24 de novembro de 2018

Primeiro alvo

Votação do Escola sem Partido na Câmara promete ser a estreia de uma longa guerra de valores

André Singer



O pragmatismo de Jair Bolsonaro na organização do futuro gabinete empacou na porta das salas de aula. Durante 24 dias, as inúmeras contradições da arquitetura presidencial foram sendo contornadas de maneira ambígua. Quando chegou ao ensino, entretanto, religiosos obrigaram o capitão reformado a bater continência para o fundamentalismo.

Na quarta (21), praticamente certo na chefia do MEC, a ponto de ser anunciado por grandes veículos de comunicação, o educador Mozart Neves Ramos foi posto abaixo por não ser posicionado o suficiente. Porta-voz do "derruba ministro", o deputado evangélico Sóstenes Cavalcanti (MDB-RJ) foi claro: "Para nós, o novo governo pode errar em qualquer ministério, menos no da Educação, que é uma questão ideológica".

No dia seguinte, foi anunciada a escolha de Ricardo Vélez Rodriguez, para quem existe "uma instrumentalização da educação em aras de um socialismo vácuo".

Na economia, escolhas ambivalentes de Paulo Guedes têm sido toleradas pela base bolsonariana. Um ex-ministro com passado dilmista, Joaquim Levy, emplacou no BNDES. O novo presidente da Petrobras, que descartou a privatização in limine da companhia, foi recebido com relativa indiferença. Desde que faça a reforma da Previdência e promova algum crescimento, o Posto Ipiranga será deixado em paz.

Na Justiça, Sergio Moro tem passado como gato sobre brasa. À revista IstoÉ, único meio a obter entrevista exclusiva do ex-juiz, ele declarou ter aceitado o cargo "para implementar uma agenda anticorrupção". Como justifica, então, o fato de sentar-se ao lado dos nomeados Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Teresa Cristina (Agricultura) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde), os três suspeitos de desvios? A pergunta não lhe foi feita e a resposta não parece interessar em demasia aos eleitores do futuro mandatário.

A grita em torno do titular da Educação, por outro lado, indica onde o calo aperta dentro da composição que elegeu o novo presidente. Ao trocar Ramos por Rodriguez, Bolsonaro sabe que comprará briga não só com a esquerda, mas com importantes setores do establishment cultural. Deve ter calculado, portanto, os ganhos que tal iniciativa lhe trará.

Movimento subterrâneo que veio à tona em junho de 2013, no bojo de manifestações que abrigaram da extrema esquerda à extrema direita, certo macartismo tupiniquim chega agora à Esplanada dos Ministérios. A votação do projeto de lei Escola sem Partido na Câmara dos Deputados, marcada para a próxima quinta, promete ser a estreia de uma longa guerra de valores. Tendo em vista o simbolismo envolvido, convém não subestimar o impacto desta primeira batalha.

Sobre o autor:

Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

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