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3 de março de 2023

The Blues Brothers é um passeio selvagem pela Chicago dos anos 1970

Mais de 40 anos depois, The Blues Brothers ainda é uma boa diversão, oferecendo uma visão exuberante da Chicago dos anos 1970 em todo o seu charme rústico e da classe trabalhadora.

Leonard Pierce



Quando eu era jovem e procurava uma chance de fugir do subúrbio estúpido onde cresci, havia muitos lugares para os quais pensei em me mudar. Nova York estava na mistura, assim como Los Angeles - todos os suspeitos de sempre quando você sonha em fazer sucesso em uma cidade grande. (Phoenix, onde nasci, ainda não estava nesse nível naquela época, embora as mudanças econômicas e demográficas - para não mencionar os aluguéis em espiral em outros lugares - a tenham tornado a quinta maior cidade do país, algo que parecia impensável na época).

Mas as pessoas em quem eu mais confiava - meus amigos que se mudaram para o Arizona de outros lugares, meus conhecidos que viajaram mais longe do que eu, meus colegas de time de beisebol do ensino médio - todos me disseram que Chicago era o lugar para se estar. Muitos deles eram do South Side, e todos tinham histórias sobre como era um lugar incrível para se viver, trabalhar, aproveitar a vida. Um ex-colega de banda, que cresceu no bairro South Side de Bridgeport, colocou em uma linguagem que ele adivinhou corretamente que eu entenderia: “Chicago é como Ferris Bueller's Day Off se você for rico”, disse ele, “e é como The Blues Brothers se você for pobre.”

Eu não era rico quando juntei tudo o que possuía em um carro alugado e dirigi os mil e oitocentos quilômetros de Glendale a Chicago, e não sou rico agora, trinta anos depois. E nem Ferris Bueller nem The Blues Brothers são uma abreviação tão útil para a vida na Windy City quanto costumavam ser. Mas o último, embora repleto de problemas, mantém-se melhor cinco décadas depois. Ele oferece aos espectadores ótimas risadas, algumas fotos incríveis de uma Chicago que não existe mais - e alguns insights fascinantes sobre como assistimos (e como fazemos) comédias hoje.

Atrás do blues

The Blues Brothers, filmado em uma ampla variedade de locações urbanas e suburbanas, teve uma história de origem improvável e um processo de criação quase impossível. O falecido John Belushi (“Joliet” Jake Blues) nasceu no bairro de Humboldt Park, no lado norte de Chicago, em uma família albanesa. Ele tocava bateria e cantava em bandas do ensino médio e adorava o blues que viajou para o norte com músicos negros fugindo do sul do Jim Crow. Dan Aykroyd (Elwood, a segunda metade dos irmãos homônimos) era originalmente do Canadá, mas tocou com a lendária Downchild Blues Band e viu vários artistas de blues de Chicago, incluindo Howlin' Wolf, Muddy Waters e Otis Spann.


Esse interesse musical compartilhado foi a centelha para os Blues Brothers, uma ideia que a dupla originou durante seu tempo no Saturday Night Live - e que pegou fogo tanto como uma piada no programa quanto como um fenômeno próprio. As conexões do showbiz colocaram Belushi e Aykroyd em contato com superestrelas musicais genuínas (incluindo sua banda de apoio e James Brown, Aretha Franklin e Ray Charles, que participaram do filme), e a América os tornou superestrelas: o primeiro álbum dos Blues Brothers, Briefcase Full of Blues, tornou-se um grande sucesso e continua sendo um dos álbuns de blues mais vendidos de todos os tempos.

Aqui, é claro, é necessário apontar o problema com todo o conceito de Blues Brothers. Embora tenha entregado um dos maiores salários que muitos dos principais artistas de blues do filme já receberam (Cab Calloway, em particular, estava praticamente desamparado quando os cineastas o abordaram), é menos do que ideal que um dos álbuns mais populares de um forma de arte nascida por afro-americanos no Jim Crow South é de dois comediantes brancos. Por mais óbvio e sincero que seja o amor de Belushi e Aykroyd pela música, talvez eles não sejam as melhores pessoas para levar a mensagem do blues ao povo.

Mas há muito sobre The Blues Brothers que nunca deveria ter acontecido, e quase todos eles contribuem para seu charme caótico. O filme parecia um projeto condenado desde o início: o roteiro de Aykroyd (seu primeiro) era uma bagunça total e teve que ser totalmente reescrito, o projeto não tinha orçamento definido e o diretor John Landis (cujas demandas megalomaníacas custariam vidas humanas quando ele dirigiu um segmento de Twilight Zone: The Movie, de 1983) continuou aumentando sua história de cachorro peludo com cenários maiores e mais caros. Os cineastas mal conseguiram permissão para filmar em Chicago - Belushi prometeu à então prefeita Jane Byrne dezenas de milhares de dólares em financiamento comunitário para adoçar o negócio. Em algumas indústrias, isso seria considerado um suborno, mas o quid pro quo valeu a pena: o filme transformou Chicago em um local de filmagem quente para a próxima década.


Tudo isso teve um preço - ou vários deles, cada um mais que o outro. O filme custou uma fortuna, mas também rendeu uma fortuna; no entanto, nada desse dinheiro foi repassado para a cidade de Chicago. A administração Byrne já havia desembolsado grandes somas para garantir que The Blues Brothers fosse feito (quebrar uma janela no centro de Daley Center custa US $ 70.000 em dólares de 20233); fechar o centro da cidade quase completamente no verão de 1979 teve um preço que provavelmente não pode ser calculado.

Conseguir uma licença especial para lançar um carro de um helicóptero, destruir centenas de viaturas da polícia, demolir um shopping inteiro: cada façanha combustível deu o tom para a era dos sucessos de bilheteria que se seguiria, onde o dinheiro não era problema e os filmes comandavam os orçamentos de todos os municípios.

O filme

Valeu a pena?

Apesar das inúmeras sequências, roubos, saques e vendas do conceito, que deveria ter morrido quando Belushi o fez em 1982, o fato de que as pessoas ainda falam sobre The Blues Brothers hoje sugere que a resposta é sim. Além do mais, The Blues Brothers oferece um raro vislumbre de uma cidade que existe no que parece ser uma linha do tempo alternativa. O filme foi feito no final da década de 1970, e Chicago, como a maioria dos grandes centros urbanos, estava passando por uma crise social e econômica. Era uma cidade suja e decadente com o charme rústico da classe trabalhadora, e o filme se concentra em seus locais mais sujos: orfanatos católicos decadentes, hotéis decadentes e transitórios e lojas de penhores. As pessoas que conhecem a cidade e os estranhos a Chicago ainda se emocionam com o aparecimento de locais desaparecidos, como o antigo mercado da Maxwell Street, o restaurante Chez Paul e a Igreja Triple Rock. O filme destaca a velha Chicago de tijolos, poeira e cerveja barata.


Não é apenas a cidade no sentido físico que vemos em The Blues Brothers. Marcadores culturais daquela velha Chicago estão por toda parte. Os principais antagonistas do filme são uma gangue de neonazistas, uma decisão inspirada na então recente tentativa do Partido Nacional Socialista da América de realizar uma marcha no subúrbio fortemente judeu de Skokie. O Departamento de Polícia de Chicago, longe de sua posição atual de consumir grande parte do orçamento municipal para brutalizar as pessoas e depois exigir respeito por fazê-lo, é retratado como uma piada na pior das hipóteses e um incômodo na melhor das hipóteses. Há uma cena em que Jake, se passando por representante do sindicato dos músicos, ganha algum tempo para sua banda fugir, um aceno para o poder do trabalho organizado que logo chegaria ao fim sob Ronald Reagan. Até mesmo os padrões de fala são reveladores: o famoso “sotaque de Chicago”, um marcador que está desaparecendo de comunidades brancas étnicas específicas no South Side, está em toda parte, com o de Aykroyd ironicamente mais preciso do que o nativo de Chicago Belushi.

Claro, The Blues Brothers também é um musical. Enquanto os Blues Brothers da “realidade” venderam milhões de discos e tocaram em grandes salas de concerto, os Blues Brothers da tela prateada tocam em locais de concertos da classe trabalhadora e se consideram sortudos por ganhar algumas centenas de dólares por show, divididos em dez maneiras. Todos eles têm empregos diretos para manter a cabeça acima da água. E até mesmo as estrelas do mundo real apresentam suas performances poderosas (em particular, Aretha Franklin estabelecendo uma grande versão de todos os tempos de “Think”, Ray Charles e John Lee Hooker destruindo Maxwell Street e James Brown exagerando - apoiado por um coral apresentando Chaka Khan! - no Triple Rock com um número gospel tradicional funked-up) no mais modesto dos cenários. É o completo oposto de como as histórias sobre estrelas da música seriam contadas depois disso.

The Blues Brothers tem muitos começos falsos, piadas que não acertam e momentos que parecem terrivelmente estranhos em retrospecto. Custou muito caro, preparou o terreno para uma era de sucesso de bilheteria que tem sido uma bênção mista, na melhor das hipóteses, e seu orçamento de cocaína no set é uma lenda. Mas é genuinamente engraçado, seu amor pela música é palpável e, acima de tudo, documenta de forma convincente uma Chicago que ainda pode estar fisicamente intacta, mas cujos lugares, espaços e pessoas estão se tornando cada vez mais difíceis de encontrar à medidada que a gentrificação, financeirização e a monocultura varre todos eles.

Colaborador

Leonard Pierce é um escritor e editor baseado em Chicago. Ele é um organizador dos Socialistas Democráticos da América e estuda a interseção da política da classe trabalhadora com a cultura americana do século XX.

24 de dezembro de 2022

Enquanto Você Dormia é uma deliciosa comédia romântica sobre uma trabalhadora do trânsito sindicalizada

A comédia romântica de Natal de 1995, Enquanto Você Dormia, é estrelada por Sandra Bullock como uma trabalhadora sindical de trânsito em Chicago. Mais de 25 anos depois, ainda é um delicioso relógio de férias da classe trabalhadora.

Leonard Pierce


Sandra Bullock e Peter Gallagher estrelam Enquanto Você Dormia. (Fotos de Hollywood)

Comédias românticas e Natal combinam como leite e biscoitos. Empresas de produção inteiras existem apenas para produzir o tipo de comédias romanticas estereotipadas e compatíveis com o Pinterest que aparecem no Hallmark Channel e em outras zonas zero de cabo básico todos os anos. Mas poucos, se é que algum, chegou perto da doce perfeição de Enquanto Você Dormia, de 1995.

Lançado na primavera daquele ano, apenas dez meses depois de Speed ter feito de Sandra Bullock uma grande estrela e uma atração confiável nas bilheterias, Enquanto Você Dormia consolidou Bullock como a queridinha do momento na América e lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro — bem como quase $ 200 milhões em lucros para a Buena Vista Pictures. O filme imediatamente se tornou um clássico da comédia romantica, celebrado pela crítica e pelo público. Mais de vinte e cinco anos depois, ainda é um delicioso relógio de férias — não tanto por seu enredo absurdo, mas pelo acúmulo de detalhes que o elevam acima dessa cadeia boba de eventos.


Resumidamente, Enquanto Você Dormia é a história de Lucy Moderatz (Bullock), uma jovem peculiar e amigável que trabalha como atendente de bilheteria para a Autoridade de Trânsito de Chicago (CTA). Sem sorte no amor, ela fica obcecada por Peter Callaghan (Peter Gallagher, todo queixo, lábios e sobrancelhas), um belo advogado que embarca no trem elevado em sua parada todos os dias, mas ela não tem confiança para falar com ele.

Lucy trabalha todos os feriados, porque ela não tem família própria, e em um dia de Natal, ela vê Peter ser assaltado e cair nos trilhos. Saindo da cabine para resgatá-lo, ela salva sua vida, apenas para ele entrar em coma. Acompanhando-o ao hospital, ela conhece sua família unida e amorosa e, por meio da série usual de mal-entendidos cômicos, eles passam a acreditar que ela é sua noiva — e ela os aceita tão rapidamente que não tem coragem de corrigi-los.

Hilaridade, como você pode esperar, segue. Claro, a coisa toda é ridícula: quem manteria uma mentira tão óbvia? Quem acreditaria? Por que Lucy pensaria que isso terminaria em algo que não fosse um desastre? Por que a história - um funcionário público resgata um cidadão da morte certa no Natal! - não atraiu nenhuma atenção da mídia? Por que seu chefe (Jason Bernard, um ator local e amado de Chicago) encoraja a farsa, sabendo que geraria nada além de má publicidade para o CTA se ela fosse descoberta? Não é estranho para ninguém que Peter esteja noivo da mesma pessoa que trabalhava na estação de trem onde ele sofreu o tombo quase fatal?

Enquanto você dormia tem mais buracos na trama do que um episódio de Three's Company, e tudo sobre ele, desde sua narração fofinha até as complicações forçadas que ocorrem a cada dez minutos ou mais, é incrivelmente artificial. Mas quem se importa? Mais do que qualquer outro gênero de filme, as comédias românticas são guiadas inteiramente por vibrações. Você não os assiste porque quer uma história hermética; você os assiste para um encontro fofo, um casal que deveria ficar junto e aqueles momentos de encher os olhos quando parece que o amor verdadeiro pode não triunfar.

Por esses padrões, Enquanto Você Dormia é um sucesso absoluto. Bullock está no auge de sua adorabilidade, cada gesto e expressão facial desafiando você a não amá-la. Bill Pullman, como o irmão de Peter, Jack, é todo sorrisos e um apelo sexual discreto ao perceber que ele (como todo mundo) não pode viver sem Lucy. Há muitas piadas boas, uma manopla de altos e baixos emocionais e um elenco confiável de frequentadores de Hollywood se divertindo. E quando o grande gesto romântico finalmente chega ao final - como todos na platéia sabem — é lindamente executado.

Mas o filme não sobreviveu e provou ser uma das comédias românticas mais duráveis ​​da época apenas porque se aproxima do formato. Por um lado, Bullock interpreta uma trabalhadora do trânsito. O CTA é uma parte tão intrínseca da vida na cidade, e o transporte público é tão importante para qualquer metrópole moderna em funcionamento, que é bom ver um funcionário da cidade retratado como personagem principal, em vez de uma cifra no fundo. Algumas pessoas chamaram de erro de elenco colocar a superestrela Sandra Bullock no auge de seus poderes em um papel tão proletário, mas isso não apenas adiciona um pouco de tempero extra ao filme, mas também funciona dentro da lógica interna do filme. Enquanto você dormia foge do modelo seguido pelas comédias românticas da década de 2000, de carreiristas esforçados atrás de CEOs e aristocratas. Isso fundamenta Lucy como alguém cuja vida e carreira são ditadas por circunstâncias materiais - ela teve que abandonar a faculdade e aceitar um emprego sindicalizado bem pago e confiável porque seus pais, solidamente de classe média, tiveram sua riqueza evaporada por contas médicas - e torna ela mais identificável do que os caçadores de celebridades e alpinistas que se seguiram.

Por outro lado, é um filme clássico de Chicago — ou, pelo menos, é um filme ambientado em Chicago. Ele não acerta muitos dos detalhes da vida no Lago Michigan e erra muitos deles. A maior parte do elenco não é da cidade e nem tenta imitar o sotaque característico de Chicago; o pior infrator é Michael Rispoli (provavelmente mais conhecido como Jackie Aprile em The Sopranos), interpretando o filho sem conta do senhorio de Bullock, que importa seus padrões de fala diretamente de North Jersey. Logan Square, um bairro do lado norte, é retratado como uma curta caminhada do centro da cidade, e a casa da família Callaghan deveria estar no extremo oeste da Division Street, mas na verdade foi filmada no subúrbio de La Grange. A sequência de abertura do filme é uma sequência de filmagens de Chicago (Wrigley Field, Lake Michigan, a Hancock Tower) tão cafona que poderiam ser vendidas na Garrett's.

A maior parte disso é compreensível, visto que Enquanto Você Dormia deveria ser filmado em Nova York, mas mudou para Chicago no último minuto por razões financeiras. E apesar do filme ter falhado em tantos detalhes, os habitantes de Chicago — sempre inseguros sobre seu lugar no debate sobre as Grandes Cidades Americanas — vão gostar de ver alguns dos locais agora desaparecidos do filme (como a parada Randolph e Wabash CTA onde Bullock trabalha, que fechou em 2017, e o prédio do Chicago Sun-Times, desde então substituído pela amplamente desprezada Trump Tower).

Esta é uma critica para a Jacobin, então acho melhor mencionar mais alguns elementos esquerdistas em Enquanto Você Dormia. Não está a mil milhas de ser um filme político, mas há tópicos que podem ser puxados: Bullock se torna uma funcionária do CTA — uma agência de trânsito outrora orgulhosa que hoje foi devastada por décadas de cortes orçamentários — devido ao sistema de saúde ruinoso da América. Lucy finalmente escolhe Jack — um artesão — em vez do superficial e egocêntrico Peter, um advogado corporativo. E há um punhado de significantes de classe cultural para quem quiser olhar, como Peter Boyle (como Jack e o pai de Peter, Ox Callaghan) insistindo que sua família é do Sun-Times, não uma família do Tribune.

Mas tudo isso é apenas uma fachada. Enquanto Você Dormia poderia ser mais justo se destacasse os benefícios do sindicato do transporte público de Chicago, mas não seria uma comédia romântica melhor. Isso porque é praticamente perfeito como é: uma história incrivelmente agradável contada por um elenco de atuação inegavelmente, habilmente entregue e repleta de humor e charme. Faz você rir, transmite bons sentimentos com um leve toque de melancolia e faz você acreditar no amor e na alegria. E se não é para isso que servem as férias, pelo menos é a fórmula para uma grande comédia romântica.

Colaborador

Leonard Pierce é um escritor e editor baseado em Chicago. Ele é um organizador dos Socialistas Democráticos da América e estuda a interseção da política da classe trabalhadora com a cultura americana do século XX.

3 de junho de 2022

Os capitalistas são ruins na legalização da maconha

A sociedade capitalista só pode legalizar a cannabis de uma maneira que beneficie os já ricos. Por que não colocar a nova indústria legal de maconha nas mãos do público e longe do lucro?

Leonard Pierce


A imagem rósea da indústria legal da maconha pintada por investidores otimistas e consumidores satisfeitos não reflete a realidade completa do negócio em um país onde a maioria da maconha consumida ainda é vendida ilegalmente. (Meus 420 Tours / Wikimedia Commons)

Tradução / Uma coisa engraçada aconteceu na minha viagem por Michigan recentemente: não consegui escapar das lojas de maconha em todos os lugares - nada menos do que cinco deles a dez minutos de carro de Paw Paw, uma vila com menos de quatro mil pessoas. Há toda uma indústria dedicada ao marketing e publicidade de maconha, que se tornou uma indústria de bilhões de dólares no Estado do Wolverine. As lojas estão particularmente agrupados ao longo da fronteira a oeste com Indiana, onde a posse de cannabis ainda é proibida, mesmo quando folhas e comestíveis fluem pelas fronteiras de Michigan e Illinois, onde é legal para uso recreativo. Todos os que quiserem consumir podem fazê-lo sem restrições, mesmo que um quarto de milhão de pessoas no Estado ainda carregue o ônus das condenações por drogas perpetradas antes da legalização em 2018.

Situações semelhantes podem ser encontradas em outros Estados, pois as economias locais, sofrendo com a indústria perdida, a falta de investimento em infraestrutura e a perda de empregos relacionada à COVID, procuram algum jeito – de qualquer maneira – de gerar receita. O loja de maconha de hoje é a loja de vapes de 2016 que era a cervejaria artesanal de 2012.

Nevada já teve uma das políticas antidrogas mais rígidas dos EUA; um outdoor fora da cidade, imortalizado no notório Medo e Delírio em Las Vegas, de Hunter S. Thompson, em Las Vegas, exortava os motoristas a não “jogarem” drogados e alertava para sentenças de prisão de 20 anos até a prisão perpétua. Agora, com Nevada abrigando uma das maiores e mais lucrativas indústrias legais de cannabis do país, você pode comprar chaveiros replicando esse outdoor nos mesmos lugares em que compra a própria maconha.

Cultura e política muitas vezes vão contra a necessidade econômica: em Oklahoma, um Estado geralmente conservador que acaba de aprovar a proibição mais restritiva ao aborto do país, a maconha recreativa ainda não é legal, mas existem milhares de lojas “médicas” – um para cada dois mil habitantes.

Para aqueles com idade suficiente para lembrar quando não havia maconha legalizada, o mundo de 2022 pode parecer um paraíso para os usuários. Não há nenhum lugar na terra, nem mesmo os lendários cafés de Amsterdã, onde a maconha é tão amplamente disponível, facilmente comprada e usada, e de alta qualidade como em um Estado nos EUA que liberou uso recreativo. Mas a implementação da legalização, tanto médica quanto recreativa, tem sido atormentada por problemas: regulamentação mal pensada, leis federais que causam inúmeras dores de cabeça, o racismo mantendo pessoas negras fora da indústria, os registros criminais ainda não expurgados daqueles que foram presos antes da legalização e o agrupamento de proprietários nesta indústria em torno do tipo de investidores que podiam se dar ao luxo de entrar – muitos deles já ricos e com acesso a capital de risco e com aversão a tributação, regulação e direitos trabalhistas (aspectos tão comuns à classe dominante).

Robin Goldstein e Daniel Sumner, dois economistas da Universidade da Califórnia, abordam essas questões no livro Can Legal Weed Win? The Blunt Realities of Cannabis Economics [Pode a maconha legalizada vencer? As realidades paralelas da economia da cannabis]. O livro é escrito de forma envolvente, embora ocasionalmente brega, e traz uma perspectiva profundamente pesquisada sobre os aspectos práticos da indústria da cannabis. Os autores desferem alguns bons socos na direção do “estado do comércio” ao discuti-lo: o quadro cor-de-rosa pintado por investidores otimistas e consumidores satisfeitos, em sua narrativa, não reflete a realidade completa do negócio em um país onde a maioria da maconha consumida ainda é vendida ilegalmente.

Entre os muitos problemas estão as regulamentações confusas e caras que variam de Estado para Estado (mesmo na Califórnia, a vanguarda da legalização da cannabis no país, há uma grande quantidade de produtores de maconha no mercado paralelo, porque é mais caro cultivar legalmente); o pesadelo do financiamento em um sistema onde a proibição federal torna impossível fazer negócios com bancos interestaduais; as espinhosas diferenças entre descriminalização, legalização médica e uso recreativo; e preços inconsistentes devido à regulamentação, tributação e custos trabalhistas, levando a situações como as do meu Estado natal de Illinois, onde os preços da cannabis são os mais altos do país.

“Os Preços estão Altos” [“Prices Get High”, no original, um trocadilho entre “estão altos” e “estão chapados”], o terceiro capítulo do livro (entenderam porque disse que o livro pode ser meio cafona às vezes?) é o mais revelador, discutindo não apenas os diversos meandros da legalidade mas também como um produto que custa relativamente pouco em sua manufatura pode se tornar tão caro, para começo de conversa.

“A legalização mudou a maconha no varejo de várias maneiras fundamentais”, argumentam Goldstein e Sumner, citando a diversificação de produtos (o florescimento de uma simples flor fumável em outros vetores de entrega, como comestíveis, cartuchos, vapes, cera, fragmentos e assim por diante) e um processo de gourmetização (o crescimento de produtos de qualidade diferente para atender a diferentes faixas de preço de consumidores) como dois dos principais fatores.

Mas, embora seja verdade que isso teve um impacto incrível nos preços da cannabis, não é em função do produto ou sua legalidade – é uma função do mercado.

Mercados são criados, não descobertos

Apesar de toda a sabedoria absorvida das aulas de “Introdução à Economia” sobre os mercados serem impulsionados pela oferta e demanda, os mercados são criados, não descobertos. Ninguém pediu 20 maneiras diferentes de consumir maconha, ou 50 tipos diferentes de comestíveis com cannabis, ou uma escala graduada de qualidade; essas inovações nos foram trazidas pelo impulso do capitalismo de expandir constantemente seus mercados para maximizar o lucro.

Embora seja ótimo ter escolha, o erro é supor que isso só pode acontecer com o impulso dos grandes empresários; as pessoas podem inovar em qualquer setor sem sacrificar (e entregar) todos os seus esforços aos patrões. Se os autores estiverem certos em prever uma grande correção para a indústria de cannabis, pois os investidores, frustrados com o lento retorno do investimento, caem fora, isso resultará no desaparecimento de muitos desses produtos – não porque a demanda desapareceu, mas porque os consumidores nunca terão o dinheiro ou o desejo suficientes para comprar tudo o que os fabricantes lhes empurra.

Pode a maconha legalizada vencer? também postula a regulação e a tributação mais como problemas a serem superados do que necessidades a serem aceitas – uma aceitação da ganância capitalista como um bem. O livro também se concentra fortemente na questão da maconha no mercado paralelo, que pode minar a cannabis legal ao ser vendida a um valor mais barato. Mas, novamente, este é um problema de uma economia de mercado orientada para o lucro: em um sistema que removesse a motivação do lucro, nem os produtores legais nem os ilegais ganhariam ao contornar as regras, reduzindo a possibilidade de fabricantes legítimos terem o caminho cortado por um fabricante ilegal preenchendo o vazio.

Mais adiante no livro, os autores fazem o prognóstico do mundo da maconha legal em 2050, estimando quedas de até metade da receita atualmente prevista (embora admitam sensatamente que suas previsões não são mais blindadas do que as dos mais otimistas do mercado). As razões para isso, já difundidas na jovem indústria legal de cannabis, são quase universais: previsões de receita excessivamente otimistas por empresas ansiosas para atrair investidores; retornos de investimento abaixo do esperado; a super saturação de um mercado limitado como já citado anteriormente; e uma colcha de retalhos amplamente incoerente de leis e regulamentos que dificulta a vida dos capitalistas interessados ​​apenas no resultado final. Como costuma ser o caso das bolhas de investimento, uma indústria com muito dinheiro para todos rapidamente se tornou uma indústria sem dinheiro suficiente para poucos sortudos.

Eles citam quatro possibilidades principais que impactarão o setor: legalização federal da maconha, a capacidade relacionada de conduzir o comércio de cannabis entre Estados e até fronteiras internacionais, produção mais eficiente e expansão por meio de alto financiamento, especialização, eficiência de produção e gerenciamento racional. Embora eles provavelmente estejam certos de que isso resultará em ajustes de mercado amigáveis ​​ao consumidor, eles não defendem lidar com os problemas criados por essas mudanças em demais setores industriais por meios não comerciais.

Controle dos meios de produção da maconha

Pode a Maconha Legalizada Vencer? é uma excelente cartilha sobre o estado da indústria de cannabis nos EUA hoje. Algumas das prescrições políticas de Goldstein e Sumner são perfeitamente sensatas e não estariam fora de lugar para qualquer socialista endossar enquanto reformas necessárias. Mas o propósito declarado do livro é criar “um mercado mais inteligente e justo” onde a maconha seja “mais barata, melhor e esteja mais disponível” legalmente em lugar de seu produto equivalente no mercado paralelo. Para eles, tudo faz parte de um sistema de troca econômica amplamente neutro em termos de valor, e a cannabis é apenas mais uma mercadoria. (A conclusão do livro, que prevê que financistas e empresários da Big Tech acabarão saindo do mercado de maconha em favor do agronegócio, não é reconfortante.)

É verdade que a legalização teve consequências imprevistas e que “leis sonhadas por ativistas e elites tecnológicas” às vezes acabam “ilegalizando mais negócios de maconha do que legalizando”. O custo de entrada no comércio legal de cannabis é tão alto, desde o licenciamento até custos crescentes de regulamentação e tributação, que muitos escolhem o negócio ilegal, encontrando muitos clientes que ficam felizes em pagar menos por uma qualidade inferior. Mas isso é uma questão de aceitar as condições atuais, com o governo atuando como um facilitador do lucro privado.

Para os socialistas, a questão deve ser mais profunda. Como seria o mundo da maconha se fosse completamente divorciado da motivação por lucro?

Podemos vislumbrar um futuro em que a dependência química grave seja tratada como um problema de saúde pública e tratada como tal sob um sistema de saúde universal, e podemos finalmente ter pesquisas sólidas, baseadas em evidências, que comprovem o valor médico não apenas da cannabis, mas de psicodélicos e outras substâncias, livres do domínio das empresas farmacêuticas com fins lucrativos.

Também podemos admitir que, apesar de mais de um século de propaganda reacionária fazendo tudo o que fosse possível para criminalizá-la, a cannabis é um prazer não viciante e inofensivo que pode promover boa saúde mental, alívio do estresse e convívio camarada. Não há razão para que não possamos resolver a questão da cannabis em um contexto socialista tão definitivamente quanto Karl Kautsky resolveu a questão da abstinência entre as classes trabalhadoras alemãs, em oposição aos métodos proibicionistas como de Victor Adler. É bom que as e os camaradas fiquem chapados as vezes.

Goldstein e Sumner fazem um digno trabalho ao vislumbrar um futuro em que a indústria legal de cannabis opere de forma mais eficiente, acessível e equitativa. Mas nós, socialistas, podemos ir além. Podemos ver um mundo onde os produtores são regulamentados por segurança e qualidade, enquanto ainda são apoiados e protegidos por lei; onde cada elo da cadeia de produção de cannabis, desde o plantio e processamento até a distribuição e a venda, é sindicalizado, garantindo um local de trabalho democrático; onde comunidades marginalizadas de negros, pretos e pardos, não estejam sujeitas à prisão, brutalidade policial e exclusão da produção legal; e onde os usuários médicos e recreativos estão em harmonia, não em competição.

A cannabis cresce naturalmente e é fácil de cultivar, processar e embalar. Isso pode ser feito praticamente em qualquer lugar do mundo por qualquer pessoa. Seria simples e fácil para os trabalhadores controlar os meios de produção da maconha. E ela, ainda, está ligada a todos os tipos de questões caras aos corações socialistas, desde a reforma agrária e justiça racial até a criação de uma sociedade menos repressiva e a eliminação do controle privado de recursos que, por direito, pertencem ao povo.

Uma sociedade capitalista só pode legalizar a cannabis de uma maneira que beneficie aqueles que já estão bem posicionados em sua hierarquia de poder. Uma sociedade socialista tem o poder não apenas de abandonar os preconceitos nocivos do passado, mas de criar um futuro onde bons empregos, boa saúde e bom uso de recursos naturais estejam disponíveis para todos que os desejarem, tratando as dádivas da natureza como um recurso comum, não um crime ou uma piada.

Colaborador

Leonard Pierce é um escritor e editor de Chicago. Ele é um organizador dos Socialistas Democráticos da América (DSA) e estuda a interseção da política da classe trabalhadora e a cultura americana do século XX.

21 de dezembro de 2021

Beavis and Butt-head Conquistam a América resiste ao teste do tempo

Procurando algo além de filmes sentimentais de Natal para assistir nas férias? Não há maior e mais presciente sátira do absurdo estado de segurança nacional americano do que Beavis and Butt-head Conquistam a América, de Mike Judge.

Leonard Pierce

Jacobin

Vinte e cinco anos depois, Beavis and Butt-head Conquistam a América continua sendo uma excelente sátira do estado de segurança dos EUA do século XXI. (MTV)

Vinte e cinco anos atrás, esta semana, Beavis e Butt-Head Conquistam a América fizeram sua estréia. O criador Mike Judge resistiu a tentativas anteriores de fazer um filme sobre esses dois personagens essencialmente americanos - o maníaco, maluco e perpetuamente excitado Beavis e o insatisfeito, entediado e também perpetuamente excitado Butt-Head -  mas a MTV finalmente balançou um cheque grande o suficiente na frente dele para que ele concordasse em assinar Conquistam a América. O resultado foi um sucesso de bilheteria que está sendo comemorado com uma grande celebração na mídia, um lançamento em Blu-ray e conversas sobre uma sequência.

Tudo isso é um ciclo de hype da mídia bastante padrão, mas isso não deve obscurecer o que realmente vale a pena discutir: Beavis and Butt-head Conquistam a América é a maior sátira do estado de segurança americano do século XXI. E o que é ainda mais impressionante é que foi feito no século XX, cinco anos antes do 11 de setembro.

https://youtu.be/knL5zY1LRqw

Quer um filme onde os antagonistas são agentes do Bureau of Alcohol, Tobacco, and Firearms, na época – pré-ICE, pré-TSA – o alvo mais proeminente de direitistas obcecados com o excesso de violência e obsessão do governo? Conquistam a América é isso. Quer um filme que preveja estranhamente a invasão de Washington, DC, por mal-educados? Conquistam a América é isso. Quer um filme onde os protagonistas são dois incels adolescentes brancos de classe média cuja visão de mundo inteira é baseada em desinformação e conteúdo de transmissão de apodrecimento do cérebro? Conquistam a América é isso. E isso sem mencionar que nos fornece um vislumbre tentador de uma realidade alternativa na qual uma jovem Chelsea Clinton se apaixona por um adolescente de queixo caído chamado Butt-Head. (Dado o fato de que, em nosso mundo, ela acabou com um abutre de Wall Street que trabalhou para algumas das piores empresas de fundos de hedge do país, as coisas provavelmente são melhores nessa linha do tempo alternativa.)

Judge pode parecer um candidato improvável para ser nomeado o proeminente satirista do declínio do capitalismo tardio americano desde Terry Southern. Mas quanto mais você recua, mais sentido faz. Judge é um texano atarracado e quadrado que está ficando careca desde a adolescência e tem formação em ciências. Ele é frequentemente identificado como conservador ou libertário, na pior das hipóteses, embora se esforce ao máximo para não discutir explicitamente suas tendências políticas reais.

(MTV)

Certamente, Judge não é marxista. O Office Space começa como uma crítica empolgante do local de trabalho, mas termina com uma iteração da ideia pateta e persistente de que o trabalho manual é puro e empoderador. Idiocracy captura a natureza anti-intelectual da sociedade americana, mas a confunde com muita quase eugenia. E ele fez The Goode Family, uma sátira de benfeitoria liberal tão pesada que poderia ter sido aprovada pela Fox News em vez da ABC.

Mas, apesar de tudo isso, ele continua sendo o satirista mais perspicaz e preciso dos arquétipos americanos que temos. A razão pela qual King of the Hill ainda aparece em memes contemporâneos é porque os personagens principais são tipos tão precisos e reconhecíveis. Judge pode não detestar as grandes empresas de tecnologia por causa de sua natureza capitalista, mas ele entende absolutamente por que elas são tão dignas de paródia e por que as mentiras que elas nos contam - e umas às outras - são piadas tão ruins que se transformam em boas piadas.

E depois há Beavis and Butt-head Conquistam a América.

Nossa realidade ultrapassou a fantasia de Beavis e Butt-Head

Foi uma decisão inteligente usar o formato picaresco para o filme. Como Fredric Jameson colocou em sua discussão sobre Raymond Chandler, essa forma literária, geralmente apresentando a passagem de um “sábio tolo” travesso por uma variedade de lugares e situações, é valiosa porque permite o cruzamento de linhas de classe. Bem, não há tolos como Beavis e Butt-Head, nem personagens fictícios menos respeitosos com as distinções de classe ou os lemas do estado de segurança; para eles, há coisas que sugam e coisas que governam, e nunca os dois se encontrarão.

https://youtu.be/YMasli5dUQE

Para um filme feito poucos anos após o fim da história, Conquistam a América apresenta a América com incrível presciência, desde a militarização do estado policial até a apresentação do governo, não apenas como incompetente e corrupto, mas uma piada em sua própria fundação. Uma cena em que Beavis literalmente usa a Declaração de Independência para limpar sua bunda nunca chegou ao corte final, mas está inteiramente de acordo com um filme que zomba tanto de nossas vacas sagradas quanto de nossa vontade de rir dessas vacas sagradas.

O filme tem tantas virtudes que suas falhas são muito mais fáceis de ignorar do que as de qualquer outro produto de Mike Judge. A animação é ao mesmo tempo crua (pelos padrões modernos de perfeição sem alma e auxiliada por computador) e hipnótica, nunca mais do que em uma cena em que Beavis come um cogumelo mágico e tem uma alucinação memorável. A música atinge o ponto ideal do nü-metal de meados dos anos 90, pouco antes de começar a coagular. É de seu tempo, mas não tão preso em seu tempo que qualquer coisa pareça datada, até sua versão dos anos 90 da nostalgia dos anos 70 e suas participações especiais de vozes de celebridades (Demi Moore quando ela era a atriz mais quente de Hollywood e Bruce Willis antes de seu primeiro retorno).

https://youtu.be/r5pR5ktDwts

Even its pre-credit sequences, teasing Beavis and Butt-Head as cool, stylish Shaft-like detectives and giant movie monsters, send up audience expectations of needing every blockbuster to be bigger and costlier.

https://youtu.be/gzBuWOZGcuc

And we wouldn’t be talking about the film at all today if it wasn’t still painfully funny, with a distinctly 2020s nervous energy and a rowdy, bubbling pace that never slows down. South Park would debut the following year, and has been on continuously since then, but its jokes seem rancid after a decade of treading water, while Do America seems far fresher today than anything Matt Stone and Trey Parker have done this century.

It’s hard to remember now, but Beavis and Butt-Head were once extremely polarizing figures, presiding over a moral panic that blamed them — two cartoon characters! — for everything from the death of children to a general societal decline. Nowadays, they would probably produce a slightly more muted level of outrage, and of a different character, but certainly a lot of the jokes wouldn’t hit the same way today. One of the running gags in Do America involves Agent Flemming constantly ordering cavity searches on everyone involved in the search for the Highland Two. The propriety of the joke aside, everything that’s happened in reality since — from Abu Ghraib and Guantanamo Bay to police sexual assault scandals — has rendered it mild in comparison.

(MTV)

Judge has been remarkably consistent in this. Of course we laugh at Beavis and Butt-Head being subzero morons who are obsessed with boobs and fire. But we’re laughing right there with them, and it’s not just because we’re so much more sophisticated. Their America is our America, and we just keep on doing it with them, over and over again. Getting mad at the duo that US Senator Fritz Hollings infamously referred to as “Buffcoat and Beaver” doesn’t make them look stupid, because they already look stupid, all the time. It makes us look stupid.

As we look back on the greatest satire of the waning days of American empire a quarter century later, we should ask: Did the security state win because Beavis and Butt-Head won? Or was it the other way around?

Sobre os autores

Leonard Pierce é um escritor e editor de Chicago. Ele é um organizador do Democratic Socialists of America e estuda a interseção da política da classe trabalhadora e a cultura americana do século XX.

4 de novembro de 2021

Dungeons & Dragons é a prova de como o capitalismo mata a arte

A trajetória de Dungeons & Dragons não é apenas uma história sobre jovens nerds criando um jogo muito popular e perdendo o controle depois. É também sobre como os ditames do capitalismo inevitavelmente acabam arrancando a alegria comunal até mesmo das nossas atividades de lazer.

Leonard Pierce


Dungeons & Dragons é uma ilustração perfeita de como o capitalismo deforma qualquer empreendimento artístico para seus próprios fins. (Esther Derksen via iStock / Getty Images)

Resenha de Game Wizards: The Epic Battle for Dungeons & Dragons, por Jon Peterson (MIT Press, 2021)

Tradução / RPGs de mesa de alto nível (cuja sigla correta é TTRPGs, para nerds insuportáveis como eu) de repente se tornaram uma mercadoria quente. Para aqueles de nós que são fãs há muitas décadas, é difícil acreditar que aquela coisa que nos ridicularizou no ensino médio de repente é um grande sucesso. Existem podcasts e webséries sobre TTRPGs! Filmes de sucesso também! Celebridades os jogam! O que antes era um lugar pequeno e marginalizado hobby já obscuro agora é… bem, ainda muito pequeno, mas está crescendo. E você não pode falar sobre TTRPGs sem falar sobre o avô de todos eles, o primeiro e maior RPG que já existiu: Dungeons & Dragons (D&D).

D&D é o Poderoso Chefão desse hobby (ou, em termos de jogo, uma hidra de sete cabeças). Mas não é apenas porque foi o primeiro – a maioria dos fãs, inclusive, argumentaria que não é o melhor. Uma grande parte de sua fama é a história do jogo enquanto negócio. O sucesso inesperado, as dificuldades financeiras que se aprofundaram à medida que ele crescia e a perda e alienação de seus dois co-criadores criam uma narrativa tão convincente quanto qualquer outra dentro do próprio jogo – e mostram os perigos de colocar o lucro antes do propósito, em qualquer forma de arte.

Após a morte dos criadores, Gary Gygax e Dave Arneson, em 2008 e 2009, respectivamente, houve um aumento de interesse nas origens do TTRPG, principalmente porque a base de fãs do jogo se expandiu durante a pandemia da COVID-19. Entra em cena o Game Wizards: The Epic Battle for Dungeons & Dragons de Jon Peterson, que se concentra no lado comercial do D&D, examinando um período de aproximadamente 12 anos desde a sua criação, em meados dos anos 70, até o momento em que Gygax perde o controle da TSR, Inc., sua editora e empresa. É uma visão surpreendente, fascinante e muitas vezes deprimente das disputas legais, guerras corporativas e amargas recriminações pessoais que acompanharam o jogo enquanto ele transmutava de um momento de diversão de um pequeno grupo de entusiastas com ideias semelhantes, para um negócio internacional.

Ascensão e queda da TSR, Inc.

Peterson foi uma ótima escolha de “roteirista” para Game Wizards, o primeiro de uma série sobre a história e a cultura dos jogos da MIT Press. Ele é um entusiasta do hobby sem ser um fanboy acrítico, e seu conhecimento de TTRPGs (e D&D em particular) é amplo e profundo. Seu estilo de escrita não é chamativo, mas convincente, e ele constrói a história da ascensão e queda da TSR de forma sólida e inteligente. Ele mantém o contexto em primeiro plano, mas fornece detalhes suficientes para manter os leitores envolvidos, e o livro é tão bem documentado quanto qualquer trabalho acadêmico – uma espécie de milagre, dadas as histórias muitas vezes contraditórias, e em constante mudança, sobre a TSR ao longo dos anos.

Mas por que alguém fora da bolha do TTRPG deveria se importar com Game Wizards? De modo geral, hobbies têm muito apelo para nós, socialistas, que olhamos para o estado do mundo e desejamos que pudéssemos construir um outro, alternativo, onde a vida seria mais justa e as pessoas estariam mais dispostas a enfrentar a tirania. Como qualquer hobby, os TTRPGs passaram por revoluções sociais e políticas. Enquanto os jogadores originais de D&D eram, em grande parte, do meio-oeste dos EUA com uma inclinação libertária, o hobby logo foi influenciado por uma onda de psicodelia dos anos 70 enquanto viajava para o oeste, e acabou sendo levado para todas as outras direções possíveis, do neofascismo ao socialismo mais tradicional.

Um jogo de Dungeons & Dragons. (Ville Miettinen / Flickr)

Mas Dungeons & Dragons também é uma ilustração perfeita de como o capitalismo dobra e deforma qualquer empreendimento artístico para seus próprios fins, e como, quaisquer que sejam os detalhes específicos da situação ou as intenções das pessoas envolvidas, a demanda por lucro sempre substituirá o desejo por valor estético ou integridade artística. Assim como a televisão, que coloca os objetivos de seus criadores atrás das demandas dos anunciantes; e filmes, que respondem mais a contadores e profissionais de marketing do que ao público e cineastas; os jogos de RPG se dobram a proprietários que se preocupam mais com o resultado final do que com necessidades na jogabilidade e história.

Peterson observa, desde o início, que o D&D foi um sucesso improvável. Embora Gygax tivesse abandonado uma vida confortável e segura para perseguir seu hobby, ele provavelmente nunca esperava ganhar mais do que uma renda modesta. Uma grande razão para isso é que D&D nunca foi feito para ser um produto. Ele não estava inicialmente interessado em vender a linha de produtos descolada e gourmet que vemos nas livrarias hoje; ele queria vender, na verdade, um conjunto de regras, essencialmente diretrizes, para o jogo, que poderiam ser facilmente adotadas e adaptadas a qualquer cenário que outros jogadores quisessem inventar. Ele queria isso porque foi exatamente o que ele fez, enquanto jogador e criador do jogo, valendo-se da fantasia no melhor estilo J.R.R. Tolkien aplicada à sua paixão por jogos de guerra.

Quando essas regras colidem com um momento único no zeitgeist cultural, e se tornaram mais bem-sucedidas do que ele e Arneson haviam previsto, o TTRPG mudou de um hobby para uma indústria, e a TSR, Inc. “de clube para uma empresa”.

Para crescer, a empresa teve que expandir. Para expandir, teve que adquirir capital e assumir dívidas. E para pagar a dívida, teve que expandir ainda mais. À medida que os acionistas da TSR começaram a pensar que a expansão financeira da empresa era mais importante do que pagar seus autores, artistas e designers um preço justo por seu trabalho, os trabalhadores – não apenas os funcionários da empresa, mas os próprios fundadores – sentiram a familiar sensação de alienação de seu trabalho.

Arneson, que sempre apreciou mais o lado criativo da coisa, queria seguir outros projetos de TTRPG, mas a TSR negou-lhe crédito por seu trabalho, desencadeando anos de disputas judiciais. A conclusão disso tudo lhe garantiu uma renda vitalícia, mas o deixou amargo e com a sensação de que ele era desvalorizado pelo trabalho criativo que tornou D&D uma realidade. Gygax, enquanto isso, superestimou seu próprio tato para os negócios, e acabou sendo transformado em um pária e, finalmente, forçado a sair de sua própria empresa. Perdeu o controle do fenômeno que criou e trabalhou em projetos menos prestigiosos; sua antiga empresa continuou a crescer, mas teve vários anos difíceis com o declínio de sua reputação, liderança fraca e caos financeiro, até que finalmente foi engolida por uma empresa maior e com mais dinheiro para gastar.

O mal triunfa no final

Peterson reconta essa história em Game Wizards, mas enquanto o livro termina em 1985, a história completa de D&D não e vai além. A TSR, Inc. acabaria passando por períodos de má administração, pausas criativas e falta de lucratividade, ainda que enfrentasse a concorrência de empresas mais jovens e mais objetivas, que levaram as ideias criadas por Gygax e Arneson para novos rumos.

Em 1997, a TSR foi adquirida por uma empresa de Seattle chamada Wizards of the Coast que, alguns anos depois, foi arrebatada pela gigante de jogos Hasbro, tornando-se outra máquina geradora de receita em seu enorme portfólio corporativo. Os resultados têm sido previsíveis. O D&D pode estar mais popular do que nunca, mas é apenas mais uma engrenagem lucrativa em uma empresa repleta delas, que certamente abandonará o título caso caia a popularidade, para que seja comprado por outra mais interessada no valor de seu nome do que o jogo em si.

O jogo passou por reformulações pensadas mais em vender produtos do que em melhorá-lo; seu site principal, D&D Beyond, introduziu um conjunto de inovações de alta tecnologia para trazê-lo para a era da internet, mas também se tornou notório por extrair o máximo de dinheiro possível dos consumidores por meio de licenciamento abusivo e constante upselling [Técnica de vendas em que um vendedor convida o cliente a comprar itens mais caros, atualizações ou outros complementos para gerar mais receita – ao invés de oferecer uma versão básica ou menos incrementada do produto]. O valor pago pelas cópias digitais dos livros é quase o mesmo das cópias impressas; e itens cosméticos, como dados temáticos e produtos derivados para crianças e adolescentes, são fabricados em massa enquanto o jogo principal, em si, permanece significativamente moribundo.
Um broche de realidade aumentada da marca Dungeons & Dragons. (Pinfinity)

Além disso, o drama corporativo nos bastidores que alimenta a narrativa da Game Wizards vai muito além da venda da TSR, Inc. e suas propriedades relacionadas ao D&D para a Hasbro. A viúva de Gygax, Gail, manteve uma disputa pesada e pública com investidores, parentes e outros pretendentes de seu legado, enquanto que no ano de 2020, nada menos que três grupos surgiram para se apresentar como o “novo” TSR, Inc., incluindo um liderado pelo filho de Gygax, Ernie, que rapidamente se diferenciou dos demais com afirmações absurdas e exageradas, além de declarações racistas e transfóbicas (Tal pai, tal filho: o próprio Gygax não achava que os TTRPGs iriam, ou deveriam, atrair as mulheres por causa de “diferenças na função cerebral”). É uma história sombria sobre heróis caídos, onde o mal vence no final, e nada fica bem.

O problema é que não precisava ser assim.

A licença de jogo aberto

Gygax nunca imaginou que transformaria o D&D em um gigante corporativo. Ele só queria tornar mais fácil para outras pessoas participarem de seu hobby favorito. Apenas quando a lógica orientada para o lucro do capitalismo começou a ditar a direção do jogo que tudo começou a desmoronar.

Teria sido bastante fácil liberar a estrutura básica do D&D, livre das garras litigiosas da aplicação de direitos autorais, para o público em geral fazer com ela o que quisesse. “Home brews” [gíria para campanhas de jogos caseiros] – campanhas, configurações e até conjuntos de regras derivados da mecânica de D&D, mas adaptados aos desejos criativos de pequenos grupos e indivíduos – sempre foram uma grande parte do hobby do amantes do TTRPG. Algumas das maiores inovações e expressões mais criativas vieram de criadores que pegaram a estrutura original do jogo e criaram seus próprios mundos para jogar. Alguns (o cenário de grande sucesso de Eberron, por exemplo, e o terror gótico Ravenloft) inclusive que a TSR transformou em parte de seu licenciamento oficial.

Isso se tornou canônico durante os anos da Wizards of the Coast quando, reconhecendo a popularidade dos “Home Brews”, as infinitas versões piratas de sua propriedade intelectual e a dificuldade de fazer valer seus direitos autorais, a TSR lançou a Open Game License (OGL) [Licença de jogo aberto]. Isso permitiu que outros editores e criadores lançassem produtos, dentro de limites definidos, usando a estrutura de D&D, mas não vinculados às restrições de propriedade intelectual da empresa. Embora tenha se tornado apenas mais uma fonte de receita para a Hasbro, o OGL apontou uma direção que poderia ter libertado todo o hobby TTRPG das garras do capital lá no início.

Sem as demandas do mercado e os ditames que a acompanham, e que sufocam a criatividade em favor da lucratividade, os TTRPGs poderiam ter sido parte do domínio público, com os jogadores livres para construir e expandir as ideias que quisessem, sejam as originárias ou extraídas de outras fontes. Os jogos poderiam ter sido como beisebol. Enquanto a Major League Baseball (MLB), por exemplo, desfruta de um monopólio da versão profissional do jogo, apoiada pelo governo e amplamente lucrativa, ninguém é dono do beisebol em si e, fora dos limites da máquina de marketing multibilionária da MLB, milhões de pessoas assistem e jogam, competem em torneios, e divertem-se com um hobby fértil e maleável que pertence ao povo. Não há outra razão além da ganância para que os TTRPGs não possam fazer o mesmo.
Gary Gygax, que criou D&D junto com Dave Arneson, retratado em 1999. (Moroboshi / Wikimedia Commons)

Lucro primeiro, arte depois

Eu tenho jogado Dungeons & Dragons desde os meus 12 anos. Naquela época, o TTRPG havia crescido de marginal para um fenômeno nacional; ao longo dos anos, fiquei alarmado e satisfeito ao vê-lo expandir cada vez mais e acomodar uma gama cada vez maior de visões, ideias e estilos de jogo, recebendo um corpo de jogadores mais diversificado do que eu pensava ser possível naquela época.

D&D nunca foi um jogo perfeito, mas é tão memorável quanto o nosso primeiro amor. Foi uma experiência formativa. Alguns dos momentos mais agradáveis da minha vida foram passados em torno de uma mesa, jogando dados esquisitos e fingindo ser um mago.

Mas o crescimento da Marvel e da DC, de pequenas empresas que fazem quadrinhos para crianças a gigantes corporativos produzindo conteúdo para gerar bilhões, fez com que o amor que muitos de seus fãs tinham pelos personagens sumisse. A arte já foi, há muito, uma atividade de lazer em casa, passada de pais para filhos; agora é uma indústria de bilhões de dólares, cujos principais atores são gananciosos e politicamente tóxicos. A forma como a Disney controla seus produtos para maximizar o lucro lhes rendeu muito dinheiro, mas lhes arrancou o coração e a alma, que eram suas características principais.

Isso é mais do que apenas desdém hipster pela popularidade repentina do que antes era apreciado por alguns seletos; é um reconhecimento de que o capitalismo sempre colocará o lucro primeiro e a arte depois – ou por último. É ingênuo pensar que a mesma coisa não acontecerá com os TTRPGs. Esses são todos problemas específicos do capitalismo: quadrinhos, filmes, hobbies e jogos existem em Estados que antigamente seriam autodenominados socialistas, eram considerados propriedade do povo, não apenas mercadorias controladas por investidores já cheios de dinheiro.

O livro Game Wizards não é apenas uma história cativante sobre como um homem perdeu o controle de seu sonho. É também uma lição objetiva sobre a forma como o capitalismo invariavelmente arranca a alegria comunal até mesmo das nossas atividades de lazer.

Sobre o autor

Leonard Pierce é um escritor e editor de Chicago. Ele é um organizador dos Socialistas Democráticos da América (DSA) e estuda a interseção da política da classe trabalhadora e a cultura americana do século XX.

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