Em 15 de janeiro de 1919, os líderes da revolução alemã foram assassinados por soldados de extrema-direita enfurecidos pelo crescente movimento socialista. O homem que planejou os assassinatos foi Waldemar Pabst – um oficial nacionalista paramilitar fanático que mais tarde se juntou ao nazismo.
Klaus Gietinger
Traduzido por
Loren Balhorn
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Loren Balhorn
January 19, 1953: A communist march in East Berlin to commemorate the deaths of Karl Liebknecht and Rosa Luxemburg, cofounders of Germany's Spartacist League. Keystone / Hulton Archive / Getty |
Tradução / Em 15 de janeiro de 1919, os líderes revolucionários Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foram assassinados a sangue frio por uma gangue direitista de oficiais do exército. Seus assassinatos ocorreram após o fim da Revolta de Janeiro em Berlim e tiveram a aprovação tácita dos principais membros do Partido Social Democrata (SPD), que tomavam o poder semanas antes. Enviando ondas de pavor por toda a Alemanha, suas mortes foram registradas na história como um ponto de virada decisivo na onda de revoltas populares no pós-guerra – acabando com as esperanças de que o socialismo se espalhasse pelo resto da Europa.
Uma grande variedade de forças apoiou a contra-revolução – mas o cérebro por trás do assassinato foi Waldemar Pabst, um oficial do estado-maior do exército alemão. Orgulhoso monarquista, nacionalista, e um amargo oponente da democracia e do socialismo. Sua carreira incorporou tudo o que estava podre na Alemanha imperial que se esforçava para se defender contra a revolução que avançava. Além disso, sua influência também se estendeu mais profundamente na história alemã – mostrando as linhagens do nacionalismo e militarismo alemão no estado da Alemanha Ocidental no pós-guerra.
Enfrentando a “tempestade de aço”
Waldemar Pabst era um homem com uma biografia monstruosa, cuja influência na política do primeiro terço do século XX foi subestimada por décadas. Em primeiro lugar, ele era um representante da crescente burguesia no Império Alemão semi-absolutista, ou Kaiserreich. Apenas se tornando um país unido em 1871, sob a liderança do chanceler Otto von Bismarck, no final do século XIX, a Alemanha estava desesperada para recuperar o tempo perdido e reivindicar seu “lugar ao sol” entre as outras potências europeias. Ansioso para provar a si mesmo, Pabst se submeteu, entusiasticamente, ao regime desumano na academia de cadetes e começou a subir na hierarquia.
Como oficial na Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, Pabst viu a guerra como uma excelente oportunidade para se afirmar como um membro leal e bem-sucedido da casta militar prussiana. A “Tempestade de Aço” (como seu colega nacionalista Ernst Jünger uma vez chamou) desencadeada pelo imperialismo alemão, resultando no primeiro massacre em escala industrial em solo europeu, terminaria apenas em novembro de 1918. E resultou não em vitória, mas em derrota na Frente Ocidental, o que causou um tumulto revolucionário em casa.
Esse evento, aparentemente cataclísmico, trouxe consigo a queda do amado Kaiser de Pabst, seu exército – e seu mundo inteiro. Em resposta, Pabst organizou a Divisão Garde-Kavallerie-Schützen – uma divisão de elite do exército imperial – em um Freikorps proto-fascista e altamente agressivo. Os Freikorps eram esquadrões armados de soldados que culparam socialistas, sindicalistas e judeus pela derrota da Alemanha e procuraram restaurar a ordem imperial. Subindo ao topo de uma força reacionária tão importante, Pabst se transformou em um comandante da contra-revolução alemã.
O aliado do SPD
Pabst era um homem pequeno e vaidoso que andava com um machado pessoal. A revolução de novembro de 1918 frustrou sua própria promoção ao major, mas sua ascensão continuada seria impensável sem a ajuda dos principais homens do SPD.
A virada dentro do partido em uma força contra-revolucionária amadureceu antes do início da Primeira Guerra Mundial. Em 1913, os principais funcionários dos sindicatos e do SPD abandonaram o internacionalismo e tornaram-se assessores das políticas expansionistas de guerra da Alemanha, promovido pela grande burguesia, pelos cartéis, pelo oligopólio e pelos militares. O desejo de abandonar a estigmatização, como “patifes sem pátria”, provando seu feroz patriotismo – uma pré-condição para garantir posições dentro desse poder crescente – alinhou-os às fixações autoritárias herdadas da tradição prussiana.
O exemplo mais adequado dessa tendência foi o encontro entre Pabst e Gustav Noske, do SPD, que se tornou o novo comandante civil depois da abdicação de Kaiser Wilhelm II. A cooperação, conhecida como “dupla executiva”, formou o pacto contra-revolucionário entre o executivo do SPD e o Comando Supremo do Exército.
Pabst e Noske também foram responsáveis por introduzir o terror na política doméstica alemã em março de 1919, interiorizando a política de guerra da Alemanha imperial. Desimpedido pelos desenvolvimentos liberais ou iluministas, o militarismo prussiano havia estabelecido desde cedo um estilo de guerra voltado para a aniquilação, aparente pela primeira vez no genocídio do povo Herero e Nama, onde hoje é a Namíbia. Essa abordagem foi desencadeada na Primeira Guerra Mundial com massacres contra a população civil belga – e após a revolução, ela voltou até contra ex-soldados que retornavam à Alemanha.
Os ex-soldados que se uniram ao levante não eram mais “camaradas” e foram excluídos da comunidade étnica alemã conhecida como Volksgemeinschaft, como se fossem de outras “raças”. Isso significava, em princípio, que seus líderes poderiam ser mortos a tiros sem nenhum problema. A partir de 1919, em resposta ao fracassado levante de janeiro em Berlim, os principais social-democratas também participaram desse tipo de exclusão. Ninguém fez mais para promover essa atitude do que Waldemar Pabst e Gustav Noske, agora servindo como ministro da Defesa, com suas ordens de terror em março de 1919.
Em janeiro, quando Luxemburgo e Liebknecht foram mortos, o governo liderado pelo SPD e seus apoiadores militares lançaram uma ofensiva em larga escala contra uma onda da renovada de greve. Os soldados destruíram as últimas brigadas de trabalhadores armados criadas durante a revolução e as perseguiram em suas fortalezas. Em Berlim, eles até recorreram à artilharia e realizaram ataques aéreos em bairros da classe trabalhadora para expulsar o que restava da resistência. Mais de mil pessoas morreram – a maioria deles civis inocentes.
Pabst foi o iniciador do massacre – a política de aniquilação dirigida às classes mais baixas – e só conseguiu isso porque havia encontrado em Noske um comandante que pensava e se sentia da mesma maneira. Noske, por sua vez, contou com o apoio dos executivos do SPD, particularmente Friedrich Ebert, Wolfgang Heine e Gustav Bauer, atrás de quem estavam outros burocratas do SPD, ansiosos para entrar em ação. Quando Noske falou no parlamento e repetiu o ditado militar prussiano de que “a necessidade não conhece lei” – sublinhando sua operação ilegal com a observação de que “os artigos não valem nada, a única coisa que conta é o sucesso” – as atas da sessão registraram aplausos estrondosos dos social-democratas e da direita.
Uma guerra de aniquilação
Noske, que ajudou os autores a evitar a justiça perante os tribunais, mesmo anos após os massacres, aplicou o princípio da guerra de aniquilação de Pabst sem hesitação. Ele o empregou contra marinheiros, trabalhadores, soldados, intelectuais e muitos membros de seu próprio partido. O resultado foi um nível de violência contra civis não visto desde a Guerra dos Trinta Anos, matando milhares e desmoralizando as classes baixas que estavam em revolta. É nesse contexto que devemos ver a ação mais infame e conseqüente de Pabst: o “assassinato da revolução” com a liquidação de seus líderes heroicos, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
O próprio Pabst planejou o assassinato. Os dois ícones socialistas foram presos em 15 de janeiro e levados para o luxuoso Hotel Eden, em Berlim, onde ele havia estabelecido seu posto de comando. Após o interrogatório, eles foram escoltados para a prisão em carros separados por um esquadrão de soldados nacionalistas reunidos pessoalmente por Pabst. Seria a última viagem dos revolucionários.
O motorista da escolta de Liebknecht parou no Tiergarten, um dos maiores parques da cidade, citando problemas com carros. Os soldados então ordenaram a Liebknecht que continuasse a pé, antes de atirar nas costas dele depois de dar alguns passos. O relatório oficial afirmou que ele havia sido baleado enquanto tentava escapar.
Por sua vez, Luxemburgo estava em um carro aberto. Quando se afastou do hotel, ela foi baleada na cabeça por um oficial que emergiu das sombras, disfarçado de um civil zangado que fazia justiça com suas próprias mãos. Seu cadáver foi jogado em um canal próximo e deixado apodrecer por meses. A verdadeira natureza do crime só seria revelada décadas depois, muito depois da ameaça socialista ter sido abafada.
A aprovação direta de seu assassinato por Noske – e, indiretamente, Ebert – ficou aparente na recusa do tribunal militar instalado pelo SPD de buscar a Justiça. Noske habilitou a ação de Pabst duas vezes: primeiro por permitir conscientemente (mesmo sem emitir uma ordem direta) e depois por permitir que os culpados vagassem livremente após o fato. A influência de Pabst como o primeiro oficial da Freikorps não foi enfatizada o suficiente. Foi ele quem convenceu o SPD da necessidade de dar um golpe esmagador contra a revolução, através de um tipo de terrorismo político que o Kaiser Wilhelm II sempre ameaçou, mas apenas a oligarquia do SPD permitiu que ocorresse. Através de sua grande influência oculta – nas palavras de Noske, “considerável influência militar” -, Waldemar Pabst foi decisivo na ascensão do fascismo alemão – e na história da Europa no século XX.
Uma vida reacionária
O assassinato dos líderes revolucionários não foi a única intervenção política de Pabst. Com a revolução derrotada, no verão de 1919, ele rompeu seu pacto com o SPD – que, para ele, sempre fora um arranjo temporário. Na sua visão, o partido falhou por não conseguir impedir a imposição do Tratado de Versalhes nem cumprir sua ambição de uma sociedade ultramilitarizada e protofascista, com um exército profissional em seu núcleo e uma horda paramilitar. Os vitoriosos na Primeira Guerra Mundial simplesmente não permitiria tal resultado.
Diante dessa situação, Pabst continuou seus empreendimentos contra-revolucionários – tentando atrair Gustav Noske para o seu lado como ditador. Noske não estava desanimado, mas, certo de que tal plano provocaria renovadas revoltas da classe trabalhadora, ele se afastou do plano. Isso foi suficiente para o frustrado Pabst tentar um golpe de Estado em julho de 1919. Ele o lançou sem chegar a um acordo prévio com o general Walther von Lüttwitz e o plano logo naufragou. Forçado a recuar, Pabst teve, posteriormente, seu título de major e geral do estado-maior negado.
O amargurado Pabst continuou agitado. Ele agora reuniu forças de direita no “Nationale Vereinigung”, um grupo conspiratório de oficiais reacionários financiados pelas mesmos segmentos da grande indústria que já apoiaram os Freikorps, e decidiram derrubar o governo dominado pelo SPD. No entanto, quando Lüttwitz avançou por sua própria iniciativa, lançando um golpe em março de 1920, apesar dos preparativos incompletos de Pabst, o oficial aposentado perdeu a coragem e fugiu. Esse momento de fraqueza salvou Noske, Ebert e outros membros do governo da prisão, enfraquecendo decisivamente o chamado “Kapp Putsch”. Pabst havia perdido a chance – e nunca mais conseguiria outra.
O golpe foi derrotado em quatro dias, graças à maior greve geral da história alemã. Mas, reforçados pela indecisão e fraqueza por parte dos social-democratas independentes (USPD) e do Partido Comunista (KPD), os líderes do SPD optaram por seguir os métodos de Pabst de execuções ilegais em massa. Ordens secretas foram retiradas das gavetas e colocadas em uso – não contra os conspiradores, mas contra as revoltas na Alemanha Central e na região do Ruhr, provocadas pelo golpe. Os trabalhadores rebeldes foram dizimados pelos paramilitares dos Freikorps, sob ordens do mesmo governo do SPD contra o qual haviam montado um golpe apenas dias antes.
Como uma das principais figuras do plano fracassado, Waldemar Pabst foi forçado a fugir primeiro para a Baviera e depois para a Áustria, onde imediatamente começou a construir a organização fascista Heimwehr e tentou estabelecer uma “Internacional Branca” que unisse partidos fascistas em toda a Europa. Mais tarde, ele retornou à sua terra natal e se tornou uma figura de destaque na indústria de armamentos de Adolf Hitler, embora nunca tenha se juntado ao Partido Nazista e tenha se mudado para a Suíça no final da guerra. Lá, ele teve uma carreira de sucesso como traficante internacional de armas antes de voltar para a Alemanha Ocidental em 1955, onde foi protegido por poderosas figuras do governo, apesar de ter sido um participante importante nas primeiras redes neofascistas.
Waldemar Pabst, idealizador do assassinato de Rosa Luxemburgo, morreu em 1970 como um nacionalista rico, impenitente, e nunca enfrentou um tribunal alemão por seus crimes.
Sobre o autor
Klaus Gietinger é cineasta e historiador de Saarbrucken, Alemanha. Seu livro mais recente em inglês é "The Murder of Rosa Luxemburg" (Verso 2019).
Sobre o tradutor
Loren Balhorn is a contributing editor at Jacobin and co-editor, together with Bhaskar Sunkara, of Jacobin: Die Anthologie (Suhrkamp, 2018).
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