Alexander Main
Nicolas Maduro se dirige à Assembléia Geral das Nações Unidas em 29 de setembro de 2015 na cidade de Nova York. John Moore / Getty Images |
Tradução / Costumava ser censurável apelar abertamente para golpes militares e intervenção dos EUA na América Latina. Não mais. Ao menos quando se trata da Venezuela, um país onde – de acordo com a narrativa dominante na mídia – um ditador brutal está deixando a população faminta e aniquilando qualquer oposição.
Em agosto passado, o president Trump casualmente mencionou uma “opção militar” para a Venezuela em seu campo de golfe em Nova Jersey, provocando um alvoroço na América Latina, mas nem um pio em Washington. Paralelamente, Rex Tillerson, então Secretário de Estado, manifestou-se favoravelmente a uma possível deposição militar do presidente venezuelano Nicolás Maduro.
Recentemente, artigos de opinião sugerindo que um golpe um uma intervenção militar estrangeira na Venezuela pode ser uma boa coisa pontilharam o terreno da mídia: do Washington Post ao Project Syndicate ao The New York Times. Ocasionalmente um especialista argumenta que um golpe de Estado poderia ter consequências indesejáveis, por exemplo se o regime do golpe decidisse aprofundaras relações com Rússia e China.
Raramente alguém aponta que esse debate é insano, em especial com relação a um país onde as eleições ocorrem frequentemente e são, com poucas exceções, consideradas competitivas e transparentes. No domingo, 20 de maio, Maduro será candidato à reeleição. Pesquisas sugerem que, se o comparecimento for alto, ele poderá ser retirado do posto.
Vale notar que a política de Trump para a Venezuela é principalmente uma continuação da política de Obama para o país, embora o embargo financeiro e apelo a um golpe militar sejam particularmente ultrajantes e desprezem o direito internacional e as normas das nações civilizadas. As sanções de Trump aumentam o regime de sanções de Obama que identificam a Venezuela como uma “ameaça extraordinária à segurança nacional”. Quando Obama começou o processo de normalização de relações com Cuba, ele começou a mirar os bens de vários altos funcionários e indivíduos associados com o governo Maduro.
Sob Obama, o governo dos EUA continuou, como na era-Bush, a financiar organizações políticas de oposição na Venezuela, e mais uma vez fez lobby junto a governos regionais para censurar a o país em organizações multilaterais, como na Organização dos Estados Americanos (OEA). Washington também recusou-se a aceitar um embaixador venezuelano em Washington – embora convidasse um cubano – e alinhou-se a membros linha-dura da oposição quando recusou-se a reconhecer a vitória eleitoral de Maduro em abril de 2013.
Essencialmente, o governo de Obama – como o de Bush, que esteve envolvido no golpe de vida curta em 2002 contra Hugo Chávez – tinha uma política de promover uma “mudança de regime” na Venezuela. Com Trump, aquela política tomou uma direção mais agressiva, aberta e perigosa.
Infelizmente não tem havido praticamente nenhuma crítica aos esforços do governos dos EUA para derrubar o governo venezuelano na grande mídia. No Congresso dos EUA, onde um grande número de legisladores agora se opõem ao embargo contra Cuba, por exemplo, há pouco clamor, com a importante exceção do um pequeno grupo de democratas progressistas que se opuseram às sanções contra a Venezuela, sob Obama e Trump. A maior parte do establishment político e da mídia parece acreditar que Trump tem a agenda política certa para a Venezuela, com vários liberais justificando as duras medidas com casos de corrupção, violação de direitos humanos e outros crimes que supostamente envolvem funcionários venezuelanos.
Entretanto, nenhuma dessas críticas pede sanções econômicas contra países latino-americanos com registro de muito mais violência e repressão. Contra Honduras, por exemplo, onde os militares recentemente reprimiram violentamente manifestações pacíficas após eleições fraudulentas, que o governo dos EUA reconheceu. Ou contra a Colômbia e o México, onde nos últimos meses dezenas de candidatos políticos e líderes sociais foram assassinados com impunidade.
A Venezuela é tratada de modo diferente pelos EUA por razões óbvias: tem um governo que busca ser independente de Washington e se encontra sobre reservas de centenas de bilhões de barris petróleo, que – quando a economia da Venezuela finalmente se recuperar – irão possibilitar ao governo ter influência regional de longo alcance.
De fato, isso é exatamente o que aconteceu durante o governo Chávez. Aumentou a popularidade da Venezuela na América Central e no Caribe graças em grande parte à generosa iniciativa Petrocaribe do governo, que trouxe benefícios econômicos tangíveis a muitos países da região. Ela teve também influência na construção de instituições regionais tais como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac) e a União das Nações Sul Americanas (Unasur), que eram muito mais independentes dos EUA do que a Organização dos Estados Americanos, localizada em Washington.
A despeito de como cada um se sinta, em relação ao atual governo da Venezuela, é tempo de se dar conta de que a política dos EUA com relação a esse pais está tornando as coisas piores. Está gerando maior sofrimento econômico, instabilidade e polarização política e minando as chances de alcançar uma solução pacífica para a crise política do país.
Os comentários sobre golpe e intervenção militar na Venezuela, ou em qualquer outro lugar da América Latina, precisam retornar a seu prévio status de tabu, particularmente por causa da receptividade a ideias absurdas da atual liderança dos EUA. Em vez disso, é hora de esfriar as cabeças em todo o espectro político para trabalhar juntos por uma mudança na direção política em relação à Venezuela. Primeiro, os cidadãos dos EUA que se importam com os Estados Unidos devem organizar-se para forçar Trump a levantar o embargo financeiro; depois, é preciso encorajar os esforços para construir confiança e diálogo entre os setores políticos, ao mesmo tempo em que marginalizamos linhas-duras que se opõem a qualquer forma de acordo.
Em agosto passado, o president Trump casualmente mencionou uma “opção militar” para a Venezuela em seu campo de golfe em Nova Jersey, provocando um alvoroço na América Latina, mas nem um pio em Washington. Paralelamente, Rex Tillerson, então Secretário de Estado, manifestou-se favoravelmente a uma possível deposição militar do presidente venezuelano Nicolás Maduro.
Recentemente, artigos de opinião sugerindo que um golpe um uma intervenção militar estrangeira na Venezuela pode ser uma boa coisa pontilharam o terreno da mídia: do Washington Post ao Project Syndicate ao The New York Times. Ocasionalmente um especialista argumenta que um golpe de Estado poderia ter consequências indesejáveis, por exemplo se o regime do golpe decidisse aprofundaras relações com Rússia e China.
Raramente alguém aponta que esse debate é insano, em especial com relação a um país onde as eleições ocorrem frequentemente e são, com poucas exceções, consideradas competitivas e transparentes. No domingo, 20 de maio, Maduro será candidato à reeleição. Pesquisas sugerem que, se o comparecimento for alto, ele poderá ser retirado do posto.
O fato de que golpe, não eleições, são o tema quente é um triste reflexo do rumo distorcido que a discussão mainstream sobre a Venezuela tomou. Durante vários anos, a maior parte das análises e reportagens sobre a nação, rica em petróleo mas conturbada economicamente, tem apresentado uma representação em preto e branco, sensacionalista, de uma situação interna complexa e cheia de nuances. Além disso, tem havido pouca discussão séria sobre as políticas dos governo Trump em relação à Venezuela, mesmo quando estas causam mais danos à economia do país, agravando a carência de alimentos e remédios que salvam vidas, e minando a paz e a democracia.
Lados radicalizados
Não nos esqueçamos, Maduro – frequentemente descrito por especialistas e políticos dos EUA como um ditador – foi eleito democraticamente em eleições relâmpago realizadas um mês após a morte de seu predecessor, Hugo Chávez, no início de 2013. Como o período presidencial na Venezuela é de seis anos, seu mandato constitucional atual terminará no início de 2019.
Desde o início, alguns setores da oposição venezuelana rejeitaram a legitimidade de Maduro e exigiram sua saída imediata do governo. Em 2014 e novamente em 2017, endossaram movimentos de protesto explicitamente voltados a gerar grandes tumultos em áreas urbanas chave, para tentar forçar a queda do governo — por exemplo, exacerbando a pressão popular ou pela intervenção militar interna ou externa.
Embora muitos desses protestos fossem pacíficos, alguns tornaram-se violentos e resultaram em dezenas de mortes, algumas atribuíveis a forças de segurança do Estado e outras a membros do movimento de protesto, de acordo com relatórios confiáveis e provas documentais. Centenas de manifestantes foram detidos e algumas figuras da oposição, incluindo o ex-prefeito de Chacao, Leopoldo López, foram condenados à prisão por supostamente incitar á violência. López atualmente está em prisão domiciliar, depois de cumprir três anos de pena.
Apoiadores da oposição acreditam que os direitos processuais de López e outros envolvidos com os protestos foram violados, e certamente há motivos para esse argumento. Entretanto, alguns adeptos do governo acreditam que esses indivíduos mereceram penas mais pesadas pela tentativa de usurpar o poder popular por meio da desestabilização e da violência, de uma forma que lembra a preparação para o golpe militar de curta duração em 2002 contra Chávez — em que López e outros líderes da oposição estavam envolvidos.
No final de 2015, a oposição da Venezuela conquistou uma grande maioria de cadeiras nas eleições para a Assembleia Nacional. Mas o Executivo e Legislativo do país ficaram logo em desacordo sobre supostos casos de fraude eleitoral que levaram a Suprema Corte da Venezuela, um órgão amplamente visto como leal ao governo, a desqualificar três legisladores da oposição. A remoção desses legisladores significou a perda da maioria de dois terços da aliança de oposição, que lhe dava amplos poderes para intervir no nível executivo.
A oposição gritou e recusou-se a cumprir a decisão do tribunal. Em resposta, a corte recusou-se a reconhecer a legitimidade do parlamento. As instituições da Venezuela deixaram de interagir de acordo com o manual constitucional e os dois lados adotaram táticas cada vez mais radicais para tentar obter superioridade.
Líderes da oposição apoiaram uma nova série de protestos, que foram ficando cada vez mais violentos, paralisando vias públicas em Caracas e outras cidades durante vários dias, a cada vez. Grupos de manifestantes confrontaram-se frequentemente com as forças de segurança e dezenas de pessoas foram mortas, incluindo manifestantes, agentes de segurança do Estado e transeuntes.
O governo Maduro respondeu ao crescente caos nas ruas chamando eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte que iria desenhar uma nova Constituição e, de acordo com Maduro, trazer “ordem, justiça, paz” à Venezuela.
A oposição, denunciando a iniciativa como uma manobra destinada a mudar a Assembleia Nacional, boicotou as eleições. Desse modo, o novo órgão é quase inteiramente pró-governo e os EUA e governos aliados recusam-se a reconhecê-lo. Em seguida às eleições para a Assembleia Constituinte, o movimento de protesto desentendeu-se e a oposição tornou-se mais dividida, com radicais chamando outro boicote eleições seguintes, regionais e municipais. Como resultado desse e de outros fatores, os eleitores da oposição fracassaram na mobilização e o governo venceu a maioria das disputas, tanto regionais quanto municipais, no final de 2017.
A economia
O pano de fundo da prolongada crise política da Venezuela foi, é claro, o atoleiro econômico do país, que se agrava cada vez mais. Embora a queda dos preços do petróleo tenha certamente desempenhado um papel, Maduro sem dúvida tem parte da responsabilidade pela profunda depressão e hiperinflação que levou centenas de milhares de venezuelanos a emigrar e causaram sua queda nas pesquisas.
Enquanto muitos ideólogos culpam o “socialismo” pelos problemas econômicos do país, a maioria dos economistas aponta uma série de erros políticos que têm pouco ou nada a ver com socialismo. Mais devastador tem sido o disfuncional sistema de taxa de câmbio, que levou a uma espiral de “inflação-depreciação” cada vez pior no decorrer dos últimos quatro anos, e agora à hiperinflação. A gasolina quase gratuita e um controle de preços que não funcionou também contribuíram para a crise. As sanções financeiras do governo Trump – mais do que todos os esforços de desestabilização anteriores, que foram significativos – tornaram praticamente impossível para o governo sair da confusão sem ajuda externa.
Como se essa situação profundamente agônica não fosse suficiente, a mídia publicou com frequência relatos exagerados sobre as condições na Venezuela, apontando por exemplo fome generalizada. Para ser claro, a escalada de preço dos alimentos aumentou a subnutrição no país, mas isso é bem distante de uma fome em larga escala.
Mais importante, tem havido escassas reportagens na mídia dos EUA sobre os danos econômicos adicionais provocados pelas sanções financeiras do governo Trump, anunciadas em agosto do ano passado (logo depois da declaração sobre uma “opção militar” para a Venezuela).
Como meu colega Mark Weisbrot explicou, o embargo unilateral e ilegal – que exclui a Venezuela da maioria dos mercados financeiros – tem tido duas consequências principais, ambas implicando aumento das dificuldades econômicas para o povo venezuelano. Primeiro, porque causa uma escassez ainda maior de bens essenciais, incluindo alimentos e remédios. Segundo, porque torna a recuperação da economia quase impossível, uma vez que o governo não pode tomar empréstimos ou reestruturar sua dívida externa, e em alguns casos até mesmo realizar transações normais de importação, inclusive para medicamentos.
Além de fomentar maior devastação econômica na Venezuela, Trump e sua corte de conselheiros sobre a Venezuela, incluindo o senador republicano Marco Rubio, têm apoiado opositores de linha dura em seus esforços para impedir tentativas de diálogo e minar as eleições, mesmo quando estas oferecem a possibilidade de uma transição política pacífica.
No caso em questão: as eleições presidenciais deste domingo. O líder da oposição Henri Falcón – um ex-governador e organizador de campanha para o candidato da oposição nas eleições presidenciais de 2013, Henrique Capriles – concorre como candidato independente contra Maduro e outros três candidatos. Vários grandes partidos de oposição estão boicotando as eleições, entre outras razões porque fazem objeção à data próxima do pleito, que segundo eles não lhes dá tempo suficiente para organizar uma campanha forte. Contudo, a autoridade eleitoral concordou com o adiamento por um mês da data inicial. Dois partidos de oposição, Primeiro Justiça e Vontade Popular, também não conseguiram registrar candidatos porque, alega-se, não alcançaram os requisitos formais para fazê-lo.
Contudo, pesquisas eleitorais realizadas pelo Datanalysis, instituto mais frequentemente citado na Venezuela, indicam que Falcón pode vencer, se houver um grande comparecimento às urnas. Antes de confirmar sua candidatura, Falcón obteve fortes garantias junto à autoridade eleitoral do país, garantindo transparência, acessibilidade eleitoral e votação secreta, como houve em todas as contestadas eleições anteriores, desde que Chávez assumiu o poder em 1999.
Mas o governo Trump, depois de ameaçar Falcón com sanções financeiras individuais se não desistisse de sua candidatura, apoiou a o boicote eleitoral promovido por setores mais linha dura da oposição. Eles veem o candidato, que era aliado de Chávez até 2010, como alguém que, se eleito, estaria disposto a entrar em acordo com os chavistas. O governo dos EUA ameaçou até mesmo aumentar sanções contra o petróleo venezuelano, se as eleições forem realizadas. Fontes indicam que quando ambos, Falcón e o governo venezuelano, solicitaram que a ONU enviasse uma equipe observadora internacional para monitorar as eleições, funcionários dos EUA intervieram para garantir que esse esforço de monitoramento não acontecesse.
Com o governo norte-americano e a oposição da Venezuela fazendo todo o possível para reforçar a campanha dos linhas-duras pelo boicote, há uma grande possibilidade de que seja baixo o comparecimento às urnas no campo da oposição, e que Maduro vença as eleições por uma larga margem. Pode-se esperar que o governo Trump faça a imediata denúncia de um processo “fraudulento” e “ilegítimo”, tomando atitudes que tornarão a vida dos venezuelanos comuns ainda mais difícil.
Entre Obama e Trump
Lados radicalizados
Não nos esqueçamos, Maduro – frequentemente descrito por especialistas e políticos dos EUA como um ditador – foi eleito democraticamente em eleições relâmpago realizadas um mês após a morte de seu predecessor, Hugo Chávez, no início de 2013. Como o período presidencial na Venezuela é de seis anos, seu mandato constitucional atual terminará no início de 2019.
Desde o início, alguns setores da oposição venezuelana rejeitaram a legitimidade de Maduro e exigiram sua saída imediata do governo. Em 2014 e novamente em 2017, endossaram movimentos de protesto explicitamente voltados a gerar grandes tumultos em áreas urbanas chave, para tentar forçar a queda do governo — por exemplo, exacerbando a pressão popular ou pela intervenção militar interna ou externa.
Embora muitos desses protestos fossem pacíficos, alguns tornaram-se violentos e resultaram em dezenas de mortes, algumas atribuíveis a forças de segurança do Estado e outras a membros do movimento de protesto, de acordo com relatórios confiáveis e provas documentais. Centenas de manifestantes foram detidos e algumas figuras da oposição, incluindo o ex-prefeito de Chacao, Leopoldo López, foram condenados à prisão por supostamente incitar á violência. López atualmente está em prisão domiciliar, depois de cumprir três anos de pena.
Apoiadores da oposição acreditam que os direitos processuais de López e outros envolvidos com os protestos foram violados, e certamente há motivos para esse argumento. Entretanto, alguns adeptos do governo acreditam que esses indivíduos mereceram penas mais pesadas pela tentativa de usurpar o poder popular por meio da desestabilização e da violência, de uma forma que lembra a preparação para o golpe militar de curta duração em 2002 contra Chávez — em que López e outros líderes da oposição estavam envolvidos.
No final de 2015, a oposição da Venezuela conquistou uma grande maioria de cadeiras nas eleições para a Assembleia Nacional. Mas o Executivo e Legislativo do país ficaram logo em desacordo sobre supostos casos de fraude eleitoral que levaram a Suprema Corte da Venezuela, um órgão amplamente visto como leal ao governo, a desqualificar três legisladores da oposição. A remoção desses legisladores significou a perda da maioria de dois terços da aliança de oposição, que lhe dava amplos poderes para intervir no nível executivo.
A oposição gritou e recusou-se a cumprir a decisão do tribunal. Em resposta, a corte recusou-se a reconhecer a legitimidade do parlamento. As instituições da Venezuela deixaram de interagir de acordo com o manual constitucional e os dois lados adotaram táticas cada vez mais radicais para tentar obter superioridade.
Líderes da oposição apoiaram uma nova série de protestos, que foram ficando cada vez mais violentos, paralisando vias públicas em Caracas e outras cidades durante vários dias, a cada vez. Grupos de manifestantes confrontaram-se frequentemente com as forças de segurança e dezenas de pessoas foram mortas, incluindo manifestantes, agentes de segurança do Estado e transeuntes.
O governo Maduro respondeu ao crescente caos nas ruas chamando eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte que iria desenhar uma nova Constituição e, de acordo com Maduro, trazer “ordem, justiça, paz” à Venezuela.
A oposição, denunciando a iniciativa como uma manobra destinada a mudar a Assembleia Nacional, boicotou as eleições. Desse modo, o novo órgão é quase inteiramente pró-governo e os EUA e governos aliados recusam-se a reconhecê-lo. Em seguida às eleições para a Assembleia Constituinte, o movimento de protesto desentendeu-se e a oposição tornou-se mais dividida, com radicais chamando outro boicote eleições seguintes, regionais e municipais. Como resultado desse e de outros fatores, os eleitores da oposição fracassaram na mobilização e o governo venceu a maioria das disputas, tanto regionais quanto municipais, no final de 2017.
A economia
O pano de fundo da prolongada crise política da Venezuela foi, é claro, o atoleiro econômico do país, que se agrava cada vez mais. Embora a queda dos preços do petróleo tenha certamente desempenhado um papel, Maduro sem dúvida tem parte da responsabilidade pela profunda depressão e hiperinflação que levou centenas de milhares de venezuelanos a emigrar e causaram sua queda nas pesquisas.
Enquanto muitos ideólogos culpam o “socialismo” pelos problemas econômicos do país, a maioria dos economistas aponta uma série de erros políticos que têm pouco ou nada a ver com socialismo. Mais devastador tem sido o disfuncional sistema de taxa de câmbio, que levou a uma espiral de “inflação-depreciação” cada vez pior no decorrer dos últimos quatro anos, e agora à hiperinflação. A gasolina quase gratuita e um controle de preços que não funcionou também contribuíram para a crise. As sanções financeiras do governo Trump – mais do que todos os esforços de desestabilização anteriores, que foram significativos – tornaram praticamente impossível para o governo sair da confusão sem ajuda externa.
Como se essa situação profundamente agônica não fosse suficiente, a mídia publicou com frequência relatos exagerados sobre as condições na Venezuela, apontando por exemplo fome generalizada. Para ser claro, a escalada de preço dos alimentos aumentou a subnutrição no país, mas isso é bem distante de uma fome em larga escala.
Mais importante, tem havido escassas reportagens na mídia dos EUA sobre os danos econômicos adicionais provocados pelas sanções financeiras do governo Trump, anunciadas em agosto do ano passado (logo depois da declaração sobre uma “opção militar” para a Venezuela).
Como meu colega Mark Weisbrot explicou, o embargo unilateral e ilegal – que exclui a Venezuela da maioria dos mercados financeiros – tem tido duas consequências principais, ambas implicando aumento das dificuldades econômicas para o povo venezuelano. Primeiro, porque causa uma escassez ainda maior de bens essenciais, incluindo alimentos e remédios. Segundo, porque torna a recuperação da economia quase impossível, uma vez que o governo não pode tomar empréstimos ou reestruturar sua dívida externa, e em alguns casos até mesmo realizar transações normais de importação, inclusive para medicamentos.
Além de fomentar maior devastação econômica na Venezuela, Trump e sua corte de conselheiros sobre a Venezuela, incluindo o senador republicano Marco Rubio, têm apoiado opositores de linha dura em seus esforços para impedir tentativas de diálogo e minar as eleições, mesmo quando estas oferecem a possibilidade de uma transição política pacífica.
No caso em questão: as eleições presidenciais deste domingo. O líder da oposição Henri Falcón – um ex-governador e organizador de campanha para o candidato da oposição nas eleições presidenciais de 2013, Henrique Capriles – concorre como candidato independente contra Maduro e outros três candidatos. Vários grandes partidos de oposição estão boicotando as eleições, entre outras razões porque fazem objeção à data próxima do pleito, que segundo eles não lhes dá tempo suficiente para organizar uma campanha forte. Contudo, a autoridade eleitoral concordou com o adiamento por um mês da data inicial. Dois partidos de oposição, Primeiro Justiça e Vontade Popular, também não conseguiram registrar candidatos porque, alega-se, não alcançaram os requisitos formais para fazê-lo.
Contudo, pesquisas eleitorais realizadas pelo Datanalysis, instituto mais frequentemente citado na Venezuela, indicam que Falcón pode vencer, se houver um grande comparecimento às urnas. Antes de confirmar sua candidatura, Falcón obteve fortes garantias junto à autoridade eleitoral do país, garantindo transparência, acessibilidade eleitoral e votação secreta, como houve em todas as contestadas eleições anteriores, desde que Chávez assumiu o poder em 1999.
Mas o governo Trump, depois de ameaçar Falcón com sanções financeiras individuais se não desistisse de sua candidatura, apoiou a o boicote eleitoral promovido por setores mais linha dura da oposição. Eles veem o candidato, que era aliado de Chávez até 2010, como alguém que, se eleito, estaria disposto a entrar em acordo com os chavistas. O governo dos EUA ameaçou até mesmo aumentar sanções contra o petróleo venezuelano, se as eleições forem realizadas. Fontes indicam que quando ambos, Falcón e o governo venezuelano, solicitaram que a ONU enviasse uma equipe observadora internacional para monitorar as eleições, funcionários dos EUA intervieram para garantir que esse esforço de monitoramento não acontecesse.
Com o governo norte-americano e a oposição da Venezuela fazendo todo o possível para reforçar a campanha dos linhas-duras pelo boicote, há uma grande possibilidade de que seja baixo o comparecimento às urnas no campo da oposição, e que Maduro vença as eleições por uma larga margem. Pode-se esperar que o governo Trump faça a imediata denúncia de um processo “fraudulento” e “ilegítimo”, tomando atitudes que tornarão a vida dos venezuelanos comuns ainda mais difícil.
Entre Obama e Trump
Vale notar que a política de Trump para a Venezuela é principalmente uma continuação da política de Obama para o país, embora o embargo financeiro e apelo a um golpe militar sejam particularmente ultrajantes e desprezem o direito internacional e as normas das nações civilizadas. As sanções de Trump aumentam o regime de sanções de Obama que identificam a Venezuela como uma “ameaça extraordinária à segurança nacional”. Quando Obama começou o processo de normalização de relações com Cuba, ele começou a mirar os bens de vários altos funcionários e indivíduos associados com o governo Maduro.
Sob Obama, o governo dos EUA continuou, como na era-Bush, a financiar organizações políticas de oposição na Venezuela, e mais uma vez fez lobby junto a governos regionais para censurar a o país em organizações multilaterais, como na Organização dos Estados Americanos (OEA). Washington também recusou-se a aceitar um embaixador venezuelano em Washington – embora convidasse um cubano – e alinhou-se a membros linha-dura da oposição quando recusou-se a reconhecer a vitória eleitoral de Maduro em abril de 2013.
Essencialmente, o governo de Obama – como o de Bush, que esteve envolvido no golpe de vida curta em 2002 contra Hugo Chávez – tinha uma política de promover uma “mudança de regime” na Venezuela. Com Trump, aquela política tomou uma direção mais agressiva, aberta e perigosa.
Infelizmente não tem havido praticamente nenhuma crítica aos esforços do governos dos EUA para derrubar o governo venezuelano na grande mídia. No Congresso dos EUA, onde um grande número de legisladores agora se opõem ao embargo contra Cuba, por exemplo, há pouco clamor, com a importante exceção do um pequeno grupo de democratas progressistas que se opuseram às sanções contra a Venezuela, sob Obama e Trump. A maior parte do establishment político e da mídia parece acreditar que Trump tem a agenda política certa para a Venezuela, com vários liberais justificando as duras medidas com casos de corrupção, violação de direitos humanos e outros crimes que supostamente envolvem funcionários venezuelanos.
Entretanto, nenhuma dessas críticas pede sanções econômicas contra países latino-americanos com registro de muito mais violência e repressão. Contra Honduras, por exemplo, onde os militares recentemente reprimiram violentamente manifestações pacíficas após eleições fraudulentas, que o governo dos EUA reconheceu. Ou contra a Colômbia e o México, onde nos últimos meses dezenas de candidatos políticos e líderes sociais foram assassinados com impunidade.
A Venezuela é tratada de modo diferente pelos EUA por razões óbvias: tem um governo que busca ser independente de Washington e se encontra sobre reservas de centenas de bilhões de barris petróleo, que – quando a economia da Venezuela finalmente se recuperar – irão possibilitar ao governo ter influência regional de longo alcance.
De fato, isso é exatamente o que aconteceu durante o governo Chávez. Aumentou a popularidade da Venezuela na América Central e no Caribe graças em grande parte à generosa iniciativa Petrocaribe do governo, que trouxe benefícios econômicos tangíveis a muitos países da região. Ela teve também influência na construção de instituições regionais tais como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac) e a União das Nações Sul Americanas (Unasur), que eram muito mais independentes dos EUA do que a Organização dos Estados Americanos, localizada em Washington.
A despeito de como cada um se sinta, em relação ao atual governo da Venezuela, é tempo de se dar conta de que a política dos EUA com relação a esse pais está tornando as coisas piores. Está gerando maior sofrimento econômico, instabilidade e polarização política e minando as chances de alcançar uma solução pacífica para a crise política do país.
Os comentários sobre golpe e intervenção militar na Venezuela, ou em qualquer outro lugar da América Latina, precisam retornar a seu prévio status de tabu, particularmente por causa da receptividade a ideias absurdas da atual liderança dos EUA. Em vez disso, é hora de esfriar as cabeças em todo o espectro político para trabalhar juntos por uma mudança na direção política em relação à Venezuela. Primeiro, os cidadãos dos EUA que se importam com os Estados Unidos devem organizar-se para forçar Trump a levantar o embargo financeiro; depois, é preciso encorajar os esforços para construir confiança e diálogo entre os setores políticos, ao mesmo tempo em que marginalizamos linhas-duras que se opõem a qualquer forma de acordo.
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