7 de maio de 2018

Aspectos políticos do pleno emprego

Por que os capitalistas odeiam o pleno emprego? Porque enfraquece seu poder sobre os trabalhadores.

Michał Kalecki


Mulheres desempregadas em um campo da Administração Federal de Socorro de Emergência em Arcola, PA, por volta de julho de 1934. Administração Nacional de Arquivos e Registros

As recentes propostas de Bernie Sanders e outros para um programa nacional de garantia do emprego colocaram o pleno emprego – que já foi objeto central do debate político no mundo industrializado – de volta à agenda. Mas o pleno emprego é mais do que uma questão técnica. Toca na contradição política mais sensível da sociedade capitalista: o equilíbrio de poder entre trabalho e capital. 

Um dos primeiros autores a explorar este tema foi o economista polonês Michal Kalecki, autor do clássico ensaio Aspectos políticos do pleno emprego (1943). Escrevendo em um momento em que a economia keynesiana começava a penetrar na discussão política no Ocidente, Kalecki advertiu que uma política de pleno emprego, após o fim da guerra (que ocorreu em 1945) exigiria a superação dos grandes obstáculos políticos representados pelos capitalistas e seus representantes. 

O pleno emprego, escreveu Kalecki, causaria mudanças sociais e políticas que dariam um novo ímpeto à oposição empresarial. A demissão deixaria de ter seu papel como medida disciplinar. A posição social do chefe seria minada, e a autoconfiança e consciência de classe dos trabalhadores cresceria. “Disciplina nas fábricas” e “estabilidade política” são mais apreciadas do que os lucros pelos líderes empresariais. Seu instinto de classe diz-lhes que o pleno emprego duradouro não é bom do ponto de vista do capital, e que o desemprego é parte integrante do sistema capitalista “normal”. 

Apresentamos a seguir o texto completo da análise presciente de Kalecki.

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Uma maioria consolidada dos economistas já é da opinião de que, mesmo em um sistema capitalista, o pleno emprego pode ser assegurado por um programa de gastos do governo, desde que haja um plano adequado para empregar toda a força de trabalho existente, e desde que a oferta de matérias-primas estrangeiras necessárias possa ser obtida em troca de exportações.

Se o governo assume o investimento público (por exemplo, constrói escolas, hospitais e estradas) ou subsidia o consumo de massa (por transferências às famílias, pela redução dos impostos indiretos, ou subsídios para manter baixos os preços dos bens de primeira necessidade), e se, além disso, essas despesas são financiadas pelo endividamento e não pela tributação (o que poderia afetar negativamente o investimento privado e o consumo), a demanda efetiva por bens e serviços pode ser aumentada até um ponto em que o pleno emprego seja alcançado. Este gasto governamental aumenta o emprego, note-se, não só diretamente, como também indiretamente, uma vez que os rendimentos mais elevados dele resultantes implicam em um segundo aumento na demanda por bens de consumo e de investimento.

Pode-se perguntar, de onde o público vai tirar o dinheiro para emprestar para o governo se não reduzir o seu investimento e consumo. Para entender esse processo, é melhor, penso eu, imaginar por um momento que o governo paga seus fornecedores em títulos públicos. Os fornecedores, em geral, não reterão esses títulos, mas os colocarão em circulação enquanto compram outros bens e serviços, e assim por diante, até que finalmente esses títulos atingirão pessoas ou empresas que os manterão como ativos remunerados. Em qualquer período de tempo, o aumento total de títulos públicos em poder (transitório ou definitivo) de pessoas e empresas será igual ao dos bens e serviços vendidos ao governo. Assim, o que a economia empresta ao governo são bens e serviços cuja produção é “financiada” por títulos do governo. Na realidade, o governo paga pelos serviços, não em títulos, mas em dinheiro, mas ele emite títulos simultaneamente e assim retira de circulação o dinheiro; e isto é equivalente ao processo imaginário descrito acima.

O que acontece, no entanto, se o público não estiver disposto a absorver todo o aumento de títulos públicos? O governo os oferecerá, por fim, para os bancos para obter dinheiro (papel-moeda ou depósitos) em troca. Se os bancos aceitarem essas ofertas, a taxa de juros será mantida. Se não, os preços dos títulos vão cair, o que significa um aumento na taxa de juros, e isso vai incentivar o público a deter mais títulos em relação aos depósitos. Segue-se que a taxa de juros depende da política bancária, da do banco central em particular. Se esta política visa manter a taxa de juros em um determinado nível, isto pode ser facilmente alcançado, independente do endividamento do governo. Essa foi e é a posição na presente guerra. Apesar dos deficits orçamentários astronômicos, a taxa de juros não mostrou qualquer aumento desde o início de 1940.

Pode-se objetar que os gastos públicos financiados pelo endividamento causarão inflação. Para isso, pode ser respondido que a demanda efetiva criada pelo governo age como qualquer outro aumento de demanda. Se há oferta suficiente de trabalho, plantas e matérias-primas estrangeiras, o aumento da demanda é atendido por um aumento na produção. Mas, se o ponto de pleno emprego dos recursos é atingido e a demanda efetiva continua a aumentar, os preços subirão, de modo a equilibrar a demanda e a oferta de bens e serviços. (No estado de sobre-emprego de recursos, como o que testemunhamos atualmente na economia de guerra, um aumento inflacionário dos preços tem sido evitado apenas na medida em que a demanda efetiva por bens de consumo é contida pelo racionamento e pela taxação direta). Segue-se que, se a intervenção governamental tem como objetivo atingir o pleno emprego, mas freia um pouco antes da demanda efetiva ultrapassar a marca de pleno emprego, não há necessidade de ter medo da inflação.


A descrição acima é uma definição muito simples e incompleta da doutrina econômica de pleno emprego. Mas é, penso eu, suficiente para familiarizar o leitor com a essência da doutrina e assim permitir-lhe acompanhar a discussão posterior dos problemas políticos envolvidos na realização do pleno emprego.

Em primeiro lugar deve se afirmar que embora a maioria dos economistas agora concordem que o pleno emprego pode ser alcançado pelos gastos do governo, este de modo algum foi o caso, mesmo no passado recente. Entre os opositores dessa doutrina existiam (e ainda existem) proeminentes e autointitulados “especialistas econômicos” estreitamente ligados à banca e à indústria. Isso sugere que há um fundo político na oposição à doutrina do pleno emprego, mesmo que os argumentos apresentados sejam econômicos. Isso não quer dizer que as pessoas que desenvolvem essas teorias não acreditam em sua economia, por mais lamentável que isso seja. Mas a ignorância obstinada geralmente é uma manifestação de motivações políticas subjacentes.

Há, no entanto, indicações ainda mais diretas de que uma questão política de primeira categoria está em jogo aqui. Na grande depressão na década de 1930, as grandes empresas sempre se opuseram aos experimentos de aumento do emprego pelos gastos do governo em todos os países, exceto a Alemanha nazista. Isto pôde ser visto claramente nos EUA (oposição ao New Deal), na França (o experimento Blum), e na Alemanha antes de Hitler. A atitude não é fácil de explicar. Claramente, uma maior produção e emprego beneficia não só os trabalhadores, mas também os empresários porque seus lucros aumentarão. E a política de pleno emprego descrita acima não colide com os lucros, porque não envolve nenhuma tributação adicional. Os empresários diante de uma recessão anseiam por uma retomada; porque é que eles não aceitam de bom grado a retomada sintética que o governo é capaz de oferecer-lhes? É esta questão difícil e fascinante que pretendemos tratar neste artigo.

As razões para a oposição dos “líderes industriais” ao pleno emprego alcançado via gastos do governo podem ser subdivididos em três categorias: (i) não gostam da interferência do governo no problema do emprego como tal; (ii) não gostam da direção dos gastos do governo (o investimento público e o consumo subsidiado); (iii) não gostam das mudanças sociais e políticas resultantes da manutenção do pleno emprego. Vamos examinar em detalhe cada uma dessas três categorias de restrições a uma política governamental expansionista.

Vamos lidar primeiro com a relutância dos “capitães da indústria” em aceitar a intervenção do governo na questão do emprego. Cada alargamento da atividade estatal é encarado pelo mercado com suspeita, mas a criação de emprego via gastos públicos tem um aspecto especial que faz com que a oposição seja particularmente intensa. Sob um sistema de livre mercado, o nível de emprego depende, em grande medida, do chamado estado de confiança. Se isso se deteriora, reduz-se o investimento privado, o que resulta numa queda da produção e do emprego (tanto diretamente como através do efeito secundário da diminuição dos rendimentos sobre consumo e investimento). Isto dá aos capitalistas um poderoso controle indireto sobre a política governamental: tudo o que pode abalar o estado de confiança deve ser evitado porque isso causaria uma crise econômica. Mas uma vez que o governo descobre o truque de aumentar o emprego por suas próprias compras, este dispositivo de controle poderoso perde a sua eficácia. Daí déficits orçamentários necessários para realizar a intervenção do governo devem ser considerados perigosos. A função social da doutrina das “finanças saudáveis” é fazer com que o nível de emprego dependa do estado de confiança.

A antipatia de líderes empresariais para uma política de gastos do governo se torna ainda mais aguda quando eles consideraram o objeto em que o dinheiro seria gasto: o investimento público e o subsídio ao consumo de massas.

Os princípios econômicos da intervenção governamental exigem que o investimento público deva limitar-se a objetos que não concorram com os equipamentos das empresas privadas (por exemplo, hospitais, escolas, autoestradas). Caso contrário, a rentabilidade do investimento privado pode ser prejudicada, e os efeitos positivos do investimento público sobre o emprego neutralizados pelo efeito negativo do declínio do investimento privado. Essa concepção se adapta muito bem aos empresários. Mas o espaço para o investimento público deste tipo é bastante estreito, e há o perigo de que o governo, na prossecução desta política, pode, eventualmente, ser tentado a nacionalizar os transportes ou serviços de utilidade pública, de modo a ganhar uma nova esfera de investimento.

Poderia se esperar, portanto, que os líderes empresariais e seus especialistas fossem mais favoráveis aos subsídios ao consumo de massa (por meio de transferências às famílias, subsídios para manter baixo os preços dos bens de primeiras necessidades, etc.) do que ao investimento público; uma vez que subsidiando o consumo o governo não embarcaria em qualquer tipo de empreendimento. Na prática, no entanto, este não é o caso. Na verdade, a oposição feita por esses especialistas ao subsídio ao consumo de massa é muito mais violenta que ao investimento público. Por aqui um princípio moral da maior importância está em jogo. Os fundamentos da ética capitalista requerem que "você ganhe seu pão com suor" - a menos que você tenha meios privados.

Nós consideramos as razões políticas para a oposição à política de criação de emprego vias gastos governamentais. Mas, mesmo que esta oposição fosse superada – como pode muito bem ocorrer sob a pressão das massas – a manutenção do pleno emprego causaria mudanças sociais e políticas que dariam um novo impulso para a oposição dos líderes empresariais. Com efeito, sob um regime de pleno emprego permanente, a demissão deixaria de desempenhar o seu papel enquanto “medida disciplinar”. A posição social do patrão seria prejudicada, e a autoconfiança e consciência de classe da classe trabalhadora cresceria. As greves por aumentos salariais e melhorias nas condições de trabalho criariam tensão política. É verdade que os lucros seriam mais elevados sob um regime de pleno emprego do que são, em média, nos termos do livre mercado, e até mesmo o aumento dos salários decorrente do maior poder de barganha dos trabalhadores é menos propenso a reduzir os lucros do que para aumentar preços, e, portanto, afeta negativamente apenas os interesses rentistas. Mas a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” são mais apreciadas do que os lucros pelos líderes empresariais. Seu instinto de classe lhes diz que um pleno emprego duradouro é inaceitável a partir do seu ponto de vista, e que o desemprego é uma parte integrante do sistema capitalista “normal”.


Uma das funções importantes do fascismo, como tipificado pelo sistema nazista, foi remover as objeções capitalistas ao pleno emprego.

A aversão a política de gastos do governo, como tal, é superada sob o fascismo pelo fato de que a máquina do Estado está sob o controle direto de uma parceria das grandes empresas com o fascismo. A necessidade do mito das “finanças saudáveis”, que servira para impedir o governo de causar uma crise de confiança devido aos gastos públicos, é removida. Em uma democracia, não se sabe como será o próximo governo. Sob o fascismo não há próximo governo.

A antipatia aos gastos do governo, seja em investimento público ou consumo, é superada pela concentração dos gastos governamentais em armamentos. Finalmente, a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” sob o pleno emprego são mantidas pela “nova ordem”, que varia de supressão dos sindicatos aos campos de concentração. A pressão política substitui a pressão econômica do desemprego.

O fato dos armamentos serem a espinha dorsal da política de pleno emprego fascista tem uma profunda influência sobre o caráter desta política econômica. Armamentos em larga escala são inseparáveis da expansão das forças armadas e da preparação de planos para uma guerra de conquista. Eles também induzem o rearmamento competitivo de outros países. Isso faz com que o objetivo principal do dispêndio mude gradualmente do pleno emprego para maximizar o rearmamento. Como resultado, o emprego se torna excedente. Não só é o desemprego abolido, mas uma aguda escassez de mão de obra prevalece. Gargalos surgem em todas as esferas, e estes devem ser tratados através da criação de inúmeros de controles. Tal economia tem muitas características de uma economia planificada, e às vezes é comparada, ainda que ignorantemente, com o socialismo. No entanto, este tipo de planejamento tende a aparecer sempre que uma economia se estabelece uma alta meta de produção numa esfera particular, quando se torna uma economia especializada da qual a economia armamentista é um caso especial. Uma economia armamentista envolve uma redução do consumo em comparação com o que poderia ocorrer sob o pleno emprego.

O sistema fascista começa a partir da superação do desemprego, desenvolve-se numa economia de armamentista de escassez, e termina, inevitavelmente, em guerra.


Qual será o resultado prático da oposição a uma política de pleno emprego pelos gastos do governo em uma democracia capitalista? Vamos tentar responder a esta questão com base na análise das razões para essa oposição dadas na seção II. Nós discutimos lá que podemos esperar a oposição dos líderes do setor em três planos: (1) a oposição por princípio aos gastos do governo com base em um déficit orçamentário; (2) a oposição ao direcionamento deste dispêndio tanto para o investimento público – o que pode prenunciar a intromissão do Estado em novas esferas da atividade econômica – ou no sentido de subsidiar o consumo de massa; (3) a oposição a manutenção do pleno emprego e não apenas a prevenção de depressões profundas e prolongadas.

Agora deve-se reconhecer que a fase em que “os líderes empresariais” poderiam se dar ao luxo de ser oposição a qualquer tipo de intervenção do governo para aliviar a depressão é mais ou menos passado. Três fatores contribuíram para isso: (1) muito pleno emprego durante a presente guerra; (2) desenvolvimento da doutrina econômica do pleno emprego; (i3) em parte como resultado desses dois fatores, o slogan “O desemprego nunca mais” agora está profundamente enraizado na consciência das massas. Esta posição reflete-se nos recentes pronunciamentos dos “capitães da indústria” e seus especialistas. A necessidade de que “algo deve ser feito na depressão” é consensual; mas a luta continua, em primeiro lugar, quanto ao que deve ser feito na depressão (ou seja, o que deveria ser a direção da intervenção do governo) e em segundo lugar, que isso deveria ser feito apenas na depressão (ou seja, apenas para aliviar recessões em vez de garantir permanentemente o pleno emprego).

Nas discussões atuais destes problemas surge, uma vez ou outra, a concepção de se combater a depressão estimulando o investimento privado. Isto pode ser feito através da redução da taxa de juros, pela redução do imposto de renda, ou subsidiando o investimento privado diretamente nesta ou em outra forma. Que tal esquema deva ser atraente para o mercado não é surpreendente. O empresário continua a ser o meio através do qual a intervenção é conduzida. Se ele não sentir confiança na situação política, ele não vai ser subornados para investir. E a intervenção não envolve o governo, seja na “brincadeira com” o investimento (público), seja no “desperdício de dinheiro” com subsídios ao consumo.

Pode ser demonstrado, no entanto, que o estímulo ao investimento privado não fornece um método adequado para evitar o desemprego em massa. Há duas alternativas a serem consideradas aqui. (1) Ou a taxa de juros ou o imposto de renda (ou ambos) são reduzidos drasticamente na recessão e aumentados no crescimento. Neste caso, tanto o período quanto a amplitude do ciclo de negócios serão reduzidos, mas o pleno emprego pode estar distante não só na depressão, mas mesmo durante o crescimento, ou seja, a média de desemprego pode ser considerável, embora suas flutuações sejam menos notadas. (2) Ou a taxa de juros ou o imposto de renda são reduzidos em uma recessão, mas não aumentam no crescimento subsequente. Neste caso, o crescimento vai durar mais tempo, mas deverá acabar em uma nova crise: uma redução na taxa de juros ou de imposto de renda não eliminam, é claro, as forças que causam as flutuações cíclicas em uma economia capitalista. Na nova recessão será necessário reduzir novamente a taxa de juros ou o imposto de renda e assim por diante. Assim, em um futuro não muito distante, a taxa de juros teria que ser negativa e o imposto de renda teria de ser substituído por um subsídio de renda. O mesmo ocorreria se se tentasse manter o pleno emprego estimulando o investimento privado: a taxa de juros e imposto de renda teriam de ser reduzidos de forma contínua.

Além dessa fraqueza fundamental da luta contra o desemprego através do estímulo ao investimento privado, há uma dificuldade prática. A reação dos empresários às medidas descritas é incerta. Se a desaceleração é aguda, eles podem ter uma visão muito pessimista do futuro, e a redução da taxa de juros ou do imposto de renda pode, então, por um longo tempo, ter pouco ou nenhum efeito sobre o investimento e, portanto, sobre o nível de produção e emprego.

Mesmo aqueles que defendem o incentivo ao investimento privado para enfrentar a recessão frequentemente não confiam exclusivamente nisso, mas preveem que este incentivo deve ser feito conjuntamento com o investimento público. Olha-se para o presente como se os líderes empresariais e seus especialistas (pelo menos alguns deles) tendessem a aceitar como um mal menor o investimento público financiado pelo endividamento do Estado como forma de aliviar recessões. Eles parecem, no entanto, ainda se oporem consistentemente à criação de emprego através de subsídios ao consumo e à manutenção do pleno emprego.

Este estado das coisas é talvez sintomático do futuro regime econômico das democracias capitalistas. Na recessão, quer sob a pressão das massas, ou até mesmo sem ela, o investimento público financiado por endividamento do Estado serão realizados para evitar o desemprego em grande escala. Entretanto, se forem feitas tentativas de aplicar este método com o propósito de manter o alto nível de emprego alcançado com a retomada do crescimento posterior, é bem provável que seja encarada uma forte oposição dos líderes empresariais. Como já foi discutido, pleno emprego duradouro não é de todo o seu grado. Os trabalhadores sairiam do “controle” e os “capitães da indústria” ficariam ansiosos para “ensinar-lhes uma lição”. Ademais, o aumento de preços na retomada é uma desvantagem dos pequenos e grandes rentistas, e torna-os “cansados de crescimento”.

Nesta situação, uma poderosa aliança é provável de se formar entre as grandes corporações e os interesses rentistas, e que provavelmente há de se encontrar mais de um economista para declarar que a situação era manifestamente frágil. A pressão de todas essas forças, e em particular das grandes corporações – como regra, influentes em setores do governo – muito provavelmente induzirá o governo a voltar para a política ortodoxa de reduzir o deficit orçamentário. A recessão se seguiria quando a política de gastos do governo voltaria a ser valorizada.

Este padrão de um ciclo de negócios político não é totalmente conjuntural; algo bastante similar ocorreu nos EUA em 1937-8. A derrubada do crescimento na segunda metade de 1937 foi na realidade causada pela drástica redução do deficit orçamentário. Por outro lado, na recessão aguda que se seguiu, o governo imediatamente reverteu para uma política de gastos.

O regime do ciclo de negócios político seria uma restauração do artificial da posição existente no capitalismo do século dezenove. O pleno emprego só seria alcançado no topo do crescimento, porém as recessões seriam relativamente suaves e curtas.


Deveria um progressista ficar satisfeito com o ciclo de negócios político da forma como descrito na seção anterior? Acho que a isto deveríamos nos opor em dois níveis: (1) que isto não assegura um pleno emprego duradouro; (2) que esta intervenção governamental está associada ao investimento público que não abarca o subsídio ao consumo. O que as massas demandam agora não é a mitigação da recessão, mas sua abolição total. Nem deveria a consequente utilização mais completa dos recursos ser feita em investimentos públicos não desejados apenas para gerar emprego. O programa de gastos governamentais deveria estar dedicado apenas ao investimento público de fato necessário. O resto do gasto público necessário para manter o pleno emprego deveria ser usado para subsidiar o consumo (através de transferências às famílias, pensões e aposentadorias, redução dos impostos indiretos e subsídios aos bens de primeira necessidade). Os opositores deste tipo de gasto governamental alegam que o governo não terá, então, nenhuma contrapartida ao seu dinheiro. A resposta é que a contrapartida deste dispêndio é o maior padrão de vida das massas. Este não é propósito de toda a atividade econômica?

“O capitalismo do pleno emprego” claramente evoluirá para novas instituições políticas e sociais que refletirão o crescente poder da classe trabalhadora. Se o capitalismo puder se ajustar ao pleno emprego, uma reforma fundamental terá sido incorporada nele. Caso contrário, se mostrará um sistema ultrapassado que deverá ser descartado.

Entretanto, lutar pelo pleno emprego pode levar ao fascismo? Talvez o capitalismo se ajuste ao pleno emprego no caminho? Isto parece extremamente improvável. O fascismo surgiu na Alemanha diante de um cenário de desemprego tremendo, e se manteve no poder assegurando o pleno emprego enquanto a democracia capitalista fracassou neste objetivo. A luta das forças progressistas pelo emprego de todos é ao mesmo tempo uma maneira de se prevenir a reincidência do fascismo.

Sobre o autor

Michał Kalecki (1899-1970) foi um economista polonês.

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