Paulo Nogueira Batista Jr.
O economista Paulo Nogueira Batista Jr., em reunião no Palácio do Planalto, em 2009. Alan Marques/Folhapress. |
"Paulo, você faz o que quiser depois, mas se eu defender reforma da Previdência mais dura durante a campanha, nem chego lá", disse Jair Bolsonaro, segundo relatou Paulo Guedes, seu assessor econômico. É o velho e surrado lema —"campanha é campanha; governo é governo".
Pequeno problema. A experiência mostra que o brasileiro pune severamente o estelionato eleitoral. Em 1986, o governo Sarney aguardou a eleição para corrigir tardiamente o Plano Cruzado por meio do desastrado Cruzado II. Sarney nunca mais se recuperou. Em 1990, Collor surpreendeu com o confisco da poupança e o alongamento forçado dos ativos financeiros. Perdeu apoio político e acabou sofrendo impeachment.
Em 1998, Fernando Henrique Cardoso se reelegeu com o câmbio artificialmente valorizado e as finanças públicas em desordem. Logo após a eleição, veio a maxidepreciação do real. Foi possível salvar o Plano Real, mas o governo FHC nunca se refez do estelionato.
Dilma Rousseff foi pelo mesmo caminho. Reelegeu-se em 2014 com discurso de esquerda para logo em seguida anunciar a nomeação de um economista agressivamente conservador para o Ministério da Fazenda, que aplicou um choque tarifário e medidas drásticas na área fiscal. A economia afundou na recessão, e Dilma nunca mais retomou a iniciativa. Os adversários aproveitaram a perda de credibilidade do governo para tramar a sua derrubada.
Em resumo, estelionato eleitoral é suicídio político.
Lula, em 2002, foi exceção a essa regra? Não creio. É verdade que, no período Palocci, de 2003 a 2005, Lula governou em desacordo com as tradições do PT, da esquerda em geral e do desenvolvimentismo brasileiro. Mas não foi sem aviso. Durante a campanha, Lula conseguiu a proeza de se colocar, em termos de economia, à direita de José Serra, candidato de FHC...
Nas circunstâncias atuais, há um obstáculo adicional à aplicação do velho e surrado lema. A situação das contas públicas, em parte por causa da Previdência, é muito difícil e requer providências imediatas.
O presidente da República toma posse em janeiro com a força das urnas. Só que não terá necessariamente maioria estável no Congresso. Muitas das medidas requeridas, algumas constitucionais, vão exigir maiorias ou até supermaiorias parlamentares.
A força das urnas será tanto maior quanto maior for a clareza, durante a campanha, quanto aos desafios econômicos e os caminhos para enfrentá-los. Trata-se de apresentar propostas e submetê-las à discussão pública. É a melhor forma de corrigir erros e aperfeiçoar as ideias.
Outro fator a considerar: o novo presidente terá janela relativamente estreita, talvez de um ano, para se impor e passar por um Congresso fragmentado e problemático toda uma agenda de reformas, necessariamente controvertidas.
Cada medida de corte de gastos ou aumento de receita atinge diretamente interesses constituídos e representados, em maior ou menor medida, no Congresso e na mídia.
O barulho será grande; a resistência, feroz. Só um governo que saiba o que pretende fazer —e que tenha explicitado as grandes linhas das reformas na campanha— poderá vencer essa guerra.
O quadro é desafiador, mas não há por que desanimar nem partir para a ignorância. O Brasil tem muitos trunfos. Apesar dos estragos que o atual governo e o Congresso fizeram e ainda farão, a nossa situação está longe de desesperadora.
Não cabe, por exemplo, se precipitar e adotar de imediato, como em 2015, uma política fiscal contracionista. A economia está fraca; o desemprego, elevado. Um choque fiscal aprofundaria a recessão, dificultando o próprio ajuste das contas públicas.
O ideal é combinar uma política fiscal moderada no curto prazo, que permita a retomada do crescimento, com um plano de ajustamento sólido de médio prazo, ancorado em regras fiscais rigorosas e críveis.
Pequeno problema. A experiência mostra que o brasileiro pune severamente o estelionato eleitoral. Em 1986, o governo Sarney aguardou a eleição para corrigir tardiamente o Plano Cruzado por meio do desastrado Cruzado II. Sarney nunca mais se recuperou. Em 1990, Collor surpreendeu com o confisco da poupança e o alongamento forçado dos ativos financeiros. Perdeu apoio político e acabou sofrendo impeachment.
Em 1998, Fernando Henrique Cardoso se reelegeu com o câmbio artificialmente valorizado e as finanças públicas em desordem. Logo após a eleição, veio a maxidepreciação do real. Foi possível salvar o Plano Real, mas o governo FHC nunca se refez do estelionato.
Dilma Rousseff foi pelo mesmo caminho. Reelegeu-se em 2014 com discurso de esquerda para logo em seguida anunciar a nomeação de um economista agressivamente conservador para o Ministério da Fazenda, que aplicou um choque tarifário e medidas drásticas na área fiscal. A economia afundou na recessão, e Dilma nunca mais retomou a iniciativa. Os adversários aproveitaram a perda de credibilidade do governo para tramar a sua derrubada.
Em resumo, estelionato eleitoral é suicídio político.
Lula, em 2002, foi exceção a essa regra? Não creio. É verdade que, no período Palocci, de 2003 a 2005, Lula governou em desacordo com as tradições do PT, da esquerda em geral e do desenvolvimentismo brasileiro. Mas não foi sem aviso. Durante a campanha, Lula conseguiu a proeza de se colocar, em termos de economia, à direita de José Serra, candidato de FHC...
Nas circunstâncias atuais, há um obstáculo adicional à aplicação do velho e surrado lema. A situação das contas públicas, em parte por causa da Previdência, é muito difícil e requer providências imediatas.
O presidente da República toma posse em janeiro com a força das urnas. Só que não terá necessariamente maioria estável no Congresso. Muitas das medidas requeridas, algumas constitucionais, vão exigir maiorias ou até supermaiorias parlamentares.
A força das urnas será tanto maior quanto maior for a clareza, durante a campanha, quanto aos desafios econômicos e os caminhos para enfrentá-los. Trata-se de apresentar propostas e submetê-las à discussão pública. É a melhor forma de corrigir erros e aperfeiçoar as ideias.
Outro fator a considerar: o novo presidente terá janela relativamente estreita, talvez de um ano, para se impor e passar por um Congresso fragmentado e problemático toda uma agenda de reformas, necessariamente controvertidas.
Cada medida de corte de gastos ou aumento de receita atinge diretamente interesses constituídos e representados, em maior ou menor medida, no Congresso e na mídia.
O barulho será grande; a resistência, feroz. Só um governo que saiba o que pretende fazer —e que tenha explicitado as grandes linhas das reformas na campanha— poderá vencer essa guerra.
O quadro é desafiador, mas não há por que desanimar nem partir para a ignorância. O Brasil tem muitos trunfos. Apesar dos estragos que o atual governo e o Congresso fizeram e ainda farão, a nossa situação está longe de desesperadora.
Não cabe, por exemplo, se precipitar e adotar de imediato, como em 2015, uma política fiscal contracionista. A economia está fraca; o desemprego, elevado. Um choque fiscal aprofundaria a recessão, dificultando o próprio ajuste das contas públicas.
O ideal é combinar uma política fiscal moderada no curto prazo, que permita a retomada do crescimento, com um plano de ajustamento sólido de médio prazo, ancorado em regras fiscais rigorosas e críveis.
Sobre o autor
Economista, ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (estabelecido pelos Brics em Xangai) e ex-diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.
Economista, ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (estabelecido pelos Brics em Xangai) e ex-diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.
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