Tatu Ahponen
Jacobin
Praça do Senado de Helsinque, janeiro de 2017. Tyg728 / Wikimedia. |
Tradução / No final do ano passado, foram publicadas notícias de que a primeira-ministra finlandesa Sanna Marin, uma social-democrata de 34 anos, queria reduzir a semana de trabalho para quatro dias e trinta horas. O plano rapidamente chamou a atenção do resto do mundo: parecia que a Finlândia estava novamente definindo um padrão de reformas progressivas ambiciosas.
Marin se apressou em esclarecer que a proposta era sua, não do governo de centro-esquerda, mas, ainda assim, o episódio lançou luz sobre o atraente modelo finlandês, uma espécie país modelo entre as colinas para aqueles que não vivem em países nórdicos.
Muitas vezes, discussões sobre o modelo finlandês se transformam em um debate sobre a Finlândia ser, de fato, socialista. O último artigo a entrar nessa seara foi publicado pelo New York Times em dezembro, de autoria de Anu Partanen e seu marido, Trevor Corson. Partanen é uma correspondente experiente da imprensa norte-americana na Finlândia, muitas vezes convidada a explicar as particularidades dos estados de bem-estar social nórdicos para o público estadunidense. No artigo, os dois argumentam que, longe de um reduto socialista, a Finlândia é um “paraíso capitalista”, certamente um bálsamo para muitos liberais nos Estados Unidos e direitistas na Europa que desejam reivindicar as realizações do estado de bem-estar social sem ceder à esquerda.
Partanen e Corson enfatizam, entre outras coisas, o sistema público de educação, creches e assistência médica da Finlândia, ao mesmo tempo em que observam que o país também possui um setor empresarial robusto que se beneficia desses serviços. “Enquanto as empresas nos Estados Unidos lutam para administrar planos de saúde e encontrar trabalhadores com formação suficiente”, escrevem os autores, “as sociedades nórdicas exigiram que seus governos provessem serviços públicos de alta qualidade a todos os cidadãos. Isso permite que as empresas se concentrem naquilo que fazem de melhor: negócios”.
Então eles estão certos? A Finlândia é mais capitalista do que socialista?
Partanen e Corson não estão totalmente equivocados. Se, por socialismo, entendemos o socialismo de Estado da União Soviética, seria bobagem chamar a Finlândia de socialista. O setor empresarial nórdico está vivo e saudável, assim como a democracia eleitoral e a imprensa. Também não podemos dizer que os países nórdicos alcançaram o socialismo democrático. Embora os sindicatos sejam fortes e o setor público represente uma parcela muito maior da economia, não é como se os trabalhadores fossem donos e controlassem os meios de produção.
A Finlândia e os Estados Unidos são sistemas mistos, com doses de socialismo e capitalismo. No entanto, a Finlândia é claramente mais socialista que os Estados Unidos. Como Matt Bruenig observou, a propriedade estatal e a sindicalização dos trabalhadores nórdicos são muito maiores que nos Estados Unidos. “O governo finlandês”, escreve Bruenig, “possui quase um terço da riqueza do país. Para que os Estados Unidos correspondam a esse valor, o governo dos EUA precisaria transferir cerca de US$ 35 trilhões em ativos para a propriedade pública”. E quanto à densidade da união? “Cerca de 90% dos trabalhadores finlandeses são protegidos por algum acordo sindical. Para elevar os Estados Unidos aos níveis finlandeses, seria necessário sindicalizar mais 119 milhões de trabalhadores.”
Partanen e Corson demonstram surpresa pelo fato de o think tank da Freedom House classificar a Finlândia como mais livre do que os Estados Unidos, aparentemente associando falta de corrupção e facilidade de burocracia ao capitalismo, e não ao socialismo. Mas isso pressupõe que a corrupção e a burocracia são inerentes a sistemas mais socialistas, e que sua ausência indica um regime pró-negócios. Certamente, qualquer socialista que se preze consideraria coisas como propriedade pública e densidade sindical como índices mais claros do “nível de socialismo” em uma sociedade do que a existência de um setor privado.
Marin se apressou em esclarecer que a proposta era sua, não do governo de centro-esquerda, mas, ainda assim, o episódio lançou luz sobre o atraente modelo finlandês, uma espécie país modelo entre as colinas para aqueles que não vivem em países nórdicos.
Muitas vezes, discussões sobre o modelo finlandês se transformam em um debate sobre a Finlândia ser, de fato, socialista. O último artigo a entrar nessa seara foi publicado pelo New York Times em dezembro, de autoria de Anu Partanen e seu marido, Trevor Corson. Partanen é uma correspondente experiente da imprensa norte-americana na Finlândia, muitas vezes convidada a explicar as particularidades dos estados de bem-estar social nórdicos para o público estadunidense. No artigo, os dois argumentam que, longe de um reduto socialista, a Finlândia é um “paraíso capitalista”, certamente um bálsamo para muitos liberais nos Estados Unidos e direitistas na Europa que desejam reivindicar as realizações do estado de bem-estar social sem ceder à esquerda.
Partanen e Corson enfatizam, entre outras coisas, o sistema público de educação, creches e assistência médica da Finlândia, ao mesmo tempo em que observam que o país também possui um setor empresarial robusto que se beneficia desses serviços. “Enquanto as empresas nos Estados Unidos lutam para administrar planos de saúde e encontrar trabalhadores com formação suficiente”, escrevem os autores, “as sociedades nórdicas exigiram que seus governos provessem serviços públicos de alta qualidade a todos os cidadãos. Isso permite que as empresas se concentrem naquilo que fazem de melhor: negócios”.
Então eles estão certos? A Finlândia é mais capitalista do que socialista?
Partanen e Corson não estão totalmente equivocados. Se, por socialismo, entendemos o socialismo de Estado da União Soviética, seria bobagem chamar a Finlândia de socialista. O setor empresarial nórdico está vivo e saudável, assim como a democracia eleitoral e a imprensa. Também não podemos dizer que os países nórdicos alcançaram o socialismo democrático. Embora os sindicatos sejam fortes e o setor público represente uma parcela muito maior da economia, não é como se os trabalhadores fossem donos e controlassem os meios de produção.
A Finlândia e os Estados Unidos são sistemas mistos, com doses de socialismo e capitalismo. No entanto, a Finlândia é claramente mais socialista que os Estados Unidos. Como Matt Bruenig observou, a propriedade estatal e a sindicalização dos trabalhadores nórdicos são muito maiores que nos Estados Unidos. “O governo finlandês”, escreve Bruenig, “possui quase um terço da riqueza do país. Para que os Estados Unidos correspondam a esse valor, o governo dos EUA precisaria transferir cerca de US$ 35 trilhões em ativos para a propriedade pública”. E quanto à densidade da união? “Cerca de 90% dos trabalhadores finlandeses são protegidos por algum acordo sindical. Para elevar os Estados Unidos aos níveis finlandeses, seria necessário sindicalizar mais 119 milhões de trabalhadores.”
Partanen e Corson demonstram surpresa pelo fato de o think tank da Freedom House classificar a Finlândia como mais livre do que os Estados Unidos, aparentemente associando falta de corrupção e facilidade de burocracia ao capitalismo, e não ao socialismo. Mas isso pressupõe que a corrupção e a burocracia são inerentes a sistemas mais socialistas, e que sua ausência indica um regime pró-negócios. Certamente, qualquer socialista que se preze consideraria coisas como propriedade pública e densidade sindical como índices mais claros do “nível de socialismo” em uma sociedade do que a existência de um setor privado.
Fundamentalmente, os autores também entenderam erroneamente a história do estado de bem-estar social finlandês. A dupla reconhece o papel da esquerda socialista na história finlandesa, mas também a subestima, apontando para a fracassada revolução socialista da Finlândia e a recente fraqueza da esquerda finlandesa. No entanto, durante a fase mais ativa da construção do Estado de bem-estar social, a esquerda foi consideravelmente mais forte, com os social-democratas e a Liga Democrática Popular da Finlândia (efetivamente a organização eleitoral do Partido Comunista da Finlândia), contando com cerca de metade dos deputados do país.
O mais importante foi a militância trabalhista. A história das greves no país é tão forte que, de fato, as recentes paralisações (que levaram entre 60 mil a 100 mil pessoas e provocaram a queda de um governo) foram levadas em grande parte a passos largos: é o que os sindicatos fazem; eles fazem greves. E mesmo essas greves foram pequenas em comparação com as grandes greves do passado, incluindo a greve geral de 1956 (envolvendo meio milhão de trabalhadores) e uma greve dos metalúrgicos em 1950 que durou dez dias, ambas demonstrando a potência do movimento trabalhista e forçando grandes concessões da capital. Os capitalistas finlandeses finalmente concordaram em negociações nacionais anuais que definem os salários para todos os trabalhadores sindicalizados.
Os acordos coletivos foram apenas um dos frutos da década de 1966 a 1976, período que demonstrou o desenvolvimento mais veloz para o estado de bem-estar da Finlândia. Um grande número de programas considerados essenciais para o estado de bem-estar social foi aprovado durante esse período: ensino fundamental universal, aposentadorias mínimas para famílias, creche universal, leis sobre segurança e saúde ocupacional e vários outros. Todos foram conquistados com a pressão constante do movimento trabalhista e dos partidos socialistas, dentro ou fora do governo.
É importante mencionar que o estado de bem-estar social finlandês costumava ser um compromisso que não satisfazia o trabalho nem o capital. Quando se tratava de alguns serviços (digamos, seguros de saúde ou pensões para idosos) os sindicatos preferiam que os capitalistas pagassem a conta inteira, enquanto os empresários naturalmente eram reticentes quanto a essa perspectiva. O Estado agiu como intermediário, oferecendo o serviço como provisão pública e, portanto, dando aos trabalhadores os programas e a segurança que eles almejavam, liberando o capital dessa responsabilidade. Ambos lançaram impostos para financiar o programa.
Também seria errado dizer que a esquerda e os sindicatos eram a única força política por trás da formação do Estado de bem-estar social. Alguns apoiadores o fizeram por razões tecnocráticas, acreditando – muitas vezes com bons motivos – que o desenvolvimento orientado pelo Estado produziria melhores resultados econômicos do que a simples dependência do mercado. (Muitas das empresas estatais estabelecidas na década de 1950 eram lideradas por gerentes capitalistas pragmáticos recrutados no setor privado.)
Outros pressionaram o Estado de bem-estar por razões nacionalistas, vendo-o como um meio de manter a lealdade da classe trabalhadora e desenvolver a economia da Finlândia. No entanto, mesmo aqueles que apresentaram tais argumentos, acharam-nos mais fáceis devido ao peso social do trabalho e à esquerda. Uma secretária do Partido do Centro descreveu a tarefa do partido na década de 1950: “ir tão à esquerda que até nos horroriza”.
O resultado não é o socialismo, mas é sem dúvida o modelo mais humano que o mundo já viu. E, com certeza, não foi algo decidido em um comitê tecnocrático ou conquistado simplesmente através de uma campanha de persuasão moral. Foi o produto orgânico de milhares de lutas diferentes, algumas delas decorrentes do movimento trabalhista tradicional, outras do movimento das mulheres (por licença-maternidade). Um relato do estado de bem-estar social que ignora essas batalhas sociais propõe às pessoas uma imagem distorcida do que o provocou e como pode ser conquistado em outras partes do mundo.
Nos Estados Unidos, os ganhos social-democratas não serão alcançados devido às preferências esclarecidas das elites ou à eleição de um presidente único com todos os planos certos. Serão necessárias luta política e organização, particularmente da classe trabalhadora organizada. Essa organização pode não levar a um sistema que seja uma cópia direta do estado de bem-estar nórdico. Porém, talvez leve a um sistema com características próprias, que vai além dos limites dos nórdicos e apresenta um modelo que pode, por sua vez, servir como um novo exemplo para a Europa e todo o mundo, uma nova cidade vibrante na colina.
O mais importante foi a militância trabalhista. A história das greves no país é tão forte que, de fato, as recentes paralisações (que levaram entre 60 mil a 100 mil pessoas e provocaram a queda de um governo) foram levadas em grande parte a passos largos: é o que os sindicatos fazem; eles fazem greves. E mesmo essas greves foram pequenas em comparação com as grandes greves do passado, incluindo a greve geral de 1956 (envolvendo meio milhão de trabalhadores) e uma greve dos metalúrgicos em 1950 que durou dez dias, ambas demonstrando a potência do movimento trabalhista e forçando grandes concessões da capital. Os capitalistas finlandeses finalmente concordaram em negociações nacionais anuais que definem os salários para todos os trabalhadores sindicalizados.
Os acordos coletivos foram apenas um dos frutos da década de 1966 a 1976, período que demonstrou o desenvolvimento mais veloz para o estado de bem-estar da Finlândia. Um grande número de programas considerados essenciais para o estado de bem-estar social foi aprovado durante esse período: ensino fundamental universal, aposentadorias mínimas para famílias, creche universal, leis sobre segurança e saúde ocupacional e vários outros. Todos foram conquistados com a pressão constante do movimento trabalhista e dos partidos socialistas, dentro ou fora do governo.
É importante mencionar que o estado de bem-estar social finlandês costumava ser um compromisso que não satisfazia o trabalho nem o capital. Quando se tratava de alguns serviços (digamos, seguros de saúde ou pensões para idosos) os sindicatos preferiam que os capitalistas pagassem a conta inteira, enquanto os empresários naturalmente eram reticentes quanto a essa perspectiva. O Estado agiu como intermediário, oferecendo o serviço como provisão pública e, portanto, dando aos trabalhadores os programas e a segurança que eles almejavam, liberando o capital dessa responsabilidade. Ambos lançaram impostos para financiar o programa.
Também seria errado dizer que a esquerda e os sindicatos eram a única força política por trás da formação do Estado de bem-estar social. Alguns apoiadores o fizeram por razões tecnocráticas, acreditando – muitas vezes com bons motivos – que o desenvolvimento orientado pelo Estado produziria melhores resultados econômicos do que a simples dependência do mercado. (Muitas das empresas estatais estabelecidas na década de 1950 eram lideradas por gerentes capitalistas pragmáticos recrutados no setor privado.)
Outros pressionaram o Estado de bem-estar por razões nacionalistas, vendo-o como um meio de manter a lealdade da classe trabalhadora e desenvolver a economia da Finlândia. No entanto, mesmo aqueles que apresentaram tais argumentos, acharam-nos mais fáceis devido ao peso social do trabalho e à esquerda. Uma secretária do Partido do Centro descreveu a tarefa do partido na década de 1950: “ir tão à esquerda que até nos horroriza”.
O resultado não é o socialismo, mas é sem dúvida o modelo mais humano que o mundo já viu. E, com certeza, não foi algo decidido em um comitê tecnocrático ou conquistado simplesmente através de uma campanha de persuasão moral. Foi o produto orgânico de milhares de lutas diferentes, algumas delas decorrentes do movimento trabalhista tradicional, outras do movimento das mulheres (por licença-maternidade). Um relato do estado de bem-estar social que ignora essas batalhas sociais propõe às pessoas uma imagem distorcida do que o provocou e como pode ser conquistado em outras partes do mundo.
Nos Estados Unidos, os ganhos social-democratas não serão alcançados devido às preferências esclarecidas das elites ou à eleição de um presidente único com todos os planos certos. Serão necessárias luta política e organização, particularmente da classe trabalhadora organizada. Essa organização pode não levar a um sistema que seja uma cópia direta do estado de bem-estar nórdico. Porém, talvez leve a um sistema com características próprias, que vai além dos limites dos nórdicos e apresenta um modelo que pode, por sua vez, servir como um novo exemplo para a Europa e todo o mundo, uma nova cidade vibrante na colina.
Sobre o autor
Tatu Ahponen vive em Tampere, Finlândia. Ele é membro da Aliança de Esquerda e vice-membro do conselho do partido.
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