3 de novembro de 2018

A hora mais escura

Ao alcançar o governo com respaldo popular, projeto autoritário parece prenunciar um golpe contra a liberdade

André Singer


Apoiadores do candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) participam de manifestação na Avenida Paulista, São Paulo. Paulo Whitaker / Reuters

Domingo, 28 de outubro. Vou à janela e não enxergo tanques. Ligo a televisão e ouço o presidente eleito jurar que o seu “governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade”. No dia seguinte, abro o jornal e leio que a Folha se declara “confiante na Constituição de 1988, na força da democracia brasileira e na construção de um país para todos”.

Por que, então, a vitória de Jair Bolsonaro, com 58 milhões de votos sobre 47 milhões de Fernando Haddad, me parece prenunciar um golpe contra a liberdade? Porque um projeto autoritário alcançou o governo com respaldo popular. E, do ponto de vista da hegemonia, a maioria nas urnas dá mais poder aos antidemocratas do que os tanques de 1964.

“Mas veja”, me dizem colegas, “aí estão as instituições democráticas, funcionando a pleno vapor para preservar o Estado de Direito”. Por exemplo: ao entrevistar o novo presidente na segunda (29), William Bonner, editor-chefe do Jornal Nacional, defendeu a Folha, criticada pelo mandatário. Exercício pleno da liberdade de opinião.

Depois, na quarta (31), o Supremo Tribunal Federal (STF) referendou por unanimidade uma liminar provocada pela Procuradoria-Geral da República, segundo a qual, invadir universidades lesa “os direitos fundamentais de liberdade de manifestação do pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica, de comunicação e de reunião, previstos no artigo 5º da Constituição”.

Ocorre que no jogo que se começará a jogar em 1º de janeiro de 2019, a força promete falar mais alto do que a retórica. Durante a referida entrevista à Rede Globo, Bolsonaro anunciou uma guerra contra a Folha. Não apenas a chamou de mentirosa, como deu a entender que, em sua gestão, o jornal teria cortada a “propaganda oficial”. Quer, assim, sufocar economicamente a imprensa incômoda, que, aliás, ele proibiu de entrar na sua coletiva da quinta (1º/11).

Para completar, o capitão reformado entregou um superministério da Justiça para Sergio Moro, que teve a falta de juízo (passe o trocadilho) de aceitar. Em um mesmo passo, derrubou a aparência técnica da Operação Lava Jato e deu ao magistrado de Curitiba o comando dos instrumentos policiais da União. Com o gesto, Bolsonaro e Moro deixaram simultaneamente claro de que lado estava o Partido da Justiça e o que se deve esperar em matéria de perseguição político-judicial daqui a pouco.

Bolsonaro aquece os aviões para o bombardeio das cidadelas democráticas. Depois da derrota de domingo, de onde virá a energia para erguer um dique e deter a onda autoritária? Seremos agora capazes de construir a frente democrática que brilhou pela ausência durante a eleição?

Sobre o autor


Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

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