23 de março de 2015

Aquela velha magia Bibi

Justamente quando parecia que o campo Sionista iria ganhar, o ativista astuto começou a tirar coelhos da cartola.

Neve Gordon
Neve Gordon é professor de Direito Internacional na Queen Mary University of London.


Netanyahu acena para apoiadores na sede do partido em Tel Aviv. Reuters

Tradução / Benjamin Netanyahu é verdadeiramente um mágico. Ainda na sexta-feira (20/3/2015), a maioria das pesquisas indicava que seu partido Likud conquistaria em torno de 21 cadeiras no Parlamento israelense, quatro cadeiras a menos que o Campo Sionista (Partido Labor, com nome novo) de Yitzhak (Bougie) Herzog.

Revelações de corrupção na residência do primeiro-ministro, seguidas de um relatório devastador sobre a crise imobiliária real, além do encolhimento da indústria, greves sindicais, previsões de economia fraca, impasse diplomático e crescente isolamento internacional, tudo parecia indicar que Netanyahu estava de saída. Mas quando mais parecia que o campo Sionista substituiria o campo nacionalista, o exímio marqueteiro de campanhas eleitorais começou a tirar seus coelhos da cartola.

Como se não bastasse a decisão de atropelar o governo Obama na questão das negociações com o Irã, Netanyahu pôs-se a martelar a favor da direita, dando a conhecer ao mundo que os palestinos estariam condenados para sempre a jamais ter um Estado, dado que ele não promoveria a criação de mais um estado árabe para cercar Israel.

"Conspiração da mídia esquerdista"

Apresentou o partido Likud como vítima de uma conspiração da “mídia” esquerdista para derrubar o governo da direita. E convenientemente não disse a ninguém que seu aliado Sheldon Adelson é o proprietário do jornal Yisrael Hayom, o jornal impresso de maior circulação em todo o país.

Ele convidou seus eleitores a voltar para “casa”, prometendo dar conta de todas suas carências econômicas. E no próprio dia das eleições, aterrorizou os judeus com declarações de que os cidadãos palestinos de Israel estariam correndo às urnas em multidões, apresentando os palestinos, que votam em seus próprios candidatos, como se fossem mais uma ameaça existencial.

A poção envenenada de Netanyahu é feita com campanhas para gerar medo, ódio racista contra árabes e ódio militante contra a esquerda política. Pelo que agora se vê, muitos eleitores foram realmente envenenados. Em questão de poucos dias, Netanyahu conseguiu virar a favor dele votos suficientes para eleger mais dez candidatos do seu partido, canibalizando dois dos seus aliados da extrema direita: o partido de Avigdor Lieberman e o partido de Naftali Bennett.

Graças à mágica-veneno de Netanyahu, o Likud saiu-se muito melhor do que esperava, e em coalizão com os partidos ultra-ortodoxos e um novo partido recém criado por um ex-ministro do Likud, o partido Kulanu (All of US), será muito provavelmente criado um bloco de extrema direita, com 67 dos 120 assentos com direito a voto (e isso ainda antes de se computarem os votos dos soldados, que em geral são de centro-direita).

O resultado é claro: o povo de Israel votou pelo Apartheid.

Israel vota pelo Apartheid

Agora é extremamente provável que volte à tona uma leva de leis antidemocráticas que haviam sido engavetadas. Entre essas, as leis que monitoram e limitam o financiamento de ONGs de direitos humanos, restringem a liberdade de expressão, reduzem a autoridade da Suprema Corte, cancelam o status oficial da língua árabe e, claro, levam a votação a lei do Estado-nação.

Essa lei, originalmente proposta por um membro do Likud, define a judaicidade como padrão do estado em todas as instâncias, legal ou legislativa – na qual conflitam as definições de “estado judeu” e “estado democrático”. Significa que as leis que garantem direitos iguais a todos os cidadãos israelenses podem ser derrubadas, sob a alegação de que não respeitam o “estado judeu”. Além disso, essa lei reserva direitos comunitários só para judeus; nega portanto aos cidadãos palestinos qualquer tipo de identidade nacional.

Além da legislação antidemocrática, podemos esperar todo um desfile de políticas de discriminação. O novo governo provavelmente implementará alguma variação do Plano Prawer, que visa a realocar à força milhares de beduínos palestinos e tomar a terra que lhes pertence.

Continuarão a jorrar bilhões de dólares nas colônias israelenses na Cisjordânia e nas colinas do Golan, e mais casas serão expropriadas em Jerusalém Leste. E provavelmente serão presos milhares de refugiados e trabalhadores migrantes “ilegais” que atualmente vivem e trabalham em cidades israelenses.

Mas os resultados dessas eleições trazem uma importante vantagem: clareza. Agora, pelo menos, caiu a fachada sionista liberal, que camuflava a disposição de Israel para fazer avançar seu projeto colonial. O refrão israelense, de que não se poderia alcançar solução diplomática com os palestinos, porque os palestinos não teriam liderança, soará mais vazio, a cada dia. Finalmente, já se pode ver que pretender que Israel seria a única democracia no Oriente Médio é o que é: meia verdade. Enquanto Israel é uma democracia para os judeus é um regime repressivo para os palestinos.

Deve-se também esperar pouca resistência contra o governo de extrema direita, porque o campo Sionista de Herzog e o partido de Yair Lapid também são arabofóbicos e, portanto, pouco lutarão contra a substância racista do novo governo, embora talvez lutem contra o estilo direitista ruidoso de Netanyahu.

"BibiBennett"

Afinal de contas, nos dias antes da eleição via-se um só pacote político, com enormes cartazes que mostravam foto de (Bibi) Netanyahu e seu adversário, representante oficial da extrema direita, Naftali Bennett, em que se lia que “Com BibiBennet continuaremos contra os palestinos por toda a eternidade”. A dupla deve ter esquecido o fato de que 20% dos cidadãos israelenses são palestinos.

Pois mesmo assim, durante essas eleições, um raio de esperança brilhou na escuridão. O esforço concentrado de quase todos os partidos judeus para excluir os cidadãos palestinos produziu um efeito não esperado. Criando uma frente unida, os palestinos conquistaram 14 cadeiras no Parlamento, 25% a mais do que jamais antes. Hoje, os palestinos já são a terceira maior força no Knesset.

Diferente de seus contrapartes noutros partidos, Ayman Odeh, que preside a nova Lista Árabes Unidos, é líder genuíno. Extremamente incisivo, é orador que muitas vezes se serve de muita ironia para ridicularizar seus detratores, ao mesmo tempo em que divulga incansavelmente sua visão igualitária do futuro. Num raro momento de sinceridade, uma conhecida jornalista comentarista israelense denunciou a atitude de Odeh, para ela uma grave ameaça: “É um homem muito perigoso”, disse ela. “Ele projeta algo com que todos os israelenses podem se relacionar”.

Será essa "ameaça" capaz de deter a iminente avalanche de novas leis de Apartheid em Israel? Sinceramente, duvido.

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