22 de setembro de 2019

O que as sanções dos EUA estão causando aos venezuelanos

Apesar de não contar com a violência imediata de uma intervenção militar, as sanções contra a Venezuela continuam punindo os cidadãos comuns, enquanto aprofundam a crise política do país. Para o país se estabilizar novamente, elas precisam terminar.

Rebecca Hanson e Francisco Sánchez

Jacobin

Apoiadores pró-governo gritando durante uma manifestação anti-Trump em 10 de agosto de 2019 em Caracas, Venezuela. (Carolina Cabral / Getty Images)

Tradução / No início de agosto, o governo Trump intensificou sanções econômicas contra a Venezuela, congelando ativos estrangeiros e impedindo empresas de fazerem negócios com o governo Maduro. Como era de se esperar, a ordem executiva foi acompanhada de exibicionismo por parte dos integrantes do governo Trump, que argumentaram que a medida "aceleraria uma transição democrática pacífica".

Essas novas sanções causaram um grande estrondo quando anunciadas, e isso é compreensível. David Smilde, membro sênior do Escritório de Washington Sobre Assuntos Latino-Americanos, descreveu sanções semelhantes, mas menos extensas, como uma opção "nuclear". Nas semanas seguintes após a emissão do pedido, uma enxurrada de relatórios e opiniões foram publicados, especulando sobre os possíveis impactos econômicos das sanções a curto e longo prazo.

No terreno, a nova rodada de sanções acelerou as disparidades entre o dólar americano e o bolívar soberano no mercado negro. No fim de julho, a taxa de câmbio ficou em torno de 8.000 bolívares para cada dólar. No final de agosto, esse número havia subido para 20.000 bolívares. Usando essa taxa do mercado negro, o salário mínimo no país equivaleria a dois dólares por mês.

Ao mesmo tempo, no dia-a-dia, as sanções quase parecem não serem merecedoras de discussão. Em vez de uma bomba, talvez as sanções sejam melhor descritas como um pontinho no radar. Nas palavras de uma amiga, mãe solo e servidora do estado: "Quem tem tempo para entrar em pânico com esta vaina?"

Os venezuelanos estão, é claro, preocupados com as sanções. Mesmo para quem não tem certeza do que as sanções realmente envolvem, um ponto é muito claro: vão tornar a vida muito mais cara. No entanto, desde muito antes dessa nova rodada de sanções, as pessoas esperavam que os preços aumentassem semanalmente, até mesmo diariamente. Os venezuelanos já contam com aumentos rápidos na taxa de câmbio quando avaliam o quão longe o dinheiro vai chegar — ou não — durante o mês. Sim, as sanções aceleraram os aumentos dos preços e o custo do dólar. Mas isso é uma mudança de nível, não de categoria.

Não é só a economia, estúpido

As sanções trazem consigo muitas implicações sociais e políticas, além dos efeitos que têm sobre a economia. Houve consequências políticas significativas após o anúncio do governo Trump. Nicolás Maduro abandonou a mesa de negociações em Barbados, o que, dado o momento, era provavelmente a meta de um governo que tem pouca fé em um fim negociado para crise atual. E, embora novas negociações estejam em andamento, as sanções, sem dúvida, reverteram qualquer progresso feito por atores políticos na busca por um meio termo.

As sanções destacam um problema político maior que o produzido pelo relacionamento do governo Trump com a coalizão da oposição. É evidente que o principal interlocutor do governo Trump é a Voluntad Popular, o partido de Juan Guaidó e seu mentor, Leopoldo López. Apesar de López ser uma figura extremamente polarizadora, considerada por muitos como uma das vozes mais reacionárias da oposição, a relação entre Voluntad Popular e Trump tem começado a definir as estratégias da coalizão e a criar uma expectativa de apoio a certas medidas, como as sanções, sobre as quais muitos na oposição estão divididos.

As medidas punitivas e unilaterais como essas tendem a provocar um efeito atenuante nos procedimentos democráticos, forçando as pessoas a definir limites e se unir em torno de posições intransigentes. Logo após Washington anunciar as sanções, Guaidó nomeou um novo "gabinete". Com López no comando do grupo, resta pouco espaço para discussão entre os líderes sobre a posição a ser tomada em relação às sanções. Políticas polarizadoras provocam tensões, justificando a posição autoritária de que, por enquanto, não há tempo para debate, discussão e participação popular.

A cada novo aumento dos riscos, o discurso político se torna cada vez mais um jogo de soma zero. Enquanto a oposição liderada por Guaidó tem permanecido calada sobre o sofrimento que as sanções causarão, alguns políticos chavistas têm usado as sanções como um meio de reforçar a lealdade. Por exemplo, logo após Trump assinar a ordem executiva, vídeos e mensagens de mídia social anunciaram que aqueles que não assinassem um documento contra o bloqueo poderiam deixar de receber as caixas do CLAP, uma fonte indispensável — embora inconsistente — de comida para muitos nos setores populares. Para movimentos sociais e partidos políticos, torna-se cada vez mais difícil encontrar equilíbrio entre críticas às sanções e o governo americano e, ao mesmo tempo, um posicionamento contrário ao governo de Maduro.

Sanções e sinalização da situação do país

As sanções também têm impactos menos "visíveis", impondo restrições e limitações frequentemente ignoradas nas análises econômicas, mas que têm efeitos profundos na moral e na forma como os venezuelanos avaliam a situação do seu país. Pense em algo tão simples quanto o beisebol. Em resposta às sanções, a Liga Principal de Beisebol americana (MLB) cortou relações com a Liga Venezuelana de Beisebol Profissional, o que significa que os venezuelanos que jogam na MLB não poderão jogar em seu país de origem. Lembre-se de que o beisebol tem um status quase religioso na Venezuela. Como disse Caraqueño: "É a única coisa que os venezuelanos têm para curtir, e as sanções arruínam isso também".

Ou, por exemplo, Miguel Pérez (pseudônimo), um jovem boxeador de peso médio de um bairro pobre de Caracas que teve a chance de lutar nos Estados Unidos, marcando o auge de sua carreira profissional. Embora Pérez tivesse visto e pudesse viajar, seus colegas de equipe não tiveram a mesma sorte; seus vistos foram negados. Sem seu treinador e auxiliares, e sem o apoio moral da sua equipe, Pérez entrou em luta desmoralizado, incapaz de manter uma vantagem competitiva. Por fim, ele perdeu.

Junto com a desmoralização, vem o desencanto; com cada ação punitiva dos Estados Unidos, cresce o cinismo e diminui a esperança de mudança política.

Esse cinismo saturou as visões políticas de mundo em um nível plenamente demonstrado durante uma conversa que tivemos com amigos há algumas semanas em um bairro no oeste de Caracas. Quando o assunto do “embargo” surgiu na conversa, Susana — uma chavista fervorosa que tem permanecido favorável, mas crítica ao governo de Maduro — recusou a sugestão de que a oposição desejasse que as negociações tivessem sucesso. No entanto, ela manteve as mesmas críticas ao governo Maduro. Na sua perspectiva, nem o governo nem a oposição se preocupam em acabar com a crise, pois os dois “lados” estão enriquecendo apesar — ou talvez em parte devido à — crise.

Obviamente, é improvável que os políticos, como Susana acredita, desejem a continuidade da crise. Se fosse apenas por interesse próprio, eles poderiam se sair muito melhor com a economia melhorando, dependendo dos termos das negociações. Mas a percepção de que o bem-estar popular é, na melhor das hipóteses, uma preocupação marginal, não é incomum, e as sanções exacerbam essa ideia.

Assumir a responsabilidade pelas falhas e erros, e suas consequências, poderia potencialmente reviver alguma esperança em torno da política. Hugo Chávez é lembrado por ter assumido a responsabilidade pelas consequências de um golpe fracassado em 1992, um movimento que o fez se destacar entre outros políticos quando se candidatou à presidência seis anos depois. Por enquanto, contudo, os partidos políticos e seus porta-vozes continuam jogando batata quente, fazendo tudo o que podem para passar a culpa para o outro lado.

Quanto à moeda política entre os cidadãos venezuelanos comuns, nem o governo nem a oposição podem se beneficiar muito dessas medidas. Sim, as sanções alimentam as críticas do governo Maduro à intervenção imperialista. E a oposição pode tentar usar a possibilidade do levantamento das sanções para trazer o governo de volta à mesa de negociações. Porém, no terreno, ambos os lados parecem insensíveis em suas respostas às sanções, ainda mais distantes da realidade daqueles que não estão incluídos em seus respectivos grupos.

Muitos reconhecem que as sanções não incentivarão os políticos a mudar de rumo, porque não são eles que sofrem com elas. Os venezuelanos estão cientes do que analistas políticos e acadêmicos têm dito desde o anúncio das sanções: as vítimas são o povo venezuelano. Talvez a situação seja melhor resumida por uma observação feita por um amigo, depois de as sanções serem aplicadas no início deste ano: “El partido trancado y el pueblo con la cochina en la mano.” A partir de em uma metáfora do dominó, isso pode ser traduzido como: “Os participantes do jogo político não têm mais jogadas e são as pessoas que acabam se ferrando no final."

Sobre os autores

Rebecca Hanson é professora assistente do Centro de Estudos Latino-Americanos e do Departamento de Sociologia e Criminologia e Direito da Universidade da Flórida.

Francisco Sánchez é professor da Universidade Católica Andrés Bello em Caracas e membro do REACIN (La Red de Activismo e Investigación por la Convivencia).

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