A sorrateira mercantilização tem criado incentivos perversos para os pesquisadores – causando corrupção generalizada da própria Ciência.
Meagan Day
Sala de aulas na Universidade de Cornell, em torno de 1910. Coleção de raridades e manuscritos da Universdade de Cornell. |
Tradução / A universidade existia antes do capitalismo e tem, algumas vezes, resistido à obediência aos ditames do mercado capitalista, buscando não o lucro, mas a verdade e o conhecimento. Mas o capitalismo devora tudo o que pode, e à medida que amplia sua dominação, não surpreende que a universidade moderna se torne cada vez mais subserviente ao que Ellen Meiksins Wood chama “os ditames do mercado capitalista – seus imperativos de competição, acumulação, maximização de lucros, e crescente produtividade do trabalho. ”
Na academia, esse imperativo se manifesta de maneiras visíveis: publicar ou perecer, financiamento ou fome.
Sem investimento público, as universidades são compelidas a seguir as regras do setor privado, ou seja, operar como empresas. Nas empresas, é claro, tudo têm a ver com o resultado final – e a saúde dos resultados depende da maximização do lucro, o que por sua vez depende de uma avaliação cuidadosa e constante das entradas e saídas. O resultado para a Ciência acadêmica, de acordo com os pesquisadores Marc A. Edwards e Siddhartha Roy em seu artigo ‘Academic Research in the 21st Century: Maintaining Scientific Integrity in a Climate of Perverse Incentives and Hypercompetition’ [“Pesquisa Acadêmica no Século 21: Mantendo a Integridade Científica em um Clima de Incentivos Perversos e Hipercompetição”], tem sido a introdução de um novo regime quantitativo de métricas de desempenho, que controlam quase tudo o que pesquisadores científicos fazem e têm impactos observáveis em suas práticas de trabalho.
Essas métricas e padrões de referência incluem “contagem de publicações, citações, contagens combinadas de publicação e citações (por exemplo, ‘índice H’), fatores de impacto de periódicos (JIF), total de dólares de pesquisa e totais de patentes.” Edwards e Roy observam que “essas métricas quantitativas agora dominam a tomada de decisões na contratação e promoção nas faculdades, além de titulação, prêmios e financiamento.” Como resultado, os cientistas acadêmicos são cada vez mais motivados por um desejo frenético de conseguir que suas pesquisas sejam financiadas, publicadas e citadas. “A produção científica medida pelo trabalho citado tem duplicado a cada 9 anos desde a Segunda Guerra Mundial”, observam Edwards e Roy.
Mas quantidade não se traduz em qualidade. Pelo contrário, Edwards e Roy rastrearam o efeito de métricas quantitativas de desempenho na qualidade da pesquisa científica e descobriram que ela tem um efeito prejudicial. Como resultado dos sistemas de recompensas que incentivam o volume de publicações, os artigos científicos têm se tornado mais curtos e menos abrangentes, ostentando “métodos pobres e aumento das taxas de falsas descobertas”. Em resposta à crescente ênfase nas citações do trabalho nas avaliações profissionais, as listas de referência ficaram inchadas para atender às necessidades de carreira, com um número crescente de revisores solicitando que seu próprio trabalho seja citado como condição de publicação.
Enquanto isso, o sistema que recompensa financiamento vultosos em doações com mais oportunidades profissionais resulta em cientistas gastando tempo desproporcional escrevendo propostas de financiamento e exagerando os resultados positivos de suas pesquisas para chamar a atenção de financiadores. Da mesma forma, quando universidades recompensam departamentos por um alto nível de classificação, os departamentos são incentivados a “fazer engenharia reversa, manipular e enganar os rankings”, corroendo a integridade das próprias instituições científicas.
As consequências sistêmicas do incremento na pressão do mercado sobre a ciência acadêmica são potencialmente catastróficas. Como Edwards e Roy escrevem, “a combinação de incentivos perversos e diminuição do financiamento aumenta pressões que podem levar a um comportamento antiético. Se um número suficiente de cientistas se tornar indigna de confiança, é possível um ponto de inflexão no qual o próprio empreendimento científico se torna inerentemente corrupto e a confiança pública se perde, arriscando o surgimento de uma nova idade das trevas com conseqüências devastadoras para a humanidade. ” A fim de manter credibilidade, os cientistas precisam manter a integridade – e a hipercompetição está minando essa integridade, potencialmente minando todo esse esforço.
Além do mais, cientistas que estão preocupados em buscar subsídios e citações perdem oportunidades de contemplação cuidadosa e exploração profunda, que são necessárias para tratar de questões complexas. Peter Higgs, o físico teórico britânico que em 1964 previu a existência da partícula do bóson de Higgs, disse ao jornal Guardian, ao receber o Prêmio Nobel em 2013, que ele nunca teria sido capaz de fazer sua descoberta no atual ambiente acadêmico.
“É difícil imaginar como eu poderia encontrar paz e tranquilidade suficientes no clima atual para fazer o que fiz em 1964”, disse Higgs. “Hoje eu não conseguiria um emprego acadêmico. Simples assim. Eu não acho que seria considerado suficientemente produtivo.”
No final de sua carreira, Higgs disse que se tornou “um embaraço para o departamento quando faziam exercícios de avaliação de pesquisa. O departamento de Física da Universidade de Edimburgo enviava uma mensagem dizendo: ‘Por favor, nos dê uma lista de suas publicações recentes’… Eu devolvia uma declaração: ‘Nenhuma’.” Higgs disse que a universidade o manteve, apesar de sua produtividade insuficiente, apenas na esperança de que ele ganhasse o Prêmio Nobel, o que seria um benefício para a universidade no ambiente contemporâneo de vida-ou-morte.
Quando os ditames competitivos do capitalismo – vender seu trabalho se você for um trabalhador, maximizar o lucro se você for um chefe – reinam sobre tudo o mais, buscas alternativas são inevitavelmente frustradas, não importa quão nobres sejam. Um objetivo nobre da academia de Ciências, por exemplo, é fornecer os recursos e encorajamento para as pessoas realizarem experimentos rigorosos que engrandecerão o conhecimento coletivo sobre o mundo em que vivemos. Mas essas aspirações sofrem, conforme administrações de mentalidade ‘austera’ fecham a torneira do financiamento federal para universidades e pesquisa, e instituições reagem mudando seus modelos de financiamento para se manter à tona.
Edwards e Roy observam que a hipercompetição causada pela proliferação de métricas de desempenho faz com que os cientistas acadêmicos enfatizem a quantidade em detrimento da qualidade; os incentiva a tomar atalhos e seleciona os intelectuais com uma mentalidade mais voltada para a carreira do que para a Ciência. Em suma, os ditames do mercado capitalista (“competição, acumulação, maximização do lucro e crescente produtividade do trabalho”) prejudicam a integridade científica e a busca coletiva de conhecimento.
Edwards e Roy recomendam várias reformas, principalmente focar em métricas quantitativas mais relaxadas e na prevenção de má conduta de pesquisa. No entanto, com toda a probabilidade, os problemas continuarão até que a causa raiz seja resolvida – isto é, até que o capitalismo não mais domine a universidade e a sociedade que a sustenta.
“É difícil imaginar como eu poderia encontrar paz e tranquilidade suficientes no clima atual para fazer o que fiz em 1964”, disse Higgs. “Hoje eu não conseguiria um emprego acadêmico. Simples assim. Eu não acho que seria considerado suficientemente produtivo.”
No final de sua carreira, Higgs disse que se tornou “um embaraço para o departamento quando faziam exercícios de avaliação de pesquisa. O departamento de Física da Universidade de Edimburgo enviava uma mensagem dizendo: ‘Por favor, nos dê uma lista de suas publicações recentes’… Eu devolvia uma declaração: ‘Nenhuma’.” Higgs disse que a universidade o manteve, apesar de sua produtividade insuficiente, apenas na esperança de que ele ganhasse o Prêmio Nobel, o que seria um benefício para a universidade no ambiente contemporâneo de vida-ou-morte.
Quando os ditames competitivos do capitalismo – vender seu trabalho se você for um trabalhador, maximizar o lucro se você for um chefe – reinam sobre tudo o mais, buscas alternativas são inevitavelmente frustradas, não importa quão nobres sejam. Um objetivo nobre da academia de Ciências, por exemplo, é fornecer os recursos e encorajamento para as pessoas realizarem experimentos rigorosos que engrandecerão o conhecimento coletivo sobre o mundo em que vivemos. Mas essas aspirações sofrem, conforme administrações de mentalidade ‘austera’ fecham a torneira do financiamento federal para universidades e pesquisa, e instituições reagem mudando seus modelos de financiamento para se manter à tona.
Edwards e Roy observam que a hipercompetição causada pela proliferação de métricas de desempenho faz com que os cientistas acadêmicos enfatizem a quantidade em detrimento da qualidade; os incentiva a tomar atalhos e seleciona os intelectuais com uma mentalidade mais voltada para a carreira do que para a Ciência. Em suma, os ditames do mercado capitalista (“competição, acumulação, maximização do lucro e crescente produtividade do trabalho”) prejudicam a integridade científica e a busca coletiva de conhecimento.
Edwards e Roy recomendam várias reformas, principalmente focar em métricas quantitativas mais relaxadas e na prevenção de má conduta de pesquisa. No entanto, com toda a probabilidade, os problemas continuarão até que a causa raiz seja resolvida – isto é, até que o capitalismo não mais domine a universidade e a sociedade que a sustenta.
Sobre a autora
Meagan Day faz parte da equipe de articulistas da Jacobin.
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