é baseada num presunção – a ideia de que a maior parte das críticas a Israel é baseada em mentiras e desinformação. Se esse fosse o caso, a tarefa seria simplesmente promover a verdade, a qual o aplicativo é feito para cumprir.

Infelizmente, para Israel, palestinos são mais do que capazes de compartilhar suas próprias histórias nas redes sociais – histórias sobre ocupação, sobre deslocamento, sobre apartheid. Isso foi bem demonstrado na operação Fronteira de Proteção, em 2014; apesar de Israel tentar justificar seu ataque às pessoas de Gaza em termos de proporcionalidade e autodefesa, as redes sociais permitiram aos palestinos driblar os detentores da mídia tradicional, e transmitir os horrores do ataque para celulares de todo o mundo.

Ironicamente, as incursões israelenses em Gaza desde 2008-9 fizeram mais pela entrada das narrativas dos Palestinos na consciência do público, pois eles expuseram, dramaticamente, a lacuna entre a retórica de Israel sobre sua existência ameaçada e a sua habilidade em castigar populações inteiras. Assim como os massacres sul-africanos de Sharpeville em 1960 e Soweto em 1976 levaram o apartheid às telas das televisões de todo território estado-unidense, tornando-se centelhas incendiadores do movimento anti-apartheid, os eventos de Gaza tem aprofundado profundamente o entendimento público e o sentimento pró-Palestina. Deve ser por isso que um novo estudo mostra que “quanto mais os estado-unidenses sabem sobre o estado de Israel, menos eles gostam dele”. E nenhuma Redoma de Ferro pode interceptar a realidade.

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